Resumo: Governança corporativa é um sistema, com base em boas práticas, que converte princípios em recomendações, pelas quais as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas a identificar e solucionar os conflitos de agência entre as partes interessadas. A corrupção é um conflito de agência que gera altos custos econômicos, sociais e políticos, para combatê-la ganha destaque a responsabilidade dos diferentes agentes de governança. Pela importância do tema para o bem comum e para o ambiente de negócios, este estudo verifica se as ações propostas no código brasileiro das melhores práticas em governança corporativa são eficazes para combater a fraude e a corrupção nas empresas. A pesquisa bibliográfica e documental revelou que os mecanismos de governança recomendados no Código das Melhores Práticas em Governança Corporativa, para inibir atos danosos ao patrimônio do principal, não são eficazes, por si só, para prevenir, reduzir ou combater a corrupção, por se tratarem de políticas de prevenção, diretrizes e orientações genéricas, não oferecendo roteiro passo a passo das ações a serem executadas pelas empresas.
Palavras-chave:Governança CorporativaGovernança Corporativa,Melhores práticasMelhores práticas,Corrupção nas empresasCorrupção nas empresas,IntegridadeIntegridade,Código de condutaCódigo de conduta,Comitê de éticaComitê de ética,Ética empresarialÉtica empresarial.
Abstract: Corporate governance is a system based on best practices that convert principles into recommendations by which organizations are directed, monitored and encouraged to identify and solve the agency conflicts between stakeholders. Corruption is an agency conflict that generates high economic costs, social and political, to combat it is highlighted the responsibility of different governance agents. The importance of this issue for the common good and for the business environment, this study verifies if the actions proposed in the Brazilian code of best practices in corporate governance are effective to combat fraud and corruption in companies. The bibliographic and documentary revealed that governance mechanisms recommended in the Code of Best Practice for Corporate Governance, to inhibit harmful acts to the assets of the principal, are not effective by itself to prevent, reduce or combat corruption, because they are preventive policies, guidelines and general guidelines, not offering step by step of actions to be performed by companies.
Keywords: Corporate governance, Best practices, Corruption in business, Integrity, Conduct code, Ethics Committee, Business ethics.
ARTIGOS
EFICÁCIA DAS MELHORES PRÁTICAS EM GOVERNANÇA CORPORATIVA NO COMBATE À CORRUPÇÃO.
EFFECTIVENESS OF BEST PRACTICES IN CORPORATE GOVERNANCE IN COMBATING CORRUPTION

Recepção: 07 Fevereiro 2016
Aprovação: 01 Abril 2016
Publicado: 01 Junho 2016
O surgimento da governança corporativa e o crescimento de sua importância devem-se às transformações econômicas, sociais e políticas ocorridas ao longo dos séculos XX e XXI. No século XX, as empresas progrediram em tamanho, tecnologia, complexidade, em meio a um mercado mais exigente de investimentos, requerendo a separação entre propriedade e controle (RIBEIRO; CORREA, 2012; NASSIFF, 2014). No século XXI, intensificaram-se as mudanças, cresceu a busca por financiamentos, surgiram escândalos e falências de grandes empresas, dentre outros, e, com isso, cresceu a demanda por instrumentos e práticas que sustentassem a longevidade das organizações (ANAIS CIUFSC, 2010; BRAMONT, 2012).
O conceito de governança envolve práticas e usos de direitos e deveres nas organizações, além de viabilizar sua gestão transparente e alinhada com a estratégia. O tema envolve a criação de mecanismos que assegurem decisões no melhor interesse de todas as partes interessadas (ANDRADE; ROSSETTI, 2006). Por sua importância para o crescimento dos negócios, sua prática ganha destaque nas ciências contábeis, competindo com os indicadores financeiros como fator de decisão dos investidores (NASCIMENTO et al., 2009 apud HORA et al., 2014).
A boa governança trouxe segurança para os negócios, deixando-os menos expostos aos riscos de gestão. É aplicável em organizações públicas e privadas, cada uma com seus focos específicos, porém ambas, norteadas pelos mesmos princípios básicos: transparência, equidade, cumprimento das leis, prestação de contas (accountability) e conduta ética (PEREIRA, 2010 apud HORA et al., 2014).
No Brasil, o movimento teve início em 1995, com a criação do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), e cresceu com a criação do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, com a Lei n. 10.303/01, que reformou a Lei das Sociedades por Ações, e com o lançamento da cartilha de Recomendações da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) (HORA et al., 2014).
Boas práticas de governança são fundamentais para uma empresa evitar fraudes e se tornar mais atrativa aos investidores por adotarem uma postura mais transparente nos negócios (ANAIS CIUFSC, 2010). A corrupção, no entanto, sempre esteve presente em todas as sociedades, em todos os períodos da história humana, jamais ficando restrita a determinados locais ou camadas sociais. Nascida na Antiguidade, fortificou-se com o crescimento do comércio, e, expandiu-se no século XX, quando as grandes indústrias visavam ao lucro como seu fim único e último. Decorrente de um lento processo de desenvolvimento histórico, no final do século XX, a ética empresarial começa a ser discutida na academia como instrumento de combate à corrupção, desafiando a declaração de empresários, dizendo que comportamentos éticos não faziam parte do cotidiano das empresas. Hoje, a corrupção e a ética empresarial são vistas como questões globais (BERTONCINI; KLOSS, 2012).
Mesmo com o aprofundamento nos debates sobre governança e suas boas práticas, o Brasil não tem ainda esse traço como característica na gestão (HORA et al., 2014), e um exemplo é a malversação (FILGUEIRAS, 2009) praticada na Petrobras – Petróleo Brasileiro S.A., que integrava o grupo das grandes companhias brasileiras na adoção das melhores práticas de governança, com demonstrações contábeis e financeiras compatíveis aos padrões internacionais, estando plenamente capacitada para utilizar os mais avançados instrumentos de gestão, de modo a se tornar ainda mais atraente para os investidores (MARTINS et al., 2005; DAL-RI MURCIA; SANTOS, 2009), mas que foi assolada, desde 1996, com ondas de corrupção, que vieram à tona a partir de 2014 (JORNAL DO BRASIL, 2015).
Entretanto, para combater a corrupção, muitas iniciativas estão surgindo no mundo, e, uma delas, no Brasil, é o pacto empresarial pela integridade contra a corrupção, que estimula as empresas a enxergar a integridade como uma de suas responsabilidades sociais, e, muitas empresas, agindo nessa direção, começam a adotar códigos de conduta com princípios e valores de integridade contra a corrupção e a difundi-los para todas as suas partes interessadas, consolidando, dessa maneira, seus princípios éticos e de integridade empresarial (CGU et al., 2009).
Essas ações estão sintonizadas com a percepção de que, hoje, as empresas são importantes atores na rejeição de atos ilegais, ilegítimos, corruptos, e são estimuladas a desempenhar esse importante papel, atuando para promover um mercado mais íntegro e ético e erradicar o suborno e a corrupção (CGU, 2015).
Pela importância do tema para a prevenção e combate de atos ilícitos, este estudo pretende verificar se as ações propostas no código das melhores práticas de governança corporativa, por si só, são eficazes para combater a fraude e a corrupção nas empresas.
O presente trabalho pode ser classificado como uma pesquisa teórica e exploratória. Feita mediante a consulta de fontes bibliográficas e documentais, com o objetivo de verificar se as ações propostas no código das melhores práticas de governança corporativa no Brasil, por si só, são eficazes para combater a fraude e a corrupção nas empresas. Para atingir o objetivo, o primeiro passo foi construir um quadro referencial sobre governança corporativa e suas melhores práticas. Em seguida, foi feita uma busca em artigos científicos, para incorporar ao quadro teórico, informações sobre corrupção de um modo geral e as ações de combate à corrupção empresarial. O terceiro passo foi a pesquisa documental nos websites do Instituto Ethos e da Controladoria-Geral da União para identificar a legislação e demais ações que estão sendo realizadas pelos agentes públicos e privados para mitigar a corrupção nas empresas brasileiras. Finalmente, foi feita uma comparação entre as orientações contidas no Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa e as ações identificadas no levantamento bibliográfico e nos websites.
Quando a unidade empresarial: pequena, familiar e conduzida por seus proprietários, se deslocou, no início do século XX, para grandes sociedades de ações, com múltiplos acionistas, o principal (proprietário, acionista) precisou firmar um contrato e conceder autoridade a um agente externo (gestor, executivo, administrador), para tomar decisões em seu nome (BRAMONT, 2012). Ao estabelecer esse relacionamento, surgiram problemas decorrentes da separação entre propriedade (acionistas) e controle (gestores), nas empresas norte-americanas (BIANCHI et al., 2009).
Com a separação, originaram-se os conflitos de interesses, denominados conflitos de agência, entre acionistas, investidores, gestores e demais interessados na empresa (MARTINS et al., 2005). Os conflitos de agência entre acionistas e gestores ocorrem quando as decisões tomadas pelos gestores vão de encontro aos interesses dos proprietários, e quando os executivos não conseguem capturar todo ganho gerado por suas atividades agregadoras de valor ao negócio (MARTINS et al., 2005). Conflitos de agência surgem também quando os acionistas majoritários apresentam vantagens desiguais às dos acionistas minoritários. São móveis, portanto, as personagens que constituem a relação de agência e que entram em conflito (ANAIS CIUFSC, 2010).
Como consequência do conflito, o agente pode executar uma ou várias das ações seguintes: 1) Conceder, a si próprio, benefícios não condizentes com seu desempenho e/ou desproporcionais ao retorno gerado aos acionistas (YERMACK, 2006 apud BRAMONT, 2012); 2) Ocultar ou manipular informações sobre o real desempenho da empresa, situação conhecida por assimetria informacional, para evitar sua substituição ou redução de sua remuneração (SILVEIRA, 2010 apud BRAMONT, 2012); 3) Renunciar oportunidades mercadológicas interessantes para os acionistas pelo receio de perder o controle (CLAESSENS; DJANKOV, 2002 apud BRAMONT, 2012); 4) Resistir à inovação pelo receio de perder o emprego ou ter diminuída sua remuneração (CLAESSENS; DJANKOV, 2002 apud BRAMONT, 2012); 5) Decidir guiado por interesses exclusivamente particulares (SILVEIRA, 2010 apud BRAMONT, 2012); 6) Preferir estratégias que elevem a rentabilidade de curto prazo em detrimento das estratégias de longo prazo (SILVEIRA, 2010 apud BRAMONT, 2012); 7) Expropriar o principal mediante negócios celebrados com outras companhias (nas quais possui algum interesse particular) em termos de decisões desfavoráveis ao principal (JOHNSON et al., 2000 apud BRAMONT, 2012).
Para evitar a desapropriação da riqueza do proprietário pelos gestores, e, a possibilidade de o acionista controlador ter acesso a benefícios ou informações não extensivas aos acionistas minoritários, surge a necessidade de práticas de gestão promotoras da transparência de informações, da proteção dos acionistas e da maximização do valor da companhia (BRAMONT, 2012).
As melhores práticas de governança corporativa são, portanto, consequências da evolução das sociedades capitalistas, que se tornaram mais complexas, ampliando a relação das empresas com a sociedade como um todo. Antes dela, não havia garantia de que os gestores tomassem decisões que buscassem a maximização da riqueza dos proprietários. Visando ao emprego apropriado das decisões dos gestores, a governança corporativa manifesta-se como um instrumento de controle e monitoramento dos negócios, garantindo os direitos de todos os acionistas. A prática da governança possibilita a identificação e solução dos conflitos de agência entre as partes interessadas, e, quanto maiores os conflitos, melhores devem ser seus mecanismos (DEY, 2008 apud RIBEIRO et al., 2014).
Dentre os mecanismos de governança adotados para inibir os atos danosos ao patrimônio e que incentivem o agente a agir de forma convergente com os interesses de seu principal, podem ser relacionados: monitoramento do agente pelo principal, mediante sistema de informação, conselhos e auditoria; prestação de contas do agente aos conselhos e assembleias de acionistas; incentivo remuneratório ao agente para motivá-lo a agir de modo convergente com os interesses do principal (BIANCHI et al., 2009; BRAMONT, 2012). Tais mecanismos estão fundamentados nos princípios de governança, que são: equidade, prestação de contas, transparência, cumprimento das leis e ética. Praticados, esses princípios otimizam o desempenho da empresa, protegendo todas as partes interessadas (DUARTE et al., 2012).
Mesmo que os teóricos apontem o surgimento da governança corporativa por causa do crescimento dos negócios (FERNANDES; MACHADO, 2011), documentos de 1600, sobre a Companhia das Índias Orientais, revelam cláusulas prevendo regras de transparência, auditorias financeiras e constituição de conselhos similares aos atuais conselhos de administração e fiscais (BRAMONT, 2012). No entanto, ainda que a governança tenha surgido há alguns séculos, ela se tornou dominante e disseminada no mundo dos negócios a partir do século XX, na década de 1990, e ganhou destaque e importância no século XXI, em virtude de: crescente demanda por instrumentos e práticas que sustentassem a longevidade das organizações; intensificação das mudanças ocorridas com a abertura de mercado; crescente busca por financiamentos; escândalos e falências de grandes empresas no mundo, e aumento da competitividade. Tais fatores impulsionaram as empresas a buscar o mercado de capitais e, este, a garantia do retorno (ANAIS CIUFSC, 2010; BRAMONT, 2012).
Para as empresas que expõem seu capital no mercado, a boa prática da governança manifesta-se com uma atuação transparente, ética, responsável pelos resultados, prestação de contas e equidade entre os acionistas (HOLM; SCHOLER, 2010 apud RIBEIRO et al., 2014). A empresa atua com tais providências porque, atualmente, os indicadores financeiros já não são os únicos fatores de decisão dos investidores; outros fatores, como os impactos que a empresa causa à sociedade, sua postura ética, o conceito do seu produto no mercado, dentre outros tornaram-se guias de decisão. Na governança, a postura ética e o comprometimento com as partes interessadas são o grande diferencial empresarial (ANAIS CIUFSC, 2010; INSTITUTO ETHOS, 2015).
Em virtude das vantagens que a governança traz: menor custo de captação de recursos; maior liquidez das ações nas bolsas de valores; sucesso econômico; maior confiança dos investidores; desenvolvimento econômico sustentável; melhor desempenho das empresas; facilitação do acesso ao capital; redução da corrupção, os organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), incentivam os países e as empresas a adotarem-na (BRAMONT, 2012).
No Brasil, nas décadas de 1960 e 1970, predominava o acionista controlador familiar, que acumulava o papel de majoritário e de gestor da empresa. Em 1970, começam a aparecer os primeiros conselhos de administração, com sinais de autonomia e divisão do poder com os profissionais da gestão (PEREIRA; VILASCHI, 2006). A estabilização monetária e as privatizações, na década de 1990, produziram importantes reflexos entre as principais empresas: a ampliação do poder dos conselhos; a presença de um forte mercado de investidores; os litígios que ajudaram a fazer progredir os controles e a legislação, e o questionamento sobre os pareceres das auditorias independentes (PEREIRA; VILASHI, 2006). Nesse contexto, ganha relevo a governança corporativa no Brasil (SIRQUEIRA et al., 2007).
Sendo a estrutura de propriedade acionária brasileira predominantemente concentrada, a governança corporativa desenvolveu-se principalmente para solucionar conflito de agência entre acionistas majoritários e minoritários, e indo ao encontro dessa solução, o mercado de capitais exigiu das empresas brasileiras mais transparência e divulgação de informações (ANAIS CIUFSC, 2010).
Para fomentar as boas práticas e a discussão sobre o tema no país, em 1995, foi fundado o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC, que, em 1999, criou o primeiro código de governança (IBGC, 2007). Hoje, considerando o mundo todo, há várias definições de governança e inúmeros códigos desenvolvidos por investidores, empresários e executivos. No entanto, nenhum deles oferece roteiros orientando as empresas sobre como implantar as boas práticas, ou a identificar sua aderência ao código e os seus graus de eficiência, caso já adotem algumas práticas (BRAMONT, 2012). Essa lacuna, favorece o problema da endogeneidade, identificado por Silveira et al. (2004); ou seja, a empresa determina a forma da governança, e, quanto maior o poder do acionista controlador, pior a qualidade da governança (SILVEIRA et al., 2004).
Dentre as várias definições de governança, a do IBGC (2015), menciona que:
Governança corporativa é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas. As boas práticas de governança corporativa convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum (p. 20).
Embora sejam muitas as definições de governança corporativa existentes no mundo, e, conquanto tenham diferenças em relação à abrangência, à natureza da abordagem e aos objetivos, em todas há uma série de boas convicções que as fundamentam, dentre as quais se destacam: condução dos negócios com ética, transparência, equidade, regendo-se por valores morais cumprindo leis, normas, regulamentos, preservando direitos, disciplinando relacionamentos, gestão, controle, estrutura, autoridade, responsabilidade, poder e desempenho ético (BIANCHI et al., 2009; BRAMONT, 2012; MARTINS et al., 2005; HORA et al., 2014; IBGC, 2015).
Sendo um dos objetivos da governança proteger o valor da empresa com políticas de controle e clareza das informações, ganha destaque a Contabilidade, cuja missão principal é prover informações úteis a seus usuários, mediante a divulgação (disclosure) de demonstrações contábeis (DAL-RI MURCIA & SANTOS, 2009; RIBEIRO et al., 2014). Essa área, com seus controles, faz aumentar a confiabilidade das informações e o atendimento às normas e à legislação, transformando-se em sistema gerador de informações vitais aos negócios, mediante a divulgação do desempenho da empresa, utilizando-se das demonstrações contábeis, relatórios de administração, e pareceres dos auditores sobre a saúde econômica, financeira, social e ambiental da empresa (BIANCHI et al., 2009; MARTINS et al., 2005). O destaque da área é observado em pesquisa empírica, que revela uma inequívoca subordinação da contabilidade à direção executiva das empresas (FERNANDES; MACHADO, 2011).
Há resultados de campo divulgando que uma boa estrutura de governança não apenas fornece informações úteis para os investidores, reduzindo a assimetria de informações, como também auxilia a companhia a melhorar suas operações (BLACK et al., 2002 apud MARTINS et al., 2005). Outros resultados mostram que uma das maiores contribuições da governança corporativa diz respeito à prevenção contra fraudes (YEH et al., 2002 apud MARTINS et al., 2005), que são evitadas, porque as boas práticas incentivam posturas transparentes e mecanismos de controle, como os utilizados pela Contabilidade (ANAIS CIUFSC, 2010; COSTA; WOOD JR., 2012).
Não há consenso sobre a definição de fraude. Os teóricos dizem que ela precisa ser percebida como um processo, sendo fruto de ações coordenadas, que acontecem ao longo do tempo. Seu estudo deve abranger o contexto em que o processo fraudulento ocorre e as formas pelas quais os agentes fraudadores desenvolvem e mantêm os esquemas (COSTA; WOOD JR, 2012).
Corrupção é um tipo de fraude, cuja definição também não é consensual, porque: 1) é muito difícil definir todas as situações classificáveis como corrupção: pagamento de suborno; tráfico de influência; caixa dois; abuso de poder; enriquecimento ilícito; “lavagem” de dinheiro e obstrução da justiça, haja vista que o fenômeno não se limita aos atos ilegais, e 2) porque a temática se insere em distintos campos do saber (direito, ciência política, administração, entre outros), o que lhe confere significados e abordagens variadas (SANTOS et al., 2010).
Tendo como base o art. 186 do Código Civil, os dois termos, fraude e corrupção, podem ser tomados como: conduta, ação ilícita, ato secreto, ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, que cause qualquer tipo de dano a terceiros (CGU, 2015). Pelos danos que provoca, a corrupção assume, na primeira década do século XXI, a importância de indicador de desempenho econômico e social, transformando-se em problema para organizações privadas, públicas, instituições religiosas, esportivas, e para o cidadão. Como consequência, o debate sobre o tema aumentou e ganhou densidade no mundo todo, haja vista os escândalos expostos na grande mídia, as pesquisas feitas entre os cidadãos e as condenações na esfera penal (SANTOS et al., 2010). Segundo pesquisa do Datafolha, pela primeira vez, a corrupção é vista pelos brasileiros como o maior problema do país, superando a insatisfação com a segurança, a saúde e a educação (MENDONÇA, 2016).
Entre as causas da corrupção, os estudiosos concluíram que estão o indivíduo, agente do ato fraudulento, e o contexto, não sendo possível estabelecer quanto ela depende das condutas individuais, e quanto é devida ao contexto; por isso, as ações para combatê-la devem considerar, simultaneamente, o contexto e o indivíduo (SANTOS et al., 2010). O indivíduo pode cometer um ato ilícito: ao se deixar conduzir pelo desejo de se mostrar bem-sucedido no trabalho e na vida; pela pressão competitiva sofrida no trabalho para apresentar altos resultados em seu desempenho; pelo esmaecimento da linha divisória entre um comportamento ético e não ético; pela presença de alvos disponíveis; pela inexistência ou insuficiência de controles; pela desorganização social ou perda de valores sociais e morais; pela percepção de esquemas fraudulentos nas organizações (COSTA; WOOD JR., 2012). Os teóricos dizem que, na raiz da conduta corrupta, está a percepção moral, a compreensão do indivíduo sobre o significado de sua atitude à luz da moral, da ética e das regras organizacionais (SANTOS et al., 2010).
Com relação ao contexto, há empresas que se deixam seduzir pelas aparentes vantagens das práticas corruptas, movidas pela falsa percepção de que a corrupção é vantajosa. Tais empresas aniquilam a confiança dos fornecedores e clientes, elevam os preços, estabelecem formas de concorrência desleal, que deterioram os mecanismos de livre mercado e destroem a ética nos negócios (CGU et al., 2009).
Ambientes inadequados à valorização da ética podem não ter a mesma importância na percepção do indivíduo (SANTOS et al., 2010), e culturas organizacionais não éticas, além de incentivarem o comportamento corrupto, conferem-lhe legitimidade (BUTTERFIELD et al., 2000 apud COSTA; WOOD JR., 2012), induzindo os indivíduos a se submeterem a práticas desviantes, mesmo não obtendo ganhos pessoais (ASHFORTH et al., 2008 apud COSTA; WOOD JR., 2012).
Comportamentos corruptos podem ocorrer desde a alta gestão. Nesse caso, os conselhos de administração podem atender às listas de boas práticas, porém, não garantem a eficácia na prevenção de fraudes corporativas (ABBOTT et al., 2000; PERSONS, 2006 apud COSTA; WOOD JR., 2012). A estrutura e os processos da organização podem ser projetados para isentar de responsabilidade a cúpula administrativa nos casos de atos desviantes (COSTA; WOOD JR., 2012). No entanto, os sistemas de governança, quando não desempenham apenas um papel cerimonial, sem efeito real, podem ser fontes de prevenção de fraudes cometidas pela alta gestão (SCHNATTERLY, 2003 apud COSTA; WOOD JR., 2012).
O estudo apresentado na Revista Melhor, feito com cerca de 500 altos executivos de grandes empresas brasileiras, retratou um contexto organizacional antiético. O estudo mostrou que 62% dos respondentes afirmaram que sua empresa cometeria um ato de corrupção. Outro dado alarmante foi que 33% dos entrevistados afirmaram que sua empresa participou de um ato de corrupção nos últimos 15 meses. Ser objeto de fraude também esteve entre os assuntos pesquisados, e 85% dos entrevistados disseram que isso é possível em sua organização. Além disso, 55% afirmaram que sofreram fraude nos últimos 15 meses. Sobre os mecanismos de controle para coibir essa prática, apenas 7% dos casos foram descobertos, e os mecanismos que mais ajudaram a descobrir foram informantes internos/boatos (22%) e linha telefônica para denúncia (19%) (MELHOR, 2014).
No “Relatório Global de Fraude”, publicado em 2008, consta que uma média de 20% de uma amostra de 890 empresas do mundo sofreu os efeitos de atos de corrupção/suborno nos três anos anteriores (CGU et al., 2009).
A pesquisa da Transparência Brasil de 2003, realizada com 94 empresas situadas no Brasil, revelou que a maioria delas (63 empresas, ou 67% da amostra) foi vítima de fraudes; no entanto, apenas 43% iniciou ação judicial (ABRAMO, 2004 apud SANTOS et al., 2010).
Apesar de ser grande o percentual de empresas envolvidas em atos corruptos, o levantamento feito em 2004, em 60 países, pelo Instituto Gallup, revelou ausência de correlação entre a experiência pessoal com o recebimento de propina e as opiniões das pessoas sobre corrupção, significando que, para muitas pessoas, a corrupção existe, contudo, nenhuma delas se envolveu com atos danosos (ABRAMO, 2005).
Escândalos, como o da Daslu (EXAME, 2008), são exemplos dos prejuízos que a corrupção traz para investidores, clientes, fornecedores e força de trabalho, que perde seus empregos, pela extinção da empresa. Ações como esta abalam a confiança de clientes, acionistas e investidores, gerando resultados desfavoráveis para a sociedade, e estimulam o aumento de controle, que gera custos, que impactam no bolso do consumidor e na competitividade das empresas (COSTA; WOOD JR, 2012).
A prevenção e o combate à corrupção acomodam-se em torno das ações de compliance, termo que expressa quanto indivíduos e organizações agem pautados pela ética e por valores morais nas relações de trabalho. Se o empregado não perceber que empresa o trata com respeito e se preocupa com ele, é improvável que ele se preocupe em negociar para obter o melhor para a organização (NASH, 1993 apud SANTOS et al., 2010). Não manter equidade entre o valor que o empregado agrega ao negócio, tendo em vista a excessiva pressão pela competitividade, e o valor que ele recebe como retribuição por isso, é outro exemplo de comportamento empresarial não compatível com valores éticos e que faz aumentar os riscos de condutas antiéticas dos profissionais. Nesse sentido, há pesquisas empíricas revelando que a corrupção pode ser influenciada pelos sistemas de remuneração e recompensa incompatíveis com os valores éticos (SANTOS et al., 2010).
A manipulação de dados de operações comerciais e financeiras, a falta de equidade de tratamento entre acionistas, clientes, comunidade, fornecedores e credores, gerando fraudes, também são exemplos de inconformidades empresariais com as condutas pautadas pelos valores morais (LOPES, 2010).
A utilização de marcos regulatórios, como leis, regulamentos, normas de sistema de governança corporativa, constituem moderadores das fraudes, porém não as eliminam, pelo contrário, podem interferir no comportamento dos agentes fraudadores, tornando sua ação ainda mais difícil e sofisticada (COSTA; WOOD JR., 2012). Exemplo da ineficácia dos regulamentos para a prevenção de atos ilícitos são os escândalos corporativos norte-americanos que levaram o congresso a reformar a legislação de mercado de capitais, visando maior controle das atividades de auditoria e punição dos gestores fraudulentos (MARTINS et al., 2005; LOPES, 2010).
Prevenir, reduzir, combater a corrupção não é tarefa fácil. É ainda menos eficaz com a utilização de preceitos normativos, porque a lei não tem alcance sobre a obediência moral (LEISINGER; SCHMITT, 2000 apud BOEIRA, 2003). Para que o contexto fique livre de atos ilícitos, as empresas precisam executar programas de promoção da integridade moral e combate aos atos ilegais e antiéticos, que deixe claro, aos empregados, que é proibido dar ou oferecer suborno (CGU et al., 2009).
Promover a integridade requer, dentre outras providências, o comprometimento manifesto da alta direção e que as empresas construam valores de integridade, desenvolvendo princípios, regras e instituições definidoras de padrões de conduta respaldados por valores morais e éticos. Tais iniciativas devem estar encapsuladas em um código de conduta que estabeleça: a postura da empresa contra atos comprometedores de sua ética e integridade; os comportamentos esperados e as formas de atuação da empresa, a serem seguidos por dirigentes, empregados, investidores, clientes, parceiros, concorrentes e sociedade em geral em diferentes circunstâncias (CGU et al., 2009; CGU, 2015).
O código deve enfatizar o repúdio da empresa à prática de atos como oferecimento de suborno, pagamento de facilitações, falta de transparência e de responsabilidade no financiamento político, sonegação fiscal, superfaturamento, entre outros atos prejudiciais ao interesse público. O código deve contemplar situações práticas e concretas que suscitem conflitos éticos e dilemas morais enfrentados diariamente, assim como a postura que se espera dos empregados para lidar com esses conflitos. Cabe-lhe, ainda, a previsão das sanções a serem aplicadas aos agentes, no caso de transgressão às regras estabelecidas (CGU et al., 2009).
No entanto, a existência de normas sobre ética, não garante o comportamento ético, é preciso divulgá-las e monitorá-las para que sejam conhecidas, compreendidas e praticadas. Para isso, as empresas devem constituir um comitê de ética, com responsabilidade educativa e de monitoramento sobre a aplicação das regras de conduta à rotina. Caberá a esse comitê chamar pela consciência moral dos empregados, programando e executando treinamentos preventivos de práticas antiéticas, que conscientizem e capacitem os empregados para a manifestação de atitudes e comportamentos compatíveis com as prescrições do código de conduta, e, que aborde as medidas corretivas a serem aplicadas àqueles que apresentarem comportamentos violadores dos princípios. Para garantir que todas as estratégias, ações e comportamentos estejam sintonizados com os valores éticos, a empresa deve implantar mecanismos de controle (CGU et al., 2009).
Cada dia mais, a sociedade reconhece a corrupção como um entrave ao desenvolvimento das ações em prol do bem comum, gerando altos custos econômicos, sociais e políticos, e, para combatê-la, ganha destaque a responsabilidade dos diferentes agentes de governança das empresas (ABRAMO, 2005; SANTOS et al., 2010). Pela importância do tema para o cidadão e para o ambiente de negócios, este estudo pretendeu verificar se as ações propostas no código brasileiro das melhores práticas em governança corporativa são eficazes para combater a fraude e a corrupção nas empresas.
Pesquisando as fontes nessa direção, foi constatado que o Código das Melhores Práticas em Governança Corporativa pretende ajudar as organizações brasileiras a melhorem o ambiente de negócios, estimulando-as a utilizar os melhores instrumentos de governança em todos os sentidos de gestão, inclusive em relação à detecção e enfrentamento de atos de corrupção. Entretanto, é manifesto nesse documento que ele não tem o intuito de ser um roteiro, ou um guia, que norteie a empresa a implantar qualquer prática de gestão, pois seu objetivo é ser uma referência de consulta visando a uma reflexão sobre a implantação da prática (IBGC, 2015, p. 19). Assim, a pesquisa bibliográfica e documental revelou que os mecanismos de governança recomendados no código, para inibir atos danosos ao patrimônio do principal, mostram-se, por si só, ineficazes para prevenir, reduzir ou combater a corrupção, haja vista que são políticas de prevenção, diretrizes e orientações genéricas, não oferecendo roteiro passo a passo das ações a serem executadas pelas empresas. Desse modo, o objetivo que norteou este estudo foi atingido, pois foi constatado que as ações propostas pelo código das melhores práticas de governança corporativa, por si só, não são eficazes para combater a fraude e a corrupção nas empresas brasileiras.
Desde que as pequenas empresas se tornaram grandes sociedades de ações e os proprietários tiveram de contratar gestores começaram os conflitos de agência, e, dentre os vários conflitos, um diz respeito à corrupção, que se tornou uma praga mundial, causadora de vários impactos negativos ao ambiente empresarial e aos cidadãos que são espoliados de uma melhor execução das políticas públicas. Por isso, combater a corrupção é dever de agentes públicos, privados e da sociedade.
Para identificar e solucionar os conflitos de agência surgiu o instrumento de controle e monitoramento dos negócios denominado governança corporativa, estimulando a adoção das melhores práticas. No entanto, a utilização dos mecanismos recomendados no código das melhores práticas, para inibir atos danosos ao patrimônio do principal, são ineficazes, pois não oferecem, às empresas, um guia das ações a serem implantadas, como faz o passo a passo disponibilizado pelo grupo de trabalho coordenado pelo Instituto Ethos (2009). Desse modo, o objetivo que norteou este estudo foi atingido, pois foi constatado que as ações propostas pelo código das melhores práticas de governança corporativa, por si só, não são eficazes para combater a fraude e a corrupção nas empresas brasileiras.
Para estudos futuros, sugere-se pesquisar algumas organizações que praticam a governança corporativa, para identificar a percepção delas sobre a utilidade do código das melhores práticas na efetiva implantação das práticas anticorrupção.