Artigo
Recepção: 30 Janeiro 2017
Aprovação: 22 Março 2017
DOI: https://doi.org/alcance.v24n1.p22-35
Resumo: O desenvolvimento de políticas públicas vem buscando abrir espaço, dar direitos e visibilidade para as Pessoas com Deficiências (PcDs). Pensando nas mudanças referentes à ampliação do processo de inclusão de PcD, esse estudo buscou analisar a percepção das lideranças e das suas equipes acerca da inclusão de PcD em uma empresa do ramo do agronegócio de Porto Alegre, no Rio grande do Sul. Tratou-se de uma pesquisa de caráter exploratório e qualitativa, cujo método de trabalho foi o estudo de caso. Por meio de entrevistas qualitativas com roteiro semiestruturado como forma de coleta de dados e técnica de análise de conteúdo como interpretação de dados, foram discutidos inclusão social, políticas públicas e preconceito. Os resultados mostram que os entrevistados percebem o processo de inclusão de PcD no mercado de trabalho como algo necessário, desenvolvendo uma visão organizacional, a fim de lançar melhores condições de trabalho para esses indivíduos, seja oferecendo novos conhecimentos sobre o assunto às áreas da empresa que não possuem PcDs, seja ampliando a abertura de novas vagas. Por fim foram apresentadas as limitações do trabalho e as oportunidades de pesquisas futuras.
Palavras-chave: Preconceito, Políticas Públicas, Inclusão Social.
Abstract: The development of public policies has been seeking to open space, and give more rights and visibility to People with Disabilities (PwD). Considering the changes related to the expansion of the process of inclusion of PwD, this study analyzes the perception of leaders and their teams concerning the inclusion of PwD in a company in the agribusiness sector of Porto Alegre, in the State of Rio Grande do Sul. This is an exploratory, qualitative research that uses a case study method. Through the use of qualitative interviews with a semi-structured script as a form of data collection, and the technique of content analysis, three main thematic units were discussed and analyzed: social inclusion, public policies and prejudice. The results show that the interviewees perceive the process of inclusion of PwD in the labor market as necessary, developing an organizational vision in order to ensure better working conditions for these individuals, or to offer new knowledge about the subject to areas of the company that do not have PwD, or to create more new vacancies for PwD. Finally, the limitations of the work are presented, along with some suggested areas for future research.
Keywords: Prejudice, Public Politics, Social Inclusion.
Resumen: El desarrollo de políticas públicas viene intentando abrir espacio, dar derechos y visibilidad a las Personas con Discapacidad (PcD). Pensando en los cambios referentes a la ampliación del proceso de inclusión de PcD, este estudio buscó analizar la percepción de los liderazgos y de sus equipos acerca de la inclusión de PcD en una empresa del ramo de agronegocios de Porto Alegre, en Rio Grande do Sul. Se trató de una investigación cualitativa de carácter exploratorio, cuyo método de trabajo fue el estudio de caso. Por medio de entrevistas cualitativas con guión semiestructurado como forma de colecta de datos y técnica de análisis de contenido, tal como interpretación de datos, se discutió la inclusión social, las políticas públicas y el prejuicio. Los resultados muestran que los entrevistados perciben el proceso de inclusión de PcD en el mercado de trabajo como algo necesario, desarrollando una visión organizacional, a fin de plantear mejores condiciones de trabajo para esos individuos, ya sea ofreciendo nuevos conocimientos sobre el asunto a las áreas de la empresa que no poseen PcD, ya sea ampliando la abertura de nuevas vacantes. Por último, fueron presentadas las limitaciones del trabajo y las oportunidades de investigaciones futuras.
Palabras clave: Prejuicio, Políticas Públicas, Inclusión Social.
1 INTRODUÇÃO
No Brasil, a inclusão social de pessoas com deficiência (PcDs) no ambiente de trabalho é um tema discutido e de extrema relevância. Pessoas com deficiência são aquelas que têm dificuldades de longo prazo de caráter físico, intelectual ou sensorial, podendo impedir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2002).
A Lei 8.213/91, conhecida como Lei de Cotas, obriga as empresas com 100 ou mais empregados a preencherem de 2 a 5% de suas vagas com pessoas reabilitadas ou que possuam deficiência (BRASIL, 1991). De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), foi constatado um total de 23,9% de pessoas com deficiência no Brasil, mas apenas 2,05% delas estão inseridas no mercado de trabalho.
Desta forma, percebe-se que as pessoas com deficiência estão “invisíveis” na sociedade e a crença distorcida em relação às suas incapacidades, associada ao desconhecimento sobre seus direitos, em geral, está na raiz das atitudes e dos procedimentos discriminatórios (GARCIA, 2014; FERREIRA, 2004). Discriminação pode ser definida como qualquer exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem, que anula e prejudica o reconhecimento dos direitos humanos e das liberdades fundamentais em qualquer domínio da vida (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1968).
Com isso, entende-se a necessidade da continuidade de estudos sobre esse tema, tanto para esclarecer as causas dessa dificuldade como para também vislumbrar estratégias e perspectivas que facilitem a igualdade e, consequentemente, inclusão (CARVALHO-FREITAS et al., 2010; NERI et al., 2003). Para Aranha (2009), a inclusão de PcD se fundamenta em uma filosofia que reconhece e aceita a diversidade, garantindo acesso de todos as oportunidades, independentemente das características de cada indivíduo e/ou grupo social. Apesar disso, realizar de fato a inclusão das pessoas com deficiência no ambiente corporativo ainda é um desafio, uma vez que existem dúvidas e certa insegurança em relação às suas capacidades. Este fato está relacionado ao desconhecimento acerca das reais potencialidades e limitações das PcDs, pois desde que lhe sejam dadas as oportunidades e a acessibilidade adequada, elas poderão apresentar e desenvolver todo o seu potencial (CARVALHO-FREITAS et al., 2010; CARVALHO-FREITAS, 2007; NERI et al., 2003).
Corroborando, Shier, Graham e Jones (2009), em uma pesquisa com 56 PcD e conduzida no Canadá, ressaltam a falta de relatos de PcD sobre suas experiências no mercado de trabalho, o que pode favorecer a dificuldade de entendimento do potencial desses indivíduos no ambiente organizacional, seguida da presença de rotulagem, acabando por estimular o impedimento ao sucesso das PcDs na obtenção e na manutenção de emprego.
Diante disso, Sassaki (2006) postula a ideia da necessidade de esforço mútuo por parte das pessoas, ressaltando que a sociedade precisa se adaptar para incluir. Além disso, os autores Stainback e Stainback (1999) corroboram com o autor anterior, afirmando que a inclusão não é uma ação, mas uma atitude, uma convicção. Além disso, de acordo com Gelech et al. (2017), essa convicção necessita refletir um princípio de mudança, com análises socioculturais que permitam a construção de um modelo de excelência na melhoria das relações de trabalho das PcDs.
A inclusão de pessoas e aprendizes com deficiência atende à cota de aprendizagem prevista no art. 429, caput e § 1º da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT); à Lei de PcD, prevista no Art. 93 da Lei nº 8.213/91; e à determinação do Ministério Público Federal (BRASIL, 1991). A partir dessas seleções, a área de recursos humanos apresenta o perfil dos candidatos aos gestores solicitantes. Após aprovação, o candidato ingressa na empresa, desempenhando atividades preestabelecidas e que estejam de acordo com suas capacidades e limitações. Apesar do engajamento da grande maioria dos colaboradores, nem todas as áreas oportunizam a inclusão de pessoas com deficiência na empresa. Assim, faz-se necessário o desenvolvimento de estudos, podendo-se compreender a percepção das lideranças e suas equipes acerca dos critérios, fatores e elementos para inclusão de PcD na empresa.
Por meio de uma pesquisa exploratória, o objetivo principal do estudo foi analisar a percepção das lideranças e suas equipes acerca da inclusão de pessoas com deficiência numa empresa cujo ramo é do agronegócio, produtora de commodities agrícolas, focada na produção de algodão, soja e milho. Para o alcance do objetivo geral, foi utilizado como método de trabalho o estudo de caso, em que por meio de entrevistas semiestruturadas aplicadas às lideranças e à equipe da organização foram analisados elementos relacionados à inclusão, à compreensão das políticas públicas e ao preconceito.
Além desta seção introdutória, o artigo está divido em mais quatro seções. A seção dois abordou os aspectos legais sob a ótica das políticas públicas da inclusão de PcD, compondo o referencial teórico. A seção três abordou o método de trabalho para o desenvolvimento da pesquisa. A seção quatro apresentou os resultados da pesquisa empírica e a associação de análise com os achados teóricos. Por fim, na seção cinco, são apresentadas as considerações finais.
2 REfErENCIAL TEÓRICO
2.1 Inclusão Social de Pessoas com Deficiência
Atualmente, a palavra deficiência apresenta maior visibilidade na sociedade, fruto de longo período de lutas por políticas públicas que asseguram os direitos das PcDs (BRASIL, 2010; GARCIA, 2014). As lutas de direito à igualdade de PcD se fazem necessárias por diversos motivos, em especial por se tratar de uma parcela ampla da população mundial.
Segundo os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), calcula-se que existam em torno de um bilhão de PcD, representando 15% da população mundial (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2012). De acordo com Benito, Glassman e Heidemann (2016), as práticas discriminatórias continuam a negar às pessoas com deficiência, bem como aos trabalhadores que se tornam deficientes, o acesso ao trabalho.
No Brasil, conforme dados do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), em 2010 havia cerca de 45 milhões de PcDs, ou seja, 23,9% da população. Destes, 13 milhões são pessoas que apresentam dificuldades graves, com extrema limitação na visão, na audição, na locomoção e também pessoas com deficiências intelectuais. O Relatório Mundial sobre Pessoas com Deficiência refere que 15% da população possui algum tipo de deficiência (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2012).
Torna-se possível perceber na atualidade uma mudança de paradigma em relação à posição que as PcDs vêm ocupando ao longo da história (LOPES, 2009; GARCIA, 2014). Este conteúdo começa a ser debatido e respeitado em diversos âmbitos da sociedade, principalmente no Judiciário, com as leis específicas que surgiram ao longo dos anos, que visam à acessibilidade e à luta contra os preconceitos (NEVES-SILVA; PRAIS; SILVEIRA, 2015; FONSECA, 2006; MENDES, 2006).
Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, publicada em 1948, todos os seres humanos nascem livres e são iguais em dignidade e direitos. Entretanto, percebe-se que este ideal de igualdade ainda não é garantido a todos os cidadãos. França e Pagliuca (2009) consideram que a aceitação da sociedade e a inclusão das pessoas com deficiência são influenciadas pela perspectiva de como ela é compreendida. Essa compreensão é um dos fatores que interfere nas legislações e nas políticas públicas para esse grupo social (BRASIL, 2006).
Diante destes fatos, em meados da década de 90, foi criado o Paradigma dos Suportes, que prega uma convivência não segregada junto às pessoas com deficiência. De acordo com Aranha (2001), a partir da ótica do Paradigma dos Suportes, o meio social se torna responsável pela promoção dos suportes físicos, psicológicos, sociais e instrumentais. Com isso, passaria a ser atribuído às empresas um papel de compromissos éticos e sociais em suas práticas, tornando as organizações mais humanizadas, cujos colaboradores e candidatos às vagas de emprego não sofreriam exclusão por atributos individuais (FERREIRA, 2005; SASSAKI, 1997).
Sob uma dimensão mundial, de acordo com Gelech et al. (2017), 18% dos países garantem, constitucionalmente, o direito ao trabalho para PcD, ou seja, gradativamente os direitos laborais estão tornando-se mais comuns, já que das constituições adotadas a partir de 2010 58% garantem o direito ao trabalho para PcD em comparação com apenas 11% das constituições adotadas na década de 90.
2.2 Das Políticas Públicas ao Preconceito no Brasil
Foram desenvolvidas políticas públicas com intuito de garantir acesso das PcDs no mercado de trabalho (OLIVEIRA; GOULART; FERNANDES, 2009, NEVES-SILVA; PRAIS; SILVEIRA, 2015). Primeiramente, foi criada a Lei 8.213/1991, mais conhecida como a Lei de Cotas. Além disso, o artigo 5º, parágrafo 2º dessa lei, assegurou direito das pessoas com qualquer tipo de deficiência de se inscrever em concurso público, sendo-lhes reservadas até 20% das vagas. Entretanto, foi apenas em 1999, com o decreto 3.298/99, que a lei foi regulamentada (BRASIL, 1998).
Desta forma, com objetivo de garantir condições mais justas e inclusivas para essas pessoas, o Governo realizou a instauração de legislações específicas que regulamentam a inserção destas no mercado de trabalho. A Lei de Cotas é considerada um dos principais elementos para a promoção da inclusão social de PcD, já que promove uma maior autonomia, inclusive financeira, com importantes efeitos na autoestima dessas pessoas (BRASIL, 1991). Para o Instituto Ethos, segundo Gil et al. (2002), a inclusão de PcD dentro das empresas promove a igualdade para que todos possam desenvolver seus potenciais.
Apesar disso, apenas em 2006 foi que a reserva de vagas de trabalho em empresas privadas começou a ser efetivamente implantada, quando o Ministério Público do Trabalho e Emprego começou a fiscalizar de forma efetiva as empresas e a aplicar punições àquelas que descumpriam a lei. Com esta mudança, percebe-se uma evolução significativa de PcDs inseridas no mercado de trabalho. Em 2005, 12.786 PcDs foram contratadas, e em 2008, este número passou a ser de 26.449 pessoas, ou seja, nota-se um aumento maior que 100% em apenas três anos (BRASIL, 1998).
Em relação à inserção no mercado de trabalho, em 2006, a pesquisa da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN), descrita por Schwarz e Haber (2006), constatou que, das PcDs entrevistadas, apenas 26,3% estavam atuando formalmente em empresas, sendo que o público mais beneficiado foram as PcDs auditivas. Tal situação pode ser justificada em função de que PcD auditiva não exige adaptações físicas e tecnológicas, implicando um menor custo para as empresas. De acordo com Lancillotti (2003), os menos absorvidos são as pessoas com deficiências mentais, já que apresentam maiores dificuldades para absorver conhecimentos e alcançar um nível de escolarização compatível com as regras do mercado de trabalho.
Em 2000, a pesquisa da FEBRABAN (SCHWARZ; HABER, 2006) apontou que foram criadas 1.055 milhão de vagas através da política de cotas nas empresas com cem ou mais colaboradores. Esta informação pode ser ratificada através dos dados oficiais da Relação Anual de Informações Sociais, que demonstrou que, dos 44,1 milhões de colaboradores, somente 306 mil são PcDs, caracterizando assim apenas 0,7% do total de trabalhadores, ou seja, um número bem abaixo do esperado (BRASIL, 2010).
Além disso, órgãos, como o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (CONADE), também foram criados para acompanhar e avaliar o processo de inclusão de PcD no mercado de trabalho. Apesar de diversas ações e movimentos realizados, e ainda que muitas conquistas tenham sido alcançadas por meio desta mudança de postura, pode-se dizer ainda que há muito a ser feito. Dos 45,6 milhões de deficientes brasileiros, apenas 306 mil encontram-se empregados em algum tipo de atividade formal (IBGE, 2010; BRASIL, 2011).
De acordo com o Instituto Ethos (GIL et al., 2002), o processo de inclusão social nas empresas apresenta uma série de benefícios em relação aos âmbitos sociais de imagem, clima organizacional e aumento de produtividade. Ainda assim, a inclusão de PcD no trabalho pode ser dificultada em função do baixo nível de qualificação deste público, falta de acessibilidade nos transportes, edificações e espaços coletivos, barreiras culturais e preconceito, que ainda é considerado um forte impeditivo da inclusão efetiva (BAHIA, 2009; BAHIA; SCHOMMER, 2010; CARVALHO-FREITAS et al., 2010; NEVES-SILVA; PRAIS; SILVEIRA, 2015). Lancillotti (2003) postula que o fator que complementa esse dado é a falta de informação dos empregadores sobre a capacidade produtiva dessas pessoas, acarretando a não absorção desses trabalhadores no mercado de trabalho.
Na pesquisa de Carvalho-Freitas et al. (2010), foi evidenciado que o preconceito ainda é muito marcante no processo de inclusão no mercado de trabalho. Nesta pesquisa constatou-se um total de 97,4% de pessoas entrevistadas, que perceberam o preconceito como um fator principal. O mesmo dado é corroborado pela pesquisa de Almeida, Carvalho-Freitas e Marques (2008), cujas PcDs entrevistadas concordaram que perderam oportunidades de emprego em função de suas limitações.
De acordo com uma pesquisa realizada por Saraiva e Irigaray (2009), o preconceito dificulta a promoção de políticas efetivas de estímulo à diversidade e impede o respeito às diferenças individuais. Neste estudo, os autores identificaram que colaboradores com cargos de lideranças, ou seja, responsáveis pela garantia dessas políticas, apresentavam atitudes preconceituosas.
O desconhecimento sobre as capacidades das PcDs é um fator apontado por Toldrá, De Marque e Brunello (2010) e Garcia (2014) como potencializador do preconceito, por isso os autores acreditam que a disseminação de informações é um importante instrumento de desenvolvimento social. Neste sentido, Gil et al. (2002) sugerem a realização de palestras com o objetivo de desmistificar e sensibilizar os indivíduos no processo inclusivo. Dessa forma, entende-se que, para combater o preconceito existente dentro das organizações, é importante que os colaboradores com cargos mais elevados disseminem o respeito com o diferente a partir do seu comportamento, tornando-se um exemplo a ser seguido por sua equipe (CARVALHO-FREITAS et al., 2010; GIL et al., 2002).
Um estudo realizado no Brasil analisou (SOUZA, 2012), a partir de entrevistas, a perspectiva das PcDs sobre as políticas públicas e privadas para inclusão no mercado de trabalho: no que se refere às políticas públicas, a análise pôde identificar que a Lei de Cotas foi considerada, por três participantes do estudo, um importante instrumento para assegurar a contratação das PcDs no ambiente de trabalho, ressaltando ainda que essa política foi a única maneira encontrada pelo Governo para minimizar a exclusão social. Os participantes afirmaram que consideram a Lei de Cotas ineficaz, pois acreditam que ela não consegue mudar as atitudes dos contratantes e dos demais membros da sociedade.
Além disso, neste mesmo estudo, Souza (2012) constatou que 84% das PcDs participantes apresentaram dificuldades não provenientes da falta de ação governamental, mas sim do preconceito das pessoas e descrença nas suas capacidades. Segundo as PcDs, este tipo de postura social acabaria por incutir no deficiente um sentimento de incredulidade em relação à sua própria capacidade. Portanto, ao considerar as dificuldades enfrentadas pelas PcDs após a inserção no mercado de trabalho, como aquelas advindas do preconceito e da falta de preparo do ambiente, é necessário um funcionamento prático de uma política de gestão da diversidade (CARVALHO-FREITAS et al., 2010; GIL et al., 2002; SOUZA, 2002).
O processo de inclusão de PcD no mercado de trabalho envolve aspectos legais e sociais que implicam o surgimento de oportunidades com a abertura de vagas asseguradas por leis e instituições fiscalizadoras. Entretanto, esse processo não termina com a entrada da PcD na vaga, ele segue com o trabalho que esses indivíduos farão dentro das instituições contratantes. Trabalho muitas vezes desvalorizado e dificultado, tornando necessário o desenvolvimento de instrumentos e de medidas que assegurem o crescimento profissional e a estabilidade das PcDs no mercado de trabalho e dentro das instituições. Pensando nas variáveis que envolvem PcDs que ocupam vagas, ou seja, que já estão ativas em jornadas de trabalho, Carvalho-Freitas (2007) postulou uma tipologia que permite a caracterização de formas de ver a deficiência sob diferentes matrizes. Essas matrizes possibilitam analisar, avaliar e compreender a realidade de PcDs em situações de trabalho.
Para Carvalho-Freitas (2007), a primeira matriz, chamada de “Matriz de concepção espiritual da deficiência”, pressupõe que as crenças religiosas influenciam a maneira de avaliar a deficiência, ou seja, aqueles que compartilham desse pensamento reconhecem e qualificam a deficiência como manifestação de desejos ou castigos divinos e, normalmente, desenvolvem ações, no trabalho, pautadas na compaixão em relação a essas pessoas, apresentando também dificuldades em avaliar seu desempenho.
A segunda concepção chama-se “Normalidade como matriz de interpretação” e está baseada nos padrões definidos pelo saber médico, cujo pensamento predominante se caracteriza pela qualificação da deficiência como um desvio da normalidade ou da doença. Nesta concepção, quando as PcDs são inseridas no ambiente de trabalho, os colaboradores tendem a designá-las para atividades de menor status ou de pouca ou nenhuma possibilidade de crescimento e carreira, tendo por critério o tipo de deficiência e não as potencialidades das PcDs. Já a terceira concepção, chamada “Inclusão como matriz de interpretação”, possui uma perspectiva gerada pela ausência de condições de igualdade para o exercício pleno do trabalho, estimulando o desenvolvimento de ações, que visem à criação de um ambiente de trabalho acessível a todos. A última concepção, intitulada “Matriz de interpretação técnica da deficiência”, leva em consideração a capacidade de desempenho de papéis na organização, benefícios decorrentes da contratação de PcD, vínculo da PcD com a organização e a necessidade de treinamentos (CARVALHO-FREITAS et al., 2010). Assim, as matrizes possibilitam compreender, sob diversos aspectos, as PcDs já incluídas no mercado trabalho.
Apesar dos movimentos que visam incluir PcD no mercado de trabalho, como a criação de leis e de órgãos fiscalizadores, ainda persistem controvérsias e lacunas no concernente às demandas das PcDs. Demandas que implicam não somente o mercado de trabalho, mas a educação e a cultura, ou seja, todas as esferas que compõem a sociedade (DUTRA et al., 2008; LANNA JÚNIOR, 2010; OLIVEIRA; GOULART; FERNANDES, 2009; GARCIA, 2014).
Ao considerar o desenvolvimento de uma sociedade, torna-se necessário compreender o desenvolvimento das PcDs que fazem parte dela. Para que isso ocorra, é preciso tornar a PcD integrante de uma sociedade livre de preconceitos, discriminações e obstáculos, sendo imprescindível prepará-la para o mercado de trabalho e para inserção no meio social (MARUYAMA et al., 2009). Portanto, o acesso aos serviços, ao trabalho e à educação é necessário para autonomia desses indivíduos, sendo indispensável à interação das PcDs ao seu meio sociocultural (BRASIL, 2002).
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Trata-se de uma pesquisa de caráter exploratório e qualitativa. O presente estudo teve o objetivo geral de analisar a percepção das lideranças e suas equipes acerca da inclusão de PcD em uma empresa do ramo do agronegócio da região de Porto Alegre. De acordo com Bauer, Gaskell e Allum (2003), as pesquisas exploratórias têm a finalidade de explorar distinções qualitativas, a fim de se desenvolver mensurações que possibilitem certa sensibilidade com o campo de pesquisa. Já Gibbs (2009) argumenta que a pesquisa qualitativa procura desvelar fenômenos sociais analisando a experiência de indivíduos ou grupos, dentre outros. Esta pesquisa utilizou o estudo de caso como método de investigação. O estudo de caso é uma proposta que busca investigar um fenômeno dentro de seu presente contexto (YIN, 2005). Esta estratégia possui característica de grande flexibilidade, dificultando indicar um roteiro rígido para o desenvolvimento da pesquisa.
Em 2015, a empresa, objeto deste estudo, do ramo do agronegócio, produtora de commodities agrícolas, focada na produção de algodão, soja e milho, lançou um novo projeto, intitulado Programa Semear, com objetivo de oferecer desenvolvimento profissional para PcD, possibilitando assim a inclusão no ambiente de trabalho e aprimoramento de habilidades técnicas e comportamentais. Desde então, a empresa vem investindo na seleção de pessoas e aprendizes com deficiência e em ações que incentivam a inclusão e a diversidade. Essas atividades são realizadas a partir de um cronograma predeterminado no início de cada ano.
Além disso, a fim de apontar alguns dados da empresa pesquisada, atualmente, possui 2048 colaboradores, sendo 87 PcDs, distribuídas entre a matriz, localizada em Porto Alegre e demais unidades, que estão localizadas entre a região Nordeste e Centro-Oeste. Entretanto, para este estudo foram realizadas entrevistas apenas com os colaboradores que atuam na matriz. Ainda cabe ressaltar que as atividades desempenhadas pelas PcDs são administrativas e operacionais. As PcDs atuam com demandas de apoio nas áreas de suprimentos, recursos humanos e fiscal.
Para a coleta de dados foram realizadas entrevistas qualitativas com roteiro semiestruturado com um único respondente, por se distinguirem das observações continuadas ou das entrevistas fortemente estruturadas (GASKELL, 2003). O tópico guia das entrevistas qualitativas (GASKELL, 2003; FODDY, 2002) foi elaborado com base nas dimensões analíticas da pesquisa, definidas a priori, a saber: a percepção acerca do processo de inclusão (dificuldades, oportunidades, mudanças), a compreensão das políticas públicas e, por fim, as estratégias usadas para lidar com preconceito. As coletas das entrevistas qualitativas por meio do roteiro semiestruturado composto por onze questões acerca de cada tópico guia tiveram duração, aproximadamente, de uma hora cada e aconteceram nas dependências da empresa nos meses de setembro e outubro de 2016.
Foram entrevistados seis colaboradores, dentre eles, três líderes e três participantes da equipe de liderança, com idades entre 20 e 40 anos. O local de realização das entrevistas foi escolhido devido à conveniência de acesso aos colaboradores. As entrevistas foram realizadas individualmente em local acusticamente isolado, sendo gravadas e posteriormente transcritas, respeitando o sigilo dos dados dos participantes.
Para apuração da pesquisa documental e das entrevistas em profundidade semiestruturadas, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo, a qual se caracteriza pela: i) objetividade; ii) sistematização; e iii) interferência (RICHARDSON, 1999). As transcrições foram lidas e os conteúdos foram separados em grupos de acordo com a frequência que estavam distribuídos, assim, os conteúdos que apareceram com maior frequência puderam ser identificados como os principais elementos das entrevistas, sendo analisados à luz da revisão teórica. As principais dimensões analíticas analisadas foram: Inclusão Social, Políticas Públicas e Preconceito.
4 DISCUSSÃO E RESULTADOS
Como demonstra a Tabela 1, foram entrevistados seis PcDs. Por meio da observação dos dados coletados, foi possível fazer uma relação com o que foi afirmado por Lancillotti (2003), que constatou que as PcDs menos absorvidas são as que apresentam transtornos mentais, sendo o público mais beneficiado as PcDs auditiva. No presente estudo constata-se que grande parte das PcDs admitidas na empresa, segundo a percepção dos entrevistados, são PcD auditivas, seguido das físicas, não sendo constatado PcD mental (SCHWARZ; HABER, 2006).

O primeiro conceito identificado, tanto nas entrevistas quanto na revisão teórica, foi a Inclusão Social de PcD, em especial a inclusão no mercado de trabalho. Tanto líderes quanto a equipe consideram extremamente importante a inclusão de PcD na empresa, explicando que o processo de inclusão de PcD no mercado de trabalho promove o desenvolvimento pessoal e profissional (ARANHA, 2009; NERI et al., 2003; STAINBACK; STAINBACK, 1999). Isto pode ser observado em uma das falas dos entrevistados enquanto comentava sobre a inclusão no ambiente de trabalho, segundo o entrevistado L1 ter PcD na empresa: “Dá uma outra cara para a empresa, a gente aprende a desenvolver um outro lado nosso, tanto como ser humano, como profissional, a entender limitações e a trabalhar com mudanças também.”. A fala mostra que houve uma mudança no entendimento desse entrevistado a respeito da inclusão de PcD na empresa, considerando a inclusão necessária para a diminuição de preconceitos (CARVALHO-FREITAS, 2007; BAHIA, 2009; BAHIA; SCHOMMER, 2010;CARVALHO-FREITAS et al., 2010; GIL et al., 2002; GARCIA, 2014).
Todos os entrevistados colocaram durante a entrevista que o ideal no processo de inclusão seria que todas as áreas da empresa conhecessem detalhadamente sobre cada deficiência, pois cada uma delas requer acompanhamento diferenciado, assim como adaptações físicas do ambiente de trabalho. Líderes e equipe acreditam que o principal desafio da empresa hoje é conseguir sensibilizar outras áreas da empresa, além das áreas de suprimentos, recursos humanos e fiscal, que até então não tiveram experiências com PcD. Essas afirmações corroboram o que foi colocado por Ferreira, (2005), Carvalho-Freitas (2007) e Shier, Graham, Jones (2009), que afirmam que se deve conhecer as potencialidades e limitações das PcDs, para que assim eles possam apresentar e desenvolver suas competências.
Além disso, os entrevistados concordaram que aprender libras é um desafio para a maioria, e as áreas que possuem domínio dessa linguagem afirmaram o quanto esse aprendizado facilitou na integração e no acolhimento da PcD, conforme dito pelo entrevistado L2: “Aprender a língua deles, libras. Eu acho que é nosso dever, e o maior desafio. Qualquer pessoa que tenha qualquer contato, seja diretamente ou indiretamente com PcD, deveria ter uma especialização e aprender a linguagem de sinais que é a linguagem deles.”
Alguns líderes reforçaram que é ideal que a empresa eleja um padrinho de cada área para acompanhar a PcD. Já a equipe que possui este papel não concordou com essa opinião, explicando que a empresa deveria abraçar esta causa de uma forma geral, conforme exposto pelo entrevistado C1: “A partir do momento que tu está recebendo um PcD na tua área, tu vai ter que te adaptar à forma com que ele trabalha, e não fazer uma pessoa ser responsável por ele.” Esse trecho elucida a explicação de Sassaki (2006) quanto à necessidade de um esforço mútuo por parte das pessoas para se adaptarem para incluir o PcD, e não o contrário. Morgan e Alexander (2005) ressaltam em sua pesquisa que existe uma receptividade aperfeiçoada por parte de colegas de trabalho experientes com o convívio do PcD em relação àqueles que nunca tiveram contato, no ambiente organizacional.
Ainda, na análise da dimensão da inclusão social, foi unânime a percepção em relação ao programa institucional denominado Semear, instaurado em 2015 com o objetivo de oferecer desenvolvimento profissional para PcD. Os seis entrevistados concordaram que este programa foi um marco para história da empresa, pois desde sua criação a empresa evoluiu e vem evoluindo muito no que se refere à cultura de inclusão (BAHIA, 2009; BAHIA; SCHOMMER, 2010; CARVALHO-FREITAS et al., 2010; DUTRA et al., 2008; LANNA JÚNIOR, 2010; OLIVEIRA; GOULART; FERNANDES, 2009). A mudança cultural da empresa com o desenvolvimento do programa pode ser observada na fala de uma entrevistada, que diz:
Então, eu acho que o Semear veio pra fazer essa mudança na empresa, de sair de um programa de cumprimento de cota para trabalhar num programa de inclusão que seja estruturado, que pense no futuro, que se preocupe com o desenvolvimento dessas pessoas, que se preocupe com a carreira dessas pessoas, que conhece a dar um olhar diferente, acho que é uma primeira semente para dar um olhar diferente. Então o Semear é um divisor de aguas no processo de inclusão (ENTREVISTADO C2).
Considerando outro conceito identificado na análise de conteúdo, as Políticas Públicas, todos os entrevistados concordaram que os primeiros movimentos de inclusão promovidos pela empresa se iniciaram devido a uma obrigação legal exigida pelo Ministério do Trabalho em 2004. Essas obrigações obedeciam à Lei de Cotas e de inclusão de Pessoas e Aprendizes com deficiências que atende à Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e à Lei de PcD por determinação do Ministério Público Federal (BRASIL, 1991).
A percepção dos entrevistados quanto ao processo de inclusão iniciado pela empresa como forma de adequar-se a uma necessidade legal pode ser observada através da afirmação da entrevistada C3: “Acho que o que levou a empresa a contratar lá no início foi o cumprimento de cotas mesmo, nada social”. Entretanto, os participantes consideram que hoje a empresa deixou de ser uma instituição que se preocupa apenas com o cumprimento de cotas, passando a preocupar-se realmente em ter uma cultura inclusiva disseminada da forma como é descrita por Stainback e Stainback (1999). Os autores explicam que a inclusão não é uma ação, mas uma atitude, uma convicção. Para exemplificar essa mudança cultural, a entrevistada L3 conta que, em sua percepção, a empresa passou por algumas fases até chegar a essa nova formulação cultura e social:
u vejo três etapas, primeiro total desconhecimento até 2004, total desconhecimento do processo, de como fazer, e da existência. E segundo um perfil muito cumpridor de cotas, os termos que se usavam, na formatação, e na maneira de como conduzia na empresa, e depois no programa Semear (ENTREVISTADA L3).
Ao se considerar que, no início, a motivação da empresa para a inclusão de PcD era o cumprimento de cotas, passando por processos ou fases, como descrito pela participante, até chegar a uma apropriação do processo de inclusão, é possível considerar a Lei de Cotas como um dos principais elementos para a promoção da inclusão social de PcD (BRASIL, 1991).
A última dimensão analisada foi o preconceito. Os entrevistados ressaltaram que a empresa está no caminho certo, que existe aceitação da grande maioria das áreas sobre o assunto, mas que ainda há muito a ser feito. Para alguns, a empresa ainda precisa quebrar algumas barreiras, principalmente em relação às áreas que ainda não deram abertura para inserção de PcD. Uma das hipóteses a essa pouca abertura diz respeito ao preconceito derivado da falta de informação acerca das PcDs colocado como “receio” na fala da entrevistada C3: “Eu acho que a gente ainda tem uma questão muito de tipos de deficiências, o que não está visível para mim eu aceito bem, o que é muito visível para mim eu tenho um pouco de receio, seja medo, receio. Eu acho que as áreas tem esse pensamento.” (TOLDRÁ; DE MARQUE; BRUNELLO, 2010;LANCILLOTTI, 2003).
Alguns entrevistados relataram que existe aceitação da diversidade humana, mas que a falta de conhecimento sobre cada deficiência ainda é grande e mal interpretada, conforme relato do entrevistado C2: “Eu vejo que ainda muitas pessoas têm muita dificuldade em conversar e aceitar, ainda acham que um surdo é mudo, coisas assim.”. Carvalho-Freitas et al. (2010) e Garcia (2014) colocam em seus estudos que o preconceito ainda é muito marcante, sendo também dificultador no processo de inclusão.
Todos os líderes e equipe concordam com o desenvolvimento de ações estabelecidas pelos recursos humanos de forma a promover a inclusão de PcDs em outras áreas da empresa. Para tanto, os entrevistados concordam em unanimidade que seria fundamental mostrar a trajetória de avanço das PcDs para as áreas em que ainda não abriram espaço para entrada delas. Segundo elas, as estratégias para essa disseminação informativa acerca da produtividade das PcD nas áreas em que atuam poderiam ser através de relatos, cases de sucesso e/ou também realizar conscientização de áreas que ainda não tiveram experiência com PcD. Resumidamente, mostrar resultados positivos, evoluções e apresentar indicadores. Gil et al. (2002) delimitam procedimentos semelhantes aos propostos pelos participantes, ressaltando que a realização de palestras pode desmistificar e sensibilizar indivíduos resistentes, eliciando-os para o processo inclusivo. Na Tabela 2 é possível visualizar as percepções dos participantes para cada um dos conceitos que mais se destacaram nas entrevistas.

Outros pontos também foram salientados pelos entrevistados: A respeito dos processos seletivos realizados na empresa, a área de recursos humanos, segundo alguns colaboradores, vem demonstrando dificuldades na contratação, pois a maioria dos candidatos não comparecem nas entrevistas agendadas, dificultando assim a inclusão de PcD para cumprimento das cotas, dificultando também o desenvolvimento e o engajamento dos colaboradores no Programa Semear (CARVALHO-FREITAS et al., 2010; GIL et al., 2002). Segundo os entrevistados, a área de recursos humanos da empresa vem desenvolvendo ações para facilitar a inclusão de PcD no ambiente de trabalho por meio de palestras de sensibilização nas áreas, desenvolvendo cartilhas com dicas de convivência com PcD e vídeos informativos.
Esses tipos de estratégias, que objetivam estreitar os vínculos entre as áreas que ainda não possuem PcD àquelas que já usufruem dos resultados positivos do trabalho desses indivíduos, adquirem ainda mais destaque devido ao fato de divulgar resultados reais de ganhos usufruídos pelas áreas que participam do processo de inclusão. Assim, de acordo com Lancillotti (2003), dá ênfase a esse tipo de tática, pois o conhecimento acerca das deficiências é fator fundamental na contratação e no mantimento de PcD nas empresas. Além disso, conforme Shier, Graham e Jones (2009), o estabelecimento de vínculos facilita o processo dos PcDs quanto à expectativa, aos resultados e, também, às possibilidades de crescimento no ambiente de trabalho. Ainda, Kaye, Jans e Jones (2011) destacam que aspectos ligados a treinamento contínuo, formação e capacitação de PcD são necessários e, comumente, são relatados na literatura como inexistentes e insatisfatórios, o que determina a dificuldade de retenção dos PcDs no ambiente de trabalho.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio da análise dos resultados obtidos e da revisão teórica, esse estudo considerou que, apesar de todo engajamento governamental e da criação de legislações, que buscam dar conta para inserção de PcD na sociedade e no mercado de trabalho, muito ainda necessita ser realizado para essas pessoas no que se refere à inclusão por parte das organizações. Por isso, faz-se necessário o incentivo de outras políticas públicas, instituições especializadas e instrumentos que visem garantir diretos às PcDs e, principalmente, que objetivem fiscalizar o processo não somente para a criação e asseguração de vagas, mas que também realizem o acompanhamento após a entrada de PcD no mercado de trabalho. Essa necessidade se apresenta devido às diversas variáveis que envolvem o crescimento, a evolução e a permanência de PcD nas vagas, em especial àquelas que dificultam o processo de inclusão, como o preconceito.
Pode-se observar também que a empresa onde foi realizado esse estudo evoluiu desde 2004 com o cumprimento da Lei de Cotas. Porém se pôde constatar que este crescimento só ocorreu em função de uma obrigação legal estabelecida pelo Ministério do Trabalho. Os líderes e colaboradores participantes desse estudo possuem uma percepção positiva em relação ao tema abordado, pois, segundo eles, a empresa conseguiu ao longo destes anos dar visibilidade às PcDs. Contudo, algumas questões importantes remetem a uma necessidade de ampliar esse olhar, a fim de lançar melhores condições de trabalho, seja oferecendo novos conhecimentos às áreas sobre o assunto, seja na abertura de novas vagas.
Com este estudo, do ponto de vista de contribuições organizacionais, foi possível pensar em uma proposta de intervenção futura para área de recursos humanos da empresa. Recomenda-se que a empresa possa sensibilizar e conscientizar as áreas que hoje ainda não possuem PcD através de relatos de experiências e compartilhar a trajetória de avanço dessas PcDs a partir de cases de sucesso. Outra possibilidade capaz de auxiliar a empresa no processo de inclusão seria o desenvolvimento de um workshop de discussão com a contribuição das áreas atuantes para estimular os colegas a se desafiarem a ter a curiosidade em ter uma PcD em seu ambiente de trabalho.
Indica-se que este assunto seja abordado pelas lideranças, e que essas pessoas estejam engajadas e que também sejam responsáveis por essa causa. Além disso, há uma solicitação geral que a empresa dê continuidade às ações através de comunicados sobre o assunto, investindo e promovendo eventos a partir de cronogramas preestabelecidos anualmente. No que diz respeito ao desenvolvimento de carreira, sugere-se que essas pessoas sejam estimuladas internamente a estudar e principalmente que a área responsável avalie todas as possibilidades antes de realizar um desligamento. Além disso, indica-se que as PcDs sejam avaliadas conforme suas limitações, ou seja, que sejam levadas em considerações suas habilidades e competências.
No que tange às contribuições para a academia, este estudo procurou estimular o debate sobre as condições da inclusão social do PcD nas organizações, esclarecendo fatores dessa dificuldade, a fim de instigar estratégias e perspectivas em políticas locais que facilitem a igualdade e, consequentemente, a inclusão desses indivíduos.
Com relação às limitações desse estudo, pode-se citar o estudo de caso que não comporta generalizações. Por isso, sugere-se para futuras pesquisas a realização de entrevistas que englobem um número maior de colaboradores, que também sejam incluídas PcDs, e que as entrevistas ocorram em local que não o da empresa. Desta forma foi possível conseguir um panorama mais amplo e específico sobre o assunto, assim como será possível fazer um comparativo entre as percepções, conferindo maior fidedignidade aos achados.
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