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ECONOMIAS DE ESCALA NA SAÚDE SUPLEMENTAR BRASILEIRA: UM CAMINHO ALTERNATIVO PARA AMPLIAR A LUCRECONOMIAS DE ESCALA NA SAÚDE SUPLEMENTAR BRASILEIRA: UM CAMINHO ALTERNATIVO PARA AMPLIAR A LUCRATIVIDADEATIVIDADE

ECONOMIES OF SCALE IN BRAZILIAN SUPPLEMENTARY HEALTH: AN ALTERNATIVE PATH TO EXPAND PROFITABILITY

Rudolph Fabiano Alves Pedroza Teixeira
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Adriano Rodrigues
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Ricardo Fraga Lima
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil

ECONOMIAS DE ESCALA NA SAÚDE SUPLEMENTAR BRASILEIRA: UM CAMINHO ALTERNATIVO PARA AMPLIAR A LUCRECONOMIAS DE ESCALA NA SAÚDE SUPLEMENTAR BRASILEIRA: UM CAMINHO ALTERNATIVO PARA AMPLIAR A LUCRATIVIDADEATIVIDADE

Revista Catarinense da Ciência Contábil, vol. 20, pp. 1-17, 2021

Conselho Regional de Contabilidade de Santa Catarina

Recepción: 14 Agosto 2021

Revisado: 29 Septiembre 2021

Aprobación: 25 Octubre 2021

Publicación: 19 Noviembre 2021

Resumo: A baixa lucratividade tem sido responsável pela insolvência de um grande número de operadoras de planos de saúde (OPS) nos últimos anos, o que requer, cada vez mais, que essas entidades avaliem quais serviços podem ser otimizados sem comprometer suas atividades finalísticas. Uma resposta para esse problema pode estar no adequado dimensionamento das atividades-meio. Sendo assim, o objetivo do presente estudo é analisar as economias de escala nas atividades-meio das operadoras de planos de saúde brasileiras. Na vigência de tais economias pode-se considerar que as operadoras possuem margem para diluírem suas despesas de cunho administrativo, sugerindo que a lucratividade pode ser ampliada sem a necessidade de grandes aumentos nos preços, o que pode garantir a sobrevivência das empresas do setor sem penalizar seus clientes. Para tanto, foram estimadas regressões de dados em painel com Efeitos Aleatórios (EA), Efeitos Fixos (EF) e pooled, considerando 5.185 observações para o período 2011-2018. Os resultados encontrados pela estimação da função de custo total foram favoráveis à hipótese de economias de escala no setor de saúde suplementar. Também foi possível verificar que o tipo de operadora e a localização geográfica da sede administrativa dessas entidades contribuem com o efeito escala em maior ou menor grau. Esses resultados evidenciam que as economias de escala existentes no setor podem contribuir de forma relevante para a manutenção operacional e financeira de diversas OPS, trazendo uma alternativa para mitigar a baixa lucratividade dessas empresas.

Palavras-chave: Despesas Administrativas, Economias de Escala, Lucratividade, OPS.

Abstract: Low profitability has been responsible for the insolvency of a large number of health plan operators (HPO) in recent years, which increasingly requires these entities to assess which services can be optimized without compromising their final activities. An answer to this problem may lie in the adequate dimensioning of support activities. Therefore, the aim of this study is to investigate the economies of scale in the support activities of Brazilian HPO. In the presence of such economies, it can be considered that operators have room to dilute their administrative expenses, suggesting that profitability can be increased without the need for large price increases, which can guarantee the survival of companies in the sector without penalizing their customers. For this purpose, panel data regressions with Random Effects (RE), Fixed Effects (FE) and pooled were estimated, considering 5,185 observations for the period 2011 – 2018. The results found by estimating the total cost function were favorable to the hypothesis of economies of scale in the supplementary health sector. Finally, it was also possible to verify that the type of operator and the geographic location of the administrative headquarters of these entities contribute to the scale effect to a greater or lesser extent. These results show that the economies of scale existing in the sector can significantly contribute to the operational and financial maintenance of various HPO, providing an alternative to mitigate the low profitability of these companies.

Keywords: Administrative Expenses, Economies of Scale, Profitability, HPO.

1 INTRODUÇÃO

O setor de saúde suplementar brasileiro congrega as entidades operadoras de planos de saúde (OPS), que disponibilizam ações de assistência aos seus clientes beneficiários, por intermédio de prestadores conveniados de serviços médicos, hospitalares, ambulatoriais, laboratoriais e afins, na forma de pessoas físicas ou jurídicas (Sancovschi, Macedo & Silva, 2014).

De acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o citado setor contava ao final de 2020 com 47,6 milhões de usuários, atendidos por 702 operadoras, distribuídas entre todas as regiões brasileiras, que foram responsáveis por uma receita total consolidada da ordem de R$ 238,3 bilhões e um lucro líquido de quase R$ 17,6 bilhões (ANS, 2021a). Tais dados mostram a importância da saúde suplementar para a economia e o bem-estar de grande parte da população brasileira, refletindo o potencial dos danos que podem ser causados em decorrência de quaisquer problemas com as OPS.

Em entrevista à Gazeta Mercantil publicada em 21 de janeiro de 2005, o então presidente da ANS afirmou que cerca de 300 operadoras de planos de saúde enfrentavam, à época, dificuldades financeiras significativas (Guimarães & Alves, 2009, p. 460). Dados extraídos do site da ANS mostram que até o agosto de 2021, 222 OPS já tinham decretado falência ou situação de insolvência e 21operadoras se encontravam em liquidação extrajudicial (ANS, 2021b).

Esses números são explicados em grande medida pelos custos crescentes a que estão sujeitas às OPS, pressionados pela chamada “inflação médica”. Desde 1999 a Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde) alega que as despesas das operadoras têm crescido muito, sendo necessários reajustes importantes nos preços dos planos de saúde para mitigar os riscos de insolvência no médio e no longo prazo (Sindicato das Empresas de Seguros e Resseguros [SINDSEGSP], 2013). Tais alegações possuem fundamentação, pois Araújo e Silva (2018) constataram decréscimo na margem de lucro das OPS para o período 2003-2014.

Todavia, a pergunta que surge é: “Será que o efeito escala não poderia contribuir, pelo menos em parte, como uma solução para o problema dos custos crescentes e da baixa lucratividade das OPS?”. Uma resposta para essa questão pode ser encontrada nas despesas administrativas dessas entidades, que estão sujeitas a maior previsibilidade e controle (Silva, Saraiva, Ferreira, Peixoto & Ferreira, 2020).

Como as despesas administrativas se relacionam às atividades-meio é mais fácil que reestruturações organizacionais ocorram no âmbito administrativo, pelas possibilidades de economias de escala em decorrência da racionalização de processos, do que em atividades finalísticas, que são mais sensíveis e sujeitas a eventos de cunho aleatório (Caetano, Boueri & Sacshida, 2015; Teixeira & Rodrigues, 2021).

O objetivo do presente estudo é analisar as economias de escala nas atividades-meio das operadoras de planos de saúde brasileiras. Para tanto, serão utilizados três blocos de variáveis: a) o primeiro composto pela base de clientes; b) o segundo retratando os efeitos da modalidade ou tipo de operadora; e c) o último sendo responsável por capturar a influência da localização geográfica sobre os custos administrativos dessas entidades.

A presente pesquisa é relevante, pois como o setor de saúde suplementar é caraterizado por uma baixa lucratividade (Araújo & Silva, 2018), a reestruturação organizacional das atividades-meio das OPS pode ajudá-las a melhorar seus resultados, mitigando situações de insolvência e os riscos relacionados à continuidade operacional dos negócios, o que acaba beneficiando empregados, clientes, fornecedores e toda uma gama de prestadores de serviços.

Nesse sentido, é importante destacar que investigações quanto às economias de escala em operadoras privadas de saúde já foram realizadas em outros mercados, principalmente o americano e o inglês, como em Bernet e Singh (2015), Born, Hughen e Sirmans (2020) e Freeman, Savva e Scholes (2020). No entanto, muito pouco se conhece sobre o assunto no Brasil o que torna o tema relevante de ser pesquisado.

Sendo assim, caso as despesas administrativas das OPS cresçam de forma menos que proporcional ao seu número de clientes (tamanho), dependam do tipo ou modalidade de operadora e da localização geográfica de sua sede administrativa (aglomerações econômicas) será possível argumentar que o setor de saúde suplementar brasileiro apresenta evidências de economias de escala em suas atividades administrativas, indicando que uso racional da ociosidade nas atividades-meio pode beneficiar as operadoras e seus clientes, melhorando a lucratividade das primeiras e mitigando ou até mesmo eliminando a necessidade de reajustes nos preços acima da inflação para os últimos.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Economias de Escala

Uma das maneiras de se verificar a eficiência operacional de uma empresa reside em uma análise quanto a eventuais economias de escala (ou rendimentos crescentes de escala) nos seus processos produtivos e\ou nas suas atividades administrativas (Varian, 2015). A origem dessas economias está intimamente vinculada à expansão da produção, na presença de capacidade ociosa, que seria a responsável por reduzir os custos unitários elevando a lucratividade das firmas (Besanko, Dranove, Shanley & Schaefer, 2009).

A explicação desse fenômeno pode ser encontrada na fórmula do custo total (CT) ou custo misto (CM), que é decomposta em uma parcela representada pelos custos fixos (CF) e uma outra constituída pelos custos variáveis (CV). Ou seja, o custo total nas firmas pode ser expresso da seguinte maneira CT = CF + CV.

Como o próprio nome diz, o custo fixo é um custo que permanece constante, independente de alterações no nível de atividade da empresa. São exemplos de custos fixos os aluguéis, as depreciações, os impostos sobre propriedades e os salários administrativos. Já os custos variáveis se modificam em proporção direta ao nível de atividade. São exemplos de custos variáveis os custos dos produtos vendidos, mão de obra direta, materiais diretos, energia elétrica e despesas de vendas e administrativas (Garrison, Noreen & Brewer, 2013).

Quando os dois lados da equação do custo total são divididos pela quantidade produzida (.), surge a fórmula de custo total médio (CTMe), que é desdobrada nos elementos custo fixo médio (CFMe) e custo variável médio (CVMe), isto é, CTMe= CFMe + CVMe.

Essa equação mostra que enquanto a capacidade ociosa da firma perdurar (análise de curto prazo), o custo variável médio permanecerá constante por unidade produzida. Por sua vez, à medida que o nível de atividade aumentar, os custos fixos médios diminuirão, ocorrendo o oposto para uma retração no nível de produção (Pindyck & Rubinfeld, 2013).

Por exemplo, se o custo unitário de um raio X de tórax for de R$ 25,00 para um hospital, esse é seu custo variável médio. Ao se multiplicar o CVMe pelo número de clientes (.) submetidos a tal exame em um determinado dia é obtido o CV. No caso de um leito hospitalar que possui um custo fixo, isto é, uma diária de R$ 5.000,00, seu CFMe será função do número de pessoas que estiverem compartilhando esse espaço. Desse modo, se somente uma pessoa utilizar o leito seu custo fixo médio será de R$ 5.000,00; com duas pessoas o preço custo fixo médio cairá para R$ 2.500,00 e, assim, sucessivamente até que o limite do local seja atingido.

As economias de escala conseguem explicar porque algumas firmas são mais lucrativas ou rentáveis do que outras. Por meio dessas economias é possível maximizar o lucro à medida que a quantidade produzida aumenta, pois alguns processos tornam-se mais produtivos somente em grande escala, por proporcionarem reduções nos custos médios de produção em decorrência dos custos fixos serem rateados pelas unidades produzidas e os custos variáveis crescerem de forma constante com o volume produzido. Isso pode ser observado quando todos os insumos são duplicados e o custo aumenta em proporção menor que o dos insumos (Vendruscolo & Alves, 2009).

Assim, para que haja evidências de economias de escala em um setor, é preciso que seus custos produtivos ou suas despesas com a prestação de serviços sofram incrementos menos que proporcionais a um aumento na produção, indicando que a geração de uma unidade a mais de produto ou serviço possui a capacidade de reduzir o seu custo marginal (Caetano et al., 2015; Cunha, 2018). De acordo com Besanko et al. (2009) existem três comportamentos básicos para as curvas de custos unitários que são capazes de retratar a ocorrência de economias de escala nas empresas, conforme a Figura 1.

Comportamentos Possíveis das Curvas de Custos em Economias de Escala
Figura 1
Comportamentos Possíveis das Curvas de Custos em Economias de Escala
Fonte: Teixeira, R. F. A. P., & Rodrigues, A. (2021).

A primeira curva da Figura 1, da esquerda para direita, é a em forma de “L” que corresponde a queda do custo unitário ou médio em decorrência de incrementos na produção até a quantidade Q1

, onde, a partir dessa, a empresa passaria a operar sempre no seu custo mínimo. Já a segunda é conhecida como curva de custo médio monotonicamente decrescente, na qual as economias de escala perduram indefinidamente por toda produção, inexistindo restrições ao processo produtivo. Por fim, a terceira curva de custos possui a forma de “U”, indicando que aumentos da produção proporcionam custos decrescentes somente até a quantidade Q1

, onde, a partir dessa, novas unidades produzidas representariam incrementos de custos (Teixeira & Rodrigues, 2021).

Em empresas de produção ou prestação de serviços em massa, como é o caso das operadoras de saúde, os custos unitários se tornam relativamente baixos apenas com uma grande quantidade produzida (Varian, 2015). Sendo assim, as firmas que conseguirem um aumento no volume de produção, sem aumentar os seus custos fixos, obterão ganhos de escala (Hogendorn, 1975). Já o oposto ocorre com as deseconomias de escala ou rendimentos decrescentes de escala, em que o custo total médio se expande mais que proporcionalmente à medida que o produto aumenta (Besanko et al., 2009).

Para Wessels (2002), um dos motivos para a existência de rendimentos crescentes de escala é que muitos processos de produção exigem uma grande escala para funcionarem eficazmente. A divisão do trabalho, ou seja, a especialização dos empregados na execução de uma ou poucas tarefas (Mas-colell, Whinston & Green 1995), as características particulares de algumas firmas (Varian, 2015) e a localização geográfica das entidades (Fujita, Krugman & Venables, 1999), também são citadas como indutoras das economias de escala.

Por outro lado, uma das principais razões para as deseconomias de escala é que, com o crescimento persistente das empresas, essas se tornam mais difíceis de serem administradas (Wessels, 2002). A escassez de pessoal qualificado, o luxo nos edifícios corporativos e os altos salários dos executivos também podem gerar custos adicionais às grandes empresas (Griffin & Tversky, 1992).

Em outras palavras, quando existe capacidade ociosa dos fatores fixos de produção, o crescimento das atividades permite a ocorrência das economias de escala. Por sua vez, quando essa capacidade ociosa chega ao seu limite os fatores fixos de produção passam a representar gargalos produtivos, gerando deseconomias de escala (Varian, 2015).

Considerando alguns estudos que trataram da questão das economias de escala, Oliveira, Amaral e Silva (2003) apresentaram um estudo empírico sobre economias de escala nos bancos brasileiros entre 1997 e 2001. No trabalho foram utilizados dados econômico-financeiros das demonstrações financeiras de 85 bancos comerciais e múltiplos. Os modelos utilizados no estudo foram: função de custo e função de lucro, ambas estimadas por regressão múltipla e análise tabular. Como resultado, foi detectada a presença de economias de escala. Além disso, na análise estratificada para bancos de pequeno porte foram encontrados indícios de retornos crescentes de escala.

Vendruscolo e Alves (2009) verificaram se as operadoras de telefonia móvel brasileiras estavam usufruindo de economias de escala por meio da análise da função custo polinomial e das curvas de custos, com um modelo para dados em painel referente ao período 1998-2005. Os resultados estimados da função custo revelaram que a produção com base no número de clientes apresentou retornos crescentes de escala no setor.

Bernet e Singh (2015) avaliaram a presença de economias de escala na operação de unidades locais de saúde pública no estado da Flórida (Estados Unidos), durante o período 2008 – 2010, considerando cinco atividades básicas de saúde pública: vigilância e investigação de doenças transmissíveis; prevenção de doenças crônicas; serviços de higiene alimentar; tratamento de esgoto no local e serviços de descarte; e serviços de registros vitais. De forma geral os resultados confirmaram que as unidades locais de saúde pública da Flórida apresentam economias de escala, indicando que o atendimento de um número maior de pessoas consegue reduzir os custos unitários dos serviços prestados. Lima e Silveira Neto (2017) analisaram os efeitos do processo de descentralização administrativa, que culminou na criação 1.016 novos municípios no Brasil na década de 90. Os autores utilizaram dados do período 1991 – 2000, com base na metodologia do estimador de diferenças em diferenças. Os resultados mostraram que os municípios que passaram pelo processo de secessão ampliaram suas despesas de capital per capita em 14,7%, evidenciando que o aumento nas despesas municipais pode ser explicado pela redução das economias de escala.

O trabalho de Cunha (2018) com base em dados do período 2010-2014 estimou alguns modelos para tentar explicar as despesas administrativas das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) brasileiras ou fundos de pensão. Em todas as modelagens os achados confirmaram que as principais variáveis explicativas, isto é, o total de ativos financeiros (proxy para a gestão financeira), total de participantes (proxy para a gestão previdencial) e a localização geográfica (efeito regional) resultaram em economias de escala.

Bernardelli, Kortt e Dollery (2019) investigaram se uma redução na quantidade de municípios no estado do Paraná (Brasil) proporcionaria economias de escala para o citado governo estadual. Com base em um conjunto de dados em painel, que cobre o período 2002-2017, os autores encontraram que as despesas municipais são caracterizadas por substanciais economias de escala, confirmando que consolidações municipais podem levar a menores despesas per capita.

Outro estudo interessante é o de Born et al. (2020), que examinaram se as três maiores seguradoras privadas de saúde dos Estados Unidos apresentavam diferenças em relação às demais seguradoras do mesmo ramo, para as variáveis prêmio per capita, sinistros e despesas operacionais, usando dados do período 2010-2018. Os achados não revelaram diferenças estatisticamente significativas para o prêmio per capita e os sinistros ocorridos. Todavia, foi possível verificar economias de escala nas despesas operacionais das três maiores seguradoras em relação às demais, o que traz evidências de que as primeiras já estão atuando próximas ao limite da eficiência.

Por fim, Freeman et al. (2020) buscaram verificar a existência de economias de escala e transbordamento entre o número de internações voluntárias e de emergência nos hospitais ingleses durante o período 2007-2016. Foram encontradas evidências de que incrementos nas internações de emergência para um tipo de atendimento reduzem os custos nas demais modalidades de internações de emergência. Por outro lado, o oposto foi verificado para aumentos nas internações voluntárias em relação às internações de emergência (deseconomias de escala).

2.2. Estatísticas da Saúde Suplementar e Hipóteses de Pesquisa

De maneira resumida as OPS que atuam com planos privados de saúde são divididas em cinco categorias: autogestão, cooperativas médicas, filantropia, seguradoras especializadas em saúde e medicina de grupo (Resolução de Diretoria Colegiada ANS n.º 39, 2000). As OPS em autogestão oferecem serviços de assistência saúde para empregados e seus dependentes, ex-empregados, aposentados e pensionistas de empresas ou grupo de empresas e, para participantes e dependentes de fundações, sindicatos e entidades de classe (Resolução Normativa ANS n.º 137, 2006). As cooperativas médicas e filantropias são OPS sem fins lucrativos, com a diferença de que as últimas devem ser certificadas como entidades filantrópicas junto ao Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e declaradas como de utilidade pública perante o Ministério da Justiça (MJ) ou junto a órgãos dos governos estaduais e municipais (Resolução de Diretoria Colegiada ANS n.º 39, 2000). As seguradoras especializadas em saúde só podem operar no segmento de saúde, devendo seu estatuto social vedar atuação em qualquer outro ramo ou modalidade (Lei n.º 10.185, 2001). Já os demais tipos de OPS são classificados como medicina de grupo (Resolução de Diretoria Colegiada ANS n.º 39, 2000).

Para que a dimensão do mercado brasileiro de saúde suplementar possa ser melhor compreendida foram calculadas algumas estatísticas. Os dados referem-se ao ano de 2018 e as estatísticas são apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1
Estatísticas das OPS em 2018
DescriçãoTipo de Operadora
AutogestãoCooperativa MédicaFilantropiaSeguradora Especializada em SaúdeMedicina de Grupo
Receita Total (R$ bilhões)26,4371,565,8946,0263,27
Despesa Total (R$ bilhões)25,3568,145,6842,5260,03
Lucro Total (R$ bilhões)1,083,420,213,503,24
Despesas Administrativas (R$ bilhões)2,136,750,992,176,58
Número de Clientes (milhões)3,5517,150,876,0117,78
Receita per capita (R$ mil)7,454,176,747,663,56
Despesa per capita (R$ mil)7,153,976,507,083,38
Lucro per capita (R$ mil)0,300,200,240,580,18
Despesas Administrativas per capita (R$ mil)0,600,391,130,360,37
Despesas Administrativas/Despesa Total8,40%9,91%17,43%5,10%10,96%
Número de Total de OPS118275379224
Despesas Administrativas/Nº OPS (R$ milhões)18,0524,5526,76241,1129,38
OPS com sede na Região Centro-Oeste17240013
OPS com sede na Região Nordeste19300022
OPS com sede na Região Norte311104
OPS com sede na Região Sudeste59150299150
OPS com sede na Região Sul20607035
Fonte: Elaboração dos autores com base em ANS (2019).

É possível verificar na Tabela 1 que a saúde suplementar brasileira, apesar de ter auferido em 2018 uma receita total bruta de R$ 213,17 bilhões, conseguiu converter apenas R$ 11,45 bilhões em lucro, o que representou uma média de R$ 17,3 milhões por OPS.

Esse número torna-se mais modesto quando é apurado o lucro médio anual por cliente ou per capita das OPS, que foi de aproximadamente R$ 300,00 em 2018, com tal valor variando desde R$ 180,00 para as OPS em medicina de grupo até R$ 580,00 para as seguradoras de saúde, o que realmente caracteriza o setor como de baixa lucratividade.

A baixa lucratividade das OPS chama ainda mais atenção quando comparada com a média das suas despesas administrativas per capita, que foi em torno de R$ 620,00, com as seguradoras tendo os menores custos administrativos (R$ 360,00) e as entidades filantrópicas os maiores (R$ 1.130,00). Ou seja, esses números mostram que a estrutura administrativa média das OPS é muito cara, mormente, considerando o fato dessa ser vinculada a uma atividade meio e não a uma atividade fim.

Assim, uma possibilidade para mitigar as despesas administrativas das OPS reside nas economias de escala pelo aumento da base de clientes dessas entidades, o que se traduz na redução da despesa per capita. Essas economias já foram constatadas no Brasil para os setores bancário (Oliveira et al., 2003), de telefonia móvel (Vendruscolo & Alves, 2009) e na previdência complementar fechada (Cunha, 2018; Teixeira & Rodrigues, 2021), mas ainda carecem de pesquisa na saúde suplementar. Desse modo, desenvolveu-se a hipótese (H1) de pesquisa.

H1: Existem economias de escala nas OPS brasileiras se suas despesas administrativas crescerem menos que proporcionalmente ao seu número de clientes.

Na vigência dessa hipótese as OPS teriam a oportunidade de racionalizar suas atividades-meio, obtendo ganhos que poderiam ser convertidos em: a) maior lucratividade sem a necessidade de aumentarem seus preços, beneficiando seus clientes; b) melhor margem de segurança contra insolvência; c) redirecionamento de recursos para as atividades finalísticas, quando necessário; e d) constituição de fundos contra eventos de alta severidade, conforme previsto no capítulo IV do Anexo a Resolução Normativa ANS n.º 435, de 23 de novembro de 2018, principalmente, se considerado um cenário adverso de pandemia ou crise na saúde.

Com relação ao percentual de despesas administrativas sobre as despesas totais, é possível observar uma grande assimetria entre os diferentes tipos de operadoras. As seguradoras especializadas em saúde, que são as maiores entidades do setor em termos de tamanho, gastaram em média 5,10% de suas despesas com a manutenção de suas estruturas administrativas em 2018, ao passo que todas as demais apresentaram percentuais superiores a este. Isso significa que as primeiras já operam próximas de sua fronteira de possibilidades de produção, o que sugere que todas as demais modalidades de OPS ainda teriam economias de escala para serem exploradas, conforme identificado de forma análoga por Oliveira et al. (2003) para as empresas de pequeno porte do setor bancário brasileiro e Born et al. (2020) para o conjunto das menores seguradoras americanas privadas de saúde. Sendo assim, desenvolveu-se a hipótese (H2):

H2: As OPS em autogestão, cooperativas médicas, entidades filantrópicas e as de medicina de grupo possuem maiores economias de escala inexploradas, se comparadas às seguradoras especializadas em saúde.

Já outra constatação interessante refere-se à distribuição espacial das OPS, que foi realizada segundo a localização geográfica das sedes administrativas dessas entidades. A intenção desse método é verificar as perspectivas de economias de escala, com base nos efeitos oriundos das aglomerações econômicas sobre as atividades administrativas (Fujita et al., 1999). Conforme a Tabela 1, enquanto quase 60% das operadoras possuem suas sedes administrativas localizadas na região Sudeste, no outro extremo tem-se que somente 3% das OPS mantêm suas sedes na região Norte. Destarte, espera-se que a região Sudeste por ser a detentora do maior Produto Interno Bruto (PIB), por contar com grandes economias de aglomeração pela abundância de fatores produtivos (Azzoni, 2013; Lima & Lima, 2016) e por possuir as operadoras de saúde que tendem a distribuir uma parcela maior de seus resultados (Avelar, Souza, Ferreira, Silva & Souza, 2020), apresente as OPS com as maiores economias de escala, o que é dado pela hipótese (H3):

H3: As OPS com sede administrativa na região Sudeste apresentam maiores economias de escala que as OPS com sede nas demais regiões do Brasil.

É relevante enfatizar que todas as hipóteses foram construídas com o propósito de capturar o potencial de economias de escala em três dimensões empresariais diferentes das OPS, a saber: número de clientes, tipo de operadora e localização geográfica da sede administrativa. Enquanto o incremento no número de clientes gera economias de escala porque as empresas possuem diversas atividades que operam de forma relativamente fixas, como auditoria interna, contabilidade, sistemas de informática e conformidade etc. (Caetano et al., 2015), o tipo de operadora captura as economias de escala pelas diferenças existentes entre as entidades (Silva & Loebel, 2016) e a localização da sede das OPS mensura as economias de escala relacionadas ao grau de desenvolvimento das diferentes regiões geográficas brasileiras (Azzoni, 2013; Lima & Lima, 2016).

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Foram utilizados no estudo dados anuais sobre as despesas administrativas das operadoras de saúde, encontrados em suas demonstrações contábeis, além de informações sobre seu número de clientes, o tipo de operadora e a localização da sua sede administrativa, para o período 2011-2018. Todos os dados foram coletados no site da ANS e estão disponíveis para consulta pelo público em geral. Como nem todas as OPS disponibilizaram informações completas à ANS nos anos analisados, a amostra final contou com 5.185 observações. A Tabela 2 resume a apuração da amostra final.

Tabela 2
Apuração da Amostra Final
DescriçãoQuantidade
Total de observações para operadoras de planos de saúde no período 2011-20189.726
(-) Observações de OPS com serviços exclusivamente odontológicos em 2011-2018(3.550)
(-) Observações de OPS com dados ausentes no período 2011-2018(986)
(-) Observações excluídas que não puderam ser logaritimizadas(5)
(=) Amostra Final de Observações de OPS no período 2011-20185.185
Fonte: Elaboração dos autores.

As 5.185 observações da amostra final foram assim compostas: 616 OPS para o ano de 2011; 631 OPS para o ano de 2012; 635 OPS para o ano de 2013; 650 OPS para o ano de 2014; 659 OPS para o ano de 2015; 665 OPS para o ano de 2016; 666 OPS para o ano de 2017 e 663 OPS para o ano de 2018.

Como os dados coletados combinam observações de corte transversal e séries de tempo, optou-se pela metodologia da econometria de dados em painel, que considera explicitamente a questão da heterogeneidade, com as diferenças individuais entre as unidades estudadas sendo formalmente capturadas (Gujarati & Porter, 2011).

As variáveis quantitativas consideradas no estudo revelaram uma distribuição log-normal, o que invalida a hipótese de normalidade. Assim, para mitigar tal problema, essas variáveis foram logaritimizadas (ln). A esse respeito, Gujarati e Porter (2011) lembram que uma das vantagens de se estimar uma regressão do tipo log-log é que os coeficientes das variáveis explicativas possuem a propriedade de medir a elasticidade ou a variação percentual de uma unidade, na variável dependente.

O modelo empírico proposto é de caráter exploratório e sua formulação foi elaborada como uma função custo, com as despesas administrativas assumindo o papel de produto e os insumos sendo dados pelo número de clientes das OPS, o tipo de operadora e sua localização geográfica, conforme a equação (1) a seguir:

em que i refere-se a OPS e t ao tempo. A variável dependente lnDespAdm, diz respeito ao logaritmo natural das despesas administrativas, representando o custo total; o coeficiente captura a parcela do custo fixo e; a principal variável explanatória, que é o logaritmo natural do número de clientes lnCli, exprime o custo variável. As demais variáveis da equação são: dummy para OPS na modalidade de autogestão; dummy para OPS na modalidade de cooperativa médica; dummy para OPS na modalidade de filantropia; dummy para OPS na modalidade de medicina de grupo; dummy para OPS com sede na região Norte; dummy para OPS com sede na região Nordeste; dummy para OPS com sede na região Sul e; dummy para OPS com sede na região Centro-Oeste. A Tabela 3 sintetiza as variáveis utilizadas.

Tabela 3
Variáveis Utilizadas
VariávelDescriçãoSinal EsperadoReferencial Teórico
lnCliLogaritmo natural do número de clientes+Oliveira et al. (2003); Vendruscolo e Alves (2009); Cunha (2018) e; Teixeira e Rodrigues (2021).
AutoGDummy para OPS na modalidade autogestão-Oliveira et al. (2003); Born et al. (2020).
CoopMedDummy para OPS na modalidade cooperativa médica-Oliveira et al. (2003); Born et al. (2020).
FilantDummy para OPS na modalidade filantropia-Oliveira et al. (2003); Born et al. (2020).
MedGrupDummy para OPS na modalidade medicina de grupo-Oliveira et al. (2003); Born et al. (2020).
NODummy para OPS com sede na região Norte+Azzoni (2013); Lima e Lima (2016) e; Avelar et al. (2020)
NEDummy para OPS com sede na região Nordeste+Azzoni (2013); Lima e Lima (2016) e; Avelar et al. (2020)
SUDummy para OPS com sede na região Sul+Azzoni (2013); Lima e Lima (2016) e; Avelar et al. (2020)
CODummy para OPS com sede na região Centro-Oeste+Azzoni (2013); Lima e Lima (2016) e; Avelar et al. (2020)
Fonte: Elaboração dos autores.

Caso o coeficiente do logaritmo natural do número de clientes seja inferior à unidade, isto é,< 1, pode-se afirmar que existem economias crescentes de escala nas OPS brasileiras, indicando que as despesas administrativas crescem menos que proporcionalmente ao número de clientes. Nesse cenário, a despesa média per capita declinaria até que os fatores fixos passassem a representar gargalos na prestação de serviços administrativos (Teixeira & Rodrigues, 2021). A Figura 2 demonstra como a variação no número de clientes das OPS influi em suas despesas administrativas per capita, de acordo com os dados coletados.

Evidências Iniciais de Economias de Escala nas OPS
Figura 2.
Evidências Iniciais de Economias de Escala nas OPS
Fonte: Elaboração dos autores.

A Figura 2 indica que os dados das OPS se comportam conforme o esperado pela teoria para uma curva de custos em formato de “U”, ou seja, aparentemente, o aumento no número de clientes leva a reduções nas despesas administrativas até um certo ponto (economias de escala), onde, a partir do qual, passariam a ocorrer incrementos nessas despesas (deseconomias de escala). No entanto, como o objetivo da pesquisa é analisar as economias de escala nas atividades-meio das operadoras de planos de saúde brasileiras, somente a parcela descendente da curva será investigada.

Com relação às variáveis dummies para o tipo de OPS, optou-se por adotar as seguradoras especializadas em saúde como a categoria base, já que essas são as que possuem as menores despesas administrativas em termos percentuais, operando mais próximas do limite de eficiência. Assim, é esperado que as demais modalidades de OPS, ou seja, autogestão, cooperativa médica, filantropia e medicina de grupo tenham maiores possibilidades de reduzir suas despesas administrativas (sinal negativo), se comparadas à categoria base.

Por fim, para as variáveis dummies geográficas, definiu-se a região Sudeste como a categoria base, pois essa é a localidade sujeita aos maiores ganhos de escala pelas economias de aglomeração, conforme Azzoni (2013) e Lima e Lima (2016). Além disso, é nessa região que se encontram as OPS que tendem a distribuir uma parcela maior de seus resultados (Avelar et al. 2020). Desse modo, espera-se que as OPS com sede administrativa fora dessa região apresentem menores economias de escala em suas despesas administrativas (sinal positivo).

4 RESULTADOS

Primeiramente foram calculadas as estatísticas descritivas da variável dependente lnDespAdm e da única variável independente quantitativa, lnCli, já que as demais variáveis explicativas testadas no modelo possuem caráter qualitativo (dummies). A Tabela 4 resume os resultados.

Tabela 4
Estatísticas Descritivas
VariáveisObservaçõesMédiaDesvio-PadrãoMínimoMáximo
lnDespAdm5.18515,671,494,0221,44
lnCli5.1859,691,720,0015,24
Fonte: Elaboração dos autores.Nota. lnDespAdm = logaritmo natural das despesas administrativas e lnCli = logaritmo natural do número de clientes.

Aplicando o antilogaritmo na variável dependente é possível verificar que a média das despesas administrativas das OPS no período 2011-2018 foi da ordem de R$ 6,43 milhões, com esse valor variando desde um mínimo de R$ 55,60 até um máximo de R$ 2,05 bilhões. Por sua vez, para a variável independente quantitativa, ao se efetuar o mesmo procedimento pôde-se constatar que a média de clientes das operadoras de saúde foi de 16.155 no período analisado, sendo que esse valor se encontrava no intervalo de 1 até 4.148.552.

Ao realizar a estimação de um primeiro modelo para a função custo das despesas administrativas das OPS, por Mínimos Quadrados Ordinários (MQO), foram identificados por meio de análises na função de densidade do kernel normal 225 pontos atípicos ou influentes (outliers) que precisaram ser removidos, pois estavam enviesando os coeficientes estimados.

Após a remoção desses outliers, o teste de normalidade Skewness/Kurtosis apresentou um χ² = 6,89 com um p-valor = 0,0320, o que não permite a rejeição da hipótese nula de normalidade a 1% de significância. Em seguida foi aplicado o teste de heterocedasticidade de Breush-Pagan, que resultou em um χ² = 352,33, com p-valor = 0,0000, o que levou a rejeição da hipótese nula de homoscedasticidade a 1% de significância. De maneira complementar, também foi efetuado o teste de autocorrelação de Wooldridge, que revelou um valor F = 416,39, com um p-valor = 0,0000, indicando autocorrelação de primeira ordem a 1%. Entretanto, para solucionar os problemas de heterocedasticidade e autocorrelação, adotou-se a correção baseada nos erros padrão-robustos proposta por White (1980) e que segue o trabalho de Huber (1967), também conhecido como procedimento de Huber-White. Com as correções realizadas, a estimação da equação (1) foi efetuada para os modelos pooled, efeitos fixos (EF) e efeitos aleatórios (EA).

Ao comparar os modelos pooled e EF, o teste de Chow apresentou um p-valor de 0,0000, o que é um argumento favorável ao segundo modelo. Já a comparação entre os modelos pooled e EA se deu pelo teste do Multiplicador de Lagrande de Breush-Pagan (BP), que resultou num p-valor próximo a 0,0000. Nessa situação, o modelo EA é superior ao modelo pooled.

Como ambos os modelos, EF e EA, se mostraram mais adequados que o modelo pooled foi realizado o teste de Schaffer e Stillman, que equivale ao teste de Hausman para estimações com erros-padrão robustos. Tal teste relevou um p-valor de 0,0000, evidenciando que o modelo EF é mais adequado para a base de dados em questão. De qualquer maneira, tendo em vista que esse é um estudo exploratório, optou-se por apresentar os resultados dos três modelos, isto é, pooled, EA e EF, como forma de verificar a robustez dos resultados, bem como, para auxiliar na construção de uma literatura empírica sobre o tema. A Tabela 5 sintetiza os modelos.

Todos os três modelos elaborados revelaram valores bastante elevados para o grau de ajuste da reta de regressão, com o modelo por EF apresentando um R² overall = 0,7648, o por EA um R² overall = 0,8083 e o pooled um R² = 0,8121, sendo que a estatística F de todos eles indicou que as variáveis em conjunto são significativas para modelagem.

Tabela 5
Resultados das Regressões
Variável Dependente = lnDespAdm
Variáveis IndependentesModelo PooledModelo EAModelo EF
Constante8,6609***10,0473***10,1005***
lnCli0,7769***0,6609***0,5705***
AutoG-0,4173***-0,7622***-
CoopMed-0,5504***-0,7424***-
Filant0,4143***0,0674-
MedGrup-0,8927***-1,1743***-
NO0,3703***0,3382***-
NE0,1609***0,1326**-
SU-0,0928***-0,1296**-
CO0,01160,0418-
Nº de observações4.9604.9604.960
Nº de grupos-675675
Estatística F1.363,521.410,81ᵇ266,58
0,81210,8083ᵃ0,7648ᵃ
Fonte: Elaboração dos autores.Nota. Heterocedasticidade e autocorrelação corrigidas pelo método dos erros padrão-robustos de Huber-White. lnCli = logaritmo natural do número de clientes; AutoG = autogestão; CoopMed = cooperativa médica; Filant = filantropia; MedGrup = medicina de grupo; NO = OPS sediadas na região Norte; NE = OPS sediadas na região Nordeste; SU = OPS sediadas na região Sul e; CO = OPS sediadas na região Centro-Oeste.

***Significante a 1% **significante a 5% e *significante a 10%

ᵃR² overall; ᵇestatística χ².

Com relação às variáveis explicativas, verificou-se que o coeficiente, referente à variável lnCli foi menor que a unidade e apresentou o sinal positivo esperado, sendo estatisticamente significante nos modelos desenvolvidos. Isso mostra que o número de clientes realmente é um fator chave para mitigar os custos administrativos das OPS, assim como ocorre nos mercados bancário (Oliveira et al., 2003); de telefonia móvel (Vendruscolo & Alves, 2009) e; no de previdência complementar fechada (Cunha, 2018; Teixeira & Rodrigues, 2021).

Em uma análise mais detalhada é possível constatar que as despesas administrativas das OPS brasileiras pelo modelo por EF aumentam em pouco mais de 0,57% para cada incremento de 1% no número de clientes, evidenciando a possibilidade de economias de escala no setor de saúde suplementar da ordem de 43% (1 – 0,57%), com esse coeficiente sendo 0,66% para o modelo por EA (economias de escala de 37%) e de quase 0,78% para o modelo pooled (economias de escala de 22%). Todos esses achados corroboram H1.

Por sua vez, como o modelo de efeitos fixos captura toda a heterogeneidade existente nos interceptos de cada unidade analisada, o mesmo não permite a utilização de variáveis dummies (Gujarati & Porter, 2011). Sendo assim, a análise de tais variáveis no presente estudo foi realizada para os demais modelos (EA e pooled), o que possibilita a verificação de H2 e H3.

O coeficiente da variável dummy para OPS em autogestão foi negativo e significativo nos modelos por EA e pooled, sugerindo que, em média, esse tipo de operadora detém maiores possibilidades de reduzir suas despesas administrativas se comparado à categoria base das seguradoras especializadas em saúde, que já operam mais próximas do limite de eficiência. Ao se calcular a mediana das despesas administrativas para as OPS em autogestão, conforme Gujarati e Porter (2011), encontra-se um potencial 53,34% maior de redução nas despesas administrativas segundo o modelo por EA, com esse percentual sendo de 34,12% para o modelo pooled.

O mesmo ocorre com as dummies para cooperativas médicas e OPS que operam na modalidade de medicina de grupo, sendo que ambas apresentaram coeficientes negativos e significativos. Enquanto as primeiras revelaram possibilidades 52,40% (EA) e 42,33% (pooled) maiores de reduzir suas despesas administrativas se equiparadas à categoria base, as segundas apresentaram chances 69,10% (EA) e 59,05% (pooled) maiores de reduzir as mesmas despesas.

Por outro lado, resultados opostos foram obtidos pelas entidades filantrópicas. O modelo pooled evidenciou que essas OPS possuem 51,33% menos chances de reduzir suas despesas administrativas se comparadas à categoria base, com essas chances sendo 6,97% menores para o modelo por EA. Contudo, para esse último modelo citado, o resultado não foi estatisticamente significativo. Sendo assim, H2 é confirmada para as OPS em autogestão, as cooperativas médicas e as entidades que operam com medicina de grupo.

De outra forma, é possível verificar que a maior parte dos tipos de operadoras que possuem um porte inferior ao das seguradoras usufruem de ociosidade em suas atividades-meio, o que configura potencial de economias de escala nas despesas administrativas dessas entidades. Vale destacar que de maneira análoga, Oliveira et al. (2003) já tinham constatado economias de escala inexploradas em bancos de pequeno porte vis-à-vis aos de grande porte, enquanto esse mesmo efeito foi verificado nos Estados Unidos por Born et al. (2020) para as menores seguradoras de saúde em relação às maiores.

Já as dummies para OPS com sede administrativa nas regiões Norte e Nordeste confirmaram as expectativas, sendo caracterizadas pelo sinal positivo e significância estatística. Pelo modelo por EA, as operadoras de saúde que se localizam nessas duas regiões tendem a possuir, respectivamente, em torno de 40,24% e 14,18% menos possibilidades de reduzir suas despesas administrativas que as OPS que se encontram na região Sudeste, com esses percentuais sendo de 44,82% e 17,46% quando considerado o modelo pooled.

Resultado oposto ao esperado foi obtido pelas OPS sediadas na região Sul. Em ambos os modelos, EA e pooled, os coeficientes para essa variável foram negativos e significativos, indicando que as OPS com sede nessa região possuem maiores economias de escala que as OPS sediadas na região Sudeste. Esse maior potencial de redução das despesas administrativas é de 12,16% para o modelo EA e 8,86% para o modelo pooled, sugerindo que outros fatores regionais podem estar influindo de forma mais intensa sobre as despesas administrativas das OPS da região Sul, que os efeitos decorrentes das aglomerações econômicas (Azzoni, 2013), do PIB (Lima & Lima, 2016) e dos resultados distribuídos pelas OPS (Avelar et al., 2020).

Por fim, os coeficientes para as dummies das operadoras com sede na região Centro-Oeste foram positivos nos modelos EA e pooled. No entanto, insignificantes do ponto de vista estatístico, o que ratifica H3 somente para as OPS das regiões Norte e Nordeste.

5 CONCLUSÕES

O objetivo do presente estudo foi analisar as economias de escala nas atividades-meio das operadoras de planos de saúde brasileiras. Na vigência de tais economias pode-se considerar que as operadoras possuem margem para diluírem suas despesas de cunho administrativo, evidenciando que a lucratividade pode ser ampliada sem a necessidade de grandes aumentos nos preços, o que pode garantir a sobrevivência das empresas do setor sem penalizar seus clientes.

Como foi possível constatar pela estimação dos modelos econométricos, as OPS apresentaram viabilidade de reduzir suas despesas administrativas entre 22% e 43% para cada aumento de 100% no número de clientes (diluição de custos). Além disso, pôde-se inferir que o tipo de operadora e a localização geográfica da sede administrativa influem de forma estatisticamente significante nas despesas administrativas. Os resultados evidenciaram que as OPS em autogestão, cooperativas médicas e medicina de grupo detém maiores perspectivas de redução em suas despesas administrativas, se comparadas às seguradoras especializadas em saúde que já operam próximas ao seu limite de eficiência. Por sua vez, averiguou-se que as OPS sediadas nas regiões Norte e Nordeste têm uma menor capacidade de reduzir essas mesmas despesas, se equiparadas às OPS com sede na região Sudeste, com esse movimento sendo em direção oposta para as operadoras com sede na região Sul.

Esses resultados mostram que as economias de escala existentes no setor de saúde suplementar podem contribuir de forma relevante para a manutenção da continuidade operacional e financeira de diversas OPS, trazendo uma alternativa para mitigar a baixa lucratividade do setor, a insatisfação de clientes, a insolvência e até mesmo auxiliar na constituição de fundos contra eventos de alta severidade, conforme previsto no capítulo IV do Anexo a Resolução Normativa ANS n.º 435, de 23 de novembro de 2018.

Uma limitação importante do estudo reside no fato de o mesmo ter efetuado apenas uma avaliação quanto às economias de escala. Como constatou-se na metodologia, os dados das operadoras de saúde aparentam se comportar na forma de “U”, sugerindo que a partir de uma determinada quantidade de clientes suas despesas administrativas começariam a aumentar novamente, acarretando em deseconomias de escala.

Nesse sentido, recomenda-se que trabalhos futuros tentem estimar outras formas funcionais para as despesas administrativas das OPS como, por exemplo, uma equação polinomial do segundo grau usando o número de clientes e sua versão quadrática como as principais variáveis explicativas. Com esse tipo de modelagem será possível a descoberta do número ideal de clientes que minimiza as despesas administrativas dessas operadoras, o que redunda na maximização do lucro ou das sobras de recursos para serem aplicados nas atividades finalísticas, permitindo a sustentabilidade financeira e operacional dessas entidades em cenários adversos, como os decorrentes de crises econômicas ou de saúde pública.

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