ERGUENDO PILARES

Se a teoria representa o reflexo daquilo que o meio assume como praxe até se revelar como algo próximo de um padrão, torna-se admissível que a sua expansão decorra de incursões aprofundadas no meio empírico. Portanto, a primeira escolha a ser realizada é quanto ao caráter da pesquisa. Embora não excludentes entre si, as pesquisas de caráter exploratório, explanatório ou descritivo guardam peculiaridades que as distinguem e as complementam. A pesquisa exploratória está alinhada a objetivos relacionados à compreensão de um fenômeno, sem que aspectos teóricos estejam claramente delineados. A pesquisa descritiva procura ampliar o conhecimento a respeito de algum tema já investigado, no intuito de confirmar ou não os achados da fase exploratória da construção teórica. Nesse sentido, elas se desenvolvem à luz de uma teoria, procurando determinar se os pressupostos se repetem ou se trazem à tona elementos para investigações que contribuam no preenchimento de uma lacuna. Por sua vez, as pesquisas explanatórias (ou explicativas) procuram aproximar perspectivas teóricas, definindo como as relações se estabelecem no meio empírico (Yin, 2001).

Entre diferentes fatores, o tempo de investigação, os recursos disponíveis, a facilidade de acesso ao campo e a própria história do pesquisador orientam na determinação do caráter da pesquisa. Assim, pesquisas alicerçadas em projetos de médio e longo prazo tendem a transpor a barreira entre a exploração e a descrição do campo, possibilitando pesquisas exploratório-descritivas, comuns em teses. Por outro lado, trabalhos que representam avanços dentro de grupos de pesquisa tendem a descrever seções de uma investigação mais ampla. Estas pesquisas costumam ganhar espaço dentro da graduação e em dissertações de mestrado. A compilação desses trabalhos tende a se transformar em livros, capítulos de livros ou artigos científicos que explanam a conexão entre perspectivas teóricas percebidas no mundo real.

A segunda escolha recai sobre o método propriamente dito. Investigações de ordem qualitativa e quantitativa estão, em parte, relacionadas com o caráter da pesquisa. Usualmente, em investigações de caráter exploratório se busca compreender a percepção dos envolvidos sobre algum fenômeno. O que se deseja é que tais revelações aflorem com naturalidade, prevalecendo a profundidade em detrimento à quantificação de resultados (Cunliffe, 2011; Gaskell, 2000). Ressalta-se que não se descartam pesquisas quantitativas para explorar os dados, uma vez que podem ser alcançados, por exemplo, através de análise fatorial exploratória. Diante de dados obtidos por método quantitativo, o pesquisador procura compreender como eles se organizam em torno de fatores que podem vir a representar um ou mais construtos. Por outro lado, pesquisas quantitativas possuem maior capacidade de explicar a relação entre variáveis e entre os construtos preestabelecidos. Desta forma, quando o pesquisador se detém a buscar aproximações teóricas, pesquisas quantitativas podem oferecer respostas substanciais. Pesquisas que combinam aspectos exploratórios, explanatórios e descritivos tendem a gerar uma compreensão mais ampla sobre fenômenos sociais (Creswell & Plano Clark, 2011).

Uma vez definidos o caráter e o método da pesquisa, surge a terceira escolha: a técnica de pesquisa. Sem que se esgotem as possibilidades de investigação, a matriz formada entre o caráter – exploratório ou descritivo – e o método – qualitativo e quantitativo – pode oferecer a indicação de qual técnica usar. Pesquisas qualitativas de caráter exploratório podem se valer de entrevistas semiestruturadas, grupo focal e pesquisa-ação, por exemplo, que podem gerar categorias de análise a partir do corpus decorrentes de gravações e transcrições. Pesquisas quantitativas de caráter exploratório necessitam de dados que sejam passíveis de mensuração. Análises bibliométricas (Subramanyam, 1983) e surveys (Malhotra, 2004) podem fornecer tais elementos. Por outro lado, pesquisas qualitativas de caráter descritivo pretendem entender um fenômeno à luz de um corpo teórico já existente. As categorias de análise emergirão da própria construção teórica, quando o pesquisador se debruça sobre o corpus construído. Neste sentido, estudos de caso (Eisenhardt, 1989) e pesquisa-ação, entre outros, podem ser recomendados. Finalmente, pesquisas quantitativas de caráter descritivo fazem parte do mainstream das pesquisas organizacionais na área de negócios internacionais (Vasconcellos, Monticelli, Souza, & Calixto, 2013) . Normalmente são desenvolvidas a partir de um framework teórico, composto de construtos pré-elaborados, em que se procura medir as relações entre variáveis. Assim, pesquisas quantitativas que guardam um caráter exploratório, via de regra, são carentes de escalas validadas. O pesquisador deverá elaborá-las com exaustão até que as questões possam representar as variáveis encontradas. Quando o pesquisador pretende aproximar construtos de maneira a descobrir relações pouco exploradas na literatura, pode valer-se de escalas já validadas, o que lhe permite mais segurança, otimização e confiabilidade nos resultados.

A quarta escolha é o método de análise, intrinsicamente conectado com a seleção da técnica de pesquisa. A necessidade de triangulação de dados, principalmente em estudos qualitativos, impõe ao pesquisador construir diferentes análises. Tendo disponíveis os dados coletados, o pesquisador necessita se preocupar em buscar a validação das informações em documentos, dados já publicados ou mesmo indicadores econômicos. Já no caso de pesquisa quantitativa, a coleta de dados pode ser obtida, basicamente, por meio de surveys, dados em painel ou séries temporais, gerados através de fontes reconhecidas pela integridade de suas informações.

A quinta etapa se refere à análise dos dados. Esta etapa depende da construção anterior da pesquisa. A análise de dados oriundos de pesquisas qualitativas de caráter exploratório tende a demandar do pesquisador a capacidade de interpretar os resultados à luz da categorização surgida anteriormente. Quando essas pesquisas são de caráter descritivo ou explanatório, os dados são categorizados a partir do referencial teórico. A análise dos dados coletados em pesquisas qualitativas poderá ser feita de diferentes maneiras, como análises de conteúdo (Bardin, 1977), de discurso (Caregnato & Mutti, 2006) ou de conversa (Passuello & Ostermann, 2007). Há a possibilidade, inclusive de quantificar os dados coletados, através do uso de softwares específicos que possibilitam a categorização e a combinação de dados. Já os dados coletados em pesquisas quantitativas têm sua análise em sintonia com diferentes fatores, como a quantidade e a qualidade de relações entre os construtos, podendo oferecer análises para estudos aplicados com caráter exploratório e descritivo. A existência de variáveis mediadoras, moderadoras e de controle, que se inserem entre as variáveis independente e dependente podem orientar qual a técnica de análise a ser utilizada (Hair Jr., Anderson, Tatham, & Black, 2009). Outro fator determinante é o tamanho da amostra. Há técnicas que não podem ser utilizadas por quebrarem pressupostos relacionados à unidimensionalidade dos construtos, variância extraída e confiabilidade. A análise dos dados pode levar o pesquisador a usar correlação, regressão, modelagem de equações estruturais (Kline, 1998), entre tantos outros.

PAVIMENTANDO O CAMINHO

Desde o início do doutorado, poucas questões são cristalinas ao pesquisador. No exemplo proposto neste relato, fundamentalmente se buscava entender o processo de internacionalização dentro daquilo que se entendia como indústria criativa. A princípio, o desafio era entender a dicotomia entre os termos indústria e criativa. O primeiro, fundamentado em elementos econômico-racionais e o segundo estabelecido sobre a égide da criatividade, a princípio um elemento intangível, próprio do ser humano. Dado o distanciamento de significados entre os termos, tornou-se fundamental reconhecer o campo teórico e o empírico. A inserção no campo teórico se iniciou pelo entendimento do que é criatividade. Dois caminhos prevaleceram: a investigação na área da psicologia e a escolha de uma disciplina em outro programa que pudesse contribuir na compreensão de como a criatividade é transpassada ao campo organizacional. A disciplina de Cultura do Projeto, no Mestrado de Design Estratégico, na UNISINOS ampliou o entendimento sobre o tema, levando em consideração como o indivíduo constrói artefatos que sejam atraentes ao mercado. Somente no decorrer da construção da tese que se percebeu que naquela etapa o pesquisador estava diante de algo anterior à inovação. Portanto, aparentemente, inovação passava a fazer parte da tese, como elemento que permitia a criatividade se inserir no campo organizacional como geradora de resultados.

Paralelamente, necessitava-se conhecer o que é indústria criativa. As primeiras leituras já trouxeram a reflexão que não havia uma indústria criativa per se. Havia a economia criativa, composta de diferentes indústrias, em que a criatividade poderia estar representada por entradas, processos e resultados. No entanto, o fato de haver diferentes estruturas organizacionais tornava necessário que se escolhesse uma das indústrias para a investigação.

O acaso também tem seu papel dentro da pesquisa. Talvez seja o que em inglês se chama serendipity, ao transformar o acaso em oportunidade de criar. O pesquisador que também atua em sala de aula constantemente está aproximando teoria e prática no intuito de trazer ao aluno a possibilidade de entender os fenômenos existentes na esfera organizacional. Foi numa aula em que se discutiam as diferentes estruturas hierárquicas das organizações que surgiu o relato de uma aluna sobre a estrutura organizacional de uma produtora de maquetes eletrônicas para arquitetura, que estava migrando para a produção de vídeos autorais, em que seu marido atuava. A partir do convite para que ele participasse de uma das aulas, surgiu a abertura para investigar primeiramente uma empresa e depois a indústria de produção audiovisual e seu envolvimento internacional.

SINALIZANDO A ESTRADA

O desenho da pesquisa só se valida quando aplicado. Por isso, inicia-se a pesquisa preferindo as dúvidas às certezas. Era necessário explorar não só as teorias e as suas aproximações como também o campo a ser investigado. A primeira incursão foi na empresa descrita pela aluna como diferente das demais. A técnica utilizada foi de grupo focal, utilizando cartões para elicitar alguns aspectos que pudessem contribuir na compreensão do meio. Dois pontos surgiram nesse trabalho inicial que foram fundamentais para o avanço da tese: a) a motivação e a criatividade costumam trilhar caminhos próximos; b) a internacionalização, dentro do que as teorias entendem como processo gradual, não era compreendida assim no meio empírico. Os entrevistados entendiam que ser global era situação sine qua non. Desta primeira inserção passou-se a pesquisar a relação da criatividade com motivação, que conduziu a compreensão da criatividade como antecedente da inovação e da capacidade de empreender. Paralelamente, buscou-se entender a internacionalização não como inserção em mercados internacionais, mas como graus de envolvimento distintos entre as empresas e o mercado externo. Visitas a eventos da indústria, que reuniam diferentes players, possibilitaram uma compreensão via observação, completado por entrevistas com indivíduos que atuavam na produção e na comercialização de vídeos e filmes do Brasil para o exterior.

Na investigação sobre a teoria, que ocorria em paralelo, observou-se que havia, há décadas, estudos que aliavam a criatividade à inovação e ao desempenho das organizações. Também estavam bem exploradas as capacidades que levavam as firmas ao mercado internacional. No entanto, levantamentos em bases de dados revelaram uma escassa produção científica no campo organizacional que entendesse como a criatividade se transformava em recurso organizacional e, depois, em capacidades específicas que conduzissem as empresas ao mercado internacional. Já no campo empírico, era necessário que se fizesse uma pesquisa de caráter descritivo para entender como os gestores entendiam seu meio e como a internacionalização fazia parte de seu dia a dia.

As etapas seguintes levaram à compreensão que um dos papéis da criatividade é de gerar resultados, que se revela a partir da inovação. Por outro lado, o gestor necessita ser criativo para tomar decisões em ambientes incertos. Definiram-se, portanto, dois papéis centrais da criatividade: um papel que se denominou objetivo – como antecedente da capacidade de inovar; e outro papel que foi caracterizado como subjetivo – como antecedente da capacidade de empreender. Os avanços em termos teóricos levaram à construção de um modelo em que os construtos de criatividade organizacional e envolvimento internacional se relacionavam diretamente ou através de mediadores, no caso as capacidades de inovar e de empreender. Assim, ao longo dos primeiros 3 anos do doutorado, construiu-se um instrumento a partir de 4 escalas já validadas que foi aplicado na indústria audiovisual brasileira.

A TRAVESSIA

A tese, como documento final da pesquisa, se revelou como de caráter exploratório-descritivo, de abordagem quantitativa, construído a partir de escalas preexistentes que se adensavam sobre aos primeiros achados da etapa exploratória. Contudo, ao longo do período de doutorado, outros artigos surgiram. Em sequência ao primeiro trabalho exploratório, seguiram-se ensaios teóricos que objetivavam alargar e validar o conhecimento sobre a teoria, antes de aplicar a pesquisa final no campo empírico. Percebeu-se que, por se tratar de um estudo de médio prazo, houve a possibilidade de explorar a relação entre teorias, utilizando-se de escalas já validadas, sem que isso acarretasse menor poder de expansão teórica sobre o campo empírico, o que representou uma face explanatória da pesquisa, ao deter-se sobre as relações entre diferentes construtos. Um fator limitador foi a quantidade de questionários válidos. Os 78 respondentes atenderam a 90 questões, que foram analisados por meio de análise de regressão, que se mostrou como técnica de análise adequada para o tamanho da amostra e para as relações propostas.

No início deste relato, a proposta era de demonstrar o processo de criação de uma pesquisa, que casualmente se estabeleceu sobre a própria criatividade. Enquanto relato de pesquisa, buscou-se demonstrar o processo de escolha de caminhos ao longo de quatro anos, em que a combinação de métodos foi essencial na obtenção de respostas e na proposição de novos rumos para futuras investigações. Conclui-se que o processo criativo da tese demanda uma construção alicerçada em etapas exploratórias, que se sucedem tanto na teoria como no meio empírico. Ao fim deste período, ocorre a apropriação do tema que municia o autor a expandir o conhecimento, tanto em sua área de atuação como também de seu próprio processo de aprendizagem como pesquisador.

Referências

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