INOVAÇÃO EM PRODUTO ORIENTADA PARA SUSTENTABILIDADE: ESTUDO DE CASO EM UMA EMPRESA DA INDÚSTRIA QUÍMICA
PRODUCT INNNOVATION GEARED TOWARDS SUSTAINABILITY: CASE STUDY OF A CHEMICAL COMPANY
INNOVACIÓN EN PRODUCTO ORIENTADA HACIA LA SOSTENIBILIDAD: ESTUDIO DE CASO EN UNA EMPRESA DE LA INDUSTRIA QUÍMICA
INOVAÇÃO EM PRODUTO ORIENTADA PARA SUSTENTABILIDADE: ESTUDO DE CASO EM UMA EMPRESA DA INDÚSTRIA QUÍMICA
Revista Alcance, vol. 24, núm. 3, pp. 380-395, 2017
Universidade do Vale do Itajaí
Recepção: 10/09/2015
Aprovação: 02/08/2017
Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar a inovação em produto orientada para sustentabilidade em uma empresa do segmento químico. Para atender o objetivo, foi realizado um estudo de caso qualitativo com características exploratória e descritiva em uma empresa, cuja matriz situa-se no Rio Grande do Sul. Os dados foram coletados por meio de 10 entrevistas semiestruturadas com os gestores e documentos disponibilizados. Os dados foram analisados por meio da análise de conteúdo qualitativa com apoio do software NVivo. Este estudo destaca como contribuição para área de conhecimento, que para o desenvolvimento da inovação em produto orientada para sustentabilidade é preciso utilizar modelos de inovação estruturados, constituídos por etapas e processos, para assim constituir rotinas que associadas aos elementos da inovação sustentável, denominados nessa pesquisa de (a) pilares da sustentabilidade, (b) parcerias, (c) ferramentas e processos, (d) ciclo dos produtos e serviços, (e) sensibilização para sustentabilidade/cultura para inovação sustentável, são capazes de ampliar o escopo de atuação da inovação, além do enfoque econômico, para atuação nos pilares ambiental e social.
Palavras-chave: Inovação, Sustentabilidade, Produto.
Abstract: This paper analyzes product innovation geared towards sustainability in a company in the chemical sector. For this purpose, a qualitative case study with exploratory and descriptive characteristics was conducted at a chemical company based in the state of Rio Grande do Sul, in the south of Brazil. Data were collected through ten semi-structured interviews with managers, and document research. The data were analyzed using qualitative content analysis, with the support of the software program NVivo. This study highlights, as a contribution to field, that for the development of product innovation oriented towards sustainability, it is necessary to use structured innovation models consisting of stages and processes, in order to establish routines. These in turn, when associated with the elements of sustainable innovation, denominated in this research (a) pillars of sustainability, (b) partnerships, (c) tools and processes, (d) cycle of products and services, (e) raising awareness for sustainability/culture of sustainable innovation, are capable of broadening the scope of innovation, in addition to the economic focus, to work with the environmental and social pillars.
Keywords: Innovation, Sustainability, Product.
Resumen: Este artículo tiene como objetivo analizar la innovación en producto orientada hacia la sostenibilidad en una empresa del segmento químico. Para atender el objetivo fue realizado un estudio de caso cualitativo con características exploratoria y descriptiva en una empresa que tiene su matriz en Rio Grande do Sul. Los datos se recolectaron por medio de 10 entrevistas semiestructuradas con los gestores y otros documentos puestos a disposición. Los datos fueron analizados por medio de un análisis de contenido cualitativo con apoyo del software NVivo. Este estudio destaca como contribución para su área de conocimiento que para el desarrollo de la innovación en producto orientada hacia la sostenibilidad es preciso utilizar modelos de innovación estructurados, constituidos por etapas y procesos, para así constituir rutinas que asociadas a los elementos da innovación sostenible, denominados en esta investigación como (a) pilares de la sostenibilidad, (b) alianzas, (c) herramientas y procesos, (d) ciclo de los productos y servicios, (e) sensibilización para sostenibilidad/cultura para la innovación sostenible, son capaces de ampliar el alcance de actuación de la innovación, más allá del enfoque económico, para actuación en los pilares ambiental y social.
Palabras clave: Innovación, Sostenibilidad, Producto.
1. INTRODUÇÃO
Verifica-se um movimento acadêmico e empresarial que visa desenvolver pesquisas e práticas relacionadas com os temas sustentabilidade e inovação. Esse movimento ganhou força à medida que novas conferências foram sendo realizadas mundialmente devido às preocupações com as questões ambientais e sociais (FROEHLICH; MELLO; ENGELMAN, 2017).
A inovação orientada para sustentabilidade trata de uma inovação em que os pilares econômico, ambiental e social da sustentabilidade estão inseridos no sistema de geração de ideias da empresa, na pesquisa e desenvolvimento e na comercialização, aplicando-se a produtos, processos, serviços, tecnologias, estrutura e a modelo de negócio da organização (CHARTER; CLARK, 2007). Ainda, “não se refere apenas à introdução de novidades de qualquer tipo, mas que atendam as múltiplas dimensões da sustentabilidade em bases sistemáticas e que geram resultados positivos para a organização, para a sociedade e para o meio ambiente” (BARBIERI, 2007, p. 105).
A inovação orientada para sustentabilidade é também denominada de inovação sustentável (IS). Os conceitos de inovação sustentável enfatizam a inserção dos pilares econômico, ambiental e social da sustentabilidade nas estratégias organizacionais, juntamente com um senso de responsabilidade para com as gerações atuais e futuras (YOON; TELLO, 2009). Para Rycroft e Kash (2000), a inovação sustentável é além da inovação convencional, pois deve integrar os pilares econômico, ambiental e social. Geralmente é radical ou transformacional por natureza. Desse modo, nem toda inovação pode ser considerada como uma inovação sustentável. Conforme Carrillo-Hermosilla, Gonzales e Konnola (2009), a inovação de produto neste contexto se refere à maneira pela qual as empresas criam valor e abordam a mudança na entrega dos produtos.
As pesquisas sobre essa abordagem têm se expandido para ampliar a compreensão sobre como novas tecnologias e práticas podem tornar a sociedade mais sustentável (BOONS; LÜDEKE-FREUND, 2012). Tanto teoricamente como empiricamente carecem de estudos voltados para a inovação orientada para sustentabilidade devido à complexidade e à dificuldade em inovar e, ao mesmo tempo, preservar os recursos naturais sem prejudicar a sociedade. Segundo Froehlich, Mello e Engelman (2017), o tema investigado nessa pesquisa é considerado emergente e carece de novos estudos. Daroit e Nascimento (2004) ressaltam que esta relação entre a inovação e a sustentabilidade pode contribuir para formação de uma nova opção estratégica que questiona o padrão de inovação das organizações. Desse modo, há uma oportunidade para pesquisadores investigarem formas de aprofundar, estimular e demarcar esse conceito.
Esse artigo visa contribuir com essa discussão, pois mostra como a inovação em produto orientada para sustentabilidade ocorre em uma empresa da indústria química. Em outras palavras, apresenta contribuições dessa inovação a partir de um estudo empírico.
Para contribuir e ampliar os estudos sobre esse tema, esse artigo visa responder à seguinte questão de pesquisa: Como desenvolver a inovação em produto orientada para sustentabilidade?
O artigo tem como objetivo analisar a inovação em produto orientada para sustentabilidade em uma empresa do segmento químico. Para atender ao objetivo descrito, foi realizado um estudo de caso qualitativo, com características exploratória e descritiva. A empresa foi escolhida com base no reconhecimento de ser inovadora nos seus campos de atuação e pelo desenvolvimento e comercialização de produtos ecoeficientes desde 2005.
A seguir apresenta-se a fundamentação teórica, que busca esclarecer o que é inovação orientada para sustentabilidade, diferentes dimensões e ideias de como desenvolvê-la tendo como foco o produto, já que a pesquisa foi desenvolvida no segmento industrial. Na sequência, detalham-se os procedimentos metodológicos e a análise dos resultados, e por fim, as considerações finais do estudo.
2. NOÇÃO DE INOVAÇÃO ORIENTADA PARA SUSTENTABILIDADE
A sustentabilidade é um debate presente em muitos segmentos da sociedade e nas organizações. A sua compreensão remete à discussão de sua operacionalização por meio do Triple Bottom Line (MUNCK; CELLA-DE-OLIVEIRA, 2015). A inovação é essencial para alavancar a sustentabilidade, pois renova produtos por meio da alteração da forma como esses são fabricados, proporcionando benefícios econômicos, ambientais e sociais (TIDD; BESSANT; PAVITT, 2008). Diante disso, surge o tema inovação sustentável, que vai além da inovação convencional, pois deve integrar os pilares econômico, ambiental e social, que geralmente são radicais ou transformacionais por natureza (RYCROFT; KASH, 2000).
Para Wheeler e Elkington (2001), a inovação orientada para sustentabilidade refere-se às atividades de inovação que contribuam para o triple bottom line da sustentabilidade. Charter e Clark (2007) destacam que essa inovação é um processo cujos pilares da sustentabilidade estão inseridos nas estratégias empresariais, desde a geração de ideias por meio de pesquisa e desenvolvimento (P&D) até a comercialização do produto final.
Hansen, Grosse-Dunker e Reichwald (2009) acrescentam que a inovação orientada para sustentabilidade, ou seja, a inovação sustentável, além de abranger as questões de sustentabilidade já descritas, buscam, ainda, conquistar novos segmentos de clientes e mercados, consistindo na inovação percebida por agregar valor positivo para empresa.
Para Yoon e Tello (2009) e Szekely (2012), a inovação sustentável é definida como o desenvolvimento de novos produtos, processos, serviços e tecnologias que contribuam para o desenvolvimento e o bem-estar das necessidades humanas, respeitando os recursos naturais e a capacidade regenerativa. Bos-Brouwers (2010) destaca que essa inovação não se trata apenas de novos lançamentos, mas também da renovação ou da melhoria de produtos, serviços, processos tecnológicos ou organizacionais que, além de proporcionar um desempenho econômico melhor, geram melhorias no desempenho ambiental e social.
Jorna (2006) ressalta que a inovação sustentável é um trabalho coletivo, pois a forma de pensar, racionalizar, organizar e sistematizar a lógica coletiva sustentável é que faz toda a diferença. A inovação sustentável é possível quando se tem o foco no empréstimo e no reuso dos recursos por um número maior de pessoas e transparência no diálogo com as partes interessadas, para que a inovação perdure sob os pontos de vista econômico, ambiental e social.
A partir dos conceitos apresentados, pode-se entender que a inovação orientada para sustentabilidade ou inovação sustentável é compreendida como uma inovação que gera renovação ou melhoria de produtos, que melhora o desempenho econômico, ambiental e social. Sendo assim, a inserção dos três pilares nas estratégias e nas ações das organizações distingue as inovações sustentáveis das inovações convencionais.
Em relação à noção de inovação sustentável, a ideia central apresenta uma demarcação conceitual em desenvolvimento e uma abordagem considerada complexa, que apresenta teorias insuficientes para a sua operacionalização (HANSEN; GROSSE-DUNKER; REICHWALD, 2009; BARBIERI et al., 2010; SZEKELY, 2012). Reid e Miedzinski (2008) reforçam que não há ainda uma base sólida desta abordagem que permite a tomada de decisão assertiva, pois faltam informações técnicas e detalhadas sobre produtos sustentáveis. Desse modo, identifica-se uma oportunidade para novos estudos sobre essa temática os quais estabeleçam uma relação entre aspectos teóricos e pragmáticos, avançando com a apresentação dos processos necessários para gerar uma inovação em produto orientada para sustentabilidade.
3. DIFERENTES OLHARES PARA A INOVAÇÃO ORIENTADA PARA SUSTENTABILIDADE
Hansen, Grosse-Dunker e Reichwald (2009) criaram o modelo do cubo da inovação orientada para sustentabilidade, que trata de um framework para a inovação, destacando os efeitos da sustentabilidade em diferentes áreas da organização. O modelo apresenta alguns elementos que os autores consideram importantes para inovação orientada para sustentabilidade, destacados no Quadro 1.

Os elementos apresentados no Quadro 1 devem ser considerados no planejamento e na execução de inovações em produtos para atender aos princípios da inovação sustentável. Outra possibilidade de visualizar a inovação sustentável foi proposta por Szekely (2012), que classifica a inovação sustentável em: inovação incremental em produtos e serviços, e inovação radical nos processos e cadeias de valor.
A inovação incremental em produtos e serviços engloba uma visão holística de desenvolvimento do produto e serviço, integrando considerações ambientais, sociais e econômicas. Porém, conforme destaca Szekely (2012, p. 2), “na prática, mudanças em produtos, serviços e processos internos têm sido largamente dependente da trajetória e inclinado para as considerações ambientais e econômicas, com muito menos ênfase nos aspectos sociais”.
A inovação radical nos processos e na cadeia de valor exige uma visão sistêmica dos impactos dos produtos e serviços, processos e operações, incluindo questões sociais, como as condições de trabalho, a saúde humana e a equidade de gênero; as questões ambientais, tais como o abastecimento de matérias-primas e processos de fabricação; e as questões econômicas, como a competitividade e a participação no mercado (SZEKELY, 2012).
Com base nas tipologias desenvolvidas, é possível se pensar em níveis de inovação sustentável, destacados a seguir.

O Quadro 2 destaca níveis diferentes de inovação sustentável nas organizações considerando o nível de maturidade com que as organizações tratam do tema. Dessa forma, é possível se pensar em inovação sustentável em sua forma inicial, caracterizada pela correção de problemas com base em exigências legais, que podem ser classificadas no nível 1 de inovação sustentável. As organizações que, além de corrigir, atuam na prevenção, classificam-se no nível 2 e assim sucessivamente. Finalmente, as organizações que possuem ações globais de inovação sustentável atuam no nível 6. Dessa forma, existe um efeito cumulativo implícito no nível de desenvolvimento da inovação sustentável.
4. O DESENVOLVIMENTO DA INOVAÇÃO EM PRODUTO ORIENTADA PARA SUSTENTABILIDADE
A inovação em produtos pode ser empreendida na perspectiva da preservação ambiental, incorporando características que facilitem seu reaproveitamento, reciclagem ou remanufatura com menor prejuízo ambiental. Mudanças dessa natureza dependem do desenvolvimento de produtos e processos produtivos que incorporem aspectos associados à sustentabilidade (SANTOS, 2017).
As teorias sobre inovação sustentável ainda não apresentam um modelo que aponta como desenvolver a inovação em produto orientada para sustentabilidade. Contudo, esse tipo de inovação deve garantir que os produtos sejam projetados para gerar menos resíduos, incluir tecnologias limpas e energia renovável (ROSCOE; COUSINS; LAMMING, 2015).
Portanto, considerando-se a natureza exploratória do estudo, tem-se como base o estudo de caso da empresa da indústria química, para definir-se algumas alternativas, descritas a seguir. Para este estudo, apresenta-se a possibilidade de a inovação de produto orientada para sustentabilidade ser desenvolvida por meio dos modelos do funil de inovação (CLARK; WHEELWRIGHT, 1993) e dos stages-gates (COOPER, 1993), inspirados na inovação tradicional. Desse modo, apresenta-se uma breve contextualização dos dois modelos de inovação, que serão analisados posteriormente à luz dos dados empíricos.
Em 1993, Clark e Wheelwright criaram o modelo funil de desenvolvimento ou funil da inovação. Este modelo é um exemplo de desenvolvimento prescrito, que objetiva orientar as atividades dos agentes inovadores e principalmente das organizações na busca de soluções. A tarefa de fazer a inovação acontecer é atrelada ao funil de desenvolvimento da inovação. É importante que haja uma estrutura definida para sistematizar as informações sobre os aspectos técnicos e mercadológicos da inovação à medida que se evolui do estágio de incerteza para o de investimento de recursos (TIDD; BESSANT; PAVITT, 2008).
Cooper (1993) elaborou um modelo para execução do processo da inovação em stages-gates apresentado na Figura 1, ampliando o número de estágios comparado ao modelo de Clark e Wheelwright (1993).
O primeiro estágio, denominado de geração de ideias, representa a materialização de algo para atender às expectativas da demanda em determinado mercado. É feita uma triagem inicial que representa a primeira decisão sobre o comprometimento preliminar de recursos (COOPER, 1993). Esse estágio envolve detectar sinais no ambiente sobre o potencial de mudança, consiste em analisar o cenário interno e externo para identificar e processar sinais relevantes sobre as ameaças e as oportunidades para mudança (TIDD; BESSANT; PAVITT, 2008).
O segundo estágio trata da investigação preliminar, em que são coletadas informações para estabelecer projeções a partir de pesquisas. Trata da seleção e da decisão sobre quais desses sinais a empresa deve responder. Três tipos de informações alimentam essa fase: a) o fluxo de sinais sobre possíveis oportunidades tecnológicas e de mercado disponíveis à empresa; b) a base tecnológica da empresa; c) a consistência com o negócio geral seria relacionar a inovação proposta a melhorias no desempenho do negócio (TIDD; BESSANT; PAVITT, 2008).
O terceiro estágio é denominado de investigação detalhada, nesse se determina o conceito, o mercado e a sua segmentação. Com as definições tomadas, segue-se para os estágios de desenvolvimento, validação e teste, por fim, fazem-se a produção e o lançamento ao mercado (COOPER, 1993).
Vale ressaltar que quase todas as inovações necessitam de algum tipo de arranjo cooperativo para o seu desenvolvimento e comercialização, conforme Tidd, Bessant e Pavitt (2008). As formas de colaboração mais utilizadas são descritas a seguir.
O Quadro 3 mostra que as principais razões para colaboração estão relacionadas à redução do custo tecnológico; à redução do custo de entrada no mercado; à redução do risco de desenvolvimento, para alcançar economias de escala, reduzir o tempo gasto, desenvolver e comercializar novos produtos, e promover aprendizagem compartilhada. Dessa forma, a função de pesquisa e desenvolvimento (P&D) é desafiada a alcançar maior eficiência financeira e examinar criticamente se o desenvolvimento interno é a abordagem mais eficiente (TIDD; BESSANT; PAVITT, 2008).
5. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa de campo foi desenvolvida por meio de um estudo de caso, com características exploratória e descritiva, em uma empresa da indústria química, que produz diversos tipos de adesivos para os mercados calçadista, moveleiro, automobilístico, têxtil, etc. A matriz localiza-se no Rio Grande do Sul e possui unidades em outros Estados no Brasil, na América Latina e na China.
Os critérios utilizados para escolha da empresa foram: a) ser reconhecida no mercado devido à sua capacidade de inovação; b) a sustentabilidade deveria ser uma estratégia deliberada da organização; c) ter desenvolvido produtos conforme o conceito de inovação orientada para sustentabilidade.
Além desses critérios, outras características denotam a representatividade do estudo de caso, tais como: a) a empresa nacional reconhecida como inovadora nos seus campos de atuação; b) a inovação e a sustentabilidade estão incluídas na missão e nos valores organizacionais; c) a identificação do produto adesivo em pó, que gerou patentes do produto e do processo, e caracteriza-se como uma inovação de produto orientada para sustentabilidade; d) há publicações sobre a inovação e a sustentabilidade nos balanços sociais; e) a empresa é reconhecida no mercado pelo desenvolvimento e pela comercialização de produtos ecoeficientes desde 2005 e pelas práticas de responsabilidade social empresarial.
A coleta de dados foi realizada em 2014, contando com 10 entrevistas semiestruturadas em profundidade, com os gestores indicados pela empresa. Todas as entrevistas foram gravadas em um gravador portátil com o devido consentimento dos entrevistados e, depois, transcritas na íntegra. Essa ação foi importante para que os dados pudessem ser retomados para tirar possíveis dúvidas e eliminar equívocos de entendimento. Dessa forma, procurou-se garantir a integridade e a fidedignidade da análise dos dados obtidos.
Para preservar a identidade dos entrevistados, foram criados códigos - Entrevistado1 (E1), Entrevistado (E2) e assim sucessivamente.
Além dos dados primários, foram utilizados dados secundários obtidos por meio de documentos disponibilizados pela empresa, tais como: a) balanço social do período de 2004 a 2012; b) livro 60 anos da empresa; c) site institucional; d) manual do sistema de gestão ambiental; e) matérias publicadas em Revistas Internas. Nos documentos, buscou-se identificar informações e dados sobre a inovação orientada para sustentabilidade que pudessem complementar as entrevistas.
Os dados coletados foram analisados por meio da análise de conteúdo qualitativa, que conforme Flick (2004) e Bardin (2010), é um dos procedimentos clássicos para analisar o material textual. “Um de seus aspectos essenciais é o emprego de categorias, obtidas com frequência, de modelos teóricos” (FLICK, 2004, p. 201). Sendo assim, a análise de conteúdo é utilizada no intuito de tornar objetivo o conteúdo das entrevistas realizadas e dos documentos obtidos.
Para facilitar a análise dos dados, foram criadas, com base no referencial teórico, as seguintes categorias: (1) elementos da inovação orientada para sustentabilidade; (2) desenvolvimento da inovação em produto orientada para sustentabilidade. A categorização é apontada por Selltiz, Jahoda e Cook (1965) como uma técnica eficaz para a organização e a redução dos dados, por meio do agrupamento das informações e de um número limitado de categorias.
A categoria 1 analisa os elementos da inovação orientada para sustentabilidade sugeridos por Hansen, Grosse-Dunker e Reichwald (2009), os quais foram adaptados e reagrupados na etapa de coleta de dados, ou seja, no período das entrevistas. O Quadro 4 apresenta na primeira coluna os elementos sugeridos pelos autores, a segunda coluna mostra a adaptação realizada pelas autoras e a terceira coluna destaca os motivos da adaptação.

A categoria 2 analisa o desenvolvimento da inovação em produto orientada para sustentabilidade por meio do modelo de inovação de Cooper (1993), pois a empresa utilizou esse modelo para desenvolver o produto adesivo em pó.
Para a análise dos dados, vale ressaltar que a análise de conteúdo qualitativa contempla três etapas (BARDIN, 2010): (a) pré-análise; (b) exploração do material; e (c) tratamento dos dados, inferência e interpretação. Essas etapas foram seguidas neste estudo e para facilitar a análise dos dados, além de implicar maior rigor no processo de análise, foi utilizado o software NVivo.
Para conferir validade ao estudo, além dos procedimentos apresentados, destaca-se a triangulação dos dados qualitativos levantados gerada com o apoio do software NVivo versão 10 na análise de conteúdo.
6. ANÁLISE DOS RESULTADOS
Inicia-se esta seção com a apresentação da contextualização da inovação orientada para sustentabilidade na empresa alvo do estudo. Contempla-se a análise dos elementos da inovação orientada para sustentabilidade, denominados de: a) pilares da sustentabilidade; b) parcerias; c) ferramentas e processos; d) ciclo dos produtos e serviços; e) sensibilização para sustentabilidade/cultura para inovação sustentável. Por fim, apresentam-se as etapas de desenvolvimento da inovação em produto orientada para sustentabilidade.
7. CONTEXTUALIZAÇÃO DA INOVAÇÃO ORIENTADA PARA SUSTENTABILIDADE
A empresa do estudo foi fundada em 1948 e a matriz situa-se no município de Campo Bom, na região do Vale do Rio dos Sinos, no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Possui unidades situadas no Brasil e no exterior (América Latina e China).
Na empresa o conceito de inovação sustentável foi introduzido formalmente em 2012. A expressão “inovação sustentável” foi publicada pela primeira vez no Balanço Social de 2012. Pode-se verificar, nos balanços sociais e nas entrevistas realizadas, que o foco central da inovação sustentável se refere aos produtos e aos processos. O desenvolvimento de produtos com o conceito de inovação sustentável requer o desenvolvimento de novos processos ou o aprimoramento dos processos atuais. Conforme Carrillo-Hermosilla, Gonzales e Konnola (2009), a inovação de produto e de processo neste contexto se refere à maneira pela qual as empresas criam valor e abordam a mudança na entrega dos produtos.
Vale ressaltar que a inovação em produto orientada para sustentabilidade é praticada pela empresa desde a década de 1980, porém com outras denominações, como ecoeficiência, que é uma filosofia de gestão empresarial baseada num esforço para produzir mais e melhor com menos uso dos recursos naturais. Buscar a ecoeficiência é produzir bens e serviços a preços competitivos, reduzindo progressivamente o impacto ambiental e o consumo de recursos naturais ao longo do ciclo de vida do produto ou serviço (ALMEIDA, 2007).
Verifica-se no Quadro 5 que vários produtos incorporam o conceito de inovação orientada para sustentabilidade. Pode-se afirmar que os produtos atendem aos princípios da inovação sustentável, demonstram os benefícios econômicos e ambientais, e os sociais de forma não explícita. Contudo, percebem-se os ganhos sociais em relação à saúde do trabalhador e à melhoria da qualidade de vida.

O Quadro 5 destaca os produtos voltados para os princípios da inovação sustentável. Pode-se dizer que, no segmento de indústria, o pilar ambiental recebe maior cobrança de órgãos regulamentadores, por isso as empresas tendem a lançar produtos que destacam os benefícios ambientais. Contudo, foram identificados exemplos de produtos que buscam contemplar os três pilares da sustentabilidade.
Pode-se dizer que os benefícios sociais não eram evidenciados nas inovações lançadas nas décadas de 1980 e 1990, porque, na época, a demanda do mercado e do ambiente externo era de produtos com benefícios ambientais e econômicos. Como a empresa do estudo desenvolve produtos com esse enfoque desde a década de 1980, destacava o pilar ambiental conforme proposto pela abordagem da ecoeficiência, que enfatiza os pilares econômico e ambiental da sustentabilidade. Com o movimento crescente de inovações que contemplam os três pilares da sustentabilidade, identifica-se que o pilar social, que não era explicitado nas inovações, passou a ser inserido nas avaliações e nos desenvolvimentos dos produtos e na divulgação dos mesmos ao mercado, atendendo os princípios da abordagem da inovação sustentável.
8. ELEMENTOS DA INOVAÇÃO ORIENTADA PARA SUSTENTABILIDADE
Foram identificados na revisão bibliográfica sobre inovação sustentável alguns elementos considerados necessários para promoção dessa inovação. Para esse estudo, esses elementos são denominados: (a) pilares da sustentabilidade; (b) parcerias; (c) ferramentas e processos; (d) ciclo dos produtos e serviços; (e) sensibilização para sustentabilidade/cultura para inovação sustentável. Eles foram adaptados de Hansen, Grosse-Dunker e Reichwald (2009), conforme explicado na seção referente aos procedimentos metodológicos. A seguir são analisados os elementos da inovação sustentável na empresa química.
- Pilares da sustentabilidade: refere-se à necessidade de considerar os impactos econômicos, ambientais e sociais no desenvolvimento das inovações. No caso do estudo, na concepção de um projeto de produto e no início do desenvolvimento, são verificados vários pontos, dentre eles, o impacto ambiental, a viabilidade e o retorno econômico, e os benefícios sociais. Além de integrar os pilares da sustentabilidade na concepção e no desenvolvimento dos produtos, faz-se a avaliação do impacto sustentável, pois “um dos requisitos a cumprir é fazer uma análise do impacto econômico, ambiental e social desse produto” (E1). Ainda, “a empresa é certificada ISO 14001, é obrigatório a cada desenvolvimento de produto passar pela avaliação da norma, é um requisito que deve ser cumprido” (E1).
Ao analisar a trajetória de desenvolvimento de produtos sustentáveis, verifica-se que inicialmente, devido às regulamentações e leis, foi integrado ao pilar econômico o pilar ambiental. Vale ressaltar que, tendo em vista a empresa pertencer ao segmento químico, há várias regulamentações e leis. Para atendê-las foi formado um grupo interno que acompanha e repassa as informações sobre as regulamentações e as leis para as unidades de negócios, comitês e áreas. A partir da análise dessas, busca-se identificar novas oportunidades de negócios.
Vê-se que a empresa, desde o início de sua trajetória, buscou alternativas para o desenvolvimento de adesivos com menor impacto ambiental e de produtos que favoreçam a eliminação de resíduos e uso coerente dos recursos naturais. Identificou-se a evolução do nível tecnológico dos adesivos, inicialmente foram produzidos adesivos base solvente com tolueno, na sequência foram fabricados adesivos base solvente sem tolueno devido à exigência ambiental.
No início dos anos 1980, foi lançado no mercado internacional o adesivo aquoso, isento de solvente orgânico e ecologicamente correto. A empresa então foi buscar essa tecnologia e a disponibilizou em 1982, no Brasil, adesivos aquosos capazes de atender a todas as etapas de fabricação de calçados, contando com adesivos para preparação, montagem e colagem de solados, bem como produtos auxiliares, como limpadores e solução halogenante.
Além disso, na mesma década, a empresa passou a produzir o adesivo hot melt, que também possui apelo ecológico, pois é isento de solvente, para isso estabeleceu uma parceria para licenciamento de tecnologia firmado com a Forbo (Suíça). Em 2004, a empresa, representante exclusiva da francesa Protechnic, apresentou ao Brasil a tecnologia de adesivos termofilmes, que permite a aplicação uniforme do adesivo e em quantidades mínimas sem desperdícios, por meio de processos mecanizados de prensagem e aquecimento. Além disso, o produto é inteiramente reciclável, não contém solvente e, assim, não libera gases tóxicos. A última inovação sustentável nesse segmento se trata do adesivo em pó, sem solvente e sem água, viabilizada com a aliança firmada com uma empresa fabricante de máquinas (MENONI, 2008; BALANÇO SOCIAL, 2012). Sendo assim, conforme o entrevistado 3, “isso mostra que a empresa busca negócios sustentáveis e tem esse perfil de buscar a renovação de projetos, de buscar inovação contínua em nível de tecnologia para que seja em conjunto com a premissa de seus valores”.
Com a evolução das tecnologias dos adesivos, houve a redução do impacto ambiental, que consequentemente gerou benefícios sociais, principalmente aos trabalhadores, devido à não exposição direta aos componentes tóxicos dos adesivos. Para desenvolver a inovação sustentável em produtos, várias pesquisas foram conduzidas pela área de tecnologia para dar início a essas ações que contemplam os pilares da sustentabilidade e a sua capacidade de inovação, tornando intrínseca a análise dos pilares no processo de desenvolvimento de qualquer produto.
- Parcerias: esse elemento trata da formação de parcerias para criação e desenvolvimento de inovações e essa interação favorece o compartilhamento de conhecimentos e inspirações. Neste quesito, a empresa envolve geralmente os fornecedores, os clientes e os parceiros tecnológicos externos e os seus funcionários. Internamente, pode ser citado o programa de ideias que contempla todos os funcionários e o grupo de tecnologia que é multidisciplinar.
O grupo de tecnologia é formado por representantes de várias áreas, que discutem sobre as tendências do mundo, entre elas, uso de matérias-primas de fontes renováveis que inspira o desenvolvimento de novos produtos sustentáveis (E5).
Quantos aos parceiros externos, como os fornecedores e os clientes, estes participam dos Fóruns de Sustentabilidade e de Tecnologia promovidos pela empresa que têm como objetivo divulgar tendências e prospectar novas necessidades relacionadas com produtos sustentáveis. Ainda, são realizadas parcerias com eles, como para logística reversa, reaproveitamento de resíduos em todos os negócios da empresa. Conforme o entrevistado 3, “a área comercial tem várias iniciativas para retornar as embalagens visando atender a política de logística reversa, e assim, evitar os conflitos ambientais de disposição inadequada de materiais”.
A empresa busca desenvolver produtos de materiais de reaproveitamento de resíduos por meio de parcerias com a sua cadeia. Além disso, fiscaliza as práticas dos fornecedores. Cada fornecedor preenche um questionário e envia os documentos de comprovação, principalmente para comprovar a questão ambiental e social. Ainda, são buscadas parcerias tecnológicas internacionais para contratos tecnológicos e/ou formação de joint ventures.
- Ferramentas e processos: permitem a implantação da inovação sustentável e desenvolvem novos mecanismos de acesso ao conhecimento e à especialização. Para o desenvolvimento da inovação orientada para sustentabilidade, a empresa tem como base a sua capacidade de inovação, que é constituída por processos gerenciais e organizacionais, com o uso de metodologias de inovação como o modelo do funil (CLARK; WHEELWRIGHT, 1993) e dos stages-gates (COOPER, 1993).
Vale ressaltar que foram incorporadas aos processos de inovação algumas ferramentas de controle e desenvolvidos processos, como a ISO 14001, ISO 9001, Programa Gaúcho da Qualidade e Produtividade (PGQP) e o Sistema de Gestão Ambiental. Todos estes apresentam critérios que devem ser atendidos e avaliados no processo de concepção de inovações orientadas para sustentabilidade, reforçando a atenção e o rigor em relação aos pilares da sustentabilidade.
- Ciclo dos produtos e serviços: neste se verificam as origens das matérias-primas, as consequências sociais de produção e o consumo, e o destino dos produtos no final de sua vida útil. Conforme o entrevistado 1, “a empresa trabalha com produtos que tenham algum diferencial, e muitos deles têm um apelo sustentável. Avalia-se o próprio ciclo da sustentabilidade de produtos, busca-se utilizar 100% do resíduo no próprio ciclo do produto” (E1).
Em relação ao ciclo dos produtos e serviços, são adotados os seguintes princípios (BALANÇO SOCIAL, 2012):
Escolha e consumo de materiais: usar, na produção, matéria-prima mais próxima de seu estado natural; usar materiais que gerem menos poluentes no processo de produção; usar materiais reciclados e materiais renováveis;
Características do produto: elaborar projetos voltados à simplicidade (formas mais simples); reduzir o uso de matérias-primas (materiais mais leves, mais finos); projetar produtos com maior vida útil; promover produtos multifuncionais;
Embalagens: reduzir o peso e a complexidade de embalagens; promover embalagens reutilizáveis; prever o retorno para seus fabricantes;
Resíduos: minimizar os resíduos gerados no processo produtivo; minimizar os resíduos gerados durante o uso do produto; reaproveitar os resíduos gerados; garantir limites mínimos de substâncias perigosas.
Ainda, em relação a este elemento, a cada lançamento de um produto sustentável, segundo o entrevistado 3, “[...] várias vezes a empresa enfrentou dificuldades com o mercado, por que eles não acreditavam na eficiência do produto” (E3).
Essa resistência é evidenciada desde o lançamento do adesivo sintético, adesivo aquoso até o adesivo em pó. Para amenizar a resistência do mercado, a empresa criou um serviço de consultoria técnica no qual disponibiliza consultores técnicos que ensinam o cliente a utilizar o produto com maior eficiência. Além disso, faz parcerias com os clientes antes do lançamento do produto para testes, reduzindo os riscos e as incertezas em relação à aceitação do novo produto.
- Sensibilização para sustentabilidade/cultura para inovação sustentável: significa integrar a sustentabilidade nos processos organizacionais e nos comportamentos por meio das lideranças para formação de uma cultura favorável à inovação sustentável. Em relação a este elemento, pode-se afirmar que a cultura da inovação está disseminada, mas a cultura para inovação sustentável ainda não, pois é preciso melhorar a sensibilização das pessoas para a sustentabilidade por meio do alinhamento da sustentabilidade com o modelo de negócio, há necessidade de se verificar a ampliação da sustentabilidade para além do escopo de produtos e processos.
Evidenciou-se que a sustentabilidade é associada diretamente ao desenvolvimento de produtos e processos sustentáveis, porém ocorrem outras ações paralelas que nem sempre são percebidas de acordo com o conceito da sustentabilidade. Desse modo, as lideranças têm dificuldades de disseminar a cultura voltada para inovação sustentável. Pode-se afirmar que este elemento “sensibilização para sustentabilidade/cultura para inovação sustentável” está presente no que se refere ao desenvolvimento de produtos, mas não no modelo de negócio. Por fim, pode-se dizer que a análise dos elementos da inovação sustentável contribui para compreender a promoção da inovação sustentável.
A seguir, apresentam-se as etapas de desenvolvimento da inovação sustentável a partir do modelo de Cooper (1993). Para isso, utilizou-se como exemplo o produto adesivo em pó, que se trata de um produto que se classifica como uma inovação sustentável radical.
9. ETAPAS DE DESENVOLVIMENTO DA INOVAÇÃO EM PRODUTO ORIENTADA PARA SUSTENTABILIDADE
Na literatura sobre inovação sustentável não foi identificado um modelo específico para o desenvolvimento da inovação sustentável. Por esse motivo, verificou-se, a partir do caso estudado, o modelo utilizado para inovação sustentável em produto. Identificou-se que a organização utiliza dois modelos da abordagem da inovação, o modelo do funil da inovação (CLARK; WHEELWRIGHT, 1993) e o modelo dos stages-gates (COOPER, 1993). Este último, principalmente para o desenvolvimento de inovações radicais. A seguir, apresenta-se o desenvolvimento da inovação sustentável em produto por meio do modelo dos stages-gates de Cooper (1993).
A empresa desenvolveu o produto adesivo em pó, que se caracteriza como uma inovação sustentável lançada em 2012 ao mercado. O produto é utilizado para colagem de calçados, ou seja, para unir o solado ao cabedal. Essa inovação é pioneira no mercado mundial e gerou uma patente de produto e uma patente de processo. Segundo o entrevistado 7, “esse novo processo de colagem de solados gera uma economia de até 70% no consumo de adesivos nesta etapa de produção. Ainda, em sua formulação foi eliminada a utilização de solvente e de água”.
Para compreender o desenvolvimento da inovação sustentável, apresentam-se as etapas adotadas a partir do exemplo do produto adesivo em pó. Conforme o entrevistado 4,
O conceito do adesivo em pó nasceu internamente, puxado pela área de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em 2006. Na época, refletia-se sobre o setor calçadista ser sempre o mesmo, e a empresa se questionava: como podemos inovar com um novo produto para esse setor? (E4).
Desse modo, a primeira etapa considerada refere-se a gerar uma nova necessidade para o mercado (YOON; TELLO, 2009), denominada nesse trabalho de geração de ideias (COOPER, 1993; CLARK; WHEELWRIGHT; 1993; TIDD; BESSANT; PAVITT, 2008).
Em 2006, identificou-se que a maior dificuldade estaria na aplicação do adesivo em pó, pois havia necessidade de uma máquina para aplicação do produto e para colagem. Em 2007, deu-se início à etapa de investigação preliminar (COOPER, 1993), pois iniciaram as pesquisas para o desenvolvimento do adesivo sólido que utilizasse um equipamento automatizado para aplicação.
Estudos e testes com novas matérias primas em adesivos foram realizados mesmo sem a existência de uma máquina, os resultados iniciais foram além das expectativas. Para inovar em um processo de colagem exclusivo, era necessário que duas empresas pensassem juntas. Em 2008, iniciou uma parceria tecnológica de desenvolvimento para aprimorar o processo de colagem com a utilização do adesivo em pó (E5).
Sendo assim, iniciou-se a etapa de investigação detalhada (COOPER, 1993), na qual foi projetado um protótipo da máquina para injeção do adesivo em pó. Após os primeiros testes realizados com o protótipo da máquina e dos bons resultados obtidos, iniciou-se a etapa de desenvolvimento (COOPER, 1993) da máquina e do adesivo em pó. Essa etapa ocorreu em 2008, constituindo um novo processo de colagem de calçados.
Em 2009 e 2010, realizou-se a etapa de validação e teste (COOPER, 1993), que se caracterizou como o período de testes e desenvolvimento da máquina. Após alguns meses de testes e avaliações, o processo foi aprovado por clientes. Para o período de testes, “foi feita uma parceria com uma empresa de calçados, situada no Rio Grande do Sul, que produziu aproximadamente dois milhões de pares de calçados nesse novo sistema de colagem” (E5).
Para isso, foi feita a instalação da primeira máquina em escala industrial na empresa de calçados com processo automatizado de aplicação do adesivo em pó. Aplica-se um prime em uma parte do solado, que adere o pó que é aplicado automatizado, todo o pó é reaproveitado em 100% pela própria máquina.
Esse novo processo está baseado no tripé da sustentabilidade e apresenta as seguintes vantagens: “sistema de alta produtividade, redução do consumo de adesivo, maior estabilidade na colagem e resultado final mais homogêneo, dispensa o uso de água e solvente em sua formulação” (E10).
Após a confirmação dos testes, deu-se início à última etapa, denominada de lançamento do produto (COOPER, 1993). A parceria entre a empresa produtora da máquina e a empresa química gerou uma joint venture, que se situa em Dongguan, na China. Essa parceria permitiu o lançamento do novo produto ao mercado em 2012. Conforme o entrevistado 5, “[...] tem-se uma sociedade com uma unidade na China, é um novo negócio e o risco é compartilhado. Nesse negócio a venda da máquina é obrigatória para a aplicação do adesivo” (E5).
Vale destacar que o lançamento de um produto inovador gera dúvidas no mercado. Para amenizar esse risco, segundo o entrevistado 5,
Antes do lançamento já havia dois milhões de pares de calçados colados com esse adesivo circulando no mercado, o produto estava sendo vendido no varejo sem o conhecimento do tipo de adesivo utilizado devido à aliança desenvolvida com empresa calçadista.
Em 2013, teve início um projeto com o grupo Adidas para aplicação do produto adesivo em pó nas fábricas situadas na China. Essa parceria com o grupo Adidas “trouxe oportunidades para atuação em novos mercados, com a venda do produto para países como: Taiwan, Camboja, Indonésia, etc. A empresa não planejava atuar na Ásia, o lançamento desse produto promoveu essa nova oportunidade de mercado” (E10).
A partir da análise dos dados, compreende-se que o conceito utilizado no desenvolvimento do adesivo em pó está alinhado com o conceito de inovação sustentável apresentado por Rycroft e Kash (2000). Os autores dizem que a inovação sustentável vai além da inovação convencional, pois deve integrar os pilares econômico, ambiental e social, geralmente é radical ou transformacional por natureza. O processo de aplicação do adesivo em pó em relação ao processo de aplicação do adesivo de solvente ou aquoso é diferente, e exige uma mudança no processo de produção devido à necessidade de um maquinário específico. Além disso, contempla vários benefícios econômicos, como aumento da produtividade, redução do consumo de adesivo devido ao reaproveitamento, maior estabilidade na colagem com resultado homogêneo; benefícios ambientais, como reaproveitamento, não utiliza água e solventes em sua formulação; benefícios sociais, como não exposição a solventes tóxicos, gerando melhorias na saúde ocupacional do trabalhador.
Verificou-se que, para desenvolver a inovação sustentável de produto, a empresa utiliza o modelo de stages-gates de Cooper (1993). No caso do adesivo em pó, foram seguidas as etapas de geração de ideias, investigação preliminar, investigação detalhada, desenvolvimento, validação e teste, produção e lançamento. Ainda, como se trata de uma inovação radical, essa inovação sustentável foi desenvolvida em um período de aproximadamente seis anos, desde a geração da ideia até o lançamento do produto no mercado.
Para viabilizar uma inovação desse tipo é preciso constituir alianças. Jorna (2006) diz que a inovação sustentável é um trabalho coletivo, pois a forma de pensar, racionalizar, organizar e sistematizar a lógica coletiva sustentável é que faz a diferença. Sendo assim, a ideia do projeto surgiu internamente, mas para viabilizá-la foi necessária a busca de um fornecedor para desenvolver em conjunto uma máquina para aplicação do adesivo, e também a busca de um cliente para fase dos testes. Essa capacidade de formar alianças foi desenvolvida anteriormente, desde a década de 1980. A empresa firma parcerias, principalmente tecnológicas, para aprimorar seus produtos e lançar novos ao mercado e, além disso, é uma diretriz estratégica que pode ser observada em quase todos os lançamentos de produtos com inovação sustentável no mercado.
Finalizando esta seção, pode-se afirmar que a concepção, o desenvolvimento e o lançamento de produtos sustentáveis ao mercado tiveram início na década de 1980 e trouxeram resultados tangíveis para a organização no que se refere aos pilares econômico, ambiental e social. Desse modo, os investimentos em tecnologias de produtos e processos para o lançamento de produtos sustentáveis ao mercado foram os meios encontrados inicialmente pela empresa para aplicação do conceito de sustentabilidade.
É interessante observar que o conceito de ecoeficiência era praticado pela empresa desde a década de 1980. A partir da oportunidade identificada, passou a investir em pesquisas conduzidas pela área de tecnologia para identificar e desenvolver produtos com esse foco para atender novos nichos de mercado.
Vale destacar que as linhas hot melt e aquosa foram desenvolvidas conforme os princípios da sustentabilidade, representando juntas 60% das vendas e superando a linha solvente. Devido à adesão de clientes aos produtos lançados, a empresa passou a investir consequentemente em políticas e ações de sustentabilidade para envolver toda organização, além da cultura da inovação. Sendo assim, foram introduzidas ferramentas, processos organizacionais e de gestão para lidar com os problemas ambientais, como a política de gestão ambiental, o sistema de gestão ambiental, a ISO 14001, o programa produção mais limpa, o programa redução de perdas, etc. Esses são considerados no desenvolvimento de novos produtos e no processo produtivo. O entrevistado 1 reforça que “qualquer concepção e desenvolvimento de produto passa pelos critérios exigidos pela ISO 14001 e pelo sistema de gestão ambiental da empresa, independente do tipo de inovação” (E1).
A inovação sustentável em produto facilitou o ingresso da empresa nesse mercado com ofertas de produtos que atendem ao conceito de sustentabilidade. Pode-se dizer que para uma organização promover a inovação sustentável, esta deverá ser intrínseca às rotinas de inovação da organização. Não significa que haverá duas estruturas organizacionais, uma para inovação convencional e outra para inovação sustentável. O caso estudado mostra que o desenvolvimento dessas inovações surgiu devido ao alinhamento interno. Esse alinhamento foi movido por meio da busca de novas oportunidades de mercado, pois há demandas voltadas para as questões de sustentabilidade.
10. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve como objetivo analisar a inovação em produto orientada para sustentabilidade em uma empresa do segmento químico. A inovação orientada para sustentabilidade ou inovação sustentável, para este artigo, é representada como uma inovação que gera renovação ou melhoria de produtos, que melhora o desempenho econômico, ambiental e social. Sendo assim, a inserção dos três pilares nas estratégias e nas ações das organizações distingue as inovações sustentáveis das inovações convencionais e amplia essa abordagem.
Para a pesquisa empírica, foi desenvolvido um estudo de caso de natureza qualitativa. A análise dos dados mostrou que são considerados e avaliados os impactos econômicos, ambientais e sociais no desenvolvimento das inovações na empresa. Essa prática é adotada devido às exigências das normas como ISO 14001 e do sistema de gestão ambiental. A empresa entende que cumprindo e/ou se antecipando às exigências legais, pode captar novas oportunidades de mercado, ou seja, atender empresas que consideram relevante a sustentabilidade. Percebe-se que a organização busca a formação de parcerias no processo de criação das inovações, há envolvimento e participação de clientes, fornecedores, funcionários e direção. Além disso, avalia a origem das matérias-primas, o reaproveitamento dos resíduos e o retorno das embalagens, acompanhando o ciclo do produto.
No caso estudado foram identificados dois modelos teóricos, o do funil da inovação de Clark e Wheelwright (1993) para inovações de produtos sustentáveis incrementais, e o do stages-gates de Cooper (1993) para inovações de produtos sustentáveis radicais. Estes modelos são processos associados à inovação da organização. Desse modo, pode-se afirmar que a organização utiliza modelos de inovação considerando os elementos da inovação sustentável (pilares da sustentabilidade, parcerias, ferramentas e processos, ciclo dos produtos e serviços, e sensibilização para sustentabilidade/cultura para inovação sustentável) para conceber e lançar produtos sustentáveis ao mercado.
A partir da análise desses elementos, observou-se que a empresa possui uma trajetória de desenvolvimento de inovações em produtos orientadas para sustentabilidade. Até 2012, utilizava outra denominação para se referir às inovações com foco na sustentabilidade, como a ecoeficiência. Com isso, pode-se dizer que a inovação sustentável contribuiu para a empresa ampliar o escopo de sua inovação no que se refere aos produtos.
Os autores dessa abordagem enfatizam que a inovação deve contemplar os três pilares para ser considerada uma inovação sustentável. Bos-Brouwers (2010) define a inovação sustentável como uma inovação que não só proporciona um desempenho econômico melhor, mas também um desempenho ambiental e social, tanto no curto e longo prazo.
O estudo destaca como contribuição para área de conhecimento que, para o desenvolvimento da inovação sustentável em produto, é preciso utilizar modelos de inovação estruturados, constituídos por etapas e processos. No caso estudado, os modelos utilizados são o funil de inovação e o stage-gates. Além disso, é necessário considerar os elementos da inovação sustentável nos modelos de inovação, denominados de: a) pilares da sustentabilidade; b) parcerias; c) ferramentas e processos; d) ciclo dos produtos e serviços; e) sensibilização para sustentabilidade/cultura para inovação sustentável. Com isso, é possível ampliar o escopo de atuação da inovação, além do enfoque econômico, para atuação nos pilares ambiental e social.
Finalmente, o estudo apresenta algumas limitações. Pode-se dizer que o estudo realizado não pode ser generalizado, pois trata de um estudo de um caso particular com base na percepção dos próprios funcionários do caso investigado. A pesquisa teve como foco a análise do ambiente interno, não contemplando os demais stakeholders como clientes e fornecedores, que poderiam contribuir para ampliar os resultados do estudo.
Como sugestão de estudos futuros, recomenda-se analisar o desenvolvimento da inovação sustentável em outros segmentos industriais e também no segmento de serviços para verificar como ocorre esse desenvolvimento. Ainda, o estudo teve como foco a análise do ambiente interno da organização, desse modo, sugere-se a realização de uma pesquisa quantitativa e qualitativa com os stakeholders para verificar como percebem o valor dos produtos sustentáveis.
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