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ESTRATÉGIA AMBIDESTRA EM REDES DE RESTAURANTES: O DILEMA “PADRONIZAÇÃO VS INOVAÇÃO”
AMBIDEXTROUS STRATEGY IN RESTAURANT CHAINS: THE “STANDARDIZATION VS. INNOVATION” DILEMMA
ESTRATEGIA AMBIDIESTRA EN REDES DE RESTAURANTES: EL DILEMA “ESTÁNDARIZACIÓN VS INNOVACIÓN”
Revista Alcance, vol. 25, núm. 1, pp. 20-37, 2018
Universidade do Vale do Itajaí



Recepção: 26/09/2017

Aprovação: 21/06/2018

DOI: https://doi.org/alcance.v25n1(Jan/Abr).p20-37

Resumo: Restaurantes que se expandem por meio de replicação enfrentam dois desafios: a busca por exploration e exploitation. De um lado, exploration está ligada à ideia de criação de novos processos e rotinas de inovação. Por outro, exploitation é a capacidade de aperfeiçoar processos já existentes, ou seja, de padronizar rotinas bem-sucedidas. Perseguir simultaneamente essas duas capacidades é possuir uma estratégia ambidestra. Diante desse dilema, existem duas formas de ambidestria: contextual e estrutural. A ambidestria contextual parte da premissa que exploration e exploitation podem ser desempenhadas pelo mesmo indivíduo ou equipe de trabalho. A ambidestria estrutural, por sua vez, consiste na separação formal de estruturas organizacionais dedicadas à exploration/exploitation. Este estudo procura responder de que forma ocorre o gerenciamento de estratégias ambidestras em redes de restaurantes, tendo como ponto de partida o trade-off entre inovação e padronização. Realizou-se uma pesquisa qualitativa, baseada no método de estudo de caso, analisando nove redes de restaurantes do Rio de Janeiro, a partir da percepção de seus gestores estratégicos. Foi possível identificar dois níveis de ambidestria estrutural nas redes: a natural e a deliberada. De forma análoga, o estudo encontrou diferentes graus de engajamento das redes com a estratégia ambidestra na forma contextual: na cúpula da empresa, na unidade dos restaurantes e no nível individual dos funcionários das unidades.

Palavras-chave: ambidestria, exploration, exploitation.

Abstract: Restaurants that expand through replication face two challenges: the pursuit of exploration and exploitation. On one hand, exploration is linked to the idea of ​​creating new processes and routines i.e. innovation. On the other hand, exploitation is the ability to refine existing processes, i.e. to standardize successful routines. An ambidextrous strategy simultaneously pursues these two capabilities. Companies have two ways to promote ambidexterity. Contextual ambidexterity assumes that the same group can perform both exploration and exploitation. Structural ambidexterity, meanwhile, involves the formal separation of organizational structures dedicated to exploration/exploitation. This study seeks to understand how restaurant chains promote ambidextrous strategies, taking as its point of departure the trade-off between innovation and standardization. A qualitative study was conducted, based on the case study method, analyzing nine restaurant chains in the city of Rio de Janeiro from the perceptions of their strategic managers. This study was able to identify two levels of structural ambidexterity in restaurant chains: natural and deliberate. Similarly, different degrees of engagement were found with the ambidextrous strategy in contextual form: the company management, the restaurant unit, and at individual level, with the employees of the unit.

Keywords: ambidextrous, exploration, exploitation.

Resumen: Restaurantes que se expanden por medio de replicación enfrentan dos desafíos: la búsqueda por exploration y exploitation. Por un lado, exploration está ligada a la idea de creación de nuevos procesos y rutinas de innovación. Por otro, exploitation es la capacidad de perfeccionar procesos ya existentes, o sea, de estandarizar rutinas exitosas. Perseguir simultáneamente esas dos capacidades es poseer una estrategia ambidiestra. Delante de este dilema, existen dos formas de ambidiestra: contextual y estructural. La ambidiestra contextual parte de la premisa que exploration y exploitation pueden ser desempeñadas por el mismo individuo o equipo de trabajo. La ambidiestra estructural, por su vez, consiste en la separación formal de estructuras organizacionales dedicadas a la exploration/exploitation. Este estudio busca responder de qué forma ocurre el gerenciamiento de estrategias ambidiestras en redes de restaurantes, teniendo como punto de partida el trade-off entre innovación y estandarización. Se realizo una investigación cualitativa, basada en el método de estudio de caso, analizando nueve redes de restaurantes de Rio de Janeiro, a partir de la percepción de sus gestores estratégicos. Fue posible identificar dos niveles de ambidiestra estructural en las redes: la natural y la deliberada. De forma análoga, el estudio encontró diferentes grados de compromiso de las redes con la estrategia ambidiestra en la forma contextual: en la cúpula de la empresa, en la unidad de los restaurantes y en el nivel individual de los funcionarios de las unidades.

Palabras clave: ambidiestra, exploration, exploitation.

1. INTRODUÇÃO

A importância do setor de serviços para a economia mundial é cada vez maior. Atualmente, cerca de 70% do PIB do Brasil é referente aos serviços (IBGE, 2017). Em consonância com o setor de serviços, o setor de alimentação fora do lar apresentou um crescimento muito acelerado nos últimos anos. A estimativa é que os restaurantes representem cerca de 23% do setor de alimentação fora do lar. De todos os restaurantes em funcionamento no Brasil, cerca de 20% estão vinculados a alguma cadeia empresarial. E esse número tende a crescer. A abertura de novos shoppings centers e a disseminação de lojas varejistas pelo interior facilitam essa expansão. Se comparado com os Estados Unidos, onde 60% dos restaurantes abertos são integrantes de redes de alimentação, o potencial de crescimento desse segmento de serviços no Brasil torna-se evidente (IFB, 2016).

Diante da tendência de que negócios e organizações de alimentação estejam vinculados a uma cadeia empresarial, faz-se necessário investigar esse grupo específico. Apesar de ser um fenômeno bastante difundido mundialmente, a replicação é, muitas vezes, tratada de forma insuficiente (WINTER; SZULANSKI, 2001). Em geral, a estratégia de replicação é compreendida como uma aplicação repetida de alguma fórmula de sucesso antes testada e já existente. Tal perspectiva, porém, ignora as singularidades do setor de alimentação, desconsiderando os aspectos de desenvolvimento dessa fórmula de sucesso e a dinâmica envolvida na tentativa de reproduzir o mesmo serviço em condições diversas (WINTER; SZULANSKI, 2001).

As empresas de alimentação que decidem expandir por meio da estratégia de replicação enfrentam dois grandes desafios gerenciais: a busca pela homogeneidade dos serviços; e a capacidade de inovar. Por um lado, a padronização dos serviços e dos processos é imprescindível para que a rede de alimentação preserve sua marca, integridade e valor (BRADACH, 1997). A capacidade de inovar, por outro, é vital para a sustentabilidade da cadeia. Uma rede de restaurantes precisa ser capaz de inovar, adaptando-se a novas oportunidades e ameaças que surgem ao longo do tempo, obtendo vantagem competitiva face aos seus concorrentes (BRADACH, 1997; HARRINGTON, 2004).

Esse desafio pode ser entendido como a busca por exploration e exploitation. De um lado, exploration está ligado à ideia de inovações e criação de novos processos e rotinas. Por outro, exploitation é a capacidade de lapidar e aperfeiçoar processos já existentes e aproveitá-los para expansão da empresa. Perseguir simultaneamente essas duas capacidades, ou seja, inovação e padronização, é possuir uma estratégia ambidestra (RAISCH; BIRKINSHAW, 2008; SIMSEK et al., 2009; LAVIE; STETTNER; TUSHMAN, 2010).

Dessa forma, o estudo da inovação e da padronização em redes de restaurantes é peculiar e essencial para o melhor gerenciamento da estratégia ambidestra nessas cadeias. Neste artigo, procura-se responder de que forma vem sendo desenvolvido o gerenciamento de estratégias ambidestras em redes de restaurantes, tendo como ponto de partida o trade-off entre inovação e padronização. O objetivo é compreender como as estratégias ambidestras são geridas em redes de restaurante e quais os procedimentos que incentivam a ambidestria organizacional no âmbito das redes.

Conhecer esses aspectos é mister para os gestores de redes de restaurantes que pretendem delinear estratégias que promovam a ambidestria dentro do contexto de suas empresas. Neste cenário, além de contribuir para o debate teórico a respeito da estratégia ambidestra em empresas que se organizam em rede, procura-se contribuir também para o gerenciamento estratégico dessas empresas. Para tanto, o estudo tem como base uma pesquisa qualitativa, de caráter descritiva, a partir do estudo de casos em nove redes de restaurantes na cidade do Rio de Janeiro.

Este artigo está organizado em cinco seções, além desta introdução. As seções 2 e 3 apresentam o referencial teórico utilizado. Na 2a seção estão apresentados os desafios inerentes às redes empresariais, exploitation e exploration. Em seguida, na seção 3, a estratégia ambidestra é abordada. Na seção 4, o método utilizado para o desenvolvimento desta pesquisa é relatado. Os resultados, as análises e as discussões são apresentados ao longo da 5ª seção. Por fim, as considerações finais são feitas na última seção.

2. A ESTRATÉGIA DE REPLICAÇÃO E OS SEUS DILEMAS

A abertura e a manutenção de diversas unidades similares que realizam o mesmo serviço ou produto são conhecidas como replicação (WINTER; SZULANSKI, 2001). A decisão estratégica de promover o crescimento empresarial por meio das múltiplas unidades similares significa, de acordo com Winter e Szulanski (2001), “criar valor em descobrir e refinar um modelo de negócios, escolhendo os componentes necessários para se criar uma cópia em um local geograficamente adequado, desenvolvendo capacidades que permitam tornar rotina a transferência de conhecimento e manter a operação em funcionamento após a replicação” (WINTER; SZULANSKI, 2001, p. 730-731)

Pode-se observar dois processos distintos inerentes à replicação. O primeiro consiste no desenvolvimento do núcleo replicável, isto é, o conjunto de atributos que são passíveis de replicação e que valem a pena serem replicados (WINTER; SZULANSKI, 2001). Nesse processo, a empresa utiliza capacidade de exploration. O outro processo consiste na aplicação do modelo desenvolvido diversas vezes, abrindo assim muitas unidades, culminando na expansão da empresa. Essa atividade está vinculada à capacidade de exploitation.

Cada uma dessas capacidades é definida por March (1991) da seguinte forma: “Exploration inclui coisas como busca, variação, tomada de risco, experimentação, flexibilidade, descoberta, inovação. Exploitation inclui coisas como refinamento, escolha, produção, eficiência, seleção, implementação, execução” (MARCH, 1991, p. 71).

Diferentes contextos usam exploration e exploitation com práticas distintas, mas com pontos de contato. No campo de tecnologia e produtos, exploration significa gerar novas capacidades de produção, novos produtos, novas tecnologias; já exploitation quer dizer refinar e consolidar as tecnologias e os produtos existentes, aumentando a receita gerada por eles (HE; WONG, 2004). Quando se trata de marketing, exploration significa atrair novos clientes, construindo novos mercados, ao passo que exploitation se refere a trabalhar a relação com os clientes existentes, aumentando as receitas (KYRIAKOPOULOS; MOORMAN, 2004). Em relação ao gerenciamento e à administração de empresas exploration, está vinculado à substituição de processos e rotinas; enquanto exploitation está ligado à ideia de reforçar e refinar os processos e as rotinas existentes (BENNER; TUSHMAN, 2003).

Apesar dos diferentes enfoques, os pontos de contato evidenciam o caráter dos termos e pode-se afirmar que, no contexto de empresas que se organizam em redes, exploration está vinculado ao desafio da inovação e exploitation assemelha-se ao desafio da padronização. Considera-se relevante destacar, porém, que, apesar de todas as empresas desempenharem processos tanto relacionados à exploration quanto ligados à exploitation, empresas que seguem a estratégia de replicação possuem esses dois processos extremamente entranhados em suas atividades rotineiras. Mais ainda, nota-se que a atividade de exploration tem relevância no desenvolvimento inicial da empresa, na definição do chamado núcleo replicável. Depois dessa etapa inicial, a atividade que recebe maior atenção é a de exploitation, quando a empresa se propõe a inaugurar diversas unidades (WINTER; SZULANSKI, 2001).

Por meio de um estudo em cadeias de alimentação, Bradach (1997) afirma que empresas que se organizam em redes possuem dois grandes desafios: a inovação e a padronização, que derivam de capacidades diferentes e constituem um trade-off (BRADACH, 1997). De fato, inovação e padronização são processos distintos que competem pelos mesmos recursos, sejam financeiros, humanos ou atenção gerencial (GUPTA; SMITH; SHALLEY, 2006; MENGLING; YAN; XIAOYING, 2016). O equilíbrio frente a esse trade-off seria o desafio para as cadeias empresariais.

3. COMO SUPERAR O TRADE-OFF?

O equilíbrio e a superação do trade-off entre padronização e inovação significam perseguir, simultaneamente, exploration e exploitation, isto é, possuir uma estratégia ambidestra (RAISCH; BIRKINSHAW, 2008; SIMSEK et al., 2009; LAVIE; STETTNER; TUSHMAN, 2010). A literatura sustenta que existem duas formas de se perseguir uma estratégia ambidestra, são elas: estrutural e contextual.

A ambidestria contextual parte da premissa que o trade-off entre exploration e exploitation pode ser resolvido no nível individual (GIBSON; BIRKINSHAW, 2004). Isto é, que as duas capacidades podem ser executadas simultaneamente por um grupo de trabalho ou um único funcionário (GIBSON; BIRKINSHAW, 2004). Nesse contexto, os indivíduos são capazes de dividir seus tempos entre exploitation e exploration (MENGLING; YAN; XIAOYING, 2016; GUTTEL; KONLECHNER; TREDE, 2015). Assim, os funcionários têm o desafio de balancear as tarefas de forma a alternar entre as duas capacidades. O discernimento necessário para executar ambidestria contextual de forma bem-sucedida está, em geral, atrelado a altos graus de conhecimento e experiência (GUTTEL; KONLECHNER; TREDE, 2015). Dessa forma, a ambidestria contextual é uma estratégia que exige que a empresa estimule a autonomia dos indivíduos para decidirem quando executar qual tarefa. Por isso, seu desenvolvimento é complexo em redes que lidam com uma grande diversidade de realidades, tais como diferentes instalações, colaboradores e localização das unidades.

A ambidestria estrutural, por sua vez, está baseada na formação de estruturas organizacionais que sejam comprometidas com exploration e exploitation (O'REILLY; TUSHMAN, 2008). Assim, diferentes setores ou unidades irão se ocupar de cada um dos aspectos do dilema inovação e padronização. Essas diferentes estruturas são conectadas por uma estratégia comum, regida pelos gestores seniores da empresa, que direciona as atividades por meio de valores compartilhados por toda a organização (O'REILLY; TUSHMAN, 2004; O'REILLY; HARRELD; TUSHMAN, 2009). A ambidestria estrutural pressupõe que esses diferentes grupos de trabalho, unidades ou estruturas da empresa podem executar cada uma das atividades de exploitation e exploration separadamente. Assim, no contexto de redes empresariais, existe maior facilidade para se buscar esse tipo de ambidestria devido ao caráter múltiplo dessas empresas.

Nota-se que cada uma das formas de ambidestria (contextual e estrutural) privilegia um nível gerencial distinto (POPADIUK, 2015). A literatura sustenta que a busca pelo desenvolvimento de ambidestria organizacional exige o engajamento de diferentes níveis da empresa (individual, grupos de trabalho, inter e intra níveis organizacionais) (MENGLING; YAN; XIAOYING, 2016). Assim, a ambidestria estrutural ocorre em um nível gerencial mais amplo, ao passo que a ambidestria contextual ocorre em um nível gerencial mais específico e singular. Essa característica é relevante no contexto de cadeias empresariais, uma vez que estas possuem os níveis gerenciais das unidades e da rede.

A ambidestria estrutural pode ser desenvolvida pela forma de expansão da rede. Isto é, a maneira como a rede organiza suas unidades pode contribuir para a ambidestria estrutural e, assim, combater o trade-off entre inovação e padronização (BRADACH, 1997). As unidades de uma cadeia empresarial podem ser organizadas estruturalmente de três maneiras: sistema de franquias; manutenção de todas as unidades como propriedade do mesmo grupo e uma abordagem híbrida, em que se combinam unidades próprias e franqueadas.

Cada uma das estratégias de expansão oferece diferentes oportunidades e fraquezas diante dos desafios gerenciais inerentes a uma cadeia empresarial (BRADACH, 1997; JANSEN; VAN DEN BOSCH; VOLBERDA, 2006). Redes com múltiplas unidades próprias possuem maior facilidade de homogeneizar seus processos internos. Nesses casos, a estrutura da empresa favorece relações hierárquicas, a centralização das decisões reduz a possibilidade de soluções inovadoras, o que pode inibir a capacidade de exploration (JANSEN; VAN DEN BOSCH; VOLBERDA, 2006). Assim, enquanto a estratégia de crescimento por meio da abertura de novas lojas próprias facilita a manutenção do padrão, a rigidez dos processos internos pode dificultar a adaptação a novos contextos e a inovação (BRADACH, 1997). Ou seja, são empresas que se concentram na capacidade exploitation em detrimento da capacidade exploration.

Já redes com unidades distribuídas pelo sistema de franquias enfrentam o desafio oposto: grande dificuldade em padronizar os processos. O caráter múltiplo das franquias promove a descentralização das decisões que, por sua vez, favorece a adaptação a novas demandas incentivando a inovação (BRADACH, 1997; JANSEN; VAN DEN BOSCH; VOLBERDA, 2006). A uniformidade dos resultados, porém, pode ficar comprometida (BRADACH, 1997). Isto é, redes de franquias tendem a ser naturalmente mais comprometidas com a atividade de exploration e pecam na capacidade de exploitation.

Por fim, nas redes híbridas, ou seja, naquelas em que há unidades próprias e franqueadas, Bradach (1997) afirma que os desafios intrínsecos às cadeias empresariais são combatidos pelo que há de melhor em cada uma das formas de expansão. O caráter híbrido dessas redes promove a ambidestria estrutural e, dessa forma, empresas híbridas são mais bem-sucedidas no que se refere ao balanceamento entre exploration e exploitation.

Redes, nesta perspectiva, buscam estratégias ambidestras para ganharem vantagem competitiva sustentável frente aos concorrentes, equilibrando as capacidades de inovar (exploration) e padronizar (exploitation). É sabido que empresas que se concentram em apenas um lado desse trade-off tendem ao fracasso (MARCH, 1991). No caso de cadeias empresariais, a tendência é que os esforços sejam concentrados nas atividades de exploitation. Segundo Jansen, van den Bosch e Volberda (2006), a formalização dos processos necessária para a replicação dos serviços em diferentes unidades favorece a capacidade de exploitation. Mesmo as redes de franquias, que tendem a ter maior facilidade na atividade de exploration, costumam concentrar esforços gerenciais, operacionais e financeiros na atividade de exploitation. Essa situação é, no entanto, destrutiva para a organização, que tende a ficar obsoleta, perdendo a oportunidade de conquistar novos mercados e clientes ao longo prazo (MARCH, 1991).

4. MÉTODO

Esta pesquisa, de concepção qualitativa, utilizou uma estratégia descritiva por intermédio do método de estudo de casos múltiplos. As evidências tiveram como principal fonte a realização de entrevistas semiestruturadas com gestores em posições estratégicas em redes de restaurantes da cidade do Rio de Janeiro. Para compreensão de cada rede e de suas unidades, foram também utilizados dados secundários, disponíveis publicamente nos sites destas empresas e em suas lojas, que permitiram identificar o cardápio, o tipo de serviço, o histórico e o tamanho das redes e as suas estratégias de expansão. Documentos internos das redes também foram cedidos pelos entrevistados para análise e permitiram identificar esforços de padronização e de disseminação de inovações. Foram acessados documentos, como: relatórios de volumes de vendas das redes, organogramas das empresas, manuais de franqueados, fichas técnicas de produtos e procedimentos operacionais padrão das redes.

A base de estudo considerada inicialmente era composta por redes de restaurantes que possuíssem ao menos uma loja localizada em shopping na cidade do Rio de Janeiro. Dentro desse recorte, foram encontradas 236 redes de restaurante, das quais 40 foram consideradas elegíveis e 9 foram selecionadas para participar desta pesquisa.

A seleção das redes ocorreu visando à representatividade das diferentes estratégias de expansão das redes. Assim, redes de diversos tamanhos, formas de expansão e tipos de serviço (fast food, fast casual, casual e luxo moderado) participaram da pesquisa. Além disso, foi considerado como critério de seleção o acesso e a disponibilidade dos gestores das redes. O contato inicial ocorreu por meio de mensagem eletrônica. As 40 redes elegíveis para a pesquisa foram abordadas por e-mail ou mensagem através do serviço de atendimento ao cliente disponível nos seus websites. Após este contato, as nove redes que concordaram em participar do estudo foram contatadas por telefone para o agendamento da entrevista. Os múltiplos casos participantes da pesquisa não foram escolhidos de forma aleatória, mas de acordo com a teoria, como recomenda Eisenhardt (1989). Sabe-se que vários casos dentro da mesma categoria levam à possível generalização analítica dos achados (Eisenhardt, 1989). Assim, a seleção buscou uma amostra composta de vários casos dentro de cada categoria. Seguindo a lógica da replicação nos estudos de casos múltiplos sugerida por Yin (2010), as empresas que participaram desta pesquisa possuem diferentes tamanhos, formas de expansão, tipo de serviço, áreas geográficas de atuação e tempo de funcionamento como descrito no Quadro 1.


Características das redes entrevistadas

Fonte: Elaborado pelos autores (2017).

As entrevistas foram realizadas nos meses de setembro e outubro de 2016, tanto presencialmente quanto por meio do auxílio de programas que permitem a comunicação por meio de áudio e vídeo pela internet. Mediante a autorização prévia dos entrevistados, todas as entrevistas tiveram o áudio gravado para análise posterior. Esse procedimento garantiu que os insights e os detalhes nas falas dos entrevistados não se perdessem. Além de assegurar que o entrevistador estivesse mais disponível para a interação com o entrevistado, podendo conduzir a conversação para os tópicos desejados de maneira suave e fluida; e que pudesse observar as reações físicas dos entrevistados que davam, por exemplo, ênfase a algumas de suas falas (LEGARD; KEEGAN; WARD, 2003).

No total foram realizadas 9 entrevistas com 45 minutos de duração em média. A mais longa durou 1 hora e 30 minutos e a mais curta durou 32 minutos. As quase 7 horas de áudio registradas foram transcritas em 151 páginas para facilitar o processo de análise dos dados obtidos. A transcrição foi enviada para os entrevistados validarem o conteúdo da entrevista. Visando garantir o sigilo das informações fornecidas e preservar as empresas participantes desta pesquisa, as redes serão identificadas por números de 1 a 9.

O Quadro 2 contém as informações condensadas a respeito das entrevistas realizadas: a rede de restaurante com uma breve descrição do negócio e o cargo do gestor que concedeu a entrevista.

Quadro 2:
Redes, descrição e entrevistados

Fonte: Elaborado pelos autores (2017).

Buscando validade dos constructos e maior consistência para os dados, além das entrevistas, outros documentos foram analisados (YIN, 2010; GIBBERT; RUIGROK; WICKI, 2008). O website de cada rede, matérias nos jornais e revistas a respeito das redes e do setor de maneira geral, vídeos com entrevistas de fundadores de algumas das redes em programas televisivos e documentos com procedimentos internos das redes foram analisados, buscando a triangulação das informações obtidas (YIN, 2010; GIBBERT; RUIGROK; WICKI, 2008; DENZIN; LINCOLN, 1994).

A análise dos dados foi feita a partir das transcrições do áudio de cada entrevista e da avaliação das evidências obtidas de fontes secundárias. O processo analítico consistiu, inicialmente, na leitura cuidadosa das transcrições, na seleção dos trechos com pontos de interesse para temáticas estudadas e, depois, na criação de categorias de análise. Além disso, assuntos surgidos de maneira inesperada durante as entrevistas também foram destacados. O mesmo processo de categorização ocorreu com os documentos levantados durante a pesquisa, e também os vídeos com entrevistas televisionadas.

Após a leitura minuciosa e a seleção dos trechos de maior interesse para a pesquisa, cada uma das redes de restaurantes foi descrita tanto usando os dados coletados durante a entrevista quanto os dados externos públicos.

As entrevistas e os documentos foram analisados dentro de categorias propostas, tendo como base a literatura apresentada anteriormente conforme disposto no Quadro 3.

Quadro 3:
Categorias de análise e referências

Fonte: Elaborado pelos autores (2017).

Assim, todas as redes entrevistadas mereceram análise em relação às atividades de exploration e exploitation. Além disso, traços de ambidestria tanto estrutural quanto contextual também aparecem destacados na análise. Nesse contexto, a forma de expansão das redes foi verificada como uma característica que pode tanto promover mais atividades vinculadas à padronização quanto à inovação ou mesmo equilibrar as duas capacidades resultando em uma estratégia ambidestra de forma estrutural. Também foram destacados todos os traços de ambidestria contextual que apareceram ao longo da análise.

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Inicialmente, apresentam-se as formas de expansão de cada rede e a análise de como essa estrutura influencia a gestão de padronização e inovação. Foram investigadas redes das diversas formas de expansão, mas não houve nenhuma rede puramente de franquias. As redes entrevistadas são todas de lojas próprias ou híbridas. Neste ponto foi necessário fazer uma escolha na pesquisa em relação a como categorizar as redes entrevistadas. Levou-se em consideração a maneira escolhida pela rede para dar prosseguimento à expansão e ao percentual de lojas próprias nas redes. Assim, redes com menos de 15% de lojas próprias no seu total de unidades abertas foram consideradas como franquias, pois essa foi a forma estratégica que a empresa escolheu para a expansão em larga escala. E, de acordo com esse critério, as cadeias estudadas podem ser rotuladas da seguinte maneira: as redes de restaurantes 4, 5 e 7 são franquias; os restaurantes 1 e 2 redes híbridas; e as redes 3, 6, 8 e 9 formadas por lojas próprias. A porcentagem e o valor absoluto de cada uma das modalidades de abertura de novas lojas em todas as redes entrevistadas podem ser conferidos na Tabela 1.

Tabela 1:
Forma de expansão

Fonte: Elaborado pelos autores (2017).

Quanto à inovação (exploration) e seu papel para as empresas analisadas, todas as redes de restaurantes valorizam novidades. Independente da forma de expansão das cadeias, a inovação tem um papel de destaque dentro das organizações estudadas. Em redes próprias, porém, foi apontado que as inovações são fundamentais para a imagem da empresa, mas não necessariamente expressivas em vendas. Como afirma o sócio fundador da rede 3, “é que o cliente precisa ter a novidade, mas 80, 90% dos clientes repetem os pratos. [...] No fundo ela (a novidade) faz você ser quem você é. Ela constrói a sua imagem, então é muito importante”.

Nas redes de franquia e híbridas, o papel da inovação é mais do que delinear o conceito do restaurante, ela tem um papel relevante ao incrementar as vendas. Na rede 2 de hamburguerias, por exemplo, de acordo com o relatório de vendas da rede, o último sanduíche lançado foi bastante expressivo em volume de vendas, sendo o terceiro mais vendido da rede (12% do volume de vendas), quadro distinto do verificado nas redes próprias.

A rede de restaurante 4 faz alguns procedimentos para incentivar o pensamento inovador. O departamento de marketing é dividido em duas equipes, uma delas atende aos franqueados e a outra fica longe do contato com os mesmos, exatamente para conseguir “pensar fora da caixa”. Ou seja, pensar e agir de maneira inovadora e não se ater às demandas do dia a dia. Nesse exemplo fica claro a existência das duas atividades: exploitation e exploration. A equipe que atende as demandas do dia a dia desenvolve atividades ligadas à exploitation, enquanto a outra equipe está ocupada com exploration. É um exemplo de ambidestria estrutural promovida pelo arranjo da equipe de marketing em dois grupos distintos, como proposto pela literatura (O’REILLY;TUSHMAN, 2004, 2008).

Diante desse relato, é possível perceber que algumas redes possuem a ambidestria estrutural promovida de forma natural e outras, além da forma natural, projetam arranjos que reforcem esse aspecto. Assim, identificam-se dois níveis de engajamento com a estratégia ambidestra estrutural. O primeiro deles ocorre pela própria natureza das redes. A necessidade de homogeneizar os resultados em todas as múltiplas unidades e a divisão entre as unidades e a cúpula gerencial da companhia constituem estruturas que se ocupam de cada uma das atividades de exploration e exploitation. O outro nível de engajamento relatado é quando uma rede promove a ambidestria estrutural deliberadamente, montando diferentes grupos de trabalho ou estruturas para tal, como no caso anteriormente mencionado.

Todas as redes usam benchmarking como inspiração para novas propostas. Pesquisas e viagens também foram citadas de forma unânime pelos gestores. Além desses inputs, quase todas as redes possuíam alguém responsável pela criação, muitas vezes essa mesma pessoa ou mesma equipe atuava como supervisora da qualidade dos pratos nas unidades. Nesse caso, trata-se de um exemplo de ambidestria contextual, no qual a mesma pessoa ou equipe é responsável por atividades de exploration e exploitation e por gerenciar seu tempo de forma a realizar ambas as demandas (GIBSON; BIRKINSHAW, 2004; GUTTEL; KONLECHNER; TREDE, 2015).

Sete das nove empresas entrevistadas possuíam funcionários especialmente responsáveis pelo desenvolvimento de novos serviços, ou seja, dedicam capacidade organizacional para que exploration aconteça. De acordo com os dados obtidos nos organogramas das empresas e nas entrevistas, esse cargo compõe a cúpula gerencial das redes e é bem valorizado pelos gestores, que percebem a importância do desenvolvimento do conceito bem delineado das inovações.

A gente percebeu que tinha que ter uma chef de criação. Então a gente contratou, faz 12 anos que a gente tem uma chef que fica full time com a gente, hoje ela é nossa sócia inclusive. Ela chefia toda a criação, todos os dias ela está fazendo testes. Hoje mesmo eu experimentei dois produtos que ela estava testando, é um processo diário. (Diretora de marketing e proprietária da rede 8)

Em todos os casos, as pessoas dedicadas ao desenvolvimento de novidades também são responsáveis pela disseminação do padrão do novo produto por toda a rede. Desses funcionários é esperado que consigam gerenciar o tempo produtivo entre as duas capacidades, ou seja, exercer a ambidestria contextual.

O processo de testar novos serviços, inerente à atividade de exploration, também foi relatado por alguns gestores. Todos os novos produtos são testados pela equipe de criação, porém algumas redes oferecem novos serviços em caráter experimental para os clientes antes de disseminá-los para todas as unidades. Alternativamente, lançam novos serviços em todas as unidades, mas em forma de teste, por exemplo, como constatado em um cardápio experimental na rede 3.

Foi unânime, entre os entrevistados, a percepção de que há necessidade que os novos serviços ofertados estejam alinhados com o tipo de negócio da rede. Quase todas as redes possuem uma série de critérios definidos para a seleção das inovações pertinentes, ou seja, as redes padronizam o processo de inovar. A rede 4 se dedicou a formatar esses critérios: eles procuraram especialistas em branding e reposicionamento, selecionaram alguns franqueados afinados com a marca e a diretoria para, juntos, pensarem o restaurante. Esse processo resultou em um book com as normas e o conceito da rede. De acordo com o conteúdo analisado do book, o procedimento para incluir novidades segue os seguintes critérios: (1) ser “fora da caixa”; (2) passar o conceito de rapidez; (3) democratizar a culinária; (4) ser acessível financeiramente; (5) respeitar a operação do restaurante e (6) avaliação final por meio de uma matriz GUT (gravidades, urgências e tendências).

Da mesma forma, a rede 1 declarou ter um tripé para a seleção de novidades:

A gente tem sempre esse tripé na hora de lançar qualquer produto: tem que ser saudável, tem que ser saboroso... saudável sem neurose que a gente chama. [...] E que tenha espaço no mercado, que seja comercialmente viável. (Diretor geral da rede 1)

Essas práticas evidenciam a construção de rotinas para o processo de inovação, permitindo que a combinação de capacidades de exploitation e exploration. Desta forma, cria-se uma alternativa para lidar com o tamanho e a complexidade de se gerenciar a rede de restaurantes, assegurando padrão e, ao mesmo tempo, permitindo espaço para inovação. Configura-se, portanto, uma iniciativa que promove a ambidestria.

A criação de novos serviços também respeita os processos já existentes nos restaurantes. Um serviço que requer um novo equipamento possui mais barreiras para ser implementado e muitas vezes é vetado pela dificuldade de operacionalizar. Como aponta o gestor responsável pela rede 7, “já estão chegando lojas com esses fornos novos, só que temos 160 lojas com forno antigo, não tem como lançar um produto que precise desse equipamento”.

Da mesma forma, em menor grau, é bastante ponderada a decisão de incluir um serviço que demande um novo insumo. A tendência das redes é tentar minimizar os itens estocados. Uma novidade que precisa de um novo insumo pode ser implementada, mas as redes apontam a necessidade de otimizar a compra desse ingrediente, utilizando-o em outras preparações também:

Faz sentido eu botar um insumo novo só por causa de um produto novo? Talvez. Esse produto tem um potencial maravilhoso, vai representar 10% do nosso volume de venda. Poxa, faz sentido. O que mais a gente consegue fazer com essa matéria prima? (Sócio fundador da rede 4)

Apesar do caráter abstrato da conceitualização dos serviços, algumas redes possuem procedimentos que conferem maior tangibilidade ao conceito do serviço. Esse processo está vinculado à atividade de exploitation, ele garante que as novidades possam ser disseminadas pela rede de forma assertiva.

Vamos lançar um produto novo. O que a gente faz primeiro é a conceitualização do produto, faz toda a análise financeira, toda a análise de aderência, de perfil de público e se a gente entende que tudo isso está adequado, a gente faz um aditivo, além de criação da ficha técnica do produto, a gente faz um documento adicional com todos os processos de preparo, de confecção desse produto, de montagem até a entrega para o cliente. Esse material inicialmente é usado internamente, quando o produto for ser lançado há uma distribuição para todas as lojas para que seja feito o treinamento e capacitação loja a loja. (Presidente da rede 2)

Nesse trecho, a fala do entrevistado expõe como as duas capacidades – exploration e exploitation – são inerentes à atividade das redes de restaurantes. O desenvolvimento de uma novidade na rede é vinculado à capacidade de inovação; já a disseminação dessa novidade é vinculada à capacidade de padronização.

Os esforços para manter o padrão são muitos. Todas as redes possuem treinamento de funcionários novos e reciclagem dos antigos. Algum tipo de equipe de supervisão também foi notado no organograma de todas as cadeias entrevistadas, ou seja, uma equipe destinada à atividade de exploitation.

As redes de restaurantes próprios têm um processo de cocção e preparo mais artesanal e, portanto, recebem mais produtos in natura para finalização na loja. A rede de restaurante 3 é uma exceção. Pelo fato de possuir uma planta industrial, esse espaço serve de pré-preparo para o porcionamento das proteínas e fabricação de toda a pâtisserie dos cafés. O modelo adotado pela rede 6 também prevê o recebimento de todos os salgados semiprontos direto do fornecedor. As redes 8 e 9, entretanto, declararam possuir uma gastronomia artesanal e, por conta disso, dependem muito do funcionário que trabalha nas unidades para garantir o padrão. Para essas redes, a busca pela padronização é congruente, quase que exclusivamente, com os esforços de treinamento.

O treinamento é um processo vinculado à atividade de exploitation e é algo essencial para todas as cadeias entrevistadas, que foram unânimes em declarar que possuem treinamentos frequentes. Desde equipes responsáveis pela disseminação do conhecimento até o projeto de desenvolvimento de uma plataforma on-line de e-learning, as redes mantêm diversos processos e documentos visando ao aprendizado organizacional.

A rede 4 estava engajada em um grandioso projeto de treinamento em que todos os gerentes de loja estavam sendo capacitados como chefs de culinária. A transmissão do conhecimento ocorre na escola de culinária volante da rede. Mais do que premeditada, essa aprendizagem organizacional é muito bem planejada e contou com o investimento de quase 1 milhão de reais da rede.

A existência de lojas específicas para treinamento, ou seja, uma estrutura destinada à atividade de exploitation foi relevante para as redes tanto de franquias quanto híbridas. Apenas uma dessas redes não mencionou possuir uma loja-escola para treinamento. Essa estrutura da loja-escola é sempre realizada em uma loja própria da companhia e ajuda a disseminar o padrão, servindo como forma de controle da franqueadora sobre as franquias. A loja-escola garante que o mesmo padrão seja difundido dentre os novos funcionários, pois todos serão treinados nos mesmos moldes.

Em contrapartida, todas as redes de lojas exclusivamente próprias treinam seus funcionários na própria loja para qual ele foi contratado, pareado com outro funcionário que desempenhe a mesma função ou similar. Os dados parecem confirmar o proposto por Bradach (1997), como as redes de lojas próprias são mais propensas à homogeneidade dos processos por conta de sua estrutura hierárquica, é natural que tais redes valorizem menos as rotinas referentes ao treinamento dos funcionários. Dessa forma, investem menos recursos físicos e financeiros para a capacitação dos funcionários e, portanto, não possuem um local específico para o treinamento de funcionários tal como uma loja escola. Vale ressaltar que a existência de uma loja-escola promove a ambidestria estrutural, já que é uma repartição destinada à atividade de exploitation (BRADACH, 1997).

Muitas redes, para não dependerem apenas dos esforços de treinamento, investem na padronização do produto recebido. Assim, as redes 1 e 7 possuem cozinhas centrais onde os produtos-chave são feitos. As redes de restaurante 4, 5 e 7 possuem um distribuidor central de insumos, o que garante que os produtos recebidos pelas lojas serão iguais. A rede 2 firmou parcerias com os fornecedores e estes desenvolvem e fornecem produtos especialmente para atender a rede. Outro esforço para padronizar citado nas entrevistas com os gestores das redes 2, 6 e 7 foi a implantação de equipamentos que facilitem a produção na ponta final. Sobre esse assunto o presidente da rede 2 disse:

vertical

Eu tinha que ter um funcionário só cuidando de pão e o pão nunca saía bom, nunca! A gente descobriu um equipamento, que é uma tostadeira vertical, que ela doura o pão, perfeito, no padrão que você quiser, em 10 segundos. (Presidente da rede 2)

A padronização é extremamente valorizada pelas redes. A capacidade de padronizar os processos e, consequentemente, o resultado final é critério para escolha da forma de crescimento e da velocidade da expansão. O trecho da entrevista com a proprietária da rede de restaurante 8 evidencia esse ponto:

É um pouco da cultura da empresa. A gente entende que é um ótimo negócio, mas a gente gosta de fazer a massa na mão, a gente não usa nada pronto, a gente faz o molho de tomate só com tomate, coisas assim em fast food, em franquia não funcionam. [...] Imagina uma franquia de uma coisa super artesanal, com um monte de pratos, a chance de você chegar lá e não estar bom é grande. (Diretora de marketing e proprietária da rede 8)

Outro ponto evidenciado nessa passagem é que também na visão dos gestores das redes a facilidade em padronizar está atrelada à forma de expansão.

Alguns traços de ambidestria contextual foram notados nas entrevistas. Equipes responsáveis tanto pela criação como pela disseminação, como mencionado anteriormente, foram os casos mais comuns. Em geral os gestores das redes se dividem entre as duas atividades de forma mais fluida. Como proposto pela literatura, a ambidestria contextual é facilitada por altos graus de conhecimento e experiência do funcionário que a exerce (GUTTEL; KONLECHNER; TREDE, 2015). Assim, é esperado encontrar essa forma de ambidestria com maior frequência na alta gerência das redes. A ambidestria contextual, entretanto, apareceu com um traço em quase todas as redes somente na equipe da cúpula, inclusive com estímulo para que isso ocorra.

Vejo uma ideia e já quero implementar e hoje em dia a gente é uma rede, com cento e tantas lojas, um grupo com 700 unidades, então não é tão rápido e tão fácil assim você inovar e fazer coisas diferentes. Acaba impactando em muitas unidades em locais diferentes, com culturas diferentes, times diferentes, desafios diferentes. A inovação ainda parte muito numa direção dos sócios, o time mais tático da execução do dia a dia, é um time mais de produção. O que eu fomento muito é muita criatividade nas decisões, nas soluções, realmente pensar fora da caixa. (Sócio fundador da rede 4)

A rede de restaurantes 1, entretanto, declarou estimular a ambidestria contextual em todos os níveis gerenciais: rede, unidade e indivíduo. Confirmando o proposto na literatura, para estimular a ambidestria contextual, é necessário promover e incentivar a autonomia do funcionário (GIBSON; BIRKINSHAW, 2004; GUTTEL; KONLECHNER; TREDE, 2015).

Para começar, assim, a gente tem uma máxima que a gente fala, está até entre os nossos valores, que é: uma boa ideia não respeita hierarquia. Então a gente incentiva muito que os funcionários tenham estímulo para pensar fora da caixa no dia a dia e pensar coisas novas. Não só os funcionários como os franqueados. Aí às vezes parece uma contradição: uma rede de franquia, que quer ter tudo padronizado, estimular que as pessoas pensem coisas diferentes. Mas na verdade é uma forma que você tem de ter um sistema todo pensando em coisas novas. (Diretor geral da rede 1)

No aspecto estratégico da rede fica claro que o know-how das redes próprias é centralizado, o caminho pelo qual essas redes traçam suas estratégias é por meio da direção e supervisão. Nas redes de franquias, a expertise está mais diluída e o franqueado é considerado uma fonte de informações para formulação das estratégias. Esse aspecto é decisivo para a existência de traços de ambidestria contextual. Arranjos que envolvem, além a cúpula da rede os franqueados, possuem ambidestria contextual em diversos níveis gerenciais. O franqueado é uma espécie de colaborador da rede que tem autonomia e expertise. Essa combinação permite que os franqueados tenham posturas de que favorecem a ambidestria contextual, conforme relatado por Bradach (1997). No caso da rede 4, por exemplo, cuja empresa conta com um conselho de franqueados para discutir as questões junto à direção, isso fica evidente. As outras redes de franquias também valorizam a expertise e a autonomia dos franqueado, como expresso na fala do gestor da rede 5:

A gente inclusive lançou em junho mais ou menos [...] 7 novos aperitivos e alguns daqueles ali foram solicitados pelos franqueados. Outra coisa que a gente fez, no inverno, lançou sopas no pão italiano, também foram solicitadas pelos franqueados. Essas solicitações a gente atende na medida, obviamente, do possível. (Sócio fundador da rede 5)

Nota-se, porém, que as cadeias de alimentação híbridas se beneficiam de seu formato organizacional nesse aspecto tanto quanto as redes de franquias. A seguir, em destaque, a fala do presidente da rede de restaurante 2 deixa claro que os franqueados são peças importantes na formulação das estratégias.

Já houve casos, por exemplo, onde a gente implementou uma coisa em todas as lojas da rede, passado um tempo a gente percebeu que não teve o efeito que a gente gostaria, com o feedback dos franqueados e a gente reavaliou. Assim como já teve situações onde o franqueado solicitou, a gente liberou, não deu o resultado que o franqueado alegou que dava e a gente cancelou. (Presidente da rede 2)

O Quadro 4 mostra as principais categorias de análise das capacidades de exploitation e exploration e resume os achados da pesquisa em cada uma delas.

Quadro 4:
Categorias analíticas de exploitation e exploration e os principais achados

Fonte: Elaborado pelos autores (2017).

Como evidenciado no Quadro 4, a forma de expansão exerce influência nas capacidades de exploitation e exploration e, consequentemente, na estratégia ambidestra das redes de restaurantes. A forma de ambidestria de cada rede e suas evidências encontradas durante a pesquisa é apresentada no Quadro 5.

Quadro 5:
Ambidestria estrutural e ambidestria contextual nas redes

Fonte: Elaborado pelos autores (2017).

Todas as redes pesquisadas possuem a ambidestria contextual na cúpula, como visto no Quadro resumo. Já a ambidestria contextual disseminada é mais difícil de ser seguida e foi encontrada em diferentes graus de aplicação. As redes híbridas e de franquias apresentaram traços de ambidestria contextual nos cargos mais estratégicos, seja no nível da rede ou no nível da unidade. São os casos de gestores da rede e de franqueados ou gestores das unidades. Em uma única rede identificaram-se aspectos que promovem a autonomia dos funcionários das unidades que não ocupam cargos gerenciais (Quadro 5).

Assim, foi possível registrar dois níveis de ambidestria estrutural em redes de restaurantes: a natural e a deliberada. De forma análoga, foram encontrados dois níveis de engajamento das redes com a estratégia ambidestra na forma contextual (Figura 1). O primeiro deles esteve presente em todas as entrevistas em algum grau e diz respeito à ambidestria contextual na cúpula gerencial das redes. Isto é, gestores vinculados às redes costumam se ocupar das duas atividades (exploration e exploitation) e serem responsáveis pelo gerenciamento de quando e como se engajar em cada uma delas. A segunda forma de ambidestria contextual é encontrada, além de no nível gerencial da rede, na unidade. Gestores das redes que promovem a autonomia dos funcionários da rede e das unidades para decidirem quando ter atitudes inovadoras e quando se dedicar ao exploitation.


Figura 1:
Níveis de ambidestria encontrados
Fonte: Elaborado pelos autores (2017).

Esses achados indicam que as redes de restaurantes possuem estratégias para enfrentar o dilema padronização versus inovação, as quais podem ser categorizadas de acordo com o esquema proposto na Figura 1. As formas de incentivar a ambidestria nas cadeias empresariais analisadas se enquadram no proposto pela literatura em relação ao formato, seja estrutural ou contextual. Mais ainda, dentro de cada uma dessas abordagens da ambidestria, pode-se reconhecer níveis distintos de engajamento da empresa com a estratégia ambidestra.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo traz contribuições para o debate teórico acadêmico e para o gerenciamento estratégico de redes de restaurantes. A primeira a ser destacada é tratar a estratégia ambidestra dentro das empresas que se organizam em cadeias. Além disso, trazer à cena acadêmica o debate teórico a respeito das diferentes formas de ambidestria nesse contexto de múltiplas unidades.

Buscando contribuir para o equilíbrio na gestão das capacidades de exploration e exploitation em redes de restaurantes, a pesquisa identificou dois diferentes níveis da estratégia ambidestra estrutural nessas empresas: a natural e a deliberada. A natural é resultado do caráter múltiplo das empresas que se organizam em rede. Já a deliberada exige intenção de designar certos grupos de trabalho ou estruturas para determinada atividade, seja ela exploitation ou exploration. Esse achado tem implicações gerenciais: empresas com múltiplas unidades podem perseguir a estratégia ambidestra na forma estrutural promovendo e incentivando a formação de estruturas, equipes de trabalho e departamentos que se ocupem de cada um dos lados do dilema inovação versus padronização.

Outro resultado deste estudo foi a constatação de diferentes intensidades de engajamento das redes com a estratégia ambidestra na forma contextual. Este tipo de estratégia foi identificado na rotina dos gestores das cúpulas gerenciais das redes pesquisadas, configurando a ambidestria contextual de cúpula. Nas redes de restaurantes que possuíam franqueados, além da presença na cúpula, esta estratégia foi verificada de forma disseminada. Os franqueados são indivíduos com alto grau de conhecimento do negócio e alto grau de autonomia, o que permite a estratégia de ambidestria contextual disseminada para o nível das unidades. Em apenas um caso foi verificado a existência de rotinas para promover a estratégia de ambidestria contextual disseminada no nível do indivíduo. Ou seja, promover a autonomia dos funcionários das unidades para que possam decidir quando exercer a capacidade de exploitation e de exploration. Assim, redes de restaurantes que optam pela estratégia ambidestra na forma contextual podem explorar as diferentes intensidades dessa escolha, utilizando, por exemplo, a forma de expansão como um direcionador dessa estratégia. Possuir unidades franqueadas dissemina a ambidestria contextual no nível da unidade. Já a escolha pela ambidestria contextual no nível individual dos funcionários das lojas possui maiores desafios gerenciais. É preciso criar um contexto organizacional favorável, conceder conhecimento e autonomia para o funcionário que irá alternar entre atividades que precisam de cada uma das capacidades de exploration e exploitation.

Pesquisas futuras que enderecem a estratégia ambidestra em cadeias empresariais são necessárias. Recomenda-se o estudo das capacidades de exploration e exploitation do ponto de vista das unidades de rede. Além disso, diante dos achados desta pesquisa, estudos que investiguem os diferentes níveis de cada uma das formas da estratégia ambidestra são propostos.

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