Resumo: O estudo se propôs a verificar se e como as categorias dos principais modelos teóricos de dimensões culturais identificados em revisão bibliográfica inicial se refletiam nas percepções das experiências vividas e descritas por alunos estrangeiros durante sua estada no Brasil para a participação em disciplinas de curso de MBA internacional, realizado no Rio de Janeiro. Para tanto, foi desenvolvida pesquisa qualitativa baseada na análise de relatos escritos de quarenta alunos, provenientes de dezessete diferentes nacionalidades. A partir da análise dos relatos, identificamos correlações com a maioria das categorias dos modelos culturais e constatamos a existência de vieses de percepção e julgamento entre alunos provenientes de diferentes culturas. Por fim, os resultados da pesquisa apontam para o desenvolvimento de habilidades multiculturais durante o MBA internacional, ajudando os alunos a relativizar e a compreender melhor as diferenças entre as suas culturas e a brasileira. Desta forma, podemos verificar a efetiva contribuição do estudo para aumentar o conhecimento acadêmico sobre as percepções de estrangeiros em relação ao Brasil e aos brasileiros, ainda que com limitações, cumprindo assim a sua proposta inicial.
Palavras-chave:Valores sociaisValores sociais, Cultura brasileira Cultura brasileira, Dimensões culturais Dimensões culturais.
Abstract: The study aimed to verify whether and how the categories of the main theoretical models of cultural dimensions identified in an initial literature review were reflected in the perceptions of experiences and described by foreign MBA students during their stay in the Brazilian city of Rio de Janeiro. For this purpose, a qualitative study was carried out, based on analysis of written reports of forty students of seventeen different nationalities. Based on the analysis of the reports, we identified correlations with most of categories of cultural models, and found the existence of biases in perception and judgment among the students from different cultures. Finally, the results suggest the development of multicultural abilities during the International MBA, helping the students to relativize and better understand the differences between their own and the Brazilian culture. Thus, we were able to see the effective contribution of the study to increase academic knowledge about the perceptions of foreigners in relation to Brazil and Brazilians, albeit with some with limitations, thus fulfilling its initial proposal.
Keywords: Social values, Brazilian culture, cultural dimensions.
Resumen: El estudio se propuso a verificar si, y como las categorías de los principales modelos teóricos de dimensiones culturales identificados en revisión bibliográfica inicial se reflejaban en las percepciones de las experiencias vividas y descriptas por alumnos extranjeros durante su estadía en Brasil durante la participación en asignaturas de la carrera de MBA internacional, realizado en Rio de Janeiro. Para tanto, fue desarrollada una investigación cualitativa basada en el análisis de relatos escritos de cuarenta alumnos, provenientes de diecisiete nacionalidades diferentes. A partir del análisis de los relatos, identificamos correlaciones con la mayoría de las categorías de los modelos culturales y constatamos la existencia de vieses de percepción y discernimiento entre alumnos provenientes de diferentes culturas. Por fin, los resultados de la investigación apuntan para el desarrollo de habilidades multiculturales durante el MBA internacional, ayudando a los alumnos a relativizar y a comprender mejor las diferencias entre sus culturas y la brasileña. De esta forma, podemos verificar la efectiva contribución del estudio para aumentar el conocimiento académico sobre las percepciones de extranjeros con relación al Brasil y a los brasileños, mismo que con limitaciones, cumpliendo así su propuesta inicial.
Palabras clave: Valores sociales, Cultura brasileña, Dimensiones culturales.
A CULTURA BRASILEIRA NO OLHAR DO ESTRANGEIRO: PERCEPÇÕES DE ALUNOS DE UM MBA INTERNACIONAL NO RIO DE JANEIRO
BRAZILIAN CULTURE FROM A FOREIGN PERSPECTIVE: PERCEPTIONS OF STUDENTS OF AN INTERNATIONAL MBA IN RIO DE JANEIRO
LA CULTURA BRASILEÑA DESDE LA MIRADA DEL EXTRANJERO: PERCEPCIONES DE LOS ALUMNOS DE MBA INTERNACIONAL EN RIO DE JANEIRO
Recepção: 27/03/2017
Aprovação: 01/03/2018
A evolução da tecnologia e das formas de comunicação, aliada ao barateamento dos meios de transporte, vem transformando o mundo cada vez mais rapidamente e possibilitando um maior contato entre os diversos povos e culturas do planeta, o que torna mais visíveis as diferenças culturais (HALL, 1959; CAREY, 2002). As transformações citadas possibilitaram ainda o surgimento de corporações transnacionais que operam em diversos países, aproveitando a disponibilidade de matérias-primas e de pessoas capacitadas e transformando-as em vantagens competitivas para o negócio (PORTER, 1990; DUNNING, 1992). Portanto, muitas delas têm seu negócio dependente do esforço conjunto de uma força de trabalho multicultural, tornando a compreensão das diferenças culturais fundamental para o atingimento de seus objetivos corporativos e para a sua continuidade, uma vez que possibilita a identificação e a redução de eventuais pontos de atrito e/ou discordância entre os funcionários (COX, 1993).
Mesmo as empresas não internacionalizadas precisam saber lidar com as diferenças culturais porque, muitas vezes, as encontramos até entre grupos humanos de diferentes regiões de um mesmo país (Kluckhohn; Strodtbeck, 1961; HOFSTEDE, 1991; COX, 1993). A dificuldade em compreender as formas distintas de enxergarmos o mundo, a vida e o próximo motivou estudiosos a desenvolver teorias para ajudar pessoas, governos e corporações (NARDON; STERNS, 2009). Nesse trabalho, como suporte teórico à pesquisa de campo, identificamos autores que desenvolveram modelos de dimensões culturais a partir de pesquisas realizadas em diversas regiões do planeta com o objetivo de explicar diferenças entre culturas. Entretanto, apesar dos modelos teóricos existentes, lidar com diferenças culturais não é tarefa fácil para as pessoas em geral, uma vez que é preciso superar o etnocentrismo e aceitar que a visão de vida e as respostas a determinadas situações comuns aos participantes de suas próprias culturas não são as únicas possíveis ou mesmo as melhores, já que existem outras lógicas legítimas nos pressupostos, valores e crenças de diferentes culturas. Portanto, compreender essas diferenças e dificuldades mostra-se tarefa fundamental para quem pretende gerenciar equipes multiculturais (SCHNEIDER; BARSOUX, 1997; HOFSTEDE, 1991).
Para tanto, os cursos de MBA (Master of Business Administration) internacionais, nos quais os alunos participam de aulas em diferentes países, têm se mostrado uma alternativa interessante. Além do acesso aos conhecimentos, possibilitam a vivência das culturas locais por um tempo maior do que em uma visita de negócios ou lazer, contribuindo assim para o desenvolvimento de profissionais aptos a trabalhar em ambientes multiculturais. Segundo Hofstede (1991), esse contato prolongado é importante no processo de sensibilização, ajudando as pessoas a relativizar e a compreender as diferenças entre a cultura do país estrangeiro e a sua, uma vez que obriga/incentiva o aluno a conviver com hábitos e características do país hospedeiro.
Nesse contexto, o propósito do presente estudo foi verificar se e como as dimensões e categorias culturais descritas na literatura se refletem nos relatos das experiências vividas por alunos estrangeiros de um curso de MBA durante sua estadia no Brasil, em especial no Rio de Janeiro, onde o curso foi realizado. Para tanto, a pergunta de pesquisa que norteou a análise dos dados foi definida como: Que dimensões dos principais modelos teóricos de categorias culturais podem ser identificadas nas percepções dos alunos internacionais sobre a cultura Brasileira e como as mesmas se refletem em seu discurso?
Consideramos que a análise dessas percepções, construídas a partir das experiências durante o curso, poderia enriquecer o conhecimento já existente sobre os sentimentos de estrangeiros em relação ao Brasil, trazendo insights que podem auxiliar gestores e profissionais que lidam com equipes multiculturais.
A cultura tem sido utilizada por distintos campos do conhecimento humano, remetendo a inúmeros significados e dificultando tanto a sua definição quanto a delimitação de suas fronteiras. Apesar dessas dificuldades, existem definições empiricamente aceitas que transformam esses conceitos em construtos comparáveis. Nas ciências sociais, diferentes definições foram identificadas e sintetizadas como:
A cultura consiste de padrões, explícitos e implícitos, de e para o comportamento adquirido e transmitido por símbolos, que podem ou não serem representados em objetos e cujas realizações distinguem os grupos humanos. Seu núcleo essencial é formado por ideias tradicionais (com contexto histórico) e, especialmente, os valores a elas associados. Os sistemas culturais podem, ao mesmo tempo, ser o resultado da ação do homem, quanto os elementos que condicionarão ações futuras. (KROEBER; KLUCKHOHN, 1952, p.180).
Hofstede (1980, 1991), a partir de extenso estudo sobre diferenças culturais em diversos países, definiu cultura como um sistema de valores realizado coletivamente. Além de colocar os valores como a peça mais importante no entendimento do que é cultura, incluiu: os símbolos – como palavras, gestos, imagens e objetos que frequentemente carregam significados complexos, reconhecidos apenas por aqueles que compartilham os valores de uma cultura; os heróis – como pessoas vivas ou falecidas, reais ou imaginárias que servem como modelos de comportamento; e os rituais ou crenças – entendidos como atividades tecnicamente desnecessárias, mas considerados culturalmente imprescindíveis. Com base nesse entendimento, criou uma modelagem de cultura que relaciona os diferentes níveis com as camadas de uma cebola, denominadas “práticas” por serem visíveis ao observador externo: na mais externa estariam os símbolos, uma vez que novos símbolos surgem constantemente; na segunda camada estariam os heróis, que servem como modelo de comportamento; e na terceira camada estão os rituais e as cerimônias sociais ou religiosas. Por fim, no núcleo da cultura estaria o sistema de valores de um grupo, utilizado na prática social como a tendência para se preferir certo estado de coisas a outro.
Dado que é possível definir cultura e isolar grupos humanos que compartilham valores, crenças e práticas de uma mesma orientação cultural, o problema seguinte é como fazer para comparar essas culturas. A resposta a esse desafio, encontrada pelos pesquisadores apresentados a seguir, foi fazer extensas pesquisas empíricas e buscar valores universais – um mesmo valor ou conjunto de valores presentes em diversas culturas – que tornassem possível uma comparação. Esses elementos culturais comuns o são por similaridades de classificação e não por identidade de hábitos, ou seja, o comportamento dos cidadãos difere enormemente entre as sociedades. Conforme Nardon e Steers (2009), existem atualmente seis modelos de diferenciação de culturas nacionais largamente citados e utilizados: os modelos de dimensões culturais.
Em 1959, Hall propôs um modelo (Quadro 1) baseado em pesquisa etnográfica de diversas sociedades, principalmente Alemanha, França, Estados Unidos e Japão. Segundo Thorpe e Holt (2008), o modelo foi construído com base em percepções qualitativas e seu principal valor está em proporcionar uma melhor compreensão sobre o porquê pessoas de culturas diferentes se comportam/comunicam da maneira que fazem.

Kluckhohn e Strodtbeck, partindo da premissa de que a humanidade teria problemas comuns com os quais todas as culturas precisariam lidar, criaram em 1961 escala de valores com cinco dimensões culturais (Quadro 2), que poderiam ser utilizadas para distinguir culturas, de acordo com o padrão de preferência estabelecido por seus cidadãos (NARDON; STEERS, 2009).

O estudo de Hofstede, realizado na multinacional IBM entre 1967-73, foi baseado em mais de 116.000 questionários respondidos por funcionários de 72 países e com 20 línguas distintas, tendo como foco: os valores declarados; as diferenças nas respostas; e a correlação entre as respostas semelhantes das pessoas de um mesmo país. Para tanto, as informações foram agrupadas por país, ocupação, gênero e idade, revelando que as culturas diferiam segundo 4 dimensões: Individualismo-Coletivismo; Masculinidade-Feminilidade; Distância ao poder; e Aversão à incerteza (HOFSTEDE, 1980).
Na sequência, baseados na hipótese de que países do Leste Asiático teriam raízes culturais comuns e históricas e que, nas condições do mercado mundial, teriam constituído vantagem competitiva para as atividades empresariais, Hosftede e Bond (1988) identificaram uma quinta dimensão: a “orientação ao curto ou ao longo prazo” (Quadro 3). Para Hofstede (1991), o que distingue as sociedades é o nível destas dimensões.

Para Schwartz, com uma visão mais voltada para a psicologia, a distinção essencial entre os valores sociais se encontrava nos objetivos motivacionais expressos. Uma das conclusões do seu estudo foi de que os níveis individual e cultural de análise são conceitualmente independentes: as dimensões do nível individual refletem a atuação de valores individuais na dinâmica psicológica na vida cotidiana dos indivíduos; e as dimensões do nível cultural refletem as soluções que as sociedades encontraram para regular as ações humanas.
No nível cultural de análise, agrupou os valores em três dimensões bipolares: conservadorismo/autonomia, hierarquia/igualitarismo e domínio/harmonia (Quadro 4).

Em mais de 20 anos de pesquisas sobre o efeito da cultura na administração, Trompenaars e Hampden-Turner desenvolveram em 1997 um modelo de sete orientações culturais (Quadro 5) que determinariam como cada cultura escolhe soluções específicas para problemas universais relacionados com as pessoas, o tempo e o ambiente, possibilitando identificar e comparar o modo pelo qual as culturas se distinguem.

Em 2004, por meio do estudo de 62 culturas baseado na análise quantitativa e qualitativa de mais de 17.000 questionários respondidos pela gerência média de 951 empresas, os pesquisadores House, Hanges, Javidan, Dorfman e Gupta descobriram uma congruência notável na maneira de descrever os líderes, dando origem ao modelo de nove dimensões culturais (Quadro 6). As seis primeiras tiveram origem nas seguintes dimensões do trabalho de Hofstede: Aversão à incerteza; Distância ao poder; Individualismo-coletivismo, dividida em “Coletivismo I” e “Coletivismo II”; e Masculinidade-feminilidade, dividida em “Igualdade entre gêneros” e “Assertividade” (HOUSE et al., 2004).

Destes modelos de dimensões culturais, os dois primeiros tiveram foco bem específico: Hall se concentrou na comunicação entre habitantes de países com os quais os Estados Unidos precisavam negociar no pós-guerra (Europa, Japão, Oriente Médio e América Latina); e Kluckhohn e Strodtbeckse se restringiram às diferenças culturais de povos distintos, mas que viviam nos Estados Unidos. Os outros modelos foram aplicados em diversos países e buscaram perspectiva mais abrangente da cultura dos locais pesquisados, embora diferentes: Hofstede e Trompenaars & Hampden-Turner focaram no efeito das diferenças culturais no funcionamento de organizações; Schwartz se concentrou na área motivacional-psicológica; e House et al. focaram na percepção e na efetividade das lideranças.
Como forma de superar as deficiências de cada modelo, Brasileiro (2007) e Nardon e Steers (2009) buscaram uma espécie de consenso e chegaram a cinco temas, comuns entre si e convergentes com as dimensões propostas por Hofstede, apresentadas no Quadro 7. Para os autores, os demais modelos servem para amplificar, clarificar e, em alguns casos, reposicionar as dimensões originais de Hofstede.
Essa convergência com as dimensões propostas por Hofstede não seria de se estranhar, uma vez que os trabalhos de Hall (1959, 1966) e de Kluckhohn e Strodtbeck (1961) foram utilizados por Hofstede (1980, 2001), e que Schwartz (1992), Trompenaars (1993) e House et al. (2004) criaram seus modelos se baseando em maior ou menor escala no trabalho de Hofstede. Para Alcadipani e Crubellate (2003), isso se deve ao fato de Hofstede ter sido um dos pioneiros na discussão sobre a influência das culturas nacionais sobre as culturas das organizações, tornando-se forte influenciador da concepção de cultura brasileira desenvolvida na nossa teoria organizacional/administrativa e tendo seus preceitos aceitos e referenciados por diversos outros estudiosos.

No final da década de 1980, o surgimento das ideias pós-modernas aumentou os debates epistemológico e metodológico sobre os estudos na área, trazendo críticas à perspectiva e à metodologia de Hofstede, em especial a de que, na busca por interpretações generalizáveis, considera os traços culturais como abrangentes e característicos de uma unidade denominada de “cultura brasileira”, desconsiderando a formação diversa, heterogênea e complexa de um país plural. Por outro lado, apesar de sugerirem que os estudos culturais sejam mais específicos, locais e referentes a grupos culturais, Alcadipani e Crubellate (2003) destacam que isso não invalida a importância da obra do autor e de seus seguidores, desde que devidamente problematizada:
Muito embora a discussão da noção de cultura organizacional brasileira seja de fundamental importância para o desenvolvimento de análises que façam mais sentido dentro de nossa peculiaridade, a preocupação com especificidades e contextos que são extremamente plurais é de fundamental importância para levarmos em conta o que de mais importante há na sociedade brasileira: a heterogeneidade. (p. 75).
Nesse sentido, analisando as características culturais brasileiras, Hilal (2009) destaca que, sob o comando de seus colonizadores portugueses e fruto da miscigenação de culturas bem distintas, construiu-se no Brasil uma cultura híbrida, misturando componentes da cultura ocidental europeia (como o modelo de suas instituições, sua língua e principal religião) com itens dos ameríndios que antes habitavam a terra e dos negros africanos, trazidos para o país à força como escravos. Já analisando as influências das características culturais brasileiras nos estilos de liderança, Hilal (2009) identificou na literatura referências seis mitos: o mito da igualdade, o mito do duplo domínio social, o mito da sociedade avessa aos conflitos, o mito do trabalhador, o mito do homem cordial e o mito de que o que é importado é melhor.
O mito da igualdade (versus a hierarquia), identificado em DaMatta (1983), trata da suspensão da hierarquia e das regras sociais durante os três dias do rito anual de carnaval. Anualmente, neste período, as posições sociais são neutralizadas pelo uso de fantasias que tornam os membros das classes dominantes e dominadas da sociedade momentaneamente iguais durante os desfiles das escolas de samba. Assim, criando temporariamente um espaço social novo e com regras próprias, o carnaval acaba por confirmar as diferenças existentes no mundo real e por criar um modelo alternativo de ambiente social em que novas formas de relacionamento social podem ser testadas (HILAL, 2009, p. 95-96).
O mito do duplo domínio social, também identificado em DaMatta (1987), apresenta a ambiguidade ética do brasileiro que pode se comportar de maneira distinta e até mesmo contraditória de acordo com o ambiente em que está inserido. O comportamento dos brasileiros oscila constantemente, inclusive para posições extremas e contraditórias, de acordo com o ambiente onde ele está posicionado (HILAL, 2009, p. 96-97).
O mito da sociedade avessa aos conflitos, identificado ainda em DaMatta (1983), coloca a autoritária pergunta "Você sabe com quem está falando?" como uma forma de reequilibrar forças dentro de uma sociedade que se enxerga como avessa aos conflitos e que precisa lidar com eles, dado que sua estrutura hierarquizada é propensa à geração de crises e conflitos (HILAL, 2009, p. 97).
O mito do trabalhador (versus o aventureiro), identificado em Holanda (1995), refere-se aos estereótipos europeus do aventureiro Ibérico versus o trabalhador Nórdico, cujo trabalhador seria aquele que busca a segurança, a estabilidade e os valores morais, enquanto o aventureiro está em busca das novas sensações, da consideração pública, do prazer imediato. Diametralmente opostos em sua definição e inexistentes em sua acepção pura, ambos os papéis coexistem e são importantes no mundo real. No caso da colonização Brasileira, esta foi dominada pelo “aventureiro”, que viajava com a intenção de enriquecer rapidamente e de prosperar sem maiores custos, favorecendo as características de adaptação e a flexibilidade necessárias ao período, deixando ao “trabalhador” uma participação quase nula (HILAL, 2009, p. 97-98).
O mito do homem cordial, identificado também em Holanda (1995), trata de um traço característico do caráter do brasileiro, claramente identificado por estrangeiros como as virtudes da afabilidade no trato, da hospitalidade e da generosidade. Essa “cordialidade” esconde uma tentativa de tornar pessoais e afetivas as conexões antes formais, driblando ritos sociais formalmente rígidos, mudando o tipo de ética a ser utilizado para uma com base emocional e assim atingir objetivos ou perpassar interesses privados em públicos, por meio da troca de favores facilitada pela conversão em pessoal do relacionamento antes formal (HILAL, 2009, p. 98-99).
Por fim, o mito de que o que é importado é melhor está presente no trabalho de Caldas (1997) e é também um legado do período colonial no Brasil, onde Lisboa era vista tanto como exemplo de civilização a ser seguido quanto como local de onde emanavam as ordens do poder central. Os brasileiros tendem a importar e aceitar conceitos estrangeiros facilmente, sem muita consideração pela realidade e pelas especificidades locais para demonstrar uma pretensa realidade e para, como colocou Calligaris (1993), ter a quem culpar em caso de falha. Assim, o mito opera tanto como motivo de culto quanto de repulsa dentro da sociedade brasileira (HILAL, 2009, p. 99).
Entretanto, além de conhecer e compreender as diferentes culturas, é preciso saber lidar com as diferenças, o que é ainda mais difícil. Segundo Hofstede (1991), os contatos interculturais são geralmente acompanhados de processos psicológicos e sociais. Como o estrangeiro adquiriu valores de sua cultura de forma natural, é pouco provável que ele identifique os valores subjacentes de outra cultura, o que faz com que os membros do outro grupo não sejam percebidos como indivíduos, mas como estereótipos. Em certo sentido, o visitante de uma cultura estrangeira regride à situação mental de uma criança pequena, que tem que aprender de novo as coisas mais simples, originando frequentemente sentimentos de angústia, impotência e hostilidade face ao novo ambiente.
Por isto, ainda em 1954, Oberg utilizou o termo “choque cultural”, tornando-o aplicável a qualquer pessoa que viaje para uma localidade onde tenha que conviver com uma cultura diferente da sua e desenvolveu o primeiro modelo de estágios ou fases do choque cultural que, para ele, se tratava de um processo com quatro estágios. O primeiro estágio, denominado “lua-de-mel”, se inicia logo na chegada ao novo ambiente e pode durar de alguns dias até algumas semanas ou meses, em que a maioria das pessoas fica fascinada pelo novo. O segundo, da “rejeição”, é marcado pela hostilidade e pela atitude agressiva em relação ao antes fascinante local, que aumenta de acordo com a dificuldade que o expatriado tem em se ajustar ao novo ambiente. No terceiro estágio, chamado de “caminho da recuperação”, o visitante ainda tem dificuldades, mas começa a compreender o novo ambiente, ganha uma melhor compreensão da língua e dos costumes e muda de uma atitude agressiva para uma onde começa a achar graça das diferenças e a fazer piadas com suas próprias dificuldades. No quarto e último estágio, de “aceitação”, o visitante passa a aceitar os costumes do país como sendo outra maneira de viver (OBERG, 1954). Assim, somente após algum tempo de convívio seria alcançado o chamado “relativismo cultural”, segundo o qual os sistemas culturais devem ser observados sem preconceitos e/ou parâmetros preestabelecidos, ou seja, sem julgar o outro a partir de sua própria visão e experiência (BOAS, 2005).
Atualmente, convivem autores que afirmam ser o choque cultural um tipo de doença (IRWIN, 2007), com autores que negam a existência de uma doença e acreditam que o “stress aculturativo” é na verdade um processo (BHAWUK; BRISLIN, 2000). Para Irwin (2007), os efeitos do choque cultural podem variar muito de pessoa para pessoa (alguns estrangeiros podem até passar por todos os estágios do choque cultural em um curto espaço de tempo), podendo levar a estados emocionais de depressão e de ansiedade que, dependendo do seu grau ou frequência, podem gerar doenças reais. Já para Bhawuk e Brislin (2000), o “choque cultural” nunca foi seriamente considerado como uma doença pelos pesquisadores e seu construto também foi importante para a criação da noção de distância cultural, que aumenta ou diminui de acordo com o grau de diferenciação entre a cultura original do viajante e a cultura do local onde se encontra. Ao aumentar a distância cultural, aumenta junto a probabilidade de o expatriado sofrer com o choque cultural.
Para a operacionalização da pesquisa, optou-se pela análise documental de abordagem qualitativa, baseada nos relatos escritos de 40 alunos (A 01 a A 40) de 17 nacionalidades (21 – EUA; 3 – China; 2 – Coréia; e 1 – Índia, Irã, Líbano, Nigéria, Turquia, Sérvia, Suíça, França, Bulgária, México, Equador, Colômbia, Peru, Brasil), gerados como trabalho para uma disciplina do bloco brasileiro de MBA internacional em escola de negócios do Rio de Janeiro. Esta técnica qualitativa emergente em pesquisas sociais vem sendo destacada por estudiosos (HANDY; ROSS, 2005; HESSE-BIBER; LEAVY, 2010; PRIOR, 2010) como alternativa às tradicionais entrevistas orais em profundidade porque, além de ajudar a superar alguns problemas associados às entrevistas e aos contatos pessoais, o novo contexto do mundo atual força o surgimento de novos métodos de coleta de dados e de representação de resultados, cujos documentos escritos podem assumir o papel de importantes atores ou agentes ativos dentro da pesquisa sociológica.
Considerando a taxonomia proposta por Vergara (1997), podemos classificar a pesquisa como: descritiva e exploratória – pretende apresentar as perspectivas de uma determinada população e não foram encontradas pesquisas no Brasil que tratassem especificamente do assunto abordado; e documental, ex post facto e estudo de caso – foi realizada tendo por base documentos escritos pelos alunos, refere-se a um fato já ocorrido, impossibilitando a manipulação de variáveis pelo pesquisador, e reflete a realidade conforme percebida pelos alunos estrangeiros de curso internacional de pós-graduação em administração. Para Yin (2015), o estudo de caso deve ser escolhido quando o pesquisador estiver analisando eventos contemporâneos e não pode/deseja manipular comportamentos.
No que diz respeito às limitações do estudo, as conceituais estão relacionadas à amostra selecionada. Culturalmente, baseou-se nos relatos de cidadãos de 17 nacionalidades, mas todos fluentes na língua inglesa e que moraram nos Estados Unidos por um período de tempo, o que aproxima culturalmente os informantes, já que a compreensão de um ambiente cultural caminha junto com um melhor entendimento da língua e dos costumes do local onde se vive. Geograficamente, limitou-se a analisar o contato com a cultura brasileira durante o período do curso na cidade do Rio de Janeiro, o que introduz um possível viés de locus e dificulta a generalização dos achados para outros locais; por outro lado, a cidade representa um dos principais pontos de atração turística do país e, portanto, de visitação de estrangeiros. E temporalmente, analisou relatos de alunos de duas turmas sobre fatos ocorridos por cerca de dois meses, ficando o trabalho limitado a reportar o impacto inicial da vivência da cultura local por estrangeiros.
Em relação às limitações metodológicas, as identificadas no estudo são consideradas por Yin (2015) como inerentes a qualquer estudo qualitativo: limitação do próprio método de estudo de caso – não permite generalizações para populações ou universos, independentemente do número de casos estudados; e limitação da percepção dos entrevistados – pode ser decorrente da ausência física ou da falta de memória em relação a eventos passados e da distorção deliberada dos eventos. Entretanto, a utilização do estudo de caso não fica inviabilizada neste estudo, porque sua proposta não foi a de buscar generalizações, mas a de descobrir relações, estudar processos, identificar variáveis ainda não estudadas e encontrar tipologias.
Apesar das limitações descritas, as contribuições do estudo seriam tanto teóricas quanto práticas: a análise das percepções do grupo pesquisado possibilita o surgimento de insights que podem contribuir para aumentar o conhecimento acadêmico sobre as percepções de estrangeiros em relação ao Brasil e aos brasileiros; e a compreensão das diferenças culturais existentes pode vir a auxiliar a prática das empresas brasileiras interessadas em expansão internacional.
A análise dos dados possibilitou a identificação das categorias mais relevantes nos relatos dos alunos e que, em grande parte, coincidem com os modelos de dimensões culturais descritos no referencial teórico. Inicialmente, destacaram-se como as mais mencionadas as percepções dos alunos quanto ao peso dado pela sociedade brasileira aos direitos e às responsabilidades individuais em contraposição aos objetivos sociais e à importância da ação coletiva.
Centralidade de indivíduos ou grupos como a base das relações
Para a maioria, foi uma grande surpresa a forma como as pessoas tratam umas às outras e a atenção dada pelos brasileiros à construção de relacionamentos profundos e que extrapolam a vida profissional. Muitos citaram a rapidez em conhecer pessoas na cidade, diferentemente do que acontece em seus países de origem, e observaram a necessidade de estabelecer um bom relacionamento em diversos aspectos da vida diária, como contatos com vizinhos, com o porteiro do prédio onde moravam, com os funcionários de restaurantes e lanchonetes e até mesmo com o ambulante na praia.
Em questão de uma hora, João foi capaz de estabelecer um relacionamento comigo e, uma vez que há uma conexão, eu sentia uma obrigação moral de apoiá-lo e procurava-o antes de comprar algo. Quando eu o procurava, mesmo que ele não tivesse o que eu queria, um de seus amigos me vendia o produto a um preço mais baixo do que os outros na praia (A 36).
Esse desejo de conhecer melhor as pessoas e de aprofundar os relacionamentos é identificado na literatura como típico de uma sociedade “coletivista ou hierárquica” (HOFSTEDE, 1980; KLUCKHOHN; STRODTBECK, 1961; TROMPENAARS; HAMPDEN-TURNER, 1997), na qual se busca fortalecer os relacionamentos e a harmonia entre os indivíduos. Entretanto, apesar de perceberem a força das relações pessoais em uma sociedade relacional, diversos alunos demonstraram certo desconforto com a situação, deixando claro o contraste entre os valores de sociedades mais individualistas e mais coletivistas. Ainda nesse sentido, no que tange ao binômio “autonomia-conservadorismo” (SCHWARTZ, 1994), outros pontos importantes de sociedades coletivistas que tendem para o polo conservador são: ser membro de um grupo forte, capaz de cuidar de seus integrantes para que, juntos, atinjam seus objetivos; e buscar a preservação do status quo, da propriedade e da ordem tradicional. Ao contrário disso, destaca-se nos relatos dos respondentes a sua percepção como indivíduos isolados e não como membros de um grupo social, reforçando o descrito na literatura de que os participantes de sociedades mais individualistas tendem para o polo da autonomia, não vislumbrando o grupo como algo vantajoso ou que facilite o alcance dos seus objetivos.
Eu me senti desconfortável em perceber o quanto esses novos relacionamentos se tornavam abertos e profundos. Do meu ponto de vista, eu sentia como se não houvesse fronteiras sociais. E, mesmo com as pessoas sendo amigáveis, por vezes percebi a boa intenção como arrogância e algo intrusivo. Mesmo que a intenção delas não fosse essa, às vezes eu me sentia invadido em minha privacidade. (A 26).
Outro ponto que chamou bastante a atenção dos alunos foi a força das relações entre pequenos grupos no Brasil (família, família estendida, colegas de trabalho ou grupos de amigos) e que vai ao encontro da literatura que define os conceitos de “coletivismo” e de “coletivismo intragrupo” (HOFSTEDE, 1980; HOUSE et al., 2004; TROMPENAARS; HAMPDEN-TURNER, 1997), como o quanto os indivíduos expressam orgulho, lealdade e coesão com suas organizações ou famílias. Por outro lado, mostrou-se preocupante para muitos a necessidade de compreender o contexto para melhor interpretar o que os brasileiros dizem. Essa ambiguidade, identificada na literatura como dimensão “contexto” (HALL, 1959; 1966), gerou contratempos para cidadãos de culturas nas quais se pratica uma comunicação de baixo contexto, em que todo o significado está colocado na comunicação, em contraposição à de alto contexto praticada no Brasil.
As pessoas criam círculos de amizades bem coesos; mas, se você consegue fazer parte deles, precisa manter a coesão e ajudar aos outros membros como se fossem de uma família (A 35).
Nosso motorista de ônibus é solteiro, tem 31 anos, um emprego estável e respeitável, e ainda vive com seus pais (A 15).
Os brasileiros o convidam a visitá-los em suas casas, mesmo que eles realmente não queiram dizer isso. Eles fazem isso para não parecerem rudes ou hostis, mas cabe a você descobrir se está realmente convidado, ou se foi simplesmente um convite feito por educação (A 20).
Mecanismos de controle pessoal e social
No que tange às percepções sobre como a sociedade lida com o controle do comportamento dos seus participantes e como faz para reduzir incertezas, o respeito às regras e às leis foi citado por muitos alunos e a percepção geral foi a de que os brasileiros escolhem as que irão seguir de acordo com a sua conveniência, o que gera um elevado nível de incerteza para a sociedade pelo fato de as leis não serem rígidas e aplicáveis a todos igualmente, reforçando a literatura em relação à “aversão à incerteza” (HOFSTEDE, 1980): os americanos têm baixa tolerância à ambiguidade e grande aversão à incerteza, necessitando de muitas regras para reduzi-la; já os brasileiros têm grande tolerância à ambiguidade e pouca necessidade de regras para reduzir a incerteza.
Em relação à falta de respeito às leis, muitos citaram o exemplo do trânsito, onde motoristas e pedestres agiam de forma perigosa, fazendo o que bem queriam. Por outro lado, descobriram regras seguidas apesar de informais, tornando necessária a compreensão dos valores de uma sociedade para explicar corretamente suas práticas. Dimensões “universalismo-particularismo” de Trompenaars e Hampden-Turner (1997); e Dimensão “natureza humana” de Kluckhohn e Strodtbeck (1961).
Quanto à forma de dirigir, os motoristas italianos são semelhantes aos brasileiros na condução agressiva, mas o traçado das ruas e os sinais de trânsito são bem respeitados por lá. Aqui, eles não são. Em vários táxis que pegamos, avançamos sinais vermelhos, andamos com as luzes apagadas no meio da noite, rodamos entre as faixas e praticamente nunca utilizamos o pisca-pisca para mudar de pista (A 01).
Relação das pessoas com seu ambiente
Já no que diz respeito ao relacionamento dos brasileiros com seu ambiente natural e social, diversos alunos perceberam aqui um melhor balanço entre trabalhar e viver do que o existente em seus países, o que foi entendido como estimulador da qualidade de vida. Apesar de até aplaudirem essa busca do equilíbrio, alguns foram afetados pelas diferenças de suas culturas em relação ao trabalho, chegando a se irritar e a interpretar como ineficiências alguns fatos resultantes da postura de trabalhar para viver, e não de viver para trabalhar. Outros citaram a existência de forças internas da sociedade que tentam alterar esse lado da cultura, ou seja, apesar de suposta convivência pacífica entre os diversos tipos de pensamento, identificaram os que defendem os valores tradicionais brasileiros e os que querem mudar e “modernizar” o país.
A manutenção de um equilíbrio entre vida e trabalho é prioridade para os brasileiros de todos os padrões de vida. Durante a visita que fiz a uma favela em Ipanema, por exemplo, notei que mesmo as pessoas com baixos padrões de vida se esforçam para alcançar esse equilíbrio (A 28).
Há um forte contraste entre os ricos e os pobres, o antiquado e o moderno, e aqueles que querem abraçar a mudança e aqueles que preferem ignorá-la. Há, nas ruas, um forte desejo de se preservar intacto o ambiente despreocupado do ‘velho’ Brasil, mas há também uma grande ansiedade de parte da população pela modernização (A 20).
Relacionando essas percepções iniciais dos alunos estrangeiros à literatura, podemos então classificar a cultura brasileira como: “feminina” (HOFSTEDE, 1980); “being” (ser) (KLUCKHOHN; STRODTBECK, 1961); “direcionada ao exterior” (TROMPENAARS;HAMPDEN-TURNER, 1997) e à “harmonia” (SCHWARTZ, 1994); baixo índice nos domínios “assertividade” e “orientação à performance”; e alto índice no domínio “orientação humana” (HOUSE et al., 2004), que destaca o cuidado com o próximo e reflete o grau em que a sociedade encoraja seus componentes a serem amigáveis, generosos e educados com os outros membros.
No Rio de Janeiro, as pessoas são prontas para falar com você e dizer “Olá”. Eu gosto disso porque é como o meu país [a Itália] e diferente dos EUA, onde você entra num elevador e ninguém diz oi para ninguém (A 38).
Uso do tempo
As percepções em relação ao uso do tempo e sua organização na sociedade brasileira também se mostraram significativas, recebendo um número considerável de menções dos alunos. Para alguns, as diferenças no uso do tempo teriam sido as de mais difícil adaptação durante a estadia no país. Acostumados a serem pontuais, chegaram a afirmar que, no Brasil, prazos e horários seriam meras sugestões, seguidas conforme a conveniência das pessoas e não as obrigações para com os outros. Assim, não foi fácil perceber e aceitar que um pequeno atraso nos compromissos agendados poderia ser considerado normal e alguns alunos chegaram a entender que as pessoas já marcavam seus compromissos contando com o atraso do outro, especialmente em eventos sociais, demonstrando que os brasileiros não se enquadram na dimensão “orientação ao curto prazo”, que valoriza a tradição e as obrigações sociais. Por outro lado, não se enquadram também na dimensão “orientação ao longo prazo” (HOFSTEDE, 1980), uma vez que foram percebidos como imediatistas: “Os cariocas desfrutam o presente, o futuro vai ser organizado no futuro” (A 24). Na comparação com outras dimensões culturais identificadas na literatura, podem ainda ser descritos como tendo uma baixa “orientação ao futuro” (HOUSE et al., 2004), como sendo “orientados ao passado/presente” (TROMPENAARS; HAMPDEN-TURNER, 1997) e influenciados pelas circunstâncias do “presente” (KLUCKHOHN; STRODTBECK, 1961) ao tomar decisões.
Na esfera profissional, os brasileiros geralmente são pontuais, mas são um completo desastre na social. Uma noite, eu e meus amigos marcamos de nos encontrar com dois brasileiros às 19h; eles só apareceram em torno das 19:30h e nem pediram desculpas pelo atraso (A 33).
Percebi que chegar ‘tarde’ para um evento não é considerado uma ofensa aqui, e estou usando a palavra ‘tarde’ como um americano observando os brasileiros. No entanto, numa perspectiva brasileira, a palavra ‘tarde’ sequer lhes vem à mente. Os brasileiros não se percebem chegando atrasados, mas na hora certa (A 20).
Outras características dos brasileiros que intrigaram os estrangeiros foram as capacidades de executar várias tarefas simultaneamente e de se comprometerem com reuniões e prazos simultâneos, aproximando-os do domínio policrônico na dimensão “tempo” (HALL, 1959, 1966). Surpreendeu também o fato de não terem percebido um elevado nível de estresse nos funcionários das empresas que visitaram porque sabiam poder contar com “acomodações” de horários e prazos. A maioria concordou que a forma brasileira de lidar com prazos é bem menos estressante, mas as opiniões se dividiram entre os que acharam isso ótimo, os que consideraram bom para momentos de laser e não para o ambiente de trabalho, e os que acreditaram ser esse motivo gerador de muitas ineficiências na sociedade. Um dos efeitos percebidos como resultado dos compromissos simultâneos assumidos foi o de deixar para executar as tarefas no último instante. Não que em outras culturas isso não ocorra, mas a frequência no Brasil chamou-lhes a atenção. Para alguns, foi percebido como um erro que poderia atrapalhar a implementação de projetos e fazer com que as coisas fossem realizadas de forma mais lenta, muitas vezes ineficiente.
Assim, apesar de alguns considerarem como vantajosa a flexibilidade de chegar atrasado a um compromisso sem que isso seja considerado como falta de respeito ao próximo, outros argumentaram que mesmo tarefas simples como pegar um transporte público poderiam se tornar complicadas em um local onde as pessoas não dão muita ênfase à pontualidade. Por outro lado, a principal percepção geral em relação ao trabalho foi a de falta de competitividade, com baixa motivação e preocupação com o término dos projetos. Entretanto, ainda que considerada inaceitável para alguns e frustrante para outros, a atitude brasileira em relação ao tempo ganhou fãs entre vários estrangeiros que acabaram se acostumando com esse comportamento e disseram que iriam passar a adotar um pouco dessa postura para reduzir o nível de estresse diário.
Distribuição de Poder e Autoridade
Na análise das percepções dos alunos sobre a forma de distribuição de poder e autoridade na sociedade brasileira, o tema hierarquia foi o que recebeu o maior número de menções. As observações cobriram tanto o ambiente de trabalho, percebido nas visitas feitas a empresas, quanto o próprio ambiente acadêmico da escola e o ambiente a social, nos contatos que tiveram durante o período em que aqui permaneceram. Nos relatos, ficaram claramente representadas as dimensões “distância ao poder” (HOFSTEDE, 1980) e “hierarquia e igualitarismo” (SCHWARTZ, 1994): a primeira mede a crença na necessidade de existência de uma diferença de poder e autoridade entre os seus membros; e a segunda divide as sociedades entre as com distribuição irregular de poder, recursos e papéis e as nas quais os membros se veem como moralmente iguais.
Durante as visitas às empresas era fácil identificar quem estava nas posições superiores de comando (A 22).
Todos ocupam posição bem definida, tanto na sociedade quanto na família (A 25).
Há uma enorme diferença na estratificação econômica da sociedade e isso é um dos principais problemas para os brasileiros (A 37).
Na dimensão “conquista-atribuição” (TROMPENAARS; HAMPDEN-TURNER, 1997), que diferencia as sociedades entre aquelas onde o status e as recompensas são distribuídos por critérios de merecimento (conquista) ou de senioridade, classe, gênero ou mesmo herança (atribuição), a sociedade brasileira foi percebida como hierárquica, ou seja, identificada com as últimas. Entretanto, foram também percebidos aspectos que amenizam ou até eliminam os efeitos dessa hierarquia na nossa sociedade coletivista, como o carnaval, os jogos de futebol e as networks entre chefes e subordinados, nas quais a atitude paternalista ameniza a autocracia e a hierarquia. Já a situação feminina foi outro ponto abordado por vários pesquisados, que perceberam o Brasil como uma sociedade machista que mantém uma significativa diferença entre os gêneros e onde é difícil ver mulheres executando papéis tradicionalmente masculinos, confirmando o destacado na literatura nas dimensões “conquista-atribuição” e “igualdade de gênero”, que busca medir o esforço da sociedade na tentativa de minimizar as diferenças de gênero (TROMPENAARS; HAMPDEN-TURNER, 1997; HOUSE et al., 2004). No ambiente de trabalho, diversos alunos observaram que a maioria das posições do topo da hierarquia é ocupada por homens; e, fora dele, as observações de algumas alunas chamaram a atenção por colocarem as brasileiras como objetos sexuais.
Ao interagir com os homens brasileiros, senti que esperavam que eu fosse mais delicada e brincalhona, mesmo não sendo essa a minha personalidade. Nos EUA, uma mulher pode ser sexy e atlética. No Brasil, me parece que a mulher deve escolher uma ou outra e ser sexy é mais interessante do que ser atlética (A 17).
Muitos pesquisados admiraram a mistura de raças no Brasil, onde as diferenças não seriam significativas. Entretanto, a existência de uma discriminação sutil entre classes sociais foi surpresa para alguns alunos, não percebida por todos porque exigiria uma maior compreensão da sociedade que não ocorre de forma imediata, o que remete na literatura aos modelos de cultura: comparado a uma cebola – para identificar o sistema de valores que estaria em seu núcleo, o estrangeiro precisaria antes entender seus valores; e à fase inicial do choque cultural – as pessoas ficariam inicialmente fascinadas pelo novo, não percebendo ou relevando eventuais problemas encontrados.
Estas percepções estão de acordo com Hofstede (1980) e com a primeira das quatro fases (período de até seis meses) do modelo do choque cultural de Oberg (1954), que seriam: a primeira é da do “fascínio”, onde a maioria das pessoas fica fascinada pelo novo (pode durar de alguns dias a até seis meses); a segunda é a da “rejeição”, marcada por uma hostilidade e atitude agressiva em relação ao antes fascinante local, que aumenta de acordo com a dificuldade em se ajustar ao novo ambiente; a terceira fase é a do “caminho da recuperação”, onde o visitante ainda tem dificuldades, mas começa a compreender o novo ambiente cultural, ganha uma melhor compreensão da língua e dos costumes e muda de uma atitude agressiva para uma onde começa a achar graça das diferenças e a fazer piadas com suas próprias dificuldades; já a quarta é a da “aceitação”, na qual o visitante passa a aceitar os costumes do país como sendo outra maneira de viver.
Uso do espaço
Na análise dos discursos, mereceram destaque ainda as diferenças percebidas em relação ao uso do espaço físico no Brasil e em seus países de origem, especialmente o costume de manter uma distância bem mais curta e de tocar os outros durante uma conversação, confirmando o descrito na literatura na dimensão “uso do espaço” (HALL, 1959), de que o espaço necessário para que as pessoas não se sintam invadidas em sua privacidade é determinado culturalmente, variando entre as diversas sociedades.
Os brasileiros ficam próximos até demais. Eu os vi conversando com alguns colegas e podia sentir o quanto ficavam desconfortáveis com tamanha proximidade (A 37).
Americanos, chineses e até latinos se sentiram incomodados e tentaram explicar esse estranho comportamento como característico da extroversão brasileira que admite beijos, abraços e tapas nas costas entre pessoas que acabaram de ser apresentadas. Outro fato bastante comentado foi o de os brasileiros ocuparem todos os espaços disponíveis e, mesmo tendo espaço, preferiam ficar próximos, o que os colocaria no primeiro ou segundo níveis de distância: “distância íntima” – nível íntimo reservado para amantes, filhos e familiares próximos; e “distância pessoal” – nível usado para conversas com bons amigos/companheiros e em discussões de grupo.
Não é incomum terem tantas pessoas nos ônibus, trens e elevadores que não há muito a se fazer além de tocar os outros, o que não parece motivo de desconforto no Brasil, apesar de o ser para muitas culturas (A 08); A primeira coisa que eu notei foi que os brasileiros não se incomodam em se amontoarem em locais públicos lotados. Em restaurantes e bares eles sentam bem próximos uns dos outros (A 32); Mesmo em locais com assentos vagos, não é incomum que a pessoa venha sentar próximo a você (A 21); Mesmo com as calçadas de Ipanema sendo largas, as pessoas gostam de andar umas próximas às outras (A 29).
Neutro-Afetivo
Os alunos também se surpreenderam com a liberdade que há na sociedade brasileira para a exposição pública de emoções, o que vai ao encontro do abordado na literatura na dimensão “neutro-afetivo”, que mede essa liberdade e coloca os brasileiros no domínio “afetivo”: aceita e até encoraja (TROMPENAARS; HAMPDEN-TURNER, 1997). Alguns se acostumaram e gostaram da forma excessiva de externar emoções, mas a maioria manteve um sentimento de reprovação em relação aos excessos na troca de carinhos entre casais (muitos não estavam acostumados a ver na intensidade/frequência que viram) e na comunicação, especialmente o uso de tom de voz elevado, a linguagem informal e principalmente o atropelo e a tomada da palavra à força por quem desejava complementar um assunto em discussão antes de seu interlocutor acabar.
Nós vimos casais de todas as idades se beijando e se acariciando sem nenhuma hesitação. Eu tenho que admitir que, na primeira semana, ficava olhando toda vez que via isso acontecer. Agora eu acho maravilhoso que as pessoas não fiquem envergonhadas ou temorosas de demonstrar seus sentimentos em público (A 12).
Constantemente, os brasileiros tomam a palavra para colocar o seu ponto de vista e eu sentia que deveria falar rápido e chegar logo ao ponto que queria colocar de modo a impedir que falassem por cima de mim (A 06).
A cordialidade e o seu mito
Finalmente, outro tema que teve destaque nos discursos dos respondentes resulta da união de dois dos seis mitos culturais brasileiros identificados na literatura: o mito do homem cordial (HOLANDA, 1995) e o mito de o que é importado é melhor (CALDAS, 1997). O primeiro demonstra hospitalidade e generosidade no trato, expressões legítimas de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante, mas que não se pode confundir com boas maneiras ou civilidade; já o segundo demonstra tendência de valorizar os referenciais externos, utilizando-os tanto por amor como por subserviência. Essa junção de uma sociedade com grande hospitalidade e generosidade com os estrangeiros, ainda que não por mera educação, já que as pessoas são vistas como modelos de sucesso a serem copiados, criou inúmeras situações contraditórias de “aceitação e rejeição” ou de “amor e ódio” entre as partes. Isso porque, como permaneceram no Brasil por cerca de dois meses, houve tempo para que muitos passassem pela primeira fase do modelo de choque cultural (OBERG, 1954), perdendo assim a visão romântica da cultura e alcançando a fase seguinte de rejeição, cujas partes se tornam evidentes e incômodas.
Nesse sentido, verifica-se que a maior parte dos alunos apresentou certo nível de êxtase com a experiência que tiveram no Brasil, destacando especialmente a atenção recebida dos brasileiros tanto em situações profissionais quanto pessoais, destacando-se em dois aspectos: o da dificuldade da língua; e o da acolhida nos círculos sociais.
As empresas demonstraram uma incrível generosidade e hospitalidade, revelando algo que também é verdadeiro em menor escala: que os cariocas são um povo generoso, hospitaleiro, que se doa e que farão qualquer coisa para te ajudar (A 02).
Diversos pesquisados relataram episódios em que, apesar do conhecimento limitado da língua, a comunicação ocorreu por outros meios, fazendo-os se sentirem aceitos e acolhidos. Entretanto, apesar da valorização do contato pessoal, alguns perceberam que a natureza dessas relações recém-formadas em sociedades relacionais como a brasileira é mais superficial do que a que estão acostumados em sociedades menos relacionais, mas perceber essa sutileza não é simples. Por outro lado, o mito do que é importado é melhor somado ao da cordialidade faz com que os brasileiros queiram não apenas estabelecer contato e trocar informações com pessoas de outros países, mas também agradá-los ao máximo, tendo resultados muito positivos para os estrangeiros, mas também criando algumas situações esdrúxulas como a de responder algo que não sabe só para não parecer ignorante ou não disposto a ajudar.
Mesmo com uma forte barreira linguística, os cariocas gentilmente se esforçam para se fazer compreender através do uso de linguagem corporal e de sinais com as mãos (A 15)
Nos EUA, você entra num elevador e ninguém cumprimenta os outros. Já no Rio de Janeiro, você pode iniciar uma conversa com um desconhecido em qualquer lugar sem nenhum problema (A 38).
Eu percebi que pouco depois de se conhecer um brasileiro, ele vai te oferecer planos futuros que, na realidade, são mais uma forma de parecer agradável do que verdadeiros convites (A 21).
Nós descobrimos que as pessoas aqui, no seu desejo de serem úteis e de prestar favores, podem concordar em fazer algo que não saibam. Vimos esse tipo de comportamento se repetir diversas vezes com pessoas diferentes, tanto na escola quanto no prédio em que moramos ou com desconhecidos na rua (A 37).
A quantidade e a qualidade do material coletado possibilitaram encontrarmos várias menções para praticamente todas as dimensões presentes nos seis modelos de dimensões culturais identificados no referencial teórico inicial.
Os alunos pesquisados demonstraram não ter sido capazes de se inserir totalmente na cultura brasileira (por exemplo, nas dimensões “contexto” – necessidade de compreender o contexto para melhor interpretar o que os brasileiros dizem; “aversão à incerteza” – grande tolerância dos brasileiros à ambiguidade e pouca necessidade de regras para reduzir a incerteza; “orientação ao curto prazo” – brasileiros não se enquadram na dimensão, que valoriza a tradição e as obrigações sociais), o que confirma a teoria do choque cultural para a qual o período de cerca de dois meses seria insuficiente para uma inserção aprofundada. Assim, mantiveram-se na fase inicial de “lua de mel”, em que o novo fascina e causa curiosidade; ou chegaram à segunda fase da rejeição, em que as dificuldades de interpretação dos códigos e atitudes da cultura local, junto com a barreira da língua, começam a incomodar o expatriado que passa a ter uma atitude muito crítica em relação a essas diferenças. A percepção da cultura brasileira, o impacto de cada fase e a forma como lidaram e interpretaram as experiências vividas foram influenciadas também pelo background de cada aluno, decorrente da nacionalidade e das experiências anteriores de choque cultural vivenciadas.
Outro ponto importante é que, antes de vir para o Rio de Janeiro, os alunos tomaram conhecimento sobre a violência e as disparidades econômicas existentes na cidade e em todo o país. Essas informações, muitas vezes oriundas dos meios de comunicação e de relatos de terceiros, aliadas a visões estereotipadas – de corrupção, violência urbana, tráfico de drogas e desrespeito às leis – mostradas em filmes (“Tropa de Elite”, “Cidade de Deus” e “Velozes e Furiosos: Operação Rio”), criaram nas mentes dos alunos uma imagem negativa. Com isso, não é de se estranhar a surpresa de alguns ao perceber que a realidade local é bem mais complexa e próxima da que viviam em seus países. Por outro lado, essa percepção mostrou-se enviesada pelo fato de que grande parte dos estudantes se restringiu a frequentar a zona sul da cidade, fazendo incursões rápidas e eventuais a outros bairros, e a conhecer apenas outras cidades turísticas do país.
Outras experiências também surpreenderam, tanto positiva quanto negativamente. As gratas surpresas foram a aparente facilidade de integração com os brasileiros locais e o quanto estes lhes foram prestativos, o que é comum em uma sociedade coletivista como a brasileira, mas menos comum em sociedades mais individualistas, como a da grande maioria dos pesquisados, especialmente a americana, na qual os estudantes estiveram inseridos antes da temporada carioca. Assim, atitudes como o esforço para estabelecer uma comunicação com os estrangeiros que não falam a sua língua, a tentativa de ajudar o outro a se localizar e empregados que vão além de suas atribuições sem esperar nada em troca, foram percebidas como um grande diferencial e alvo de muitos elogios.
Outro ponto muito destacado foi relativo aos contrastes ou mix, como comumente chamaram. A mistura de raças nos eventos e locais; a mistura da pobreza da favela com a riqueza do “asfalto”; a mistura de pobres e ricos na praia, nos jogos de futebol e em outros momentos também surpreenderam os alunos muito positivamente. Entretanto, ao mesmo tempo em que viram o Brasil como a terra do mix, onde misturas impensáveis em suas culturas ocorrem, alguns se surpreenderam negativamente ao perceberam que, de forma velada, existe uma discriminação social arraigada na cultura brasileira. Grande parte da surpresa veio do fato dessa discriminação ter como base a situação econômica das pessoas e não a cor da pele, embora possamos até inferir certa correlação entre ambas. Por outro lado, pareceu surpreender positivamente alguns alunos que tiveram a oportunidade de conviver com pessoas mais humildes o fato de que serem pobres e marginalizados não as torna menos felizes ou menos gentis do que os membros mais abastados da sociedade, seja o vendedor ambulante da praia ou os moradores da favela.
Como praticamente a metade do grupo era formada por americanos e a outra por pessoas de diversas origens, ao longo da análise foi possível percebermos diferenças que impactaram nas experiências vividas em dois domínios culturais: mecanismos de controle pessoal e social; e distribuição de poder e autoridade. No primeiro, os respondentes originários dos EUA relataram um número bem maior de experiências do que o restante do grupo, além de terem percebido um elevado grau de incerteza nas instituições brasileiras ao constatarem que algumas leis e normas são tratadas como de cumprimento opcional. Já no domínio relacionado à “distribuição de poder e autoridade”, os norte-americanos focaram principalmente na diferença de tratamento entre os gêneros, enquanto os outros alunos, especialmente os europeus, focaram na escala hierárquica percebida nas empresas visitadas.
Apesar da preocupação com o cumprimento das leis, foram também os americanos que mais se mostraram extasiados com as experiências vividas no Brasil, demonstrando maior aborrecimento por ter que ir embora e maior vontade de retornar em breve ao país. Concorreu também para isso a qualidade dos contatos com os brasileiros durante esse período, repletos de hospitalidade e generosidade, que geraram boa quantidade de menções, destacando a gentileza com que foram recebidos.
Por particularidades da amostra, algumas dimensões foram difíceis de perceber nos discursos dos respondentes. Como lidamos com estrangeiros que vieram estudar, e não trabalhar, as relações de hierarquia e suas implicações não puderam ser identificadas nos relatos. Da mesma forma, entender o posicionamento da sociedade brasileira frente a incertezas também não foi tarefa fácil para quem não conseguiu se inserir profundamente na nossa cultura. Excetuando-se essas limitações, foi uma grata surpresa perceber que o instrumento de coleta de informações escolhido foi capaz de capturar ricos insights relacionados a quase todas as dimensões culturais estudadas, conforme apresentado no item anterior.
Os alunos passaram cerca de dois meses no Rio de Janeiro e, mesmo sendo um tempo relativamente curto, a imersão integral na cultura, a convivência próxima com os brasileiros e a grande quantidade de experiências (inclusive por meio de visitas feitas junto com os professores a empresas de diferentes ramos de atividade) possibilitaram uma quebra de paradigma para muitos, cujos relatos deixaram clara a mudança de visão em relação ao país: bem menos estereotipada e mais realista. Assim, os depoimentos sugerem que os programas de estudo no estrangeiro podem ajudar na interação em ambientes multiculturais, mostrando a existência de outras realidades e de novas formas de pensar e agir em diversas situações, formando pessoas mais adaptáveis, o que nos permite concluir que os alunos tiveram um importante aprendizado no Brasil que foi além dos livros e das aulas do curso de MBA.
Os resultados da pesquisa apontam para o desenvolvimento de habilidades multiculturais decorrentes do relativismo cultural durante o MBA internacional. E a maior compreensão sobre a forma que os alunos vivenciam a experiência internacional pode ser utilizada para o desenho e melhoria contínua de cursos internacionais que visam desenvolver profissionais aptos a trabalhar em ambientes multiculturais.
Apesar das limitações do estudo, a análise das percepções do grupo pesquisado possibilitou o surgimento de insights que podem contribuir para aumentar o conhecimento acadêmico sobre as percepções de estrangeiros em relação ao Brasil e aos brasileiros; e pode vir a auxiliar a gestão em ambientes multiculturais.






