Resumo: A persistência da book-tax differences (BTD), ou seja, a autocorrelação dessa variável entre períodos consecutivos, pode ser utilizada para identificar a persistência do lucro contábil e do lucro tributável de maneira conjunta. A oscilação desses lucros provavelmente aumentou após a adoção das International Financial Reporting Standards (IFRS), provocando a redução da persistência da BTD. Porém a adoção efetiva das IFRS na prática das empresas do Brasil, país de origem code law, possivelmente demore a ocorrer. Assim, o objetivo desta pesquisa é investigar o comportamento da persistência da BTD nas companhias abertas brasileiras após a adoção das IFRS. A amostra composta por 842 observações do período de 2004 a 2015, foi testada por meio de “generalised method of moments” (GMM) e “autoregressive process” AR(1). Os resultados sugerem persistência dos três tipos de BTD (total, temporária e permanente) no horizonte temporal de estudo. A BTD temporária revelou menor nível de persistência. Além disso, os resultados sugerem redução da persistência dos três tipos de BTD após a adoção das IFRS, sendo a BTD temporária a mais afetada. Infere-se que o aumento de escolhas contábeis, o subjetivismo responsável e a representação fidedigna, inerentes à adoção das IFRS, podem provocar oscilações nos lucros reduzindo a persistência da BTD.
Palavras-chave:Persistência da BTDPersistência da BTD, Book-tax differences Book-tax differences, Lucro Contábil Lucro Contábil, Lucro Tributável Lucro Tributável, IFRS IFRS.
Abstract: The persistence of book-tax differences (BTD), i.e., the autocorrelation of this variable between consecutive periods, can be used to identify the persistence of book and tax income together. The fluctuation of these incomes probably increased following the adoption of the International Financial Reporting Standards (IFRS), causing a reduction in the persistence of BTD. However, the effective adoption of the IFRS in the practice of companies in Brazil, a code law country, may take a long time to occur. The objective of this research is to investigate the behavior of the persistence of BTD of Brazilian public companies following the adoption of the IFRS. The sample, composed of 842 observations from the period 2004 to 2015, was tested by the generalized method of moments (GMM) and the autoregressive process AR(1). The results indicate the persistence of the three types of BTD (total, temporary and permanent) in the time horizon of the study. Temporary BTD revealed a lower level of persistence. In addition, the results suggest a reduction in the persistence of the three types of BTD following the adoption of IFRS, with temporary BTD being the most affected. It is inferred that the increase in accounting choices, the responsible subjectivism and the reliable representation inherent to the adoption of the IFRS can cause fluctuations in profits that may reduce the persistence of BTD.
Keywords: Persistence, Book-tax differences, IFRS.
Resumen: La persistencia de book-tax differences (BTD), o sea, la autocorrelación de esta variable entre períodos consecutivos puede ser utilizada para identificar la persistencia del lucro contable y del lucro tributable de manera conjunta. La oscilación de estos lucros probablemente aumento tras la adopción de las International Financial Reporting Standards (IFRS), provocando la reducción de la persistencia de BTD. Sin embargo, la adopción efectiva de las IFRS en la práctica de las empresas de Brasil, país de origen code law, posiblemente demore para suceder. Así, el objetivo de esta pesquisa es investigar el comportamiento de la persistencia de BTD en las compañías abiertas brasileñas tras la adopción de las IFRS. La amuestra compuesta por 842 observaciones entre el período de 2004 a 2015, fue probada por medio de “generalised method of moments” (GMM) y “autoregressive process” AR(1). Los resultados sugieren persistencia de los tres tipos de BTD (total, temporaria y permanente) en el horizonte temporal del estudio. La BTD temporaria revelo menor nivel de persistencia. Además, los resultados sugieren reducción de la persistencia de los tres tipos de BTD tras la adopción de las IFRS, siendo la BTD temporaria la más afectada. Se deduce que el aumento de elecciones contables, el subjetivismo responsable y la representación fidedigna, inherentes a la adopción de las IFRS, pueden provocar oscilaciones en los lucros reduciendo la persistencia da BTD.
Palabras clave: Persistencia da BTD, Book-tax differences, Lucro Contable, Lucro Tributable, IFRS.
A PERSISTÊNCIA DA BOOK-TAX DIFFERENCES NAS COMPANHIAS ABERTAS BRASILEIRAS APÓS A ADOÇÃO DO INTERNATIONAL FINANCIAL REPORTING STANDARDS (IFRS)
THE PERSISTENCE OF BOOK-TAX DIFFERENCES IN BRAZILIAN OPEN COMPANIES FOLLOWING THE ADOPTION OF INTERNATIONAL FINANCIAL REPORTING STANDARDS (IFRS)
LA PRESISTENCIA DE BOOK-TAX DIFFERENCES EN LAS COMPAÑÍAS ABIERTAS BRASILEÑAS DESPUÉS DE LA ADOPCIÓN DEL INTERNATIONAL FINANCIAL REPORTING STANDARDS (IFRS)
Recepção: 19/03/2017
Aprovação: 01/03/2018
A book–tax differences (BTD) ocorre, principalmente, em função das divergências entre as normas societárias e fiscais e dos gerenciamentos de resultado contábil e tributário (FORMIGONI; ANTUNES; PAULO, 2009; MARTINEZ; PASSAMANI, 2014). A contabilidade financeira e a contabilidade fiscal envolvem diferentes finalidades e exigências, o que resulta em divergências entre as normas societárias e tributárias. A principal finalidade da contabilidade societária é fornecer informações financeiras e econômicas para a tomada de decisões embasada nos princípios contábeis geralmente aceitos (CPC, 2011). Por outro lado, o principal objetivo das normas tributárias é a arrecadação de impostos, sendo, muitas vezes, empregadas como instrumento de política econômica e social do governo (ALLEY; JAMES, 2005). Enquanto as normas societárias são mais subjetivas, permitindo escolhas contábeis, as normas tributárias são mais objetivas e uniformes, com o intuito de facilitar a fiscalização (COSTA; LOPES, 2015). Desse modo, é possível surgir diferenças entre o lucro contábil, calculado conforme as normas societárias, e o lucro tributável, segundo as normas fiscais, assim caracterizando a BTD.
A BTD também pode ser decorrente do gerenciamento de resultado ou do gerenciamento tributário (TANG, 2005; HANLON; MAYDEW; SHEVLIN, 2008; COSTA; LOPES, 2015). Os gestores valem-se do gerenciar o lucro tributável, reduzindo seu montante, como intuito de pagar menos tributos (ZIMMERMANN; GONCHAROV, 2005; TANG, 2005; FORMIGONI; ANTUNES; PAULO, 2009). Por outro lado, procuram gerenciar o lucro contábil, aumentando o seu valor, para atrair investidores interessados em dividendos (HANLON; MAYDEW; SHEVLIN, 2008). Segundo Hanlon e Maydew (2009), o gerenciamento de resultado contábil e tributário ocorre tanto de maneira não discricionária, decorrente do desalinhamento entre as normas societárias e fiscais, quanto discricionariamente, quando o gestor decide alterar os resultados por motivos alheios à realidade dos negócios. Assim, o grau de alinhamento entre as normas fiscais e societárias, o gerenciamento de resultados e o gerenciamento tributário dão origem à BTD e, consequentemente, podem afetar a qualidade da informação contábil.
A persistência do resultado contábil e do resultado tributário tem sido usada como sinônimo de qualidade da informação contábil (MAYBERRY; MCGUIRE; OMER, 2015; WAHAB; HOLLAND, 2015; MARTINEZ; SOUZA; MONTE-MOR, 2016). Em tese, quanto maior a persistência do lucro, maior a qualidade da informação gerada pelo sistema contábil, pois propicia maior acurácia na projeção dos fluxos de caixa futuros por parte dos usuários da informação (DECHOW; GE; SCHRAND, 2010). O mesmo comportamento é esperado do lucro tributável, uma vez que é possível supor que o lucro tributável contém informação com a característica de persistência de resultados, por não conter os accruals discricionários que, eventualmente, reduziram a persistência do lucro contábil (KAJIMOTO; NAKAO, 2015). Os accruals discricionários são componentes que causam alteração no lucro/prejuízo em função do regime de competência (FURTADO; SOUZA; SARLO NETO, 2016).
Identifica-se a persistência do lucro contábil e do lucro tributável por meio da análise da persistência da BTD (LEV; NISSIM, 2004; HANLON, 2005; WAHAB; HOLLAND, 2015). É provável que essa análise seja útil para os usuários da contabilidade por viabilizar a avaliação conjunta desses resultados, uma vez que os investidores terão informações a partir do lucro contábil e do lucro tributário (DRAKE, 2013). Além de identificar se há uma constância dos resultados, é possível identificar se a BTD também é persistente, tornando-se esta variável também um indicador de qualidade da informação contábil.
A BTD persistente poderá refletir suavização (alisamento) de resultados. A suavização de resultados ocorre quando as companhias gerenciam seus resultados, a fim de demonstrarem menores oscilações (LYRA; MOREIRA, 2011). Para Castro e Martinez (2009), as companhias que conseguem demonstrar menor volatilidade nos lucros tendem a captar mais investidores. Portanto, a BTD persistente indicará consecutivos alisamentos para uma convergência entre o lucro contábil e o tributário, enquanto que a BTD não persistente refletirá uma representação fidedigna das movimentações contábeis. Lev e Nissim (2004), Hanlon (2005) e Desai (2005) concluem que maior volume de BTD é um indicativo de melhor qualidade da informação, o que sugere que menor persistência da BTD implica melhor qualidade da informação contábil, ou seja, menor alisamento de resultado. Hanlon (2005) relata que os investidores interpretam grandes volumes de BTDs como uma “bandeira vermelha”, ou seja, precisa-se de maior atenção em relação à qualidade dos lucros reportados.
Wahab e Holland (2015) analisaram a persistência da BTD em companhias abertas da Bolsa de Valores da Inglaterra. Esses autores identificaram que o grau de persistência variava em relação ao tipo de BTD (total, temporária ou permanente). A BTD total e a permanente se revelaram persistentes, porém isso não aconteceu com a diferença temporária. Esses autores ressaltaram que este resultado é inesperado, uma vez que as despesas temporárias normalmente sejam motivadas por gerenciamento de resultado ao longo de vários períodos. Na visão desses autores, a BTD temporária e a permanente têm conteúdo informativo às partes interessadas, sendo que a compreensão da estabilidade e da persistência desses tipos de BTD ajudam aos usuários da contabilidade a entender os processos do desempenho contábil e fiscal das empresas, ou seja, como foram estruturados o lucro contábil e o tributário demonstrado.
A adoção das International Financial Reporting Standards (IFRS) pressupõe a desvinculação entre as normas contábeis e fiscais. Assim, espera-se que, após a adoção dessas normas no Brasil, no ano de 2008, tenha aumentando a BTD. Além disso, que haja uma redução na persistência da BTD após a adoção dessas normas em virtude do aumento das escolhas contábeis permitidas pelas IFRS e do subjetivismo responsável, fatores que podem favorecer o gerenciamento de resultados.
Dessa forma, este estudo tem como objetivo investigar o comportamento da persistência da BTD das companhias abertas brasileiras após a adoção das IFRS. A amostra da pesquisa é composta por 842 observações do período de 2004 a 2015, testadas por meio de generalised method of moments (GMM) e modelo autorregressivo de um período (AR-1).
Wahab e Holland (2015) analisaram a persistência dos tipos de BTD (total, temporária e permanente) utilizando uma amostra de empresas de países de origem code law e common law. Este artigo se diferencia daquele por analisar a persistência da BTD em companhias abertas do Brasil, país de origem code law (com histórico de maior influência das normas fiscais na contabilidade societária). Os resultados deste estudo levam a contribuir com a literatura sobre a persistência dos resultados e da BTD. Assim, os usuários da contabilidade observarão se realmente a desvinculação da contabilidade tributária e da contabilidade societária está ocorrendo após a adoção das IFRS no Brasil e se a persistência da BTD aumentou após essas modificações na contabilidade brasileira. Esses resultados podem ser úteis para os investidores analisarem a qualidade do lucro reportado.
“A book-tax differences (BTD) representa as diferenças entre o lucro contábil, em conformidade com a legislação societária, e o lucro tributável (lucro calculado em consonância com a legislação tributária)” (MARTINEZ; PASSAMANI, 2014, p. 22). A BTD pode ser ocasionada por três motivos, sendo: o desalinhamento das normas contábeis e tributárias, o gerenciamento de resultado e o gerenciamento tributário (MARTINEZ; PASSAMANI, 2014). A Estrutura Conceitual para Elaboração e Divulgação de Relatório Contábil – Financeiro (CPC, 2011) define que a finalidade da contabilidade societária é fornecer informações financeiras aos usuários da contabilidade referentes ao desempenho econômico e financeiro da empresa. A Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) fornece as regras para o cálculo do lucro tributável, para cálculo dos tributos sobre o lucro, o imposto de renda pessoa jurídica e a contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) (COSTA; LOPES, 2015). A fim de garantir a utilidade da informação contábil na tomada de decisão, a Estrutura Conceitual para Elaboração e Divulgação de Relatório Contábil-Financeiro (CPC, 2011) estabelece a base conceitual com o intuito de os gestores apurarem o lucro societário, privilegiando as escolhas contábeis e a essência econômica do fato, em detrimento da essência jurídica. Por outro lado, a RFB estabelece regras mais objetivas na apuração do lucro tributário. Essas divergências entre as normas fazem com que os lucros contábil e tributário sejam distintos, originando, assim, a BTD.
A segunda origem da BTD é o gerenciamento de resultado contábil, que se define como “o processo de decisões deliberadas dentro dos limites impostos pelas normas contábeis, para apresentar o nível desejado de resultado” (SCHIPPER, 1989, p. 92). Paulo, Martins e Corrar (2007) conceituam o gerenciamento contábil como a existência de vários critérios nas normas e nas práticas contábeis, possibilitando aos gestores escolherem a melhor alternativa de apresentar as informações contábeis da forma desejada pela companhia. O gerenciamento de resultado contábil está associado às práticas discricionárias ou não discricionárias, empregadas pelo gestor ao moldar as informações contábeis da forma mais útil para a empresa, de acordo com incentivos tributários e econômicos (MARTINEZ; PASSAMANI, 2014). O gerenciamento de resultado contábil assim como o tributário representam uma forma da contabilidade criativa, possibilitando organizar as informações a serem repassadas aos usuários, e não compreendendo uma forma ilícita ou caracterizando a sonegação fiscal (MARTINEZ, 2001; SANTOS; GRATERON, 2003; STLOWY; BRETON, 2004).
O gerenciamento tributário também pode ocasionar a diferença entre o lucro contábil e o lucro tributário. Conforme Tang (2005), o gerenciamento tributário é a forma do contribuinte explorar as condições ou lacunas da lei tributária e aplicá-las de forma vantajosa na mensuração contábil e na escrituração das atividades tributáveis, favorecendo a empresa, assim, legalmente, influenciando a sua carga tributária. Zimmermann e Goncharov (2006, p. 42) definem esse gerenciamento como “sendo a minimização do valor presente das despesas de imposto de renda”. A legislação tributária afeta essencialmente a contabilidade societária, se vinculadas, pois propicia a adoção de regras e mecanismos de escrituração que aludem à apuração dos tributos (MARTINEZ; PASSAMANI, 2014).
A diferença entre o lucro contábil e o lucro tributário é a soma das diferenças permanentes e temporárias obtidas a partir do confronto entre o lucro contábil e o lucro tributável (TANG; FIRTH, 2011). As diferenças temporárias são aquelas produzidas em um período de tributação especial e desaparecem ou são revertidas em períodos subsequentes, dando origem a impostos diferidos ativos e passivos (GALLEGO, 2004). As despesas temporárias são registradas contabilmente em um período e fiscalmente em outro, nesse caso caracterizando o imposto diferido. São valores que serão tributados ou deduzidos no decorrer do tempo, quando os ativos forem recuperados ou os passivos regularizados (PEREIRA, 2013). Segundo Wahab e Holland (2015), as diferenças temporárias podem ser persistentes, embora tenham características a curto prazo, assim uma empresa gera novas BTD temporárias mediante um planejamento fiscal contínuo e, portanto, tem diferenças temporárias permanentes.
As diferenças permanentes referem-se àquelas que só afetam o lucro tributário em um determinado período de tempo, não sendo revertidas em períodos subsequentes (GALLEGO, 2004). Para Formigoni et al. (2009, p. 46), “as diferenças permanentes ocorrem quando determinadas receitas ou despesas são reconhecidas contabilmente, mas não possuem efeitos tributários”. As despesas permanentes podem refletir uma gestão tributária estratégica, enquanto que as despesas temporárias refletem a evasão fiscal na forma de adiamento do imposto, por isso, ocasionando a diferença no lucro (FRANK, LYNCH; REGO, 2009). Um exemplo de diferenças permanentes são os benefícios fiscais e o reporte de prejuízos fiscais para os quais haja previsão legal que permita a sua compensação em exercícios futuros, que podem afetar o lucro tributário, porém não sendo refletidos no resultado societário (FERREIRA et al., 2012; PEREIRA, 2013).
Recorre-se à análise da persistência do lucro contábil e do tributário para identificar possíveis gerenciamentos de resultado e tributário nas empresas (KAJIMOTO; NAKAO, 2015). Conceitua-se a persistência como a autocorrelação de uma mesma variável entre anos consecutivos (CHEN et al., 2014). Em contabilidade, a persistência tem sido estudada em relação aos lucros, ou ainda é empregada para identificar a possibilidade de prognóstico das variáveis, ou seja, “uma maior previsibilidade está associada à maior persistência” (WAKIL, 2011, p. 18). Lee e Yoon (2012) concluem que esta perseverança representa a valorização na finalidade das informações contábil-financeiras, pois lucros e valores contábeis contínuos são úteis para previsões sobre futuros resultados positivos a longos prazos.
Por sua vez, Hanlon (2005) investigou o papel da BTD em relação à continuidade dos lucros, aos acréscimos de fluxo de caixa, à influência da persistência dos lucros e ao comportamento dos investidores. A autora concluiu que empresas com maior BTD evidenciaram menor persistência do lucro contábil e dos accruals. Sobre o comportamento dos investidores, há uma menor expectativa de continuidade de ganhos em empresas que registram grande BTD, sugerindo que os investidores ficam receosos sobre a qualidade dos lucros.
A adoção das International Financial Reporting Standards (IFRS), no Brasil, pressupõe a desvinculação da contabilidade societária da contabilidade tributária, estabelecendo a “neutralidade tributária” em relação aos ajustes referentes à contabilidade internacional (CARDOSO et al., 2009). Antes da adoção dessas normas, observava-se uma forte influência da contabilidade tributária nas normas contábeis brasileiras (LOPES; MARTINS, 2006), tornando relevante a investigação sobre os números contábeis (FORMIGONI et al., 2009). Com a adoção a Lei 11.638/2007, espera-se uma redução da influência das normas fiscais na contabilidade societária, ou seja, um aumento na BTD, possibilitando gerar demonstrações contábeis de maior qualidade, em consonância aos princípios contábeis geralmente aceitos (PCGA) (MARTINEZ; PASSAMANI, 2014). O aumento esperado da BTD com a adoção das IFRS é decorrente do aumento das escolhas contábeis, com o intuito de alcançar a representação fidedigna nos registos dos eventos econômicos, o que leva a provocar maior oscilação no lucro contábil e/ou no lucro tributável, inclusive, originado do gerenciamento de resultados. Essa maior oscilação pode reduzir a persistência dos lucros e, consequentemente, a persistência da BTD.
Iudícibus, Martins e Gelbcke (2009) relatam que as transições mais importantes em um processo de internacionalização dos padrões contábeis são o predomínio da essência sobre a forma, pois necessita da capacidade analítica e de julgamento do profissional contábil. Para a concretização da representação fidedigna e o aumento da qualidade dos números contábeis, é imprescindível a desvinculação da contabilidade societária e fiscal e o consequente aumento da BTD. Porém, Desai (2005), Heltzer (2009), Ferreira et al. (2012), Sunder (2014) e Morais, Quaresma e Farias (2015) concluíram que maior BTD leva a refletir maior gerenciamento de resultados, o que diminui a qualidade dos lucros. Desta forma, esses autores afirmaram que o montante da BTD, maior ou menor, pode ser ocasionado pelo gerenciamento de resultado, uma vez que os gestores filtram as informações que desejam reportar aos usuários, perdendo a qualidade no lucro. Assim, acredita-se que uma BTD persistente, ao longo do tempo, caracteriza o gerenciamento de resultado, uma vez que os gestores podem manipular as informações para demonstrar o resultado em favor da empresa, a fim de captar investidores, ou, ainda, pagar menos tributos.
Percebe-se que não existe consenso entre os autores sobre a relação entre a BTD e a qualidade dos lucros, bem como sobre a persistência da BTD. Dessa forma, este estudo propõe a seguinte hipótese de pesquisa:
H: A persistência da BTD das companhias abertas brasileiras diminuiu após a adoção completa das IFRS em 2010.
As regras fiscais não se alteraram muito no Brasil após a adoção das IFRS. Assim, maiores diferenças temporárias deverão ocorrer, motivadas pelas discricionariedades dos gestores nas escolhas das práticas contábeis para elaboração dos relatórios financeiros (BLAYLOCK, SHEVLIN; WILSON, 2012). Phillips, Pinco e Rego (2003) concluem que maiores diferenças temporárias são indicativos de gerenciamento de resultados. Wahab e Holland (2015) não identificaram persistência da BTD temporária para a amostra de companhias de países legalistas e não legalistas. Para esses autores, tal resultado é inesperado porque a BTD temporária, normalmente, está relacionada com o gerenciamento de resultados sistêmico ao longo de vários períodos.
Wilson (2009) analisou a diferença permanente, buscando uma relação entre planejamento tributário, geração de riqueza para os acionistas e gerenciamento de resultados. Este autor identificou que a BTD permanente está correlacionada com a evasão fiscal e com as incertezas do mercado, uma vez que os participantes ficam receosos com os resultados futuros (COMPRIX; GRAHAM; MOORE, 2011). Esta conclusão advém do fato de ser quase certa uma reversão de uma diferença temporária, um imposto diferido, do que um ativo fiscal diferido que depende da liberação de um ente fiscal que origina uma BTD permanente, deste modo, contribuindo para as incertezas dos investidores. Wahab e Holland (2015), no estudo realizado no Reino Unido, identificaram persistência da diferença permanente em 51% das empresas pesquisas.
A amostra inicial do estudo é composta por companhias abertas brasileiras, somando 5.610 observações, coletadas na base de dados Thompson Reuters, do período de 2003 a 2015 (Quadro 1). Foram excluídas 526 observações dos setores de finanças e utilidades, a fim de reduzir a complexidade das variações devido a regulações nos relatórios financeiros. Em seguida, foram excluídas 1.218 observações com lucro antes do imposto de renda (LAIR) negativo. Segundo Hanlon (2005, p. 144), “os prejuízos fiscais podem se transformar em ativos fiscais diferidos, cujas alterações podem obscurecer os efeitos da “verdadeira” book-tax differences na conta de despesa fiscal diferida”. Foram também excluídas 237 observações do ano de 2003, utilizado apenas para cálculo das variáveis defasadas, e 2.475 observações com BTD faltante. As empresas que não tinham pelo menos três anos consecutivos de dados para o cálculo da persistência (282 observações) também foram excluídas. A amostra final é constituída por 872 observações no período de 2004 a 2015.

O modelo especificado na Equação 1 será utilizado para análise da persistência da BTD. Esse modelo foi proposto por Wahab e Holland (2015).
 (1)
(1)Onde:
BTD = diferença total entre o lucro antes do imposto de renda (LAIR) e o lucro tributário (BTD total); o lucro tributável é resultado do imposto de renda do período dividido pela alíquota máxima de imposto de renda. Alternativamente, o modelo será testado substituindo a BTD total pela BTD Temporária (Imposto de Renda Diferido do período dividido pela alíquota máxima de imposto de renda) e a BTD Permanente (BTD Total – BTD Temporária).
AT = ativo total.
No Brasil, a alíquota máxima utilizada para a apuração do imposto de renda é de 34%, resultante da soma de três alíquotas pertencentes a este imposto: 15% a alíquota do imposto de renda, 10% referentes ao adicional do imposto de renda e 9% da contribuição social sobre o lucro líquido. Costa e Lopes (2015) esclarecem que a alíquota efetiva pode ser superior ou inferior à alíquota de 34%, devido a diversos fatores, como a estrutura tributária progressiva, diferenças entre alíquotas nacionais e as estrangeiras, e os diferentes métodos de apuração do imposto de renda permitidos pela legislação. Porém, Lev e Nissim (2004) encontraram que os erros causados pela utilização da alíquota do imposto de renda máxima não afetam significativamente os resultados obtidos. Diante do exposto, este trabalho se baseará na alíquota nominal do imposto de renda para todas as empresas da amostra de 34%.
O modelo especificado na Equação 2 é uma adaptação daquele ilustrado na Equação 1 e será utilizado para a análise da persistência da BTD antes e depois da adoção das IRFS.
 (2)
(2)Onde:
IFRS = variável dummy com valor 0 para o período de 2004 a 2007 e 1 para o período de 2008 a 2015.
O horizonte temporal da pesquisa foi delimitado entre 2004 a 2015, pois a adoção ao IFRS no Brasil foi estabelecida em 2008, e este período possibilitará realizar um comparativo da persistência da BTD antes e depois da adoção das normas internacionais de contabilidade. O período observado na pesquisa que antecedeu à adoção das IFRS compreende 2004 a 2007, e o período pós-adoção compreende 2008 a 2015.
Os dados foram estimados por meio de generalised method of moments (GMM) de Blundell e Bond (1998) e de modelo autorregressivo de um período (one period autoregressive process) AR(1), para efeito de comparação com os resultados de Wahab e Holland (2015). O processo AR(1) “maximiza o número de observações usadas na estimativa, conduzindo a estimativas mais robustas, sendo comparável a modelos usados em estudo de séries temporais de lucro contábil e lucro tributável” (WAHAB; HOLLAND, 2015, p. 344).
Os dados foram winsorizados a 5%, para diminuir o efeito de outliers na amostra. De acordo com Vieira et al. (2015), a utilização desta técnica permite substituir os possíveis outliers, pois o desvio padrão das variáveis tratadas diminuem consideravelmente, minimizando a dispersão em torno da média. Os pressupostos básicos dos modelos foram testados: heterocedasticidade, normalidade e multicolinearidade. O teste de Breusch-Pagan/Cook-Weisberg indicou a presença de heterocedasticidade (p-value 0,000), sendo, então, todos os modelos estimados com erros padrão robustos. Os resíduos das regressões apresentaram distribuição normal em nível de significância de 5% de acordo com o teste Shapiro-Francia. Os modelos testados nesta pesquisa não registraram estatísticas VIF (Variance Inflation Factor) muito elevadas para nenhuma variável explicativa (todas inferiores a 1,08), o que sugere inexistência de multicolinearidade dessas variáveis.
A estatística descritiva segregada por período pré e pós adoção das IFRS é ilustrada na Tabela 1. Percebe-se que a média da BTD e da BTDP diminuiu após a adoção das IFRS e que a média da BTDT mudou de negativa para positiva. Esse resultado é inesperado, uma vez que, após a adoção das IFRS, espera-se maior desvinculação entre a contabilidade societária e fiscal.

Na Tabela 2, é exibida a estatística descritiva por setor de atividade. Os setores que evidenciaram maior BTD foram o de Materiais Básicos (MB), de Consumo não Cíclico (CNC) e Tecnologia (TEC). E aqueles com menor BTD foram Saúde (S) e Indústria (ID). Alguns setores expuseram BTDT negativa, enquanto outros positiva. Esses resultados decorrem da oscilação no número de observações por setor. Inclusive, em alguns setores, o número de observações é muito pequeno. Wahab e Holland (2015) enfrentaram o mesmo problema e resolveram a questão, agregando os oito setores de atividade em apenas duas categorias: Industrial e Serviços de Consumo. Para efeito de comparação, essa classificação também será realizada nesta pesquisa, sendo os setores classificados em: 1 – Industrial e 2 – Serviços de Consumo (Tabela 2).

Na Tabela 3, é evidenciada a estatística descritiva por setor Industrial e Serviços de Consumo. O setor Industrial mostra maior BTD e menor BTDT. Percebe-se que, no setor de Serviços de Consumo, existem alguns setores regulados, como Energia (EN) e Telecomunicações (TEL), o que pode explicar a maior BTDT em decorrência da possibilidade de maior qualidade das informações contábeis nesse setor.

Os resultados dos testes da Equação 1 para os três tipos de BTD são ilustrados na Tabela 4. Para cada uma das estimações, os testes de Wald chi2 e de AR(1) foram significantes em nível de 1%, sugerindo adequação dos modelos. Os coeficientes β1 positivos e significantes no nível de 1% sugerem persistência dos três tipos de BTD. Wahab e Holland (2015) não encontraram persistência para a BTDT para uma amostra de países code law e common law. A persistência da BTDT, nesta pesquisa, sugere que esse tipo de BTD pode estar sendo direcionado, principalmente, pela suavização de resultados, conforme propuseram Wahab e Holland (2015).
Wahab e Holland (2015) recomendam a comparação dos valores dos coeficientes β1 para identificar efeitos mais significativos entre as variáveis. Dessa forma, tem-se que a BTDT, quando comparada com a BTD e a BTDP (Tabela 4), registrou menor nível de persistência quando mensurado pelo tamanho do coeficiente β1 (o coeficiente β1 da BTDT é menor do que esse coeficiente da BTD e da BTDP). A menor persistência da BTDT pode ser decorrente das escolhas contábeis concernentes às IFRS e/ou ao gerenciamento de resultados.

Os testes de persistência dos tipos de BTD para a Equação 2 são ilustrados na Tabela 5. Para cada uma das estimações, os testes de Wald chi2 e de AR(1) foram significantes em nível de 1%, sugerindo adequação dos modelos. O coeficiente β1 positivo e significante ao nível de 5%, denota a persistência dos três tipos de BTD, mesmo com a inclusão da variável dummy IFRS. O coeficiente β2 positivo e significante aponta que a adoção das IFRS afeta positivamente a persistência da BTD e da BTDP. Ou seja, a adoção das IFRS provocou aumento da BTD total e da permanente, porém não afetou a BTD temporária. O esperado seria o aumento dos três tipos de BTD após a adoção das IFRS devido à desvinculação entre a contabilidade societária e fiscal e ao aumento das escolhas contábeis após a adoção dessas normas. Porém o fato da BTDT não ter sido afetada por essa adoção pode levar a pensar que as escolhas contábeis ainda não estão sendo aplicadas na prática, por exemplo, que os gestores ainda recorrem aos critérios fiscais para registro da depreciação.
O coeficiente β3 negativo e significante em nível de 1% sugere que a adoção das IFRS reduziu a persistência da BTD, da BTDT e da BTDP. Comparando os valores dos coeficientes β3 da BTD, BTDT e BTDP, tem-se que o coeficiente β3 da BTDT é o maior (negativamente). Esse resultado pressupõe que a persistente da BTDT foi mais afetada (reduziu mais) pela adoção das IFRS. Esse resultado não permite aceitar a hipótese de pesquisa de que a persistência da BTD das companhias abertas brasileiras aumentou após a adoção das IFRS. Infere-se que, após a adoção da IFRS, o crescimento do número de escolhas contábeis e o subjetivismo responsável provoquem oscilações no lucro contábil, podendo reduzir a persistência da BTD.

Além disso, Kajimoto e Nakao (2015) identificaram que a adoção das IFRS reduziu a persistência do lucro tributável no Brasil, o que pode também auxiliar na explicação da redução da persistência da BTD apurada neste estudo. Kajimoto e Nakao (2015) acreditam que as empresas estejam mais agressivas no planejamento tributário após a adoção de IFRS, pois a neutralidade tributária trazida pela Lei 11.638/2007 consentiu que o lucro tributável seja apurado sem que haja impacto contábil, e vice-versa, aumentando a liberdade de discricionariedade dos gestores. Assim, tanto o possível aumento das oscilações no lucro contábil quanto o lucro tributável explicam a redução da persistência da BTD no Brasil após a adoção das IFRS.
Na Tabela 6, é disponibilizada uma análise por setor, propiciando identificar persistência da BTD total e da BTD permanente nos dois setores analisados e persistência da BTD temporária apenas no setor Industrial. Wahab e Holland (2015) encontraram persistência da BTD nos setores Industrial e de Serviços de Consumo da BTDP apenas para o setor de Serviços de Consumo e da BTDT para o setor Industrial. Os resultados registrados na Tabela 4 demonstram, inicialmente, que os três tipos de BTD são persistentes para toda a amostra analisada. No entanto, ao se segregar a amostra, percebe-se que o grau de persistência varia por setor de atividade.

Os resultados da Equação 2 por setor são mostrados na Tabela 7. Com a inclusão da variável dummy IFRS no modelo, apenas a BTD e a BTDT do setor industrial continuaram persistentes (β1 positivo e significante ao nível de 10%). Porém os resultados por setor de atividade confirmam que a adoção das IFRS reduziu a persistência dos três tipos de BTD nos dois setores analisados (β3 negativo e significante ao nível de 1%).

Além disso, esse impacto das IFRS na persistência dos tipos de BTD varia entre os setores, uma vez o valor dos coeficientes β3 é diferente. Assim, a redução da persistência BTDT e da BTDP após a adoção das IFRS é maior no setor Industrial (maior coeficiente β3 negativo). Esses resultados corroboram a constatação de Wahab e Holland (2015) de que é relevante analisar a persistência da BTD por setor de atividade.
O principal objetivo deste trabalho foi investigar o comportamento da persistência da BTD das companhias abertas brasileiras após a adoção das IFRS. A amostra, composta por 842 observações do período de 2004 a 2015, foi testada por meio de GMM e AR(1).
Os resultados sugerem persistência nos três tipos de BTD (total, temporária e permanente) no horizonte temporal de estudo. Além disso, a BTD temporária, quando comparada com a total e a permanente, registrou menor nível de persistência. A menor persistência da BTD temporária pode ser decorrente das escolhas contábeis inerentes às IFRS e/ou ao gerenciamento de resultados.
A persistência dos três tipos de BTD permanece após a adoção das IFRS. Porém os resultados denotam que essa persistência reduziu após a adoção dessas normas. Além disso, a BTD temporária foi a mais afetada (reduzida) pela adoção das IFRS. Infere-se que, após a adoção da IFRS, o crescimento do número de escolhas contábeis e o subjetivismo responsável podem provocar oscilações no lucro contábil que levam à redução da persistência da BTD.
Os resultados desta pesquisa podem ser úteis para os normatizadores analisarem se o pressuposto da desvinculação das normas fiscais e societárias está sendo efetivado na adoção das IFRS no Brasil, sugerindo a institucionalização da essência econômica sobre a forma jurídica no registro dos eventos contábeis. Para os investidores, esses resultados podem contribuir com a avaliação da qualidade das informações contábeis.
Para pesquisas futuras, sugere-se relacionar a persistência da BTD com indicadores de qualidade da informação contábil, como value relevance e tempestividade. Acrescenta-se que o estudo se limitou à utilização da alíquota média de 34% sobre o imposto de renda da pessoa jurídica e a contribuição sobre o lucro líquido, para a composição de lucro tributário demonstrado para cada companhia, uma vez que, apesar de ser estabelecido pelo CPC 32 – Tributos sobre os lucros, as empresas estudadas não publicaram o valor referente ao lucro tributável corrente.







