CAPACIDADES DINÂMICAS NA INOVAÇÃO DOS MODELOS DE NEGÓCIO DE STARTUPS
DYNAMIC CAPACITIES IN THE INNOVATION OF STARTUP BUSINESS MODELS
CAPACIDADES DINÁMICAS EN LA INNOVACIÓN DE LOS MODELOS DE NEGOCIO DE STARTUPS
CAPACIDADES DINÂMICAS NA INOVAÇÃO DOS MODELOS DE NEGÓCIO DE STARTUPS
Revista Alcance, vol. 26, núm. 2, pp. 148-167, 2019
Universidade do Vale do Itajaí
Recepção: 22/11/2017
Aprovação: 01/04/2019
Resumo: Este artigo busca investigar e descrever como as startups residentes no CUBO, um espaço de coworking localizado na cidade de São Paulo, desenvolvem suas capacidades dinâmicas e como essas capacidades contribuem para a inovação em seus modelos de negócio. Para o cumprimento do objetivo proposto, adotam-se a abordagem qualitativa, o método de múltiplos casos e o caráter exploratório-descritivo, além da entrevista semiestruturada como estratégia para coleta de dados e do método de análise de conteúdo para leitura dos dados. A partir dos quatro casos investigados, observou-se que, no geral, o desenvolvimento das capacidades dinâmicas operacionalizou-se por meio da capacidade da empresa de perceber e, em seguida, aproveitar as oportunidades e gerenciar ameaças, combinando e recombinando ativos. Além disso, observou-se também que o próprio processo de inovação em modelos de negócio comportou-se como uma capacidade dinâmica, contribuindo para a formação e a criação de processos, rotinas e comportamentos organizacionais para a inovação e desenvolvimento do negócio de forma sistemática e proposital. Conclui-se, portanto, que as capacidades dinâmicas podem ser propulsoras da inovação em modelos de negócio, especialmente em ambientes caracterizados pela alta dinâmica competitiva e tecnológica.
Palavras-chave: Capacidades Dinâmicas, Modelos de Negócio, Startups.
Abstract: This article aims to investigate and describe how startup businesses located in the CUBO - a co-working space located in the city of São Paulo - develop dynamic capabilities, and how these capabilities contribute to innovation in their business models. In order to fulfil the proposed objective, this exploratory-descriptive research adopted the qualitative approach with the multiple case method, as well as semi-structured interviews as a strategy for the data collection. The data were analyzed using content analysis. Based on the four cases investigated, it was found that in general, the development of dynamic capacities was operationalized through the company's ability to perceive and then seize opportunities and manage threats, combining and recombining assets. It was also found that process of innovation business models itself acts as a dynamic capacity, contributing to the formation and creation of processes, routines and organizational behaviors for the innovation and development of the business in a systematic and purposeful way. It is concluded, therefore, that dynamic capacities can stimulate innovation in business models, especially in highly competitive, technological environments.
Keywords: Dynamic Capabilities, Business Model, Startups.
Resumen: Este artículo busca investigar y describir cómo las startups residentes en el CUBO, un espacio de coworking ubicado en la ciudad de São Paulo, desarrollan sus capacidades dinámicas y cómo esas capacidades contribuyen a la innovación en sus modelos de negocio. Para el cumplimiento del objetivo propuesto se adopta el abordaje cualitativo, el método de múltiples casos y el carácter exploratorio-descriptivo, además de la entrevista semiestructurada como estrategia para recolección de datos y del método de análisis de contenido para lectura de los datos. A partir de los cuatro casos investigados se observó que, en general, el desarrollo de las capacidades dinámicas se operó a través de la capacidad de la empresa de percibir y luego aprovechar las oportunidades y gestionar amenazas, combinando y recombinando activos. Además, se observó también que el propio proceso de innovación en modelos de negocio se comportó como una capacidad dinámica, contribuyendo a la formación y creación de procesos, rutinas y comportamientos organizacionales para la innovación y el desarrollo del negocio como un todo, forma sistemática y deliberada. Se concluye, por lo tanto, que las capacidades dinámicas pueden ser propulsoras de la innovación en modelos de negocio, especialmente en ambientes caracterizados por la alta dinámica competitiva y tecnológica.
Palabras clave: Capacidades Dinámicas, Modelos de negocio, Startups.
1 INTRODUÇÃO
As startups são novos negócios com alto potencial inovador e crescimento exponencial, as quais se encontram em busca de um modelo de negócio repetível e escalável e em processo de estruturação empresarial (Blank, 2013; Blank & Dorf, 2014; Meyer, 2012). Segundo o banco de dados da Associação Brasileira de Startups (ABS), são cerca de 4.200 startups cadastradas (Startupbase, 2017), que movimentam aproximadamente R$784 milhões por ano (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo [SEBRAESP], 2015).
Apesar de existentes diversos casos de sucesso, a grande maioria desses negócios, no entanto, fracassa e encerra as suas atividades de maneira precoce (Blank, 2013; Feinleib, 2012; Giardino, Unterkalmsteiner, Paternoster, Gorscheck, & Abrahamsson, 2014). No Brasil, em específico, aproximadamente 25% das startups encerram suas atividades com menos de 1(um) ano de vida, chegando a 50% em startups com até 4 anos de vida (Nogueira & Arruda, 2014).
Isso, em parte, ocorre devido ao risco de inovação adquirido desde a concepção inicial dos negócios, das condições de extrema incerteza e da rápida evolução em que estão submetidos, o que pode desenvolver desafios inexplorados aos “startuppers” (Blank, 2013; Giardino et al., 2014, Ries, 2012) e exigir dos mesmos que executem transformações rápidas em seus modelos de negócio como forma de responder a essas pressões e tensões causadas. Contudo, para que essas transformações rápidas aconteçam de maneira eficiente durante o processo de construção do negócio, uma startup precisa desenvolver capacidades individuais e organizacionais de aprendizado e resiliência a partir de experiências malsucedidas que venham a acontecer (Sosna, Trevinyo-Rodríguez, & Velamuri, 2010).
Nesse contexto, a teoria das capacidades dinâmicas, proposta originalmente por Teece, Pisano e Shuen (1997), tem contribuído para demonstrar e entender como essas transformações que ocorrem durante a trajetória de uma empresa permitem que esta desenvolva, adapte e renove o seu modelo de negócio, criando valor de forma sustentada em ambientes altamente competitivos e com rápidas mudanças (Achtenhagen, Melin, & Naldi, 2013; Ghezzi, Cavallaro, Rangone, & Balocco, 2015; Mezger, 2014).
Entretanto, apesar desse entendimento, são ainda poucos os estudos empíricos que buscam compreender como as empresas podem ser inovadoras e sustentar essa inovação com seus modelos de negócio num ambiente extremamente competitivo, globalizado e dinâmico (Ambrosini & Bowman, 2009; Anwar, 2018; Teece, 2018; Wirtz, Pistoia, Ullrich, & Gottel, 2016). E, ainda nesse aspecto, compreender também qual o papel das capacidades dinâmicas como impulsionador interno da inovação nos modelos de negócio (Foss & Saebi, 2018).
Estudos de caso sob a perspectiva da estratégia-prática e que envolvam empresas inseridas em ambientes dinâmicos podem, desta forma, fornecer informações de como e por que as capacidades dinâmicas podem estar ligadas a resultados estratégicos e à inovação. Isso, por sua vez, pode ajudar a esclarecer como essas capacidades podem diferir entre as empresas e, consequentemente, auxiliar na construção de uma base para o desenvolvimento de prescrições gerenciais (Ambrosini & Bowman, 2009), dado que evidências recentes têm sugerido que fortes capacidades dinâmicas podem contribuir e habilitar a criação e a implementação de modelos de negócios eficazes (Teece, 2018; Teece et al., 2016;).
Diante dos aspectos descritos, a partir do pressuposto que modelos de negócio, capacidades dinâmicas e estratégia são elementos interdependentes e que estudos que contribuam para uma melhor compreensão da inovação, implementação e mudanças em modelos de negócio podem ajudar no entendimento de aspectos das próprias capacidades dinâmicas em si (Teece, 2018), pergunta-se: como as startups desenvolvem as suas capacidades dinâmicas e como essas capacidades contribuem para a inovação em seus modelos de negócio?
Para atender a essa questão, este artigo busca investigar e descrever como as startups desenvolvem as suas capacidades dinâmicas e como essas capacidades contribuem para a inovação em seus modelos de negócio. Para o cumprimento do objetivo, adota-se o CUBO, um espaço de coworking localizado na cidade de São Paulo como contexto de pesquisa, a partir do método de múltiplos casos, da abordagem qualitativa e do caráter exploratório-descritivo como delineamento de pesquisa. Como estratégias de coleta e leitura dos dados utilizam-se a entrevista semiestruturada e o método de análise de conteúdo proposto por Bardin (2011), respectivamente.
Espera-se com os resultados desta investigação contribuir para o avanço dos estudos empíricos que demonstram como as startups desenvolvem e utilizam as suas capacidades dinâmicas para inovar em seus modelos de negócio. Isso, em última análise, poderá colaborar para a formação de uma base de prescrições gerenciais que contribuam para o desenvolvimento e para a manutenção de vantagens competitivas em ambientes dinâmicos. Além disso, ao utilizar as startups como objetos de análise e o CUBO como contexto de pesquisa, esta investigação acaba por contribuir para a originalidade do tema pesquisado.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 CAPACIDADES DINÂMICAS
Desenvolvida em meados da década de 1990, a teoria das capacidades dinâmicas é uma abordagem relativamente recente no meio acadêmico (Guerra, Tondolo, & Camargo, 2016). Originalmente proposta por Teece, Pisano e Shuen, a definição do conceito encontrada na literatura, contudo, não é universal (Ambrosini & Bowman, 2009; Moreira & Moraes, 2016; Teece, 2014), diferenciando-se principalmente entre dois aspectos: os elementos que a compõem e os mecanismos pelos quais uma empresa as desenvolve (Ambrosini & Bowman, 2009).
Na definição inicial proposta por Teece, Pisano e Shuen (1997), o termo foi descrito como a habilidade das empresas inseridas em ambientes de rápida mudança tecnológica em integrar, construir e reconfigurar competências funcionais, habilidades e recursos organizacionais externos e internos, na tentativa de alcançar novas formas de vantagem competitiva. Essa definição inicial é marcada por uma perspectiva fortemente multidisciplinar e que vai além dos limites tradicionais da área de estratégia, incluindo perspectivas de áreas variadas como inovação e aprendizagem organizacional (Easterby-Smith & Prietro, 2008; Teece, 2014).
Desde então, em termos práticos e teóricos, os estudos sobre capacidades dinâmicas têm ganhado relevância no contexto gerencial, sobretudo em mercados e ambientes altamente dinâmicos e incertos, nos quais a mudança tecnológica rápida e sistêmica exige que a manutenção da vantagem competitiva supere não apenas o desenvolvimento de estratégias e competências internas, tal como proposto pelos autores seminais no campo da Teoria Baseada em Recursos (Moreira & Moraes, 2016; Teece, 2007; Teece et al.,1997; Teece et al., 2016). Em vez disso, sugere que, para criar valor em ambientes de alta dinâmica tecnológica e incerteza, uma empresa depende da capacidade de identificar novas oportunidades e se organizar para conquistá-las (Teece et al., 1997; Teece et al., 2016).
Isso demonstra que as capacidades dinâmicas resultam da combinação e da reconfiguração dos processos de gestão desenvolvidos ao longo do tempo, por meio de uma rotina de aprendizagem, que é consequência da trajetória organizacional de uma empresa e que permite perceber as mudanças ambientais, a fim de adaptar suas atividades de acordo com as necessidades percebidas (Eisenhardt & Martim, 2000; Maritan & Peteraf, 2007; Teece et al., 1997; Zollo & Winter, 2002). As capacidades dinâmicas estão, portanto, relacionadas com as mudanças intencionais nos processos associados à percepção, às tomadas de decisão e à gestão das mudanças (Maritan & Peteraf, 2007).
Assim, apesar de a ênfase inicial direcionar-se para o entendimento das capacidades dinâmicas como uma habilidade organizacional (Teece et al., 1997), a evolução do tema estimulou que outros autores descrevem-nas ora como uma rotina organizacional (Einsehardt & Martin, 2000), ora como uma orientação comportamental da empresa (Wang & Ahmed, 2007) ou ainda um conjunto de processos (Ambrosini & Bowman, 2009), que é fortemente dependente do conhecimento e da aprendizagem da organização (Easterby-Smith & Prietro, 2008). Contudo, ainda que diferentes em alguns aspectos conceituais, em sua essência, a teoria das capacidades dinâmicas busca desenvolver um modelo lógico e de natureza evolucionária que explique como as organizações desenvolvem vantagens competitivas e as sustentam durante determinado intervalo de tempo (Barcelos, 2017).
Para explicar essa lógica, Teece (2007) destaca que existem três fatores de sustentação das capacidades dinâmicas: capacidade de sentir o contexto do ambiente ou da detecção (i); capacidade de aproveitar oportunidades ou apreensão (ii); e capacidade de gerenciar ameaças e transformações ou reconfiguração (iii). Também conhecidos como microfundamentos das capacidades dinâmicas (Teece, 2007), esses fatores são então capazes de explicar a lógica de como as empresas mudam, mantêm e desenvolvem vantagem competitiva, bem como capturam valor sistematicamente (Ambrosini & Bowman, 2009).
Logo o conceito de capacidades dinâmicas tem como essência os processos organizacionais da firma (jeito da empresa de fazer as coisas, ou seja, as rotinas e os padrões de práticas e aprendizados da organização), os quais são por sua vez formados pelas posições (recursos e ativos disponíveis) e moldados pela própria evolução da história da firma (caminhos já percorridos pela empresa, considerando as ameaças e as oportunidades identificadas) (Teece et al., 1997). Isso sugere, por fim, que as capacidades dinâmicas sejam mais eficazes na identificação das mudanças ambientais por analisar as firmas sob a perspectiva de suas rotinas e processos em busca de uma estratégia de criação e manutenção de valor, ultrapassando, deste modo, a condição da análise estática dos recursos internos (Moreira & Moraes, 2016; Teece, 2007; 2014; Teece et al.,1997; Teece et al., 2016).
2.2 MODELO DE NEGÓCIO
Segundo Magretta (2002), embora na atualidade a validade de um modelo de negócio tenha sido colocada em questão, devido aos prejuízos financeiros advindos de investimentos em modelos de negócio falhos, essa falha não necessariamente reside na definição do termo em si, mas na sua distorção e no uso indevido. Por isso, ainda segundo a autora, um bom modelo de negócio permanece essencial para que uma empresa seja bem-sucedida, tornando-se necessária a eliminação da imprecisão associada ao termo.
Para Betz (2002), um modelo de negócio pode ser resumidamente entendido como uma abstração do próprio negócio, devendo identificar como este opera para levantar dinheiro de forma lucrativa. Magretta (2002) avança ao afirmar que o conceito do modelo de negócio é mais amplo e deve contar ou ilustrar a história de como uma empresa opera e responde a questões essenciais como: quem é o cliente? Como o cliente avalia o negócio? Como a empresa ganha dinheiro com o negócio? Como a organização entrega valor ao cliente a um custo apropriado?
Similar a Magretta (2002), para Chesbrough e Rosenbloom (2002), o conceito de modelo de negócio relaciona-se também a articular uma série de funções, atividades e operações. Isso, em outras palavras, descreve uma arquitetura ou conjunto de elementos que representa como uma empresa cria, entrega e captura valor, bem como os fluxos de custos, receitas e lucros que o compõem (Osterwalder & Pigneur, 2010; Teece, 2010; 2018; Wirtz et al., 2016).
Devido a esse entendimento e natureza, o modelo de negócio passou a ser utilizado como uma ferramenta capaz de, ao longo do tempo, identificar necessidades, satisfazer e entregar valor aos clientes (Blank, 2013; Demil & Lecocq, 2010; Magretta, 2002; Osterwalder & Pigneur, 2010; Teece, 2010). Foi a partir dessa percepção, portanto, que se tornou comum a necessidade de ajustar e revisar constantemente esses modelos, a fim de descartar e substituir rapidamente ideias e modelos de negócio que não são lucrativos e que não atendam às necessidades dos clientes (Blank & Dorf, 2014; Ries, 2012; Teece, 2018).
Neste aspecto, dentre as formas de representação dos modelos de negócio atuais, o Business Model Canvas (BMC), descrito por Osterwalder e Pigneur (2010), tem se tornado popular entre os empreendedores, uma vez que ilustra de maneira visual o conceito e os ajuda a entender como construir um negócio (Blank, 2013). Ele contém 9 blocos estruturados do conhecimento que representam o seu conteúdo (“o quê”) acerca do processo de modelar e remodelar negócios (Keane, Cormican, & Sheahan, 2018). Em sua essência, esses 9 blocos que compõem o BMC sintetizam quatro aspectos de um modelo de negócio: produto (1); interface do cliente (2); gestão de infraestrutura (3); e aspectos financeiros (4) (Figura 1).
2.3 INOVAÇÃO EM MODELOS DE NEGÓCIO E CAPACIDADES DINÂMICAS
O conceito de modelo de negócio pode ser utilizado sob duas diferentes perspectivas: a primeira relacionada a uma abordagem mais estática, a qual é utilizada como um modelo para a coerência entre os diferentes componentes do negócio; e a segunda relacionada a uma abordagem mais transformacional, associando o conceito a uma ferramenta para promover a mudança e a inovação na empresa, ou ainda no próprio modelo (Demil & Lecocq, 2010).
Sob a ótica da segunda perspectiva descrita por Demil e Lecocq (2010), a inovação no modelo de negócio representa uma mudança transformacional voluntária, ou ainda um processo de ajuste, no qual as empresas desafiam a arquitetura de negócios existente para criar novas ofertas de valor, implementar novas estruturas de cadeia de valor, ou reconfigurar recursos e capacidades (Demil & Lecocq, 2010; Ostewalder, 2004). Isso pode acontecer devido à entrega de um novo produto desenvolvido para uma necessidade não satisfeita, ou devido a uma inovação de processo, ou seja, uma maneira melhor de se fazer, vender ou distribuir um produto ou serviço (Magretta, 2002; Osterwalder, 2004).
Logo, as inovações em modelos de negócio podem tanto acontecer em partes do modelo (Chesbrough & Rosenbloom, 2002) quanto no todo (Teece, 2010). Contudo, segundo Blank (2013), apenas melhorar os modelos de negócio existentes já não é o suficiente para garantir o sucesso em tempos dinâmicos. Para lidar com ameaças externas cada vez maiores, é preciso também inovar continuamente, criando e substituindo os modelos existentes por outros fundamentalmente diferentes, o que pode exigir estruturas e competências organizacionais inteiramente novas (Blank, 2013; Khanagha, Volberda, & Oshri, 2014; Teece et al., 2016). Apesar de reconhecida a necessidade dessas mudanças pela literatura de modelos de negócio, uma questão ainda mal compreendida, entretanto, refere-se a como essas empresas podem mudar, desenvolver, adaptar e inovar em seus modelos de negócio para criar, entregar e capturar valor de forma sustentada (Achtenhagen et al., 2013; Teece, 2010; Teece, 2018).
É sobre essa questão então que a abordagem das capacidades dinâmicas tem ganhado relevância acadêmica (Teece, 2007; Teece, 2010; Teece et al., 2016). Isso porque, além de apresentar interdependência com os processos de desenvolvimento dos modelos de negócio e das estratégias organizacionais (Foss & Saebi, 2018; Ritter & Lettl, 2018; Teece, 2018), a abordagem também busca analisar as fontes e os métodos de criação e a apropriação de valor pelas empresas que operam em ambientes em que a mudança tecnológica é rápida e sistêmica (Teece et al., 1997).
Neste aspecto, para Teece (2007), a capacidade da administração de desenvolver e refinar modelos de negócio é, em última análise, um próprio microfinanciamento central das capacidades dinâmicas. Essa perspectiva é compartilhada por Najmaei (2011), ao afirmar que inovar um modelo de negócio configura-se como uma atividade estratégica processual sistemática e diretamente dependente da capacidade da empresa em classificar, avaliar, aperfeiçoar e reorganizar seus diversos recursos e capacidades.
Mezger (2014), no entanto, discorre que a inovação em modelos de negócio, por meio de rotinas e processos organizacionais, pode até mesmo ser conceituada como uma capacidade dinâmica em si, e não um microfundamento, a qual é orientada para identificar, projetar e implementar novos modelos de negócio. Mais recentemente, Teece (2018) descreve ainda que as capacidades dinâmicas são um elemento que habilita a criação e a implementação de modelos de negócio eficazes, sendo as capacidades as determinantes da velocidade, do grau e do custo associado de alinhar ou realinhar os recursos da empresa, incluindo o próprio modelo de negócio com as necessidades do cliente.
A partir das discussões propostas, compreende-se, desta forma, que o processo de inovação em modelos de negócio, especialmente no atual contexto de globalização e dos mercados dinâmicos, configura-se como um driver essencial para o desempenho superior e para a sobrevivência de uma empresa (Anwar, 2018) e que, no geral, compõe-se de um processo de aprendizagem e ajuste (Teece, 2010) no qual as capacidades dinâmicas são alinhadas para aquele novo contexto (Ghezzi et al., 2015). A perspectiva das capacidades dinâmicas, portanto, sugere que, para se manter competitiva, as empresas necessitam se adaptar e renovar seus modelos de negócio continuamente, sentindo, apreendendo e transformando (Teece, 2007; 2018). E neste aspecto, a resposta a uma falha pode então ser crítica para que o processo inovação subsequentemente desenvolva-se, uma vez que a capacidade de aprender com as experiências erradas e a resiliência para continuar experimentando são capacidades individuais e organizacionais fundamentais para a evolução do negócio (Sosna et al., 2010).
3 METODOLOGIA
3.1 CONTEXTO E SUJEITOS DE PESQUISA
Este artigo busca investigar e descrever como as startups desenvolvem as suas capacidades dinâmicas e como essas capacidades contribuem para a inovação em seus modelos de negócio. Para isso, utiliza o CUBO como contexto de pesquisa. O CUBO é um espaço de coworking criado em setembro do ano de 2015 e localizado na cidade de São Paulo. Além do tradicional espaço de trabalho compartilhado, ele oferece apoio de mentores especializados, plataformas de eventos com diversas atividades (workshops, palestras, hackathons, etc.) e oportunidade de estar em contato com uma rede global de conexões entre os diversos agentes do ecossistema empreendedor. Isso possibilita que conexões com outros empreendedores e intercâmbios de conhecimento inesperados e aleatórios, conhecidos como serendipities (Moriset, 2013; Fuzi, Clifton, & Loudon, 2014), sejam estimulados.
Até a data desta pesquisa o espaço possuía 56 startups residentes que, para integrá-lo, atenderam a requisitos de seleção, como maturidade, tração do negócio, histórico de conquistas, faturamento e potencial de escala. A escolha desse espaço como contexto de pesquisa justifica-se, pois, além de um dos pioneiros no oferecimento desse modelo de negócio no Brasil, em seu primeiro ano de funcionamento, suas startups residentes receberam aportes de aproximadamente R$42 milhões em investimentos, destacando o espaço no contexto nacional (Pequenas Empresas Grandes Negócios [PEGN], 2016).
Para compor o conjunto de sujeitos de análise, as 15 startups com mais tempo de residência foram convidadas para participar da pesquisa, via e-mail ou redes sociais (Linkedin® ou Facebook®). Essa lista foi obtida diretamente com a administração do espaço e, por meio dessa estratégia, buscou-se selecionar as startups com mais tempo de residência e, em tese, mais representativas do contexto. Deste total, seis startups concordaram em participar da pesquisa. Portanto, a seleção dos sujeitos que participaram da entrevista foi definida por acessibilidade.
Depois disso, de modo a assegurar a assertividade desta investigação, estabeleceu-se como critério de participação que o respondente da pesquisa detivesse do conhecimento da trajetória da startup, assim como dos processos sistêmicos da empresa, uma vez que o conhecimento desses elementos constituem a essência das capacidades dinâmicas. Em outras palavras, os indivíduos selecionados para a entrevista deveriam representar o universo pesquisado e possuir conhecimento sobre o assunto em análise (Gil, 2008). Por isso, apenas Fundadores, Cofundadores e CEOs foram convidados. O conjunto final de sujeitos desta pesquisa é apresentado na Figura 2.
A partir da Figura 2 percebe-se, entretanto, que apenas quatro das seis startups foram representadas. Isso ocorreu dada a qualidade e saturação das informações obtidas, o que possibilitou a representação de apenas quatro casos investigados sem a perda da qualidade dos resultados.
3.2 DELINEAMENTO DE PESQUISA
Com base nos objetivos de pesquisa propostos, adotou-se a abordagem qualitativa de pesquisa, uma vez que essa se compõe de um conjunto de técnicas interpretativas que buscam entender e interpretar um determinado fenômeno (Cooper & Schindler, 2016). Além disso, cabe ressaltar que o entendimento e a interpretação desse fenômeno aconteceram a partir da compreensão e da perspectiva dos agentes envolvidos neste fenômeno (Godoi & Balsini, 2006), representados pelos entrevistados.
Para operacionalizar a pesquisa, escolheu-se o método de estudo de múltiplos casos, sob a perspectiva de Yin (2010). Segundo o autor, esse método consiste de uma investigação empírica que analisa o fenômeno em profundidade, na qual a existência de múltiplas evidências pode contribuir para a compreensão mais extensiva do fenômeno ou mesmo demonstrar e corroborar a evidência empírica desse fenômeno. Deste modo, além da compreensão de “como” e “por que” o fenômeno ocorre em um determinado ambiente, o estudo de múltiplos casos permite ainda comparar similaridades e contrastes entre os casos estudados (Eisenhardt, 1989; Yin, 2010).
Quanto à natureza, classificou-se como exploratório-descritivo. Exploratório, porque buscou desenvolver uma melhor compreensão sobre um tema em que há pouca teoria ou evidência empírica disponível, e descritivo, porque descreve o fenômeno, de modo a permitir identificar um evento ou atividade (Hair, Anderson, Tatham, & Black, 2005).
3.3 TÉCNICA DE COLETA DE DADOS
A técnica de coleta de dados escolhida foi a entrevista semiestruturada (Cooper & Schindler, 2016), cujo roteiro de questões - composto por 26 questões abertas - baseou-se nas definições constitutivas e operacionais encontradas nos estudos de Teece et al. (1997), Teece (2007), Osterwalder (2004), Osterwalder e Pigneur (2010) e Demil e Lecocq (2010) (Figura 3).
Destaca-se ainda que as 26 questões que compuseram o roteiro foram estruturadas em três blocos principais, de modo a atender os seguintes objetivos: (i) identificar e caracterizar a startup; (ii) identificar as capacidades dinâmicas e como elas são desenvolvidas, a partir dos microfundamentos de detecção, apreensão e reconfiguração; e (iii) identificar e descrever as inovações nos modelos de negócio referente à perspectiva das capacidades dinâmicas. Essa estrutura buscou assegurar que as perguntas propostas por este estudo fossem devidamente cobertas e respondidas pelo roteiro.
3.4 COLETA, TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS
A coleta dos dados aconteceu entre os dias 07 e 14 de junho de 2017, mediante agendamento com as startups. As entrevistas foram realizadas presencialmente no próprio espaço do CUBO. O tempo médio das entrevistas foi de 45 minutos. Os conteúdos foram registrados e armazenados em gravação digital e por anotações manuscritas.
Para análise dos dados, o método utilizado foi o de análise de conteúdo proposto por Bardin (2011). Essa escolha se justifica, pois o método possui um conjunto de técnicas de análise de comunicação que, por meio de procedimentos sistemáticos e objetivos, permite a descrição do conteúdo das mensagens analisadas. Deste modo, a técnica de análise de conteúdo desenvolveu-se ao longo das três etapas sequenciais propostas por Bardin (2011): pré-análise; exploração do material; e inferência e interpretação a partir do tratamento dos resultados.
Assim, o processo de análise do conteúdo iniciou-se por meio da transcrição manual das mensagens obtidas nas seis entrevistas. Posteriormente, na etapa de pré-análise, iniciou-se a leitura flutuante das mensagens textuais transcritas, objetivando verificar o atendimento das mensagens ao escopo dos objetivos de pesquisa dos conteúdos transcritos. A partir dessa leitura é que se observou a saturação das informações e foram eliminados dois dos seis casos entrevistados.
Em relação à exploração do material, consideraram-se os três pontos abordados por Bardin (2011) para a prática dessa etapa: operações de codificação, decomposição ou enumeração. Assim, para a exploração do conteúdo, foi elaborada uma planilha no programa Excel que permitiu a codificação do conteúdo em categorias de análise, desenvolvida com base nos objetivos e nos blocos das questões investigativas. A cada categoria foram associadas palavras e expressões-chave que permitiram a identificação e a separação do conteúdo.
Por fim, para a fase de tratamento, inferências e interpretações dos conteúdos selecionados na planilha de codificação, desenvolveu-se inicialmente a análise individual dos casos. Os processos de identificação de similaridades e discrepâncias foram desenvolvidos após o tratamento dos conteúdos de cada caso.
Para diminuir os vieses de pesquisa, especialmente aqueles relacionados ao entrevistado, o roteiro de pesquisa incluiu perguntas de verificação que estimularam a apresentação de evidências empíricas do fenômeno. Além disso, os resultados foram triangulados com informações disponíveis nos sites e em materiais disponibilizados pela empresa, além da triangulação com as bases conceituais adotadas.
4 ANÁLISE DOS RESULTADOS
4.1 CASO 1: COLABORADORES
A Colaboradores é uma startup do tipo B2B idealizada no final de 2013 e lançada em janeiro de 2015. Ela oferece uma plataforma que simplifica a gestão de parcerias e convênios empresariais. A detecção da proposta de valor deu-se a partir da percepção de uma oportunidade de mercado ainda não atendida e com alto potencial de escalabilidade. A validação da proposta aconteceu após uma pesquisa de mercado com 150 empresas, o que permitiu confirmar a necessidade não atendida. Após a validação, desenvolveu-se um plano de negócios básico, elaborado principalmente para captura de investimentos externos. Atualmente a Colaboradores possui 21 membros na equipe.
4.1.1 Desenvolvimento das capacidades dinâmicas
A rotina de detecção de ameaças e oportunidades é realizada de maneira contínua na Colaboradores. A principal fonte para adquirir informações e monitorar o mercado e os concorrentes é a internet. No entanto, para a tomada de decisão sobre mudanças organizacionais são os dados internos gerados pela própria função de controle da empresa que orientam os processos de melhoria e são utilizados como base para a inovação, o que a empresa denomina de orientação data-driven. É a partir da análise dos dados coletados, portanto, que são geradas informações internas utilizadas para a tomada de decisões estratégicas.
Esses dados são, muitas vezes, coletados nas interações com os clientes e os usuários. Por isso, apesar de possuir uma pessoa responsável pela área de produto, que executa especificamente a função de pesquisa e de desenvolvimento, esta atividade também é desempenhada pelos quatro sócios, visto que estão em constante contato com o mercado. Após a análise dos dados e consequente detecção de oportunidades é que essas oportunidades são avaliadas quanto ao impacto, ao esforço, à projeção de resultados e à disponibilidade de recursos para, então, serem apreendidas.
Assim, uma oportunidade, para ser aproveitada, precisa estar alinhada ao apetite de crescimento e aos objetivos da Colaboradores. Caso não esteja alinhada aos objetivos estratégicos da empresa, uma oportunidade pode não ser desenvolvida no momento após a sua detecção. A transformação e a reconfiguração dos ativos e das atividades são realizadas de maneira ágil e, caso necessário, recursos externos como profissionais especializados e capital anjo podem ser incorporados.
Por fim, todas as decisões estratégicas que podem alterar o modelo de negócio são tomadas pelos sócios fundadores, com posterior envolvimento da equipe. Para que a apreensão e a reconfiguração aconteçam, portanto, é preciso que a empresa compreenda e avalie inicialmente como as inovações trarão vantagem competitiva para a empresa.
4.1.2 Capacidades dinâmicas e inovação no modelo de negócio
A proposta de valor atual da Colaboradores foi resultado de um processo de detecção de uma oportunidade de mercado não atendida, que promoveu a alteração da proposta de valor inicial da empresa. Essa mudança aumentou o número de clientes potenciais, as fontes de receita, os parceiros-chave e as formas de relacionamento com os clientes, exigindo reconfigurações nessas áreas do modelo. Isso condiz com o princípio da empresa inovadora de Teece (2018), que pode iniciar-se a partir da detecção da existência de clientes com necessidades não atendidas e que estão dispostos e capazes de pagar por um produto ou serviço que possa corrigir sua situação de maneira lucrativa.
Observa-se, ainda, que o processo de detecção de uma oportunidade, por meio de pesquisas de campo e interação contínua com usuários e clientes, foi de fundamental importância para a inovação de partes do modelo de negócio (Blank, 2013; Ries, 2012; Teece, 2014) e que, no geral, compõe-se de um processo de aprendizagem e ajuste (Teece, 2010).
Desta forma, a inovação no modelo de negócio representou uma mudança transformacional voluntária baseada no processo de ajuste inicial da proposta de valor, que exigiu a reconfiguração dos recursos e das capacidades iniciais (Demil & Lococq, 2010; Osterwalder, 2004) em determinas áreas do modelo (Teece, 2010). Além disso, percebe-se que o processo de inovação em modelos de negócio desempenhado configurou-se como um driver essencial para o desempenho superior e a sobrevivência de uma empresa (Anwar, 2018).
É possível concluir, portanto, que neste caso as capacidades dinâmicas foram fundamentais para a promoção da inovação no modelo de negócio (Teece, 2007; Teece et al., 1997), pois se configurou como uma atividade estratégica processual sistemática, diretamente dependente da capacidade da empresa em classificar, avaliar, aperfeiçoar e reorganizar seus diversos recursos e capacidades (Najmaei, 2011).
A síntese dos achados do Caso Colaboradores é apresentada na Figura 4.
4.2 CASO 2: CUCO HEALTH
A Cuco é uma startup do tipo B2B e B2C, cuja proposta de valor busca melhorar a experiência do tratamento médico de pacientes, por meio de um aplicativo que conecta médicos, pacientes e demais agentes da área de saúde a uma enfermeira digital de inteligência artificial. O processo de desenvolvimento da ideia iniciou-se pelo mapeamento do mercado de saúde e de seus principais problemas, seguido pelo estudo da relevância e escalabilidade das oportunidades identificadas. A validação da proposta aconteceu com hospitais, médicos e pacientes. Vários modelos de negócio desde a ideia inicial foram desenvolvidos até então, a partir de técnicas baseadas no contato direto com clientes e usuários para a construção da proposta de valor. Atualmente a Cuco possui oito colaboradores.
4.2.1 Desenvolvimento das capacidades dinâmicas
O processo de monitoramento das informações sobre o mercado e a concorrência é uma atividade constantemente desenvolvida. Esse processo é realizado principalmente via internet, por meios de blogs de digital health, assim como em eventos da área. Contudo, as informações para tomada de decisão sobre inovações e mudanças em processos e serviços são orientadas pelos feedbacks dos clientes e não necessariamente pelas tendências mapeadas. Por exemplo, mesmo que uma tendência de mercado seja identificada, caso o cliente não demonstre interesse pela mesma, essa oportunidade não é desenvolvida. Isso demonstra que os processos de aproveitamento das oportunidades na Cuco são orientados por inovações que tragam vantagem competitiva e que satisfaçam necessidades não atendidas de seu mercado.
O processo de detecção de ameaças e oportunidades e apreensão destas, portanto, é predominantemente empírico e desempenhado principalmente pelos dois sócios fundadores, que buscam atender a um protocolo de tomada de decisão que minimize seus erros. Assim, a tomada de decisão final sobre a apreensão de inovações é resultado de análise conjunta entre a CEO, o Diretor Técnico e o Diretor de Produto, que analisam se a oportunidade detectada é uma demanda frequente e que traga valor para um conjunto de clientes ou não.
Recentemente, para exemplificar esse processo e, buscando diminuir os custos, atender a uma demanda de mercado e promover a escalabilidade da solução, a Cuco encontra-se em processo de desenvolvimento e integração da tecnologia de inteligência artificial utilizada em sua solução, que é atualmente fornecida por um terceiro de grande porte. Para isso, parte da equipe técnica atual, sob coordenação do Diretor Técnico, foi reorganizada e a empresa tem incorporado constantemente novos recursos e conhecimentos.
Ainda sobre detecção e apreensão, parceiros de grande porte e programas de aceleração também são utilizados como fontes, por meio de mentorias e parcerias comerciais. A aproximação da empresa com esses parceiros demonstra um aprendizado desenvolvido e fundamental para o sucesso da mesma no mercado em que atua, uma vez que esses parceiros costumam adotar a solução proposta pela Cuco como forma de validar e chancelá-la no mercado de saúde.
Por fim, no que tange à reconfiguração, devido ao contexto em que o negócio está inserido, esse processo não acontece de maneira estruturada e, na maior parte das vezes, responde a mudanças necessárias para se adaptar ao ambiente e garantir a vantagem competitiva da empresa de maneira rápida. Dado esse aspecto, a gestão dos recursos disponíveis é considerada um elemento-chave na orientação do processo de inovação. Contudo, apesar de não acontecer de maneira inteiramente estruturada, mapas estratégicos ou roadmaps são constantemente construídos para minimizar possíveis erros e orientar tomadas de decisão da empresa.
4.2.2 Capacidades dinâmicas e inovação no modelo de negócio
A proposta de valor da Cuco se mantém constante desde a ideia inicial, que foi resultado do processo de detecção de uma oportunidade por meio de estudos de mercado e apreensão de tecnologias e parcerias. Contudo, a forma como ela é ofertada é frequentemente alterada, evidenciando mudanças no modelo de negócio. Isso pode ser observado por meio das constantes mudanças nos recursos, nas atividades e nos parceiros-chave, como resposta à detecção e à apreensão de tendências e feedbacks validados pelo mercado de clientes (Moreira & Moraes, 2016; Teece, 2007; 2014; Teece et al., 1997). Ainda neste sentido, o segmento de clientes também foi reconfigurado desde a concepção inicial da ideia, desenvolvendo-se à medida que a solução é aprimorada. Em relação aos canais, uma mudança apenas na estratégia de comunicação foi necessária como forma de atender ao perfil específico de clientes do mercado de saúde.
Percebe-se, desta forma, que é importante o papel das capacidades dinâmicas para a inovação do modelo de negócio na Cuco, uma vez que elas operam por meio de rotinas e processos organizacionais orientados para identificar, projetar e substituir modelos de negócio existentes, o que exige estruturas e competências organizacionais inteiramente novas (Blank, 2013; Khanagha et al., 2014; Mezger, 2014; Teece et al., 2016). Em última análise isso acontece devido à capacidade da administração de perceber e, em seguida, aproveitar as oportunidades e gerenciar ameaças, combinando e recombinando ativos para sustentar o desenvolvimento de valor a longo prazo (Teece, 2007; Teece et al., 2016).
A síntese dos achados do Caso Cuco é apresentada na Figura 5.
4.3 CASO 3: LOOQBOX
A Looqbox oferece soluções em tecnologia da informação para o mercado B2B. A partir de mecanismos de business inteligence e analytics, a proposta de valor otimiza os mecanismos de busca de informações gerenciais. A ideia inicial foi detectada pelo CEO como Gerente da área de Tecnologia de outra experiência profissional passada. A ideia foi concebida como uma hipótese de solução para empresas e o mínimo produto viável foi desenvolvido, testado e validado junto aos clientes potenciais. O modelo de negócio foi posteriormente desenvolvido e atualmente a Looqbox possui oito colaboradores.
4.3.1 Desenvolvimento das capacidades dinâmicas
A internet é o meio de detecção mais utilizado pela Looqbox, principalmente para obtenção de informações estratégicas e estudos de mercado. Além disso, dados econômicos e demográficos são constantemente monitorados e utilizados para análises de projeções mercadológicas futuras. Apesar de atualmente não existirem concorrentes diretos da empresa, concorrentes e outras soluções são encontradas no mercado. Neste sentido, o processo de detecção de informações sobre essas tecnologias concorrentes é obtido por meio da interação com as demais startups e com o ambiente de inovação proporcionado pelo CUBO, o que demonstra uma importante função do espaço no processo de detecção. A detecção de oportunidades e ameaças é ainda em grande parte resultado da intuição, da atribuição de sentido às informações coletadas e do monitoramento empírico das informações de mercado.
Ainda no quesito detecção, todos os membros da equipe são responsáveis por esse processo. Para seleção das oportunidades de inovação, o feeling do fundador desempenha papel fundamental para avaliação da viabilidade e da apreensão da oportunidade. Entretanto, a tomada de decisão não acontece de maneira centralizada. Após a detecção de uma oportunidade de inovação, ainda que considerado o feeling do fundador, reuniões para discussão sobre a adoção ou não são constantemente desenvolvidas, tornando a decisão final coletiva.
Além disso, para seleção de inovações, constantes pesquisas também orientam esse processo. E nesse aspecto o ecossistema proporcionado pelo CUBO tem contribuído fortemente por meio da interação com outras startups. Assim, as startups residentes funcionam como “parceiros” nesse processo, compartilhando rotinas, experiências e ferramentas gerenciais.
Para apreensão e reconfiguração dos recursos, ferramentas on-line de gestão de projetos são utilizadas e a reorganização para adaptação às mudanças acontece à medida que o projeto evolui. A estrutura organizacional da startup, bem como a divisão das funções, por exemplo, pode alterar conforme o desenvolvimento do projeto, demonstrando-se altamente dinâmica. No processo de reconfiguração, ainda, os riscos associados ao processo de inovação tecnológica exigem que a Looqbox aprenda e reorganize seus recursos de maneira rápida. Por isso, nesse processo constantes ajustes são necessários.
4.3.2 Capacidades dinâmicas e inovação no modelo de negócio
A proposta de valor inicial da Looqbox não se alterou desde sua criação. Contudo, as tecnologias utilizadas para o desenvolvimento e a escalabilidade da empresa passaram por constantes reconfigurações, de modo a projetar maior valor à solução (Teece, 2007) e entregá-la o mais facilmente possível para toda a comunidade de interesse (Sosna et al., 2010).
A detecção de oportunidades de inovação a partir de novas necessidades dos clientes foi a principal promotora para inovações no modelo de negócio, principalmente nos recursos e atividades-chave. Ainda quanto aos recursos-chave, alguns puderam também ser detectados por meio da interação com outras startups do CUBO. Outras partes do modelo de negócio, como o relacionamento com o cliente, também se desenvolveram ao longo da trajetória da Looqbox, aprimorando-se desde então. A plataforma de CRM, por exemplo, foi recentemente alterada de modo a agregar maior valor à solução.
Desta forma, a inovação do modelo de negócio da Looqbox representou uma mudança voluntária orientada pelo processo de entrega e captura de valor de maneira escalável (Sosna et al., 2010; Teece, 2007). Neste caso, foi possível observar que as capacidades dinâmicas contribuíram para a inovação do modelo de negócio, expressando-se por meio de um driver interno essencial para o desempenho superior e a sobrevivência da empresa (Anwar, 2018), o qual é formado por processos de aprendizagem e ajuste (Teece, 2010), em que a empresa adapta e renova seu modelo de negócio a partir da detecção, do aprendizado e da transformação (Teece, 2007; 2018).
A síntese dos achados do Caso Looqbox é apresentada na Figura 6.
4.4 CASO 4: MASTERTECH
Nascida em janeiro do ano de 2016, dentro do próprio ambiente do CUBO, a partir de outra startup até então residente, a Ponte 21, a Mastertech oferece soluções em treinamento de habilidades do século XXI para o mercado B2B e B2C. Para desenvolver e validar a proposta de valor, uma pesquisa de mercado com gestores de grandes corporações e empreendedores foi realizada, de modo a identificar quais as principais habilidades necessárias ao desenvolvimento profissional dos mesmos e de suas equipes, bem como validar a proposta de valor. No total, a equipe é formada por 12 membros.
4.4.1 Desenvolvimento das capacidades dinâmicas
A internet é uma das principais fontes para adquirir informações. O Gartner, por exemplo, é um site amplamente utilizado para monitoramento de mercado e tecnologias. Conexões com outros empreendedores e intercâmbios de conhecimento também são outras formas de adquirir informações. Ainda neste aspecto, o benchmarking é outra atividade amplamente desenvolvida, principalmente por meio do monitoramento de outros ecossistemas de startups, como o ecossistema do Vale do Silício.
Além dessas formas de aquisição de informações, os feedbacks dos clientes são também utilizados para detectar oportunidades e, neste sentido, a estrutura enxuta da empresa permite que esse processo seja potencializado. Isso acontece porque possibilita que o processo de detecção seja exercido por todos os membros do time, apesar de possuir uma profissional específica para pesquisa, seleção e desenvolvimento de novas tecnologias.
O processo de aproveitamento e incorporação de oportunidades de inovação é desenvolvido por meio de testes ou experimentações. Esse processo é rápido e orientado pelo método de Blank e Dorf (2014), conhecido mundialmente por Go To Market. Esse aspecto é amplamente estimulado, pois, para a Mastertech, uma startup não precisa estar completamente certa durante o processo de inovação. Ela precisa desenvolver uma primeira versão, aprender com os erros e desenvolver a segunda de maneira rápida. Por isso, a apreensão, integração de inovações e tecnologias e reconfiguração, é um processo dinâmico que busca encontrar a melhor forma de entregar valor ao usuário.
Por fim, a tomada de decisão quanto à apreensão de uma oportunidade de inovação é descentralizada. Todos os membros participam desse processo e, de modo particular, quem toma a decisão final é quem tem a melhor capacidade técnica para tal e não necessariamente os fundadores ou o CEO. A Mastertech também possui uma série de parceiros que são utilizados como fontes de aquisição de novas tecnologias e vantagem competitiva. Esse processo permite, além de acelerar o desenvolvimento tecnológico, que os membros estejam mais orientados ao desenvolvimento de processos estratégicos.
4.4.2 Capacidades dinâmicas e inovação no modelo de negócio
O desenvolvimento da proposta de valor originou-se do processo de detecção de uma oportunidade latente e não satisfeita pelo mercado (Magretta, 2002; Teece, 2018) somada a uma maneira melhor de se fazer, vender ou distribuir a solução proposta pela Mastertech (Magretta, 2002; Osterwalder, 2004).
Desde sua concepção constantes inovações são realizadas no desenvolvimento de novas soluções e também no aprimoramento dos produtos desenvolvidos, principalmente como forma de prospectar maior valor (Teece, 2007). Isso, consequentemente, desenvolve o segmento de clientes atendidos e aumenta a necessidade de recursos-chaves, assim como permite maior agregação de parceiros. Além disso, a adição recente do mercado B2B incorporou novas fontes de receita ao modelo de negócio, bem como a estrutura de custos.
Desta forma, observa-se que as capacidades dinâmicas para a inovação do modelo de negócio na Mastertech são importantes, pois elas habilitam a criação e a implementação de modelos de negócio eficazes e determinam a velocidade e o realinhamento dos recursos da empresa, incluindo o próprio modelo de negócio, com as necessidades do cliente (Teece, 2018). Isso é possível, pois as capacidades se operacionalizam por meio de uma orientação comportamental incorporada em processos que é direcionada para integrar, reconfigurar, renovar e recriar recursos e capacidades para alcançar e sustentar uma vantagem competitiva (Wang & Ahmed, 2007).
A síntese dos achados do Caso Mastertech é apresentada na Figura 7.
4.5 ANÁLISE CRUZADA
4.5.1 Desenvolvimento das capacidades dinâmicas
Teece et al. (1997) enxergam as organizações, assim como a criação e a manutenção da vantagem competitiva, sob a ótica de três elementos: posição (i); trajetória organizacional (ii); e processos organizacionais (iii). Neste sentido, observa-se que o desenvolvimento das capacidades dinâmicas nos casos estudados esteve diretamente relacionado a esses três elementos, ora dependendo dos recursos que a empresa dispõe (i), ora dos aprendizados adquiridos durante a sua trajetória (ii), ou ainda dos processos organizacionais e informações internas geradas (iii). Isso corrobora a perspectiva de Teece et al. (1997) para leitura do processo de desenvolvimento das capacidades dinâmicas.
No que tange aos microfundamentos descritos por Teece (2007) sobre o processo de detecção de oportunidades e ameaças, nota-se que os casos realizam, em sua maioria, o monitoramento ambiental principalmente via internet, utilizando-se também do contato direto com clientes atuais e potenciais (Magretta, 2002; Teece, 2018) para, depois disso, tomar as decisões acerca da integração ou não da oportunidade aos modelos de negócio. Na maior parte das vezes, essa tomada de decisão é realizada por todos os membros da equipe, apesar de possuírem profissionais específicos para este fim. Isso contribui para uma maior sensibilidade e capacidade de monitoramento do ambiente, uma vez que um grande número de informações a respeito do negócio pode ser obtido pelo envolvimento direto de colaboradores (Teece, 2007; Teece et al., 1997).
Na Colaboradores, entretanto, dados e informações internos também orientam o processo de inovação no modelo de negócio, demonstrando o desenvolvimento de procedimentos e protocolos próprios para a tomada de decisão os quais buscam evitar erros (Teece, 2007). A Looqbox, ainda, utiliza-se da projeção de cenários e da atribuição de sentido às informações coletadas (Teece et al., 2016) como forma de detectar oportunidades, bem como a Mastertech do benchmarking para esse mesmo fim. Além disso, parceiros externos também são amplamente utilizados pela Colaboradores, pela Cuco e pela Mastertech como forma de obter informações e novas tecnologias. Isso, no entanto, não as impede de desenvolver suas tecnologias próprias, como a Cuco e a Looqbox, como modo de adquirir vantagem competitiva (Teece, 2007; 2014; Teece et al., 1997). O CUBO, como espaço de conexões e intercâmbios de conhecimento, também se mostrou como importante fonte de detecção e sensibilidade das empresas.
Depois de identificadas as oportunidades, a seleção para atendimento das mesmas varia entre os casos. As variações observadas nesses procedimentos e rotinas foi consequência dos aprendizados e das trajetórias particulares de cada negócio, bem como posições e conjunto de processos gerenciais (Teece, 2007; Teece et al., 1997). O que foi comum, entretanto, é a ideia de que a seleção para apreensão de uma oportunidade deva atender a disponibilidade e a utilização racional dos recursos (Teece, 2007), assim como aumentar a capacidade de entrega e captura de valor de maneira escalável (Blank & Dorf, 2014; Sosna et al., 2010; Teece, 2007; 2018). Observou-se ainda, nesse aspecto, que a estrutura enxuta, flexível e descentralizada se comportou como um elemento favorável à capacidade de apreensão rápida das oportunidades e das inovações detectadas (Teece et al., 2016).
Quanto à apreensão e à reconfiguração, observou-se também que a utilização de métodos baseados na experimentação rápida (Blank, 2013; Blank & Dorf, 2014; Sosna et al., 2010), por meio de interações constantes com clientes e usuários, foi comum a todos os casos. Esse aspecto se justifica, pois, para Teece et al. (2016), essa capacidade de desenvolvimento ágil é essencial para transformações em ambientes altamente dinâmicos e incertos, de modo a diminuir riscos e incertezas.
O desenvolvimento das capacidades dinâmicas, portanto, operacionalizou-se por meio de uma orientação comportamental incorporada nos processos organizacionais (Wang & Ahmed, 2007), em que a capacidade da administração de perceber e, em seguida, aproveitar as oportunidades e gerenciar ameaças, combinando e recombinando ativos, foi essencial para sustentar o desenvolvimento de valor a longo prazo (Teece, 2007; Teece et al., 2016). Isso evidenciou como esses fatores descrevem um modelo lógico e de natureza evolucionária sobre como as empresas mudam, mantêm e desenvolvem vantagem competitiva e capturam valor sistematicamente (Ambrosini & Bowman, 2009; Barcelos, 2017), relacionado as capacidades dinâmicas a mudanças intencionais nos processos associados à percepção, tomadas de decisão e gestão de mudanças (Maritan & Peteraf, 2007).
4.5.2 Capacidades dinâmicas e inovação no modelo de negócio
Para Teece (2007), a capacidade que uma empresa tem para criar, ajustar, aperfeiçoar e, se necessário, substituir o modelo de negócio, é fundamental para as capacidades dinâmicas. Assim, sob esta perspectiva, observa-se que as inovações nos modelos de negócio identificadas resultaram principalmente dos processos de ajuste e aperfeiçoamento das soluções oferecidas, a partir da detecção de oportunidades não atendidas pelo mercado. Isso, por sua vez, permitiu que as empresas desenvolvessem a capacidade de perceber o ambiente e adaptar suas atividades e processos conforme as necessidades e as oportunidades identificadas (Eisenhardt & Martim, 2000; Ries, 2012; Teece et al., 1997; Zollo & Winter, 2002), o que, consequentemente, resultou em aprendizados, conhecimentos e rotinas (Easterby-Smith & Prietro, 2008; Teece, 2007).
Deste modo, a partir dos casos estudados, percebeu-se que, ao decorrer de suas trajetórias, as empresas foram capazes de desenvolver inovações em seus modelos de negócio, principalmente por meio da identificação de oportunidades ocultas (Magretta, 2002; Teece, 2018) obtidas pelo contato direto com clientes e usuários. No caso da Colaboradores, ainda, observou-se que as informações gerenciais geradas pelo sistema de controle interno da empresa também orientaram o processo de inovação em seu modelo de negócio, o que representa um aprendizado desenvolvido pela empresa que contribui para o suporte e para a seleção de processos para tomada de decisão (Teece, 2007), assim como o mapa estratégico da Cuco e as projeções em cenários da Looqbox.
O processo de seleção das oportunidades de inovação nos modelos de negócio, de modo geral, iniciou-se pela avaliação das oportunidades a partir do entendimento inicial da capacidade e do potencial da oportunidade detectada em adicionar vantagem competitiva ao negócio (Teece, 2007; 2018), estar alinhada aos objetivos e ao apetite de desenvolvimento da organização (Najmaei, 2011), assim como satisfazer as necessidades não atendidas por clientes (Magretta, 2002) de maneira escalável e lucrativa (Blank & Dorf, 2014).
Depois de selecionada, a oportunidade então é integrada por meio de métodos rápidos e de tentativa e erro (Blank, 2013; Blank & Dorf, 2014; Sosna et al., 2010). E, neste aspecto, o papel dos clientes como uma fonte de inovação e de teste das hipóteses desenvolvidas (Blank, 2013; Blank & Dorf, 2014; Ries, 2012; Teece, 2014) é essencial, assim como das experimentações para reconfiguração e transformação do modelo (Teece, 2018; Teece et al., 2016).
Em síntese, a inovação dos modelos de negócio estudados representou mudanças transformacionais voluntárias, nas quais se desafiou a arquitetura dos negócios existentes para criar novas ofertas de valor a partir da reconfiguração dos recursos e das capacidades (Demil & Lecocq, 2010; Osterwalder; 2004;). Esse processo buscou como resultado principal criar, manter e sustentar a vantagem competitiva da empresa por um intervalo de tempo (Teece, 2007; Teece et al., 1997) e aconteceu, em todos os casos, em partes do modelo.
Observou-se que as capacidades dinâmicas contribuíram para a inovação do modelo de negócio, comportando-se como um driver interno essencial para o desempenho superior e a sobrevivência da empresa (Anwar, 2018) e formado por processos de aprendizagem e ajuste (Teece, 2010) que capacitaram a empresa para adaptar e renovar seu modelo de negócio a partir da detecção, do aprendizado e da transformação (Teece, 2007; 2018). Isso foi possível, pois as capacidades dinâmicas desenvolveram a capacidade da administração de perceber e, em seguida, aproveitar as oportunidades e gerenciar ameaças, combinando e recombinando ativos (Teece, 2007; Teece et al., 2016).
Portanto, foi possível observar que as capacidades dinâmicas contribuíram para a inovação nos modelos de negócio dos quatro casos estudados, à medida que o sucesso dessas inovações esteve diretamente relacionado à capacidade da empresa em identificar, avaliar, aperfeiçoar e reorganizar seus diversos recursos e capacidades (Najmaei, 2011). Esses resultados, desta forma, aproximam-se dos resultados encontrados por Mezger (2014) e contribuem para a proposição de que a inovação em modelos de negócio, por meio de rotinas e processos organizacionais que sustentam essas capacidades, possa ser considerada como uma capacidade dinâmica em si.
A síntese dos principais achados da análise cruzada dos casos é apresentada na Figura 8.
5 CONCLUSÃO
Este artigo se propôs a investigar e a descrever como as startups desenvolvem as suas capacidades dinâmicas e como essas capacidades contribuem para a inovação em seus modelos de negócio. Para o cumprimento desse objetivo, quatro startups do CUBO foram investigadas. Observou-se que, no geral, o desenvolvimento das capacidades dinâmicas operacionalizou-se por meio da capacidade da administração e da equipe de perceber e, em seguida, aproveitar as oportunidades e gerenciar ameaças, combinando e recombinando ativos. Além disso, observou-se que o desempenho das atividades associadas a esse processo, ou seja, o modo como os casos as desenvolveu e implementou, esteve relacionada com a trajetória, a posição e os processos organizacionais de cada caso.
No que se refere às inovações nos modelos de negócio, detém-se que elas foram resultado, na maior parte das vezes, dos processos de ajuste e de aperfeiçoamento das soluções oferecidas, a partir da detecção de oportunidades não atendidas pelo mercado. As startups, então, desenvolveram atividades e processos relacionados a identificar, avaliar, aperfeiçoar e reorganizar seus diversos recursos e capacidades conforme as necessidades e as oportunidades identificadas, o que resultou em aprendizados e rotinas que nada mais são que capacidades dinâmicas em si.
Os resultados desta investigação, desta forma, permitem concluir que as capacidades dinâmicas, sob a perspectiva dos microfundamentos propostos por Teece (2007), podem contribuir para a inovação nos modelos de negócio. Isso acontece, pois essas capacidades operacionalizam-se como uma orientação comportamental que se incorpora nos processos e nas rotinas da empresa e que a habilitam a detectar, selecionar e apreender oportunidades, de modo a adaptar e transformar o seu modelo de negócio. Em outras palavras, os microfundamentos que compõem as capacidades dinâmicas prestam suporte ao processo de construção de rotinas organizacionais que são fundamentais para a inovação em modelos de negócio.
Assim, a partir de mudanças sistemáticas e propositais, as inovações nos modelos de negócio dos casos estudados foram motivadas, em primeiro momento, pela capacidade de detecção de necessidades de mercado ainda não atendidas, especialmente por meio das constantes interações com clientes e usuários. Além de importante fonte para a inovação dos modelos de negócio, as constantes interações com clientes e usuários estimularam a experimentação de mudanças em uma ou mais partes que compõem a arquitetura de um modelo de negócio e, consequentemente, a inovação incremental de partes do modelo. Sob uma perspectiva empírica, portanto, conclui-se que o próprio processo de inovação em modelos de negócio configura-se como uma capacidade dinâmica, que fornece bases para formação e criação de processos, rotinas e comportamentos organizacionais para a inovação e para o desenvolvimento do negócio.
Essa evidência, ao mesmo tempo em que contribui para o entendimento do papel de contribuição das capacidades dinâmicas para a inovação em modelos de negócio, torna-o mais carente de mais investigações. Isso porque uma vez que se entende o conceito de capacidades dinâmicas como um conjunto de habilidades, rotinas, processos e capacidades organizacionais, torna-se necessário uma maior acurácia na identificação de quais capacidades são, de fato, capacidades dinâmicas.
Isso, por sua vez, apresenta e sugere que esforços de estudos futuros que procurem investigar e desenvolver modelos acadêmicos capazes de identificar, organizar e sistematizar as capacidades dinâmicas são bem-vindos. Além disso, sugere-se que levantamentos acerca do desenvolvimento das capacidades dinâmicas em startups sejam realizados, a fim de generalizar os resultados descritos, bem como estudos que busquem compreender melhor como espaços de coworking podem contribuir para o desenvolvimento das capacidades dinâmicas, dados os indícios inicialmente observados nesta investigação.
Por fim, os resultados deste artigo contribuem, em termos acadêmicos, para o avanço do conhecimento sobre como as empresas desenvolvem as suas capacidades dinâmicas e as utilizam como impulsionadoras da inovação em seus modelos de negócio. Em termos gerenciais, contribuem para a construção de uma coletânea de prescrições gerenciais acerca do tema que podem auxiliar gestores e empreendedores em suas estratégias e atividades para a criação e implementação de modelos de negócios eficazes em ambientes dinâmicos.
Apesar do método de estudo de múltiplos casos ser o mais adequado para esta investigação, algumas limitações inerentes ao mesmo estão presentes. Dentre elas, a impossibilidade de generalização estatística dos resultados e a não utilização de outros métodos científicos de estudo ou fontes de investigação para a triangulação dos resultados são as principais.
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