PRÁTICAS ADMINISTRATIVAS DOS LÍDERES DE PRIMEIRA LINHA ENQUADRADAS NAS RACIONALIDADES INSTRUMENTAL E SUBSTANTIVAS, EM EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇO DE PEQUENO PORTE
ADMINISTRATIVE PRATICES OF FIRTS LINE LEADERS BASED ON INSTRUMENTAL AND SUBSTANTIVE RATIONALITY, IN COMPANY SERVICE PROVIDER OF SALL ACTION
PRÁTICAS ADMINISTRATIVAS DOS LÍDERES DE PRIMEIRA LINHA ENQUADRADAS NAS RACIONALIDADES INSTRUMENTAL E SUBSTANTIVAS, EM EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇO DE PEQUENO PORTE
Revista Científica Hermes, vol. 25, pp. 491-509, 2019
Instituto Paulista de Ensino e Pesquisa
Recepción: 28 Abril 2019
Aprobación: 22 Septiembre 2019
Resumo: A racionalidade substantiva e instrumental presente nas organizações tem sido amplamente pesquisada. A racionalidade substantiva busca a eficiência pela autonomia, participação, satisfação e interação dos colaboradores. A racionalidade instrumental fundamenta-se na estrutura organizacional, busca a eficiência pela racionalização do trabalho, enfatizando a tarefa e a tecnologia. Estudos revelam que a atuação do líder tem apoiado práticas da racionalidade substantiva. Amparado por esses dados, este artigo, com base em pesquisas teóricas e de campo realizada por meio de entrevistas estruturadas, tem como objetivo identificar e analisar as ações administrativas dos líderes de primeira linha, que possam ser classificadas como pertencentes à racionalidade substantiva e/ou instrumental, em uma organização da região metropolitana de São Paulo, tal classificação poderá ser identificada notando principalmente a autonomia presente ou não no nível tático, impactando as atividades organizacionais. Os resultados confirmam pesquisas anteriores, evidenciando a predominância da racionalidade instrumental nas práticas administrativas, comprovando a falta de autonomia no nível tático.
Palavras-chave: Racionalidade substantiva, racionalidade instrumental, autonomia e liderança de primeira linha.
Abstract: The substantive and instrumental rationalities present in organizations have been widely researched. Substantive rationality seeks the efficiency by the autonomy, participation, satisfaction and interaction of the collaborators. The instrumental rationality is based on the organizational structure, seeks the efficiency by the rationalization of the work, emphasizing the task and the technology. Studies reveal that the leader's performance has supported practices of substantive rationality. Supported by these data, this article, based on theoretical and field research, conducted through structured interviews, aims to identify and analyze the administrative actions of the leaders of the first line, that can be classified as belonging to substantive and / or instrumental rationality, in an organization of the metropolitan region of São Paulo, such classification can be identified by noting mainly the autonomy present or not at the tactical level, impacting on organizational activities. The results confirm previous research, evidencing the predominance of instrumental rationality in administrative practices, proving the lack of autonomy at the tactical level.
Keywords: Substantive rationality, instrumental rationality, autonomy and first class leadership.
1. INTRODUÇÃO
Para responder à complexidade do mundo do trabalho, muito se tem abordado o conceito de liderança e quanto as práticas relacionadas a esse termo possibilitam a manutenção da competividade e a própria sobrevivência das organizações (Lussier & Achua, 2004). Na concepção de Maximiano (2012), a liderança é “a realização de metas por meio da direção de colaboradores”, e o líder é “a pessoa que comanda com sucesso seus colaboradores para alcançar as finalidades específicas”. Para Bass e Avolio (1999) e Yukl (2013 como citado em Basto, Duarte & Oliveira, 2018, p. 263), liderança é fundamentalmente orientar as pessoas para atingir determinados objetivos, como um desempenho de excelência. Mover as pessoas nesse sentido é um desafio para qualquer organização, mas, tão importante quanto atingir as metas, é essencial identificar como elas são alcançadas. Dessa forma, não basta atingir os resultados, mas atingi-los mantendo a equipe coesa e motivada para novos desafios (Basto et al., 2018).
Os estudos sobre os significados e os sentidos do trabalho têm levantado as questões das racionalidades instrumental e substantiva presentes das organizações de trabalho. A racionalidade instrumental está pautada no cálculo utilitário das consequências, na busca do êxito econômico e do poder, ou seja, supõe-se que as ações das pessoas sejam direcionadas, basicamente, por incentivos econômicos, motivos utilitaristas, pelo alcance de maior ganho financeiro e de poder. Já na racionalidade substantiva, a ação é direcionada para autorrealização, satisfação, julgamento ético, autenticidade, autonomia e valores emancipatórios, como solidariedade, liberdade e bem-estar coletivo (Serva, 1997).
Alguns dos estudos sobre o sentido do trabalho, tais como os de Clegg (1990, como citado em Andrade et al., 2012, p. 207), mostram que a liderança é um dos imperativos que tem proporcionado formas mais flexíveis de organização do trabalho, implantando, portanto, uma lógica de ação diferente da instrumental, ou seja, traços de uma racionalidade substantiva. Entretanto, para Dellagnelo e Machado-da-Silva (2000), tais práticas não representariam uma ruptura com o modelo burocrático de organização, caracterizado pela predominância da racionalidade instrumental.
Estimulado pela possibilidade de estudar as ações dos líderes de primeira linha em uma empresa de pequeno porte, este trabalho tem como objetivo identificar e analisar as ações administrativas desses líderes que possam ser classificadas como pertencentes a racionalidade substantiva e/ou instrumental em uma organização da região metropolitana de São Paulo, tal classificação poderá ser identificada notando principalmente a autonomia presente ou não no nível tático, impactando as atividades organizacionais.
Por tratar-se de uma empresa de pequeno porte, a hipótese é que os líderes tenham mais autonomia para realização do trabalho, favorecendo a criatividade, inovação de projetos e resolução de problemas, sem a interferência do nível estratégico.
Este artigo está dividido em sete seções, sendo a introdução, a primeira. Na seção 2, será apresentada a fundamentação teórica. Em seguida, será descrita, na seção 3, a metodologia. Na seção, 4, serão apresentados os resultados e discussão. Na quinta seção, serão feitas as considerações finais, na sexta seção, estão os agradecimentos, e, na última seção, estão relacionadas as fontes de pesquisa teórica.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
As pesquisas envolvendo a racionalidade substantiva e instrumental foram iniciadas em 1965, por Guerreiro Ramos com a obra Teoria substantiva da vida humana associada, na qual afirma que a racionalidade substantiva seria um atributo natural do ser humano, que reside na psique (Guerreiro Ramos 1965 como citado em Serva, 1997, p. 19).
O desafio para a continuidade dessa pesquisa foi a morte prematura de Guerreiro Ramos, logo após a publicação de seu estudo, sem que houvesse considerado a aplicação da sua teoria nas organizações, ou seja, na práxis administrativa.
Desde a publicação do livro lançado por Guerreiro Ramos, novos estudos foram sendo desenvolvidos. No Brasil, um dos mais importantes foi a obra de Maurício Serva (1997), publicada no artigo “A racionalidade substantiva demonstrada na prática administrativa”. Nesse estudo, Serva alia a Teoria das Racionalidades de Guerreiro Ramos com a Teoria da Comunicação de Habermas, e apresenta um modelo de estudo, que permite, aos pesquisadores, identificar por meio de uma escala de intensidade a predominância de uma racionalidade mais substantiva ou instrumental nas organizações.
Do mesmo modo, Serva (1997) identifica os elementos da ação racional substantiva como sendo: a autorrealização, o entendimento, o julgamento ético, a autenticidade, os valores emancipatórios e a autonomia. Já a ação racional instrumental seria formada por ações baseadas no alcance de metas técnicas e ligadas ao interesse econômico, sendo constituída pelos elementos: cálculo, fins, maximização dos recursos, êxito/resultados, desempenho, utilidade, rentabilidade e estratégia interpessoal.
Posteriormente, Serva (1997) aplica seu modelo em três organizações, dividindo-o em três fases: primeiro, a detecção dos indicadores, pois com base na realização das entrevistas e visualização do ambiente de trabalho pode-se detectar quais são os estilos mais predominantes em cada organização pesquisada. Em seguida, mapeia esses indicadores, justificando cada elemento em um contexto que permitiu compreender se a organização possuía uma lógica mais ou menos substantiva ou instrumental, mas salientando que não necessariamente a organização deixa de estar inserida nas duas. O tipo de racionalidade varia de acordo com cada situação vivenciada pelas organizações em seu cotidiano. Já, na terceira fase, foi identificada a intensidade da racionalidade.
A partir dos estudos de Guerreiro Ramos, Serva (1997), afirma que a racionalidade instrumental consiste na busca do sucesso individual desprendido de ética, pautada somente no cálculo utilitário e no êxito econômico, sendo essa lógica própria da maioria das organizações produtivas, em que o padrão de sucesso é determinado pelas leis do mercado.
Por outro lado, a racionalidade substantiva teria uma abordagem ampla, na qual a ética seria uma disciplina preponderante na análise da vida social. Além disso, por meio da racionalidade substantiva, os indivíduos poderiam direcionar sua vida pessoal na busca da autorrealização, tendo em vista o alcance da satisfação social, isto é, considerando-se também o direito dos outros indivíduos de fazê-lo (Serva, 1997).
De acordo com Ornelas e Souza (2014), seguindo a teoria de Guerreiro Ramos, a racionalidade substantiva, em primeiro lugar, nunca poderá ser confinada em um enunciado interpretativo, pois somente por meio da livre experiência da realidade e de sua precisa articulação poderá ser compreendida, nem é possível compreendê-la por meio da simples aquisição de um pacote de informações (Guerreiro Ramos 1981, p. 184 como citado em Ornelas & Souza, 2014, p. 452). Nessa concepção, a racionalidade substantiva não se limita a uma forma de atuação, mas pelas ideias e princípios dos indivíduos.
O modelo desenvolvido por Serva (1997) compreende onze processos organizacionais essenciais e sete processos complementares, conforme Tabela 1:

De acordo com as entrevistas realizadas por Serva (1997), com gestores do nível hierárquico intermediário, foram identificados 11 processos na organização pesquisada e, assim, foi definida a racionalidade predominante.
De acordo com Chiavenato (2004), o nível hierárquico intermediário é o responsável pela articulação interna entre os níveis institucional e operacional, recebendo o nome de nível gerencial ou tático. Funciona como uma camada amortecedora dos impactos ambientais, pois recebe as decisões globais tomadas no nível estratégico e as transforma em programas de ação para o nível operacional.
Para Mintzberg (1968, como citado em Maximiano, 2000, p. 24) os papéis gerenciais são voltados para três aspectos básicos: decisões, relações humanas e processamento de informações. Além desses aspectos, o trabalho do gerente varia de acordo com o seu nível hierárquico, especialidade, tamanho da empresa, conjuntura econômica e outros fatores.
Até 1970, era comum, nas empresas, 10 escalões gerenciais, ou níveis hierárquicos. Na década de 1980, ganhou força o processo de enxugamento das organizações, ficando reduzidas a 3 níveis, e, na década de 1990, tornaram-se comuns as pirâmides achatadas (Maximiano, 2000).
Katz (1955 como citado em Maximiano, 2000, p. 26) que aprofundou as ideias de Fayol, considerou dividir as habilidades gerenciais em três categoriais: técnicas – relacionadas diretamente à atividade específica; humanas compreendendo a necessidade, interesse e atitude das pessoas; e, por fim, a conceitual, que utiliza o intelecto para formular as estratégias. A Figura 1, a seguir, apresenta essas três categorias articuladas com os níveis hierárquicos:

Respaldado pelo modelo de Serva (1997), este estudo pretende identificar e analisar as ações administrativas que possam ser classificadas como pertencentes à racionalidade substantiva e/ou instrumental em uma organização da grande São Paulo, tal classificação poderá ser identificada notando, principalmente, a autonomia presente ou não no nível tático, impactando as atividades organizacionais. De acordo com Serva (1997), se uma organização consegue obter êxito não seguindo, predominantemente, as diretivas da racionalidade instrumental dominante, então, ela apresenta um alto grau de autonomia e de auto-organização.
3. METODOLOGIA
Os dados levantados, segundo a visão do grupo intermediário, composta pelos supervisores, foram colhidos em uma organização da grande São Paulo. É importante destacar que essa organização, pertencente ao nicho de manutenção de válvulas, possui inúmeras concorrentes, contudo, há indícios de que algumas dessas empresas estão bem atrás de outras, como a que será estudada, por sua habilidade para atender o cliente. Outro ponto a ser destacado diz respeito ao documento chamado ART, que a organização estudada não possui, impossibilitando-a de emitir certificação. Muitas empresas, que solicitam trabalhos de manutenção e calibração das válvulas industriais, necessitam desse documento para ficarem em conformidade com diversos órgãos competentes. As empresas contratantes desse tipo de serviço são dos mais variados setores, tais como: Coca Cola, ramo de bebidas; Selmi, massas, como espaguete e lasanha; Jolimode, indústria têxtil, e Eucatex, com a produção de tintas e vernizes.
Tendo sido estabelecido o objetivo, o passo seguinte foi realizar o levantamento bibliográfico sobre o tema, utilizando, como principal fonte, os estudos de Serva (1997), que propõe um modelo de análise das racionalidades substantiva e instrumental nas organizações. Para o entendimento sobre o nível tático da organização pesquisada, foram utilizadas as ideias propostas por Maximiano (2000), ao mostrar a evolução da teoria geral da administração.
Além das pesquisas bibliográficas, foram realizadas entrevistas com dois funcionários, líderes de primeira linha responsáveis pelas áreas de administração e manutenção, e, para isso, optou-se pela utilização do questionário de entrevista utilizado por Ferreira (2003), que serviu de base para a criação do roteiro.
As entrevistas foram feitas em uma sala de reunião na sede da empresa. Essa organização atua na área de prestação de serviços, especificamente fazendo manutenção de válvulas industriais, possuindo sete colaboradores, sendo três no setor administrativo, responsáveis por compras, vendas e procedimentos administrativos gerais, e quatro no setor de manutenção, responsáveis pelos serviços de visitas diretas aos clientes e processo de manutenção dos equipamentos recebidos pela empresa, além desses, a empresa possui seis sócios participantes no negócio, salientando que dois deles possuem uma participação em uma outra organização maior, que é responsável pela fabricação de válvulas novas para o mercado, além disso, um é o atual gerente da produção dessa empresa. Já os outros três, apesar de não estarem inseridos no cotidiano da organização maior, também não estão presentes na de menor porte, com isso pode-se notar uma ausência bastante impactante dos sócios na condução das atividades.
O desenvolvimento da pesquisa ocorreu no segundo semestre de 2018, com o intuito de determinar como a racionalidade substantiva ou instrumental é analisada a partir da visão do grupo intermediário de funcionários da organização, constituído pelos supervisores administrativo e de manutenção.
As entrevistas foram gravadas, transcritas e, posteriormente analisadas, via análise de conteúdo.
4. RESULTADOS e discussão
No decorrer das entrevistas com os supervisores, observou-se que a empresa possui uma estrutura hierárquica. A supervisora administrativa informou que duas pessoas respondem diretamente a ela, enquanto o supervisor da manutenção coordena o trabalho de três pessoas. Acima desses supervisores está a diretoria, podendo ser melhor visualizada na Figura 2 a seguir:

Mesmo não havendo normas escritas, como salientado pelos supervisores, as atividades de cada setor possuem um direcionamento por parte da organização. O cronograma de trabalho, desenvolvido pela equipe administrativa e de produção, delimita os procedimentos a serem adotados pelos empregados, para que cada um possa desempenhar da melhor maneira possível a sua atividade, sabendo exatamente o que pode e o que não pode fazer.
Ao se analisar a possível influência dos empregados nas decisões da empresa, verifica-se que os de nível operacional podem dar sugestões e opiniões. Como exemplo, pode-se citar que os empregados dos níveis operacional e tático elaboraram um plano de negócio, que foi aprovado pelo nível estratégico, o que contribuiu para a melhoria dos processos.
A análise da existência de normas expressamente escritas revelou não haver tal procedimento, porém, existe uma cultura em que essas normas são conhecidas por todos, pois elas são passadas oralmente dos colaboradores mais antigos para os mais novos.
A análise da hierarquia e das normas revelou a predominância da racionalidade instrumental, caracterizadas pela rigidez com relação às normas preestabelecidas, mesmo que de forma oral. Por outro lado, a possibilidade de participação dos empregados dos níveis tático e operacional enquadra-se na racionalidade substantiva.
Nas entrevistas, percebeu-se que o valor essencial da empresa é prestar um atendimento benéfico ao cliente, pois as válvulas, em que são feitas as manutenções, são produtos de altíssimo risco, e quaisquer falhas nesses equipamentos resultam em perda de produção e acidentes ao cliente final. Desse modo, o principal valor da organização é zelar pelo bem-estar do cliente e torná-lo fidelizado, seduzido pelos serviços prestados. O cuidado com o equipamento e as consequências que podem trazer aos clientes são muito mencionados pelo supervisor da manutenção. Disseminar o valor essencial do processo de manutenção entre os empregados, demonstrando respeito ao bem-estar coletivo, são indicadores da racionalidade substantiva.
Para manter o valor propagado, a empresa recicla seus colaboradores para agir com rigor técnico, atuando, desse modo, de acordo com Bateson e Hoffmann (2001), ao mencionar que as empresas de serviço não devem parar de treinar seus funcionários. Bateson e Hoffmann (2001) argumentam que os funcionários de uma organização de serviços precisam ser treinados nos tópicos seguintes:
Cultura, objetivo e estratégia da organização: aqui o objetivo é despertar o compromisso emocional com a estratégia da organização, facilitando a propagação dos valores fundamentais como: compromisso com a excelência do serviço; responsabilidade; espírito de equipe; respeito mútuo; honestidade e integridade.
Habilidades interpessoais e técnicas: as habilidades interpessoais referem-se ao desenvolvimento da percepção, a aprender a ouvir o outro, observar, desenvolver linguagem corporal e até mesmo facial. A habilidade técnica constitui a incorporação do conhecimento pelo funcionário para o desenvolvimento de suas atividades, tais como: operar equipamentos; ser conhecedor das regras impostas pela organização, dentre outras.
Conhecimento do produto ou serviço, a fim de os empregados saberem explicar e responder às dúvidas dos clientes, bem como conhecer o padrão em que a execução das atividades deve se alinhar.
Para o processo de tomada de decisão, a busca por solucionar problemas dos clientes, ou mesmo impedir que ocorram, é trabalhada de maneira bem clara e transparente. Em geral, o supervisor de manutenção permite, na sede ou no cliente, que os técnicos executem a sequência das atividades sozinhos. Nesse sentido, há autonomia para que esse profissional conduza sua equipe sem interferência dos diretores, que, em casos muito extraordinários, são solicitados para auxiliar. Do mesmo modo, os técnicos possuem autonomia para realizar suas atividades diárias, recorrendo ao supervisor em casos mais complexos.
O departamento de manutenção tem verba própria prevista em orçamento e a utilização da verba fica a critério do supervisor, no entanto, equipamentos ou serviços que superem o valor previsto em orçamento só são adquiridos com autorização da diretoria.
O processo de tomada de decisão para contratação de novos colaboradores, em razão do aumento de demanda, ocorre de comum acordo entre supervisores e diretoria; contratações para repor o quadro de colaboradores não necessitam de aprovação do nível estratégico, porém, a decisão de dispensa de algum colaborador deve ser precedida de comunicação para diretoria, que considerará a dispensa efetiva ou não.
Pelos aspectos abordados, verifica-se que os processos e procedimentos de tomada de decisão indicam a predominância da racionalidade instrumental, uma vez que a decisão final, sobre assuntos impactantes na organização, são, quase sempre, da camada superior, ocasião em que as camadas inferiores contribuem com opiniões sobre os caminhos que podem ser delineados.
A respeito do controle das atividades, pode-se notar o acompanhamento dos supervisores, analisando e contribuindo com a melhoria do desempenho de cada empregado. Pela experiência no trabalho e na organização, os supervisores são espelhos para os empregados que ocupam a linha hierárquica inferior. Mesmo havendo liberdade nos afazeres, depois de adaptados nas atividades, o monitoramento é necessário para a organização não sair dos eixos já estabelecidos culturalmente.
Ainda que a maioria das empresas desse ramo, no mercado, gratifiquem seus empregados pelos resultados alcançados, na empresa pesquisada, os supervisores não possuem autonomia para isso, sua ação restringe-se ao cumprimento ou agradecimento pelo bom desempenho mensal, ou uma tentativa de aumento, para o funcionário que se destacou, junto à diretoria. Nesse fator, destaca-se a racionalidade instrumental, em virtude da falta de autonomia do nível tático em promover benefício, por ele próprio, em prol dos colaboradores abaixo dele na escala hierárquica. Mesmo que esses empregados sejam os olhos da organização, somente a diretoria, ou o nível estratégico, pode estimulá-los financeiramente.
O controle das atividades para que a empresa não saia dos eixos e a impossibilidade de o supervisor gratificar o bom desempenho, enquadram-se, prioritariamente, na racionalidade instrumental.
Com relação à divisão do trabalho, percebe-se que é bem delimitada. A supervisora do setor administrativo trabalha mais focada na área de vendas e elaboração de orçamentos de manutenção. Há uma funcionária mais voltada ao trabalho de compras e às atividades de vendas de produtos com preços predeterminados, enquanto uma outra auxilia nas atividades administrativas. A mesma delimitação ocorre na área de manutenção, em que o supervisor realiza as atividades mais complexas, seja na realização das manutenções externas ou nas manutenções recebidas na empresa, enquanto os outros dois funcionários realizam as manutenções em equipamentos mais simples, além da análise de estoque e confecções de peças utilizadas nas manutenções. Por se tratar de uma divisão de trabalho bem delimitada, que segue o paradigma taylorista, essa prática se enquadra na racionalidade instrumental (Ribeiro, 2015).
Apesar de as funções serem bem delimitadas observou-se que não há impedimento para que um colaborador inexperiente possa realizar atividades mais complexas, desde que demonstre interesse e capacidade para realizá-las.
De acordo com Ramos (1983, como citado em Santos e Serva, 2013, p. 3), o consenso remete à ideia do entendimento necessário para que as organizações operem segundo suas expectativas de produtividade e eficácia e consigam uma manutenção de padrões. Nesse sentido, há consenso entre os empregados de que um deve cobrir o trabalho do outro em período de férias, e, para que isso ocorra, é importante o repasse de informações. A comunicação é importante em todo o processo para que o serviço executado seja passado, com os devidos detalhes da manutenção, para o setor administrativo, até chegar ao cliente que confirmará ou não o serviço.
A comunicação interna na empresa é feita de forma simples: em conversa direta entre os colaboradores; via mensagens de textos e comunicação; via áudio por meio de aplicativos; e-mail e mural publicado no corredor de acesso para o escritório administrativo. Todos podem conversar com todos sem um horário previamente marcado. Os supervisores mostram-se aptos para transmitir as informações oriundas do nível estratégico para o operacional. Da mesma forma, a comunicação chega ao nível superior, se necessário. Essas práticas, enquadram-se mais na racionalidade substantiva, sendo caracterizada pelo elemento de autenticidade das pessoas na organização.
De acordo com Serva (1997), quanto mais autonomia se tem para assumir livremente uma atividade, ter viva voz no debate que resulta na distribuição das tarefas, argumentar e ver os seus argumentos serem alvos de contra-argumentações autênticas, mais engajamento com o trabalho é acarretado. Agindo nessa perspectiva, para o desenvolvimento do plano de investimentos, a empresa estimulou a participação dos empregados para que opinassem quanto ao destino dos recursos: aquisição de novo aparato ferramental para as manutenções externas e internas; aquisição de máquinas; contribuição para atualização do site da organização, dentre outros. A oportunidade de participar, incentiva a melhoria contínua dos trabalhos e contribui para a tomada de decisão dos diretores da organização.
Com relação aos problemas a serem resolvidos, foi possível observar nas entrevistas, que os supervisores sentem falta de uma maior aproximação da diretoria com o nível inferior da organização. Tal aproximação permitiria que a diretoria compreendesse melhor as necessidades dos colaboradores na execução de suas atividades e conhecesse como a concorrência trabalha. A empresa, por exemplo, não possui tecnologia para os testes de calibração em válvulas de segurança sem a necessidade de desinstalação do sistema, e isso compromete a produção, pois sempre que o cliente precisa do serviço, a produção é interrompida para retirada do equipamento, a fim de que o serviço do cliente seja realizado.
A relação com a diretoria não é de fácil acesso cotidianamente, mas o contato entre supervisores e demais funcionários é de aproximação, conforme relatado pelo supervisor de manutenção. Há, segundo o entrevistado, uma relação de compartilhamento de informações pessoais e familiares, dentre outros assuntos não pertinentes ao trabalho, permitindo assim uma maior autenticidade das pessoas, e liberdade para conversa entre todos, tornando o ambiente mais agradável entre os funcionários, indiciando a ocorrência da racionalidade substantiva.
Diante dos fatores delimitadores para a condução de projetos específicos, que dependem da autorização da diretoria, da dificuldade de aproximação desse nível com os supervisores, para entendimento dos embaraços operacionais, e da falta de relacionamento com os empregados da base da pirâmide hierárquica, identificamos que o processo de comunicação e relações interpessoais, entre os supervisores e a diretoria e dessa com o nível operacional, está mais associado ao tipo de racionalidade instrumental.
Com relação aos indicadores de ação social e de relações ambientais, não há o que observar, pois nem a organização nem funcionários os praticam. A ausência de tais ações indica a presença da racionalidade instrumental.
Com relação ao processo de reflexão sobre a organização, notamos que os supervisores possuem um olhar mais analítico e com outras opções do que a organização pode fazer para mudar seu status e captar mais clientes, porém, suas ideias e manifestações não são recebidas com facilidade pelo nível estratégico, restringindo, desse modo, o desenvolvimento da organização. Visto que os supervisores possuem visão do negócio alinhada com as práticas correntes e os diretores não, o conjunto da organização não faz uma reflexão consistente e efetiva, caracterizando, assim, como predominante nesse processo a razão instrumental.
De acordo com as entrevistas, a organização não possui conflitos entre supervisores e demais liderados. Contudo, há um conflito no entendimento das orientações, com enfoque e clareza, por parte da diretoria, ao mostrar onde a empresa almeja chegar e quais recursos serão disponibilizados para o atingimento de metas. Resultados, como em qualquer empresa, são cobrados, com informação de meta estipulada mensalmente, porém não existe um posicionamento explícito, por parte do nível estratégico, em contribuir com novas possibilidades de desenvolvimento da empresa. O fato de os diretores não estarem presentes todo o tempo na organização, e mais centrados em realizar as atividades da empresa principal de fabricação de válvulas, restringe de maneira significativa o foco que a empresa de manutenção deveria ter, caracterizando um processo mais voltado para racionalidade instrumental.
Os supervisores, durante a entrevista, mencionaram que se sentem satisfeitos com seus empregos, pelo aprendizado que incorporaram, porém a empresa não prioriza a satisfação deles, seja por meio de parabéns verbais ou pela satisfação de outras necessidades, que poderiam ser oferecidas pelo nível estratégico também aos funcionários operacionais. A falta de interesse em conciliar a satisfação das expectativas dos empregados com o atingimento das metas, descreve a racionalidade instrumental por parte da diretoria, e o fato de os supervisores se dizerem satisfeitos por terem aprendido muito para o que são hoje, revela a racionalidade substantiva.
A dimensão simbólica surgiu nas entrevistas ao responderem que ficariam tristes caso a empresa não se mantivesse no mercado. Esse ambiente, que acarretou muito aprendizado para ambos os lados, e ganho para o sustento de suas famílias, possui muito significado para os entrevistados, permitindo considerar essa dimensão como racionalidade substantiva.
A argumentação feita até aqui revela que as racionalidades substantiva e instrumental se entrelaçam nas ações dos supervisores, considerados líderes de primeira linha da empresa pesquisada. As entrevistas realizadas revelaram que a maneira como esses líderes atuam coaduna-se com as ideias de Kohlrieser (2007, como citado em Basto et al, 2018) ao mencionar que as organizações procuram líderes detentores de qualidades para conduzir os negócios e, para isso, precisam estar preparados para entender e influenciar os liderados. Um líder precisa ter habilidade para controlar suas emoções, inspirar e criar um ambiente saudável, de cooperação e confiança, bem como ajudar os membros injustiçados e humilhados pelos demais da equipe a se relacionarem melhor em grupo. Os líderes precisam estar preparados para tensões, conflitos e problemas a serem resolvidos e, além disso, precisam de um senso de proteção para ajudar a comunicar e entender por que a mudança é necessária.
Esses líderes, mesmo atuando em ambiente em que predomina a racionalidade instrumental, configurada pela opressão das normas, controles, impossibilidade de introduzir inovações e ausência da diretoria, propagam, entre seus liderados, valores de natureza emancipatória e grau de liberdade e julgamentos éticos, o que coloca a perspectiva da emancipação do indivíduo frente à estrutura instrumental e permite pressupor que, mesmo com os obstáculos que a busca pelo lucro pode propor a qualquer indivíduo, seja disputas por controle, lutas morais, éticas entre outras, ainda existem evidências, ressaltadas por Guerreiro Ramos, de que a razão substantiva é um atributo do ser (Cerri, Maranhão, & Pereira, 2017).
A análise do conteúdo das entrevistas entre os líderes de primeira linha permitiu enquadrar os resultados nos indicadores instrumentais ou substantivos, conforme Tabela 2, apresentado a seguir:

O enquadramento de cada elemento presente nas organizações remete a estudos contínuos, como o empenhado neste artigo, que devem ser realizados periodicamente, e analisados de maneira a compreender a forma como a empresa modela cada setor, e qual seu estágio naquele determinado período. Não há exclusividade de um só tipo de racionalidade nas ações organizacionais, uma vez que o cotidiano implica a presença de ambas (Serva, Caitano, Santos, & Cerqueira, 2015), por isso o importante é saber categorizar quais são as ações instrumentais e quais são as substantivas, para que o enquadramento seja correto e possa ajudar os gestores a tornar suas organizações mais produtivas e os seus empregados mais protagonistas.
5. considerações finais
Diante do exposto, podemos notar que a empresa pesquisada possui elementos com tendência mais voltada para ao tipo de racionalidade instrumental, totalizando 8 dos 11 processos utilizados. Esse resultado mostra que temos uma organização mais concentrada na mecanização e no trabalho voltado à obtenção de resultados, sem a análise construtiva e motivadora do nível estratégico para os demais níveis, em especial, para o tático, que move todo o circuito operacional para eficácia e realização das atividades da organização. O nível tático torna-se a área mais importante da organização, pois todo o processo é de conhecimento dos dois supervisores destacados no artigo.
Consideramos, ainda, que, em vista da alta relação dos clientes com os colaboradores que realizam o atendimento direto, eles poderiam ter autonomia para tomar decisões, dentro de limites previstos.
Com base nas entrevistas, foi observado que as atividades rotineiras são feitas de maneira autônoma, porém, em casos mais críticos, o reporte ao nível estratégico se torna necessário. Uma maneira de especializar a equipe para os momentos de dificuldade seria pelo empowerment dos líderes para a tomada de decisões, permitindo que esse nível tático solucionasse as questões de maneira mais prática e assertiva, pois eles possuem a visão geral do negócio e do mercado.
O fato de a empresa estudada ser de pequeno porte, possibilitou traçar a hipótese inicial como sendo uma empresa mais voltada para a racionalidade substantiva, pela proximidade com a diretoria, mas o estudo demonstrou o contrário. Pode ser que isso ocorra porque dos seis diretores, três não são efetivos na empresa em acompanhar os processos e os outros três são envolvidos com a empresa fabricante de válvulas, que é a prioridade dos mandatários, ficando o desenvolvimento da organização prestadora de serviço estagnada.
Um pequeno demonstrativo da importância da racionalidade substantiva e do resultado da autonomia foi a formulação de um plano de investimentos desenvolvido pelo nível tático, aprovado parcialmente, e que trouxe melhoria para o trabalho realizado pela equipe, beneficiando a organização.
Uma autonomia maior no nível tático possibilitaria um desenvolvimento crescente da organização, pois os funcionários do nível tático são os mais conhecedores das necessidades por estarem presentes diariamente na empresa.
Por fim, notamos uma organização extremamente conduzida e apoiada sob a tutela do nível estratégico, não permitindo autonomia das atividades do nível tático, denotando uma racionalidade mais instrumental nas pessoas do topo.
O objetivo deste artigo em identificar e analisar as ações administrativas dos líderes de primeira linha da organização estudada, que possam ser classificadas como pertencentes a racionalidade substantiva e/ou instrumental, foi alcançado, conforme resultado apresentado.
Por fim, sugerimos que sejam realizados estudos com o mesmo objetivo em empresas do mesmo porte e ramo na região.
REFERÊNCIAS
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