CONSTRUÇÃO DE UM INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS A PARTIR DOS INDICADORES DE RACIONALIDADE INSTRUMENTAL E SUBSTANTIVA NAS ORGANIZAÇÕES DE SERVIÇO

CONSTRUCTION OF A DATA COLLECTION INSTRUMENT FROM INDICATORS OF INSTRUMENTAL AND SUBSTANTIVE RATIONALITY IN SERVICE ORGANIZATIONS

Maria Lúcia Gili Massi
Faculdade Instituto Paulista de Ensino, Brasil

CONSTRUÇÃO DE UM INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS A PARTIR DOS INDICADORES DE RACIONALIDADE INSTRUMENTAL E SUBSTANTIVA NAS ORGANIZAÇÕES DE SERVIÇO

Revista Científica Hermes, vol. 25, pp. 385-407, 2019

Instituto Paulista de Ensino e Pesquisa

Recepción: 06 Marzo 2019

Aprobación: 22 Septiembre 2019

Resumo: As racionalidades instrumental e substantiva estão presentes nas organizações. A primeira faz do homem instrumento de produção, expondo-o a um conjunto de regras e princípios utilitários, em que todos os meios são subordinados a determinados fins, não questionados eticamente. A segunda, valoriza a dimensão humana pelo seu pensamento crítico, promotor de mudanças vantajosas, mediante ações individuais e coletivas, respeitando a ética, o meio ambiente, o potencial humano e a confiança. As organizações de serviço são dependentes dos profissionais que atendem clientes, desempenhando trabalho emocional incerto, variável e de difícil controle. Esses profissionais são apoiados pelos que atuam na retaguarda, com atividades padronizadas e controladas. Com tais premissas, este estudo, com base em pesquisas bibliográficas, propõe-se a elaborar um instrumento que detecte as percepções e os comportamentos humanos que se ajustam aos elementos da racionalidade instrumental nas organizações de serviço. Os resultados revelaram que não se pode levantar os indicadores instrumentais sem considerar os substantivos, pois ambos estão presentes, com intensidades diferentes, nas organizações, motivo pelo qual o instrumento elaborado, com quarenta e três afirmativas, contém elementos instrumentais: cálculo; fins; maximização dos recursos; êxito, resultados; desempenho; utilidade; rentabilidade, e estratégia interpessoal; e substantivos: autorrealização; entendimento; julgamento ético; autenticidade; valores emancipatórios, e autonomia.

Abstract: The instrumental and substantive rationalities are present in organizations. The first makes man the instrument of production, exposing it to a set of rules and utilitarian principles, in which all means are subordinated to certain ends, not ethically questioned. The second, values the human dimension by its critical thinking, promoter of advantageous changes, through individual and collective actions, respecting ethics, the environment, human potential and trust. Service organizations are dependent on the professionals who serve customers, performing uncertain, variable and difficult-to-control emotional work. These professionals are supported by those who work in the rear, with standardized and controlled activities. With such premises, this study, based on bibliographical research, proposes to elaborate an instrument that detects human perceptions and behaviors that fit the elements of instrumental rationality in service organizations. The results revealed that the instrumental indicators can not be raised without considering the nouns, since both are present, with different intensities in the organizations, reason why the instrument elaborated, with forty-three affirmations, contains instrumental elements: calculation; purposes; resource maximization; success, results; performance; utility; profitability, and interpersonal strategy; and nouns: self-realization; understanding; ethical judgment; authenticity; emancipatory values, and autonomy.

Keywords: Instrumental Rationality, Substantive Rationality, Service Organizations.

1. INTRODUÇÃO

Há muitas pesquisas para compreender a razão, enquanto fundamento das ações humanas no interior das organizações (Serva, 1997). A discussão em torno do tema, não circunscrita a um campo do conhecimento, permeia estudos filosóficos e sociológicos. Entretanto, é com o desenvolvimento da ciência e da técnica que a razão assume um caráter único e homogêneo, visando justificar a base de um crescimento econômico sem precedentes na história da humanidade (Serva, Caitano, Santos & Siqueira, 2015).

Weber (1999 como citado em Hey, 2008, pp. 37-39), um dos primeiros que descrevem a objetividade racional como instrumento de desenvolvimento social, argumenta que a necessidade de produção deu origem à burocratização e ao excesso de regras nas relações sociais, e, pelo uso da razão, é possível entender os fundamentos da economia, da política, da organização e da sociedade, porém o excesso de controle sobre o homem pode fazer da razão um mecanismo de dominação.

A teoria burocrática de Weber é uma espécie de organização com base na racionalidade, em que os meios devem ser analisados e estabelecidos, de maneira formal e impessoal, a fim de alcançarem os fins pretendidos. Para o autor, o sistema produtivo, tipicamente racional e capitalista, teve como embrião o conjunto de normas morais da ética protestante, que pregava o culto ao trabalho duro, à poupança e à aplicação de excedentes de produção (Waltter, 2015).

A partir da burocratização e da instrumentalização dos meios de produção, muitas teorias organizacionais, sobre a racionalidade, surgiram: as teorias administrativas, para o desenvolvimento do mercado de trabalho, são um exemplo (Hey, 2008).

A racionalidade instrumental refere-se ao exercício da razão com o objetivo de obtenção de lucro. Guerreiro Ramos (1989 como citado em Hey, 2008, p. 19), diz que o homem racional se preocupa apenas com valores que gerem lucro, e o uso extremado da racionalidade instrumental pode distanciar valores humanos e propiciar o domínio da organização sobre o homem, não permitindo a realização humana e social.

A ação racional instrumental é caracterizada pela busca do sucesso individual, pautado no cálculo utilitário e no êxito econômico. Na maioria das organizações, a razão instrumental prevalece como lógica subjacente às ações, determinando o padrão de sucesso a ser atingido, padrão esse egocêntrico por natureza e orientado pelas leis do mercado (Serva, 1997).

Sustentado por essas premissas, o presente estudo visa elaborar um instrumento que permita levantar as percepções e as ações ou comportamentos humanos que se ajustam aos elementos da racionalidade instrumental nas organizações de serviço. Para isso, o artigo está dividido em sete seções, sendo a Introdução, a primeira. Na seção 2, será apresentada a fundamentação teórica. Em seguida, será descrita, na seção 3, a metodologia. Na seção, 4, serão apresentados os resultados e a discussão. Na quinta seção, serão feitas as considerações finais, na sexta seção, estão os agradecimentos, e, na última seção, estão as fontes de consulta.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A maneira como uma organização se estrutura para gerenciar e orientar o comportamento humano é chamada de modelo de gestão. Os modelos existentes são formados por elementos que interferem de alguma maneira nas percepções, ações ou comportamento dos indivíduos, e o que diferencia um modelo de outro são os elementos que os constituem (Mascarenhas, Vasconcelos, & Vasconcelos, 2005).

O modelo político de gestão de pessoas, associado às organizações orgânicas, favorece a participação e a emancipação dos indivíduos, bem como seu desenvolvimento político e cognitivo na medida em que tem como pressuposto a inserção ativa das pessoas na dinâmica organizacional. De modo oposto, o modelo instrumental, associado às organizações mecânicas, considera a empresa um instrumento de produção econômica e, em vista disso, adota uma visão utilitarista das pessoas, pressupondo a existência de uma suposta racionalidade superior (Mascarenhas et al., 2005).

Racionalidade, segundo Ferreira (1986), consiste no conjunto das faculdades anímicas que distinguem o homem dos outros animais; a faculdade de compreender as relações entre as coisas e de distinguir o verdadeiro do falso, o bem do mal etc. Para Barreto (1993 como citado em Loch e Correia, 2004, p. 15), a razão é a capacidade utilizada para ponderar, julgar, estabelecer relações lógicas e praticar o bom senso. A origem da ideia de racionalidade pode estar em Aristóteles (1991), ao argumentar, na obra Ética a Nicômaco, que a alma humana convive com princípios racionais e irracionais. A racionalidade humana, para o filósofo, desenvolve-se para conciliar a sabedoria prática com a razão intuitiva.

A perspectiva da empresa, na racionalidade instrumental, é de que em seu centro está o capital, e, sendo assim, sua atuação deve ser norteada por ações baseadas em projeções utilitárias; maximização dos resultados; eficiência e eficácia predominando sobre a ética no uso dos recursos; ações dirigidas às metas e aos cálculos parametrizados. Ou seja, uma racionalidade funcional, executada por meio de uma série de ações organizadas visando alcançar objetivos predeterminados a serem realizados com a máxima eficiência (Scott, 1998 como citado em Muzzio, 2014, p. 710).

A Revolução Industrial, reforçada pelo cientificismo de Taylor (1987), fez da produtividade elemento central do processo produtivo, e o trabalho perdeu grande parte de sua capacidade de criação pela fragmentação, desqualificação e separação entre o seu planejamento e a sua execução (Loch & Correa, 2004; Braverman, 1974 como citado em Previtali & Fagian, 2014, p. 757).

Alguns autores da economia clássica já vinham pensando sobre estratégias de organização e controle do trabalho, mas foi Taylor quem desenvolveu a ideia de gerência científica. No início do século XX, já se verificava, nos Estados Unidos e na Europa, o aumento do tamanho das empresas, o início da organização monopolista da indústria e a sistemática aplicação da ciência à produção. O taylorismo empenha-se em aplicar os métodos científicos aos problemas do trabalho, nas empresas em expansão (Braverman, 1987 como citado em Ribeiro, 2015, p. 66; Previtali & Fagian, 2014). Taylor, utilizando métodos de experimentação, propõe uma gerência que criasse regras e padrões para executar o trabalho, obtidos pela melhor equação possível entre tempo e movimento. Sempre existiram métodos experimentais, os próprios artesãos em suas oficinas buscavam a melhor maneira de realizar o trabalho, mas, o elemento inovador, na perspectiva de Taylor, é que o estudo do trabalho deveria ser feito por aqueles que o administravam e em favor deles e não pelos que o realizavam (Braverman, 1987 como citado em Ribeiro, 2015, p. 66).

A formação de uma gerência que planejava e calculava todos os elementos do processo de trabalho estava, então, ligada a uma proposta de intenso controle. Taylor elevou o controle a um novo plano ao impor, como necessidade absoluta, ao trabalhador, a maneira rigorosa pela qual o trabalho devia ser executado; e essa é a característica fundamental da gerência científica: a expropriação do saber do trabalhador, a divisão entre execução e concepção do trabalho (Braverman, 1987 como citado em Ribeiro, 2015, p. 66).

Com Ford, a novidade foi a introdução da esteira rolante, que, fazendo o trabalho chegar ao trabalhador em uma posição fixa, conseguiu ganhos de produtividade e aumento do controle (Ribeiro, 2015). A implementação da esteira, controlando o ritmo do trabalho, em uma tentativa de racionalização, trouxe intensificação, automatização e mecanização do processo de trabalho (Gramsci, 1976 como citado em Ribeiro, 2015, p. 69), substituindo a mão de obra com mais eficiência.

O funcionamento de uma empresa capitalista fundamenta-se, segundo Weber (1999 como citado em Hey, 2008, p. 39), na utilização de leis racionais em que todos os resultados possam ser calculados por normas gerais fixas, do mesmo modo que se calcula o rendimento provável de uma máquina. Tal mecanicismo, segundo Rattner (1966), impactou o modo de vida e o relacionamento social dos lavradores egressos dos campos, que, expostos à realidade industrial, passaram a ser considerados peças de máquina a serem manipuladas como objetos passivos, sem consciência (Rattner, 1966).

Pelos mesmos motivos, Rioux (1975 como citado em Loch & Correa, 2004, p. 5) diz que a Revolução Industrial foi a mais profunda mutação a afetar o homem. Pela primeira vez na história, o poder humano de produção é deixado de lado e a economia fornece os bens e serviços. O trabalho manual é substituído pela máquina e, pouco a pouco, a mentalidade, a cultura, enfim, todos os setores da vida são atingidos e transformados.

Com essas ideias, a Revolução Industrial desencadeou um processo de desenvolvimento e integração entre a ciência, a técnica e o trabalho no processo de produção, consumo e distribuição de mercadorias que, aliado à racionalidade instrumental do capitalismo, resultou em um incremento gigantesco da atividade econômica (Ferreira, 2001 como citado em Loch & Correa, 2004, p. 5).

Pelo desenvolvimento do seu caráter econômico na sociedade capitalista, a racionalidade vem sendo cada vez mais enfocada nos estudos organizacionais. Nesse sentido, nenhuma outra área de conhecimento está mais relacionada ao entendimento das consequências do racionalismo do que a Administração, justamente pelo fato dessa ter sido fortemente condicionada pela racionalidade instrumental (Vizeu, 2006). Os modelos de gestão de pessoas, até 1960, nos Estados Unidos e na Europa, e até o presente, em muitas empresas no Brasil, são exemplos dos paradigmas de gestão condicionados pelo racionalismo instrumental (Dutra, Dutra, & Dutra, 2017).

A adoção de preceitos utilitaristas e a padronização de comportamentos pelas organizações tradicionais encontraram na Administração de Recursos Humanos (ARH) terreno fértil (Loch & Correia, 2004; Vizeu, 2006). Um exemplo da padronização proveniente das concepções tayloristas, na ARH, é a forma como são administrados os cargos e salários nas organizações mecanicistas (Nascimento, 2001; Pontes, 2007; Chiavenato, 2004).

Tais práticas identificam-se com os estudos de Weber (1982; 1987; 1999 como citado em Santos, Marchi, Moura & Campos, 2017, pp. 9-14), sobre a natureza das organizações burocráticas e seu caráter instrumental. Nessas organizações, o quadro administrativo se comporia de empregados individuais, não livres, que obedeceriam somente às obrigações de seus cargos; seriam nomeados em uma hierarquia rigorosa de cargos; teriam competências funcionais e salários fixos; exerceriam seus cargos como profissão única; estariam submetidos a um sistema rigoroso e homogêneo de disciplina e controle. Nesses termos, a perspectiva era a de que alcançariam o máximo de rendimento em virtude de precisão, continuidade, disciplina, rigor e confiabilidade.

No entanto, hoje, nas empresas mecânicas, as práticas de RH, rígidas e utilitaristas, que privilegiam a homogeneidade de comportamento, não se restringem à Administração de Cargos e Salários, ela se faz presente também nos treinamentos limitados aos cargos; no desenvolvimento de carreiras únicas e lineares e na avaliação de desempenho individual. Nessas práticas, a racionalidade instrumental determina as formas inflexíveis de Gestão de Pessoas, fazendo a funcionalidade prevalecer sobre as potencialidades humanas, restringindo o trabalhador a mero executor de tarefas (Loch & Correia, 2004).

As mudanças na gestão das empresas, cada vez mais submetidas à racionalidade do capital, somadas aos avanços científicos e tecnológicos, provocaram a extinção de muitos empregos, e, nesse novo cenário, surgiram os assalariados do setor de serviços (Gil, 2010;Antunes, 2000). Para Antunes (2000), as metamorfoses ocorridas no mundo do trabalho levaram a uma diminuição da classe operária industrial e à expansão do trabalho assalariado no setor de serviços.

O desempenho das atividades relacionadas ao setor de serviços requer profissionais com elevados níveis de capacitação técnica (Gil, 2010) e com atitudes que promovam a satisfação dos clientes (Correa & Correa, 2012), pois o mercado consumidor exige mais qualidade a cada dia, e as empresas, visando à competitividade, precisam ser cada vez mais sensíveis ao consumidor, inovando, decidindo com rapidez, sendo líder no preço e mantendo vinculação efetiva com fornecedores e vendedores para formar uma cadeia de valor para os consumidores (Gil, 2010).

Um desempenho superior em serviços é fortemente dependente das pessoas. Naturalmente, métodos de trabalho, sistemas, tecnologia, instalações e outros recursos têm papel importante, porém, as vantagens competitivas sustentáveis estão nas pessoas, e o que faz a diferença são suas competências, motivação e como estão organizadas para realizar o trabalho (Correa & Correa, 2012).

Com esse ângulo, Korcznski (2005) argumenta sobre a importância do elemento intangível na conquista e fidelização do cliente, citando Lashley (1997, p. 4); esse autor menciona que as empresas de serviço competem não apenas com base no elemento tangível, mas, no elemento intangível, que se traduz na qualidade do serviço experimentada pelo cliente.

Nesse sentido, a abordagem da linha de produção na gestão de pessoas, com base no modelo de controle, com papéis claramente definidos e sistemas de controle de cima para baixo, enquadrados na visão mecanicista e instrumental, demonstra não ter aderência às responsabilidades dos empregados que atuam na área de serviços (Lovelock & Wirtz, 2011).

Com a ênfase no mercado consumidor, as atividades de recursos humanos, que, antes, eram direcionadas para dentro da empresa, mudam o foco para o consumidor, direcionando sua atenção para a cadeia de valor em que a empresa está inserida, e, os conhecimentos, habilidades e atitudes dos empregados passam a ser direcionados segundo essa perspectiva (Gil, 2010).

Com o foco no cliente, a ARH adota uma série de práticas alinhadas com os princípios das racionalidades instrumental e substantiva, que ajudam as empresas de serviço a trabalharem no ciclo de sucesso (Gil, 2010; Lovelock & Wirtz, 2011; Correa & Correa, 2012). Olhando nessa direção, Muzzio (2014) esclarece que ambas as racionalidades se fazem presentes nas organizações, por causa do contexto altamente competitivo em que elas atuam.

3. METODOLOGIA

O presente estudo, com base em pesquisa bibliográfica, constitui uma pesquisa exploratória, uma vez que o método proposto para investigar a presença dos elementos das racionalidades instrumental e substantiva nas organizações de serviço não foi utilizado por nenhuma das fontes consultadas, que seguiram a lógica qualitativa de pesquisa.

Definido o questionário como instrumento de coleta de dados, fim último desta pesquisa, cabe destacar que, assim como outras técnicas, quantitativas e qualitativas, possui vantagens e desvantagens. Os questionários são muito utilizados quando se precisa levantar dados em uma população cujo tamanho tornaria excessivamente custoso usar outro caminho. Também é comum usar o questionário nos levantamentos em que se tem uma noção razoavelmente clara de qual informação é buscada, como é o caso desta pesquisa, pois os indicadores a serem questionados foram claramente identificados na pesquisa teórica, de sorte que é possível supor que a resposta realmente permita obter a informação investigada (Medeiros, 2005).

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Gianesi e Correa (1994 como citado em Maldonado, Sousa, Rados, Selig & Varvakis 2009, p. 5) argumentam que o sistema de operações de serviço está separado em: linha de frente (palco ou front-office) e retaguarda (back-office), ambos separados pela linha de visibilidade que representa as atividades que são visíveis para o cliente e as que não são. As atividades no palco têm alto contato com o cliente, alto grau de incerteza e variabilidade e são de difícil controle. As atividades na retaguarda servem de suporte para as atividades da linha de frente e geralmente têm baixo contato com o cliente, pouca incerteza e pouca variabilidade, assemelhando-se a processos de produção pela maior facilidade de controle e padronização (Maldonado et al., 2009).

Entre os trabalhos mais exigentes das empresas de serviços estão os da linha de frente (Lovelock & Wirtz, 2011), pois esses profissionais precisam incorporar competências técnicas e habilidades sociais bastante complexas, exigidas pelo trabalho emocional, decorrente do contato com os mais variados tipos de clientes (Korcznsk, 2005), o que torna suas atividades variadas incertas e de difícil controle. Para que esses empregados possam gerar melhor qualidade de serviço, por melhorar a capacidade de resposta em situação de atendimento imediato ao cliente, uma prática que tem sido utilizada é o empowerment, ou delegação de autoridade (Korcznsk, 2005).

Os empregados da linha de frente precisam agir e se expressar livremente em suas interações com os clientes, e, por isso, suas ações distanciam-se das atividades padronizadas e rotineiras. Nesse sentido, Lovelock e Wirttz (2011) dizem que, pela natureza das atividades desses profissionais, a abordagem da linha de produção, com base no modelo de controle, com papéis claramente definidos e sistemas de controle de cima para baixo, enquadrado na visão mecanicista e instrumental, não favorece o comprometimento deles, ensejando, portanto, outra racionalidade: a substantiva, constituída pelos elementos elencados na Tabela 1 deste estudo, seguindo Serva (1997).

Por outro lado, as atividades dos empregados da retaguarda, pela maior facilidade de controle e padronização, assemelham-se aos processos de manufatura (Maldonado et al., 2009), razão pela qual podem ser geridos pelo modelo instrumental. Segundo Guerreiro Ramos (1989 como citado em Serva, 1997, p. 19), a racionalidade instrumental orienta a conduta humana como um meio para se atingir os objetivos, não apreciando a qualidade das ações, mais o seu maior ou menor concurso, para atingir um fim preestabelecido, independentemente do conteúdo que possam ter as ações. Serva (1993) diz que as organizações guiadas pela racionalidade instrumental se orientam por uma razão baseada no cálculo utilitário de consequências dos atos humanos, impregnando-os de um pensamento que conduz a um agir em que todos os meios são subordinados a determinados fins, não questionados eticamente. Desse modo, o fator determinante da racionalidade instrumental é o objetivo a ser atingido com a máxima eficiência, e, nessa lógica, prevalece, sem questionamentos, a relação entre meios e fins (Pacheco, 2011).

Guerreiro Ramos (1981 como citado em Serva, 1997, p. 20) ressalta que o predomínio da razão instrumental engendra uma sociedade centrada no mercado, responsável pela insegurança psicológica, pela degradação da qualidade de vida, pela poluição, pelo desperdício dos recursos naturais do planeta, além de produzir uma teoria organizacional incapaz de ensejar espaços sociais gratificantes aos indivíduos.

Segundo Serva (1966), a partir do uso extremado da racionalidade instrumental, o ambiente organizacional, distanciado de uma noção ético-valorativa, poderá tornar-se propício ao abuso de poder, à dominação e à dissimulação de intenções. Isso pode acabar conduzindo os participantes a travarem uma permanente competição, que resultará em um ambiente produtor de ansiedade e de patologias psíquicas, produzindo uma atmosfera incapaz de prover a satisfação e a realização humana.

A partir dos trabalhos de Guerreiro Ramos e de Habermas, Serva (1997) define a ação racional instrumental e seus elementos constitutivos, conforme Tabela 1 deste estudo, como: ação baseada no cálculo, orientada para o alcance de metas técnicas ou finalidades ligadas a interesses econômicos ou de poder social, por meio da maximização dos recursos disponíveis. Guerreiro Ramos revela que sempre as organizações se preocuparam com o desenvolvimento de princípios que garantissem a qualidade dos produtos e serviços, porém nem sempre houve a preocupação com o desenvolvimento do homem. Apesar de aceitar a dimensão econômica, que expõe o homem ao conjunto de regras ditadas pelo mercado, nas relações de trabalho, Guerreiro Ramos questiona a valorização dessa dimensão em detrimento da valorização humana, que permitiria, ao homem, por meio do seu pensamento crítico, propor mudanças, e, mediante a ação individual e coletiva, praticar ações que contribuíssem para a melhoria da vida da sociedade. Mas o excesso de formalismo no ambiente organizacional não permite o desenvolvimento de elementos substantivos da vida. Como se conclui, para Guerreiro Ramos, o desenvolvimento da sociedade pode ser alcançado a partir da interação entre os objetivos do mercado e os da sociedade (Guerreiro Ramos, 1981, como citado em Souza & Ornelas, 2015, p. 447; Guerreiro Ramos 1989 como citado em Hey, 2008, p. 21).

Fundamentada na polaridade existente, a ARH busca conciliar em suas políticas e práticas visões de mundo conflitantes, voltadas para contemplar os anseios organizacionais competitivos, norteados pela visão instrumental, e a expectativa de emancipação do trabalhador, orientada pela ótica substantiva. Na racionalidade instrumental, a perspectiva da empresa é que em seu centro está o capital, e sendo assim, a atuação da empresa deve ser norteada por princípios como: ações baseadas em projeções utilitárias; maximização dos resultados; eficiência e eficácia predominando sobre a ética no uso dos recursos; ações dirigidas às metas estabelecidas e cálculos parametrizados (Scott, 1998 como citado em Muzzio, 2014, p. 710).

A gestão de recursos humanos, a partir da perspectiva da racionalidade instrumental, pode ser definida como o padrão de atividades que permitam à empresa atingir seus objetivos, a partir das decisões sobre as práticas de recursos humanos, a composição do capital humano e a especificação dos comportamentos necessários (Carmelli & Schaubroeck, 2005 como citado em Muzzio, 2014, p. 707). Contudo, vale ressaltar que, há algum tempo, o modelo mecânico como o definido por Burns e Stalker (1961 como citado em Sine, Mitsuhashi, Kirschi, 2006, p. 121) não satisfaz as necessidades das organizações (Dutra et al., 2017). Ao enfatizar a necessidade de se transformar as organizações, para que fiquem mais flexíveis e dinâmicas, o discurso gerencial defende a emergência de organizações substantivas, e temas como novos modelos de gestão de pessoas, fortalecimento de equipes multifuncionais de trabalho, delegação de responsabilidades e a aprendizagem organizacional surgem dessa discussão (Sine et al., 2006; Dutra et al., 2017). Castells (1999) refere que ambos os fenômenos acontecem em contextos de transição entre o modelo industrial e o pós-industrial.

Corroborando esses autores, os estudos têm mostrado que as duas racionalidades coexistem, fazendo parte da dinâmica empresarial, e o que permite caracterizar uma organização de instrumental ou de substantiva é a predominância das práticas de uma ou outra racionalidade (Serva, 1997), por isso, qualquer que seja a forma que se disponha a identificar os elementos da racionalidade instrumental presentes em uma organização, deve apontar também para a racionalidade substantiva.

Para transpor a barreira entre o plano conceitual e a concretização da racionalidade nas organizações de serviço, este estudo propõe-se a elaborar um instrumento que permita levantar as percepções e as ações ou os comportamentos humanos que se ajustam aos elementos da racionalidade instrumental nas organizações de serviço. Tal instrumento permitirá que as empresas, interessadas em saber se estão, segundo a visão dos empregados, predominantemente, adotando práticas instrumentais com os profissionais de apoio, e substantivas com os empregados da linha de frente, identifiquem empiricamente as racionalidades que estão norteando suas ações.

Para a construção do instrumento, foram utilizadas orientações e diretrizes estabelecidas por Serva (1997), para quem cada elemento constitutivo da ação racional constitui um indicador de racionalidade. Desse modo, na primeira etapa de construção do questionário, foram identificados e descritos todos os indicadores, em conformidade com a Tabela 1:

Tabela 1
Definição dos indicadores das racionalidades.
Definição dos indicadores das racionalidades.
elaborada pela autora.

Considerando que não há exclusividade de um só tipo de racionalidade nas ações, uma vez que o cotidiano implica a presença de ambas (Serva et al., 2015), ainda utilizando Serva (1997) foi construído um continuum para identificar a intensidade das presenças das razões instrumental e substantiva, conforme Tabela 2:

Tabela 2
Continuum de intensidade.
Continuum de intensidade.
elaborada pela autora.

Na etapa seguinte, foram elaboradas as afirmativas para a medição de cada indicador, e, em seguida, o questionário foi construído, conforme Apêndice – Questionário desenvolvido, com vinte e cinco (25) afirmativas que caracterizam a racionalidade instrumental, e dezoito (18), descrevendo a racionalidade substantiva, totalizando quarenta e três (43) afirmativas, conforme Tabela 3 – Distribuição das afirmativas por indicador. Essas descrições foram baseadas na literatura, sobretudo Serva (1997).

Tabela 3
Distribuição das afirmativas por indicador.
Distribuição das afirmativas por indicador.
Elaborada pela autora.

Analisando-se a frequência das respostas, no continuum, estratificando os dados segundo a visão dos empregados que atuam na linha de frente e a dos que atuam nos bastidores, será possível identificar a predominância dos indicadores. Para as questões de 1 a 25, a maior frequência de resposta do lado direito da escala, indica a superioridade da racionalidade instrumental, e, para as questões de 26 a 43, a maior frequência de respostas do lado direito da escala, indica a predominância da racionalidade substantiva, norteando as percepções, as ações ou comportamentos dos empregados nas organizações de serviço.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há muitos estudos realizados no Brasil sobre a racionalidade nas organizações que utilizam o modelo de análise proposto por Serva. Esses estudos validam o pesquisador, afirmando a coexistência das duas racionalidades, instrumental e substantiva, na gestão de organizações.

A literatura consultada abordou, predominantemente, o método qualitativo de coleta de dados, ressaltando que a observação dos pesquisadores foi a mais recorrente.

Nesse sentido, a contribuição deste estudo está em apresentar um questionário para a coleta de dados, segundo a visão dos empregados, possibilitando a sua aplicação pelos profissionais da área de Gestão de Pessoas, visando implementar mudanças, no sentido de alinhar suas políticas e práticas ao ciclo de sucesso das empresas.

A aplicação e tabulação do questionário será facilitada se colocado de forma eletrônica.

Convém esclarecer que o questionário foi aplicado em alguns profissionais que atuam no setor de serviços, e as observações que fizeram foram incorporadas no instrumento, tornando-o mais preciso.

Pelo resultado apresentado no Apêndice – Questionário desenvolvido, concluímos que o objetivo estabelecido na introdução e que norteou este estudo: elaborar um instrumento que detecte as percepções, as ações ou os comportamentos humanos que se ajustam aos elementos da racionalidade instrumental nas organizações de serviço, foi atingido.

Agradecimentos

Agradeço o apoio financeiro recebido do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq-Brasil), por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), PROCESSO: 80-00009/2018-5. Instituição de Execução: Faculdade Instituto Paulista de Ensino (Fipen), CNPJ: 47358536000147.

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Questionário desenvolvido.

Prezado profissional, o questionário apresentado a seguir tem por objetivo colher a sua opinião sobre alguns indicadores a respeito das práticas utilizadas onde você trabalha.

Sua resposta será tratada com absoluta confidencialidade.

Por favor, coloque um X na alternativa abaixo que representa a sua situação na empresa:

( ) Meu trabalho é manter contato direto com os clientes externos.

( ) No meu trabalho, tenho baixo ou nenhum contato com os clientes externos.

Para responder às questões, coloque, por favor, um X no número que corresponde à sua opinião, tendo por base a escala de intensidade de ocorrência da afirmativa, conforme segue:






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