DEPOIS DA BONANÇA VEIO O ABISMO, E AGORA?

AFTER THE BONANZA CAME THE ABYSS. NOW WHAT?

DESPUÉS DE LA BONANZA VINO EL ABISMO, ¿Y AHORA?

JORGE MIGUEL GOMES FERREIRA
Universidade do Vale do Itajaí, Brasil
SIDNEI VIEIRA MARINHO
Universidade do Vale do Itajaí, Brasil

DEPOIS DA BONANÇA VEIO O ABISMO, E AGORA?

Revista Alcance, vol. 27, núm. 2, pp. 132-146, 2020

Universidade do Vale do Itajaí

Recepção: 26/11/2018

Aprovação: 29/08/2019

Resumo: O presente caso para ensino trata de uma história real de uma indústria portuguesa, fabricante de antenas parabólicas, que abriu uma filial no Brasil em 2009 mediante um contrato com uma das operadoras de TV por assinatura. A empresa Famaval, após 4 anos de bonança com crescimento, enfrentou diversos problemas e esse cenário colocou em risco a continuidade de sua operação no mercado brasileiro. Em 2013, sob influência de forças competitivas, veio o abismo. A empresa vivenciou o dilema e precisou adotar suas estratégias para que no ano seguinte os resultados voltassem a ser positivos. O objetivo deste caso de ensino é estimular a discussão sobre temas ligados à gestão estratégica e às estratégias empresariais, colocando os estudantes diante de questões de tomadas de decisões estratégicas e mercadológicas. A utilização deste caso é indicada para disciplinas de Gestão Estratégica para cursos de graduação com ênfase nas forças competitivas que moldam a estratégia.

Palavras-chave: Administração, Gestão Estratégica, Forças Competitivas.

Abstract: This study case tells the real story of a Portuguese manufacturer of satellite dishes, which opened a branch in Brazil in 2009 under a contract with one of the pay TV operators. After four years of bonanza, in which the company, Famaval, saw considerable growth, it then faced various problems that placed in question the continuity of its operations in the Brazilian market. In 2013, under the influence of competitive forces, came the abyss. The company was faced with a dilemma, and had to adopt its strategies in order to ensure a return to positive results in the following year. The purpose of this case study is to prompt discussion on topics related to strategic management and business strategies, by confronting students with issues of strategic and market decision making. The use of this case is recommended for the Strategic Management disciplines of undergraduate courses, with emphasis on the competitive forces that shape the company’s strategy.

Keywords: Administration, Strategic Management, Competitive Forces.

Resumen: Este caso de la educación es una historia real de una industria portuguesa, fabricante de antenas parabólicas, que abrió una sucursal en Brasil en el año 2009 por un contrato con una de las compañías operadoras de televisión de pago. La empresa Famaval después de 4 años de bonanza con crecimiento enfrenta diversos problemas y ese escenario pone en riesgo la continuidad de su operación en el mercado brasileño. En 2013 bajo influencia de fuerzas competitivas vino el abismo, la empresa vivenció el dilema y necesitó adoptar sus estrategias para que al año siguiente los resultados volvieran a ser positivos. El objetivo de este caso de enseñanza es estimular la discusión sobre temas vinculados a la gestión estratégica y estrategias empresariales, colocando los estudiantes delante cuestiones de toma de decisiones estratégicas y mercadológicas. La utilización de este caso es indicada para disciplinas de Gestión Estratégica para cursos de graduación con énfasis en las fuerzas competitivas que moldean la estrategia.

Palabras clave: Administración, Gestión estratégica, Fuerzas Competitivas.

INTRODUÇÃO

Em finais de 2013, Ivo, administrador da empresa Famaval na matriz em Portugal, vinha tentando resolver a queda abruta de resultados nesse ano no mercado brasileiro. Depois de um período de bonança entre 2009 e 2012, veio um período de abismo, assim precisou redefinir toda a sua estratégia. Para Ivo, uma questão não saía de sua cabeça:

- Deverá a nossa empresa continuar no mercado brasileiro? Ou sair deste mercado que está a mostrar-se tão adverso? Ivo sentia-se bastante pressionado, porque em Portugal se comentava que a unidade do Brasil poderia arrastar toda a empresa para a falência.

- Ivo, eu sei o que se fala em Portugal. Mas, o crescimento no mercado brasileiro que tivemos nos últimos 3 anos foi o que suportou toda a empresa e representou a principal fonte de receitas. Dificilmente encontrarás um mercado desta dimensão que te trará esta economia de escala. – desabafou António, administrador da Famaval na unidade do Brasil.

- António, eu tenho perfeita noção disso! Se for para continuar no Brasil, precisamos decidir se será para manter o nível de crescimento ou se reduzimos nossa estrutura e consequente quota de mercado. Continuar como está é que não dá! As operadoras se tornaram empresas muito grandes com alto poder de barganha. Precisamos definir como será nossa estratégia de abordagem a este mercado – acrescentou Ivo.

- Sim, neste momento precisamos estudar todas as possibilidades e tomar decisões acerca de produção, localização e produto. Em relação à produção, precisamos definir se continuamos a importar a maioria dos produtos daí de nossa própria fábrica em Portugal, se importamos de outros países mais competitivos ou se internalizamos nossa produção aqui no Brasil. No Brasil, como exemplo, não faltam potenciais fornecedores!

- O cenário mudou muito! Por exemplo, a taxa de câmbio e o preço do minério de ferro é hoje muito diferente. Teremos que analisar bem as vantagens e as desvantagens de produzir ou importar. A improdutividade no Brasil continua elevada! Só teremos uma análise completa se verificarmos conjuntamente onde produzir ou de onde importar.

- Sobre localização, não só da proveniência dos insumos, precisamos investigar. Existe um problema num cliente que nos vai fazer perder 40% de vendas se não fizermos nada. No Brasil existe um sistema tributário complexo e estão aparecendo benefícios em diversos locais. Precisamos avaliar a localização de nossa empresa aqui dentro do Brasil. Será que abrimos uma segunda unidade num estado diferente? Ou mudamos de estado nossa unidade atual?

- António, não esqueças que precisamos pensar o que fazer com nosso produto a que sempre habituamos os clientes, porque os clientes não estão aceitando aumento de preços. Tem já concorrentes que lançaram produtos com inovações a melhor preço. E se nós mantermos o produto igual, com certeza perderemos vendas. Ou permitimos reduções de especificações para reduzir o preço e assim manter ou aumentar as vendas?

- Ivo, para além dessa possível mudança no curto prazo, precisamos pensar adiante. O streaming veio para ficar, então nosso negócio está ameaçado! – concluiu António.

CAMINHANDO NO MERCADO BRASILEIRO

Início em 2008

A Famaval foi fundada em 1964 na cidade de Vale de Cambra em Portugal e se tornou num fabricante de antenas parabólicas em 1985. A internacionalização da empresa se iniciou em 1987 e hoje tem como suas clientes operadoras de TV presentes na Europa, África e América Latina. A empresa apresentou seus produtos no Brasil na feira das operadoras de TV por assinatura (ABTA) em São Paulo (SP) no ano de 2008. O sucesso da participação foi coroado com um contrato de fornecimento de antenas parabólicas a uma das operadoras no ano seguinte. Ivo não continha sua satisfação: “Neste imenso mercado, em virtude de nossa afinidade, temos condições para vencer e implantar uma marca duradoura!” Nesse ano, uma relevante empresa brasileira, com produção localizada no estado de SP, começou a se desinteressar pelo negócio, deixando de produzir antenas parabólicas. Seu proprietário tinha vivido oligopólio em anos anteriores, era uma pessoa com recursos financeiros, decidiu dar um fim ao ativo mundo dos negócios, vendendo as máquinas, alugando galpões, para se dedicar exclusivamente a investimentos financeiros. Nessa época também apareciam empresas brasileiras importando antenas de fabricantes chineses.

Para a cumprimento do contrato, foi necessário abrir juridicamente e fiscalmente uma filial no Brasil. Em razão das operações logísticas demandadas pelo cliente e os custos nos portos brasileiros, tornou-se inviável a exportação direta de Portugal ao cliente. Então, foi necessário alugar um galpão, deslocar máquinas e pessoas, uma vez que as quantidades do pedido eram significativas e as quantidades por contentor teriam de ser maximizadas, a fim de reduzir os custos no porto. A empresa escolheu a cidade de Santos para criação de sua filial por dois motivos. Primeiro, a proximidade com o cliente e com a entrada de insumos porque o cliente estava localizado em São Paulo capital e os insumos eram importados pelo porto marítimo da própria cidade. Segundo, em Santos residia um imigrante português, conhecido do pai do Ivo, que além de estar disponível a ajudar a Famaval a se implantar, queria inclusive ser sócio nesse negócio. A sede em Portugal fabricava a antena, enviava desmontada para a unidade no Brasil montar, embalar e fazia toda a logística necessária para fazer chegar o produto aos distribuidores do cliente em todo o país. António, desabafou: “A operação é complexa, com grandes quantidades, por isso temos necessidade de ter muita atenção aos custos. Mas está claro que o mercado existe e a nossa empresa tem todas as condições para o conquistar!”

Bonança entre 2009 e 2012

Entre 2009 e 2012 a empresa cresceu exponencialmente, atingindo em 2012 R$ 60.000.000,00 de faturamento. Era composta por 80 funcionários, ocupava um galpão de 4.000 m. e entregava cerca de 1.500.000 de antenas parabólicas por ano a três operadoras de TV por assinatura. O ambiente político no primeiro mandato da Presidenta Dilma Rousseff era estável. Em 2010, por exemplo, o Brasil apresentou taxas de crescimento de seu produto interno bruto de 7,5%. Ivo, sempre que visitava, confidenciada: “Aqui se respira confiança no mercado, traduzindo-se em consumo pelas famílias”.

A política tributária sobrecarregava o consumidor. Ivo indagava: “A carga fiscal é bem mais pesada do que estou habituado noutros países que a empresa atua. Estou surpreso como este mercado absorve tão pacificamente. Os cidadãos parecem que recebem renda suficiente para tanto imposto”. A Famaval, como cerca de 70% de seus insumos eram importados, tinha uma relação significativa com a taxa cambial para obter lucro em suas operações. Como exemplo, em 2010 e 2011, a taxa cambial se manteve estável em 2,30 reais por euro (ver Figura 1).

Uma das concorrentes da Famaval entre 2009 e 2011 foi uma empresa localizada no estado do Paraná que, apesar de ser fabricante deste tipo de equipamento no Brasil, optava por entregar um produto importado da China. Outras empresas brasileiras também tentavam vingar com importações da China, uma vez que a antena parabólica era um produto standard e acessível. Mesmo com uma adição de 16% de imposto de importação ao preço, era vantajoso importar em detrimento de produzir. Apenas um fabricante na região do Planalto Norte do estado de Santa Catarina (SC) lutava neste mercado produzindo a antena. António concluía: “Existe concorrência em quantidade e variedade, mas parece ser difícil ela incomodar o nosso crescimento no Brasil”.

As operadoras de TV por assinatura tinham no final de 2010 cerca de 9,8 milhões de clientes e o mercado era monopolizado pelas empresas Net e Sky, que distribuíam praticamente os mesmos canais. Como exemplo, apenas no ano de 2011 elas conseguiram 2,9 milhões de novos assinantes, totalizando um crescimento de 21,7%. O preço do serviço no Brasil estava de acordo com o praticado em outros países. António desabafa: “Não parece existir algo que possa inverter as taxas de crescimento de novos clientes que as operadoras obtêm a cada ano que passa”. Algumas delas acabaram por adquirir outras empresas menores que pudessem causar algum tipo de concorrência e assim se tornaram compradores de maior quantidade de antenas.

A Famaval no Brasil importava cerca de 70% da antena parabólica, comprava os restantes 30% no mercado local, montava e embalava tudo para entregar aos seus clientes. Um dos insumos representativos era naturalmente o minério de ferro com que se fabricam as partes das antenas. O preço desse insumo, apesar de alguma instabilidade, em 2009 se manteve na ordem dos 80 USD por tonelada métrica seca. Ivo explicava os motivos: “Devido à grande crise mundial de finais de 2008, o consumo de automóveis reduziu imenso, que era o principal destino das folhas de aço manufaturadas com minério de ferro. Então, os fabricantes tiverem de introduzir a bons preços essa matéria-prima para outros setores, como, por exemplo, a produção de antenas parabólicas.”

Nessa época a Famaval transferiu para o Brasil uma de suas etapas de produção, o empacotamento dos parafusos utilizados na antena parabólica. António mostrava-se contente e enaltecia: “Foi um sucesso em razão de competência, proximidade e competitividade de alguns fabricantes de parafusos, assim como a expertise encontrada no fabrico de máquinas empacotadoras.”

Outras empresas tentavam entrar neste mercado que apresentava taxas de crescimento, em especial, empresas chinesas. Apesar de nas feiras do setor as empresas chinesas estarem presentes, a concretização de negócios se tornava difícil por três motivos. Primeiro, as operadoras de TV por assinatura exigiam a criação de uma filial no Brasil para assim fazerem a importação e venderem o produto já nacionalizado. Segundo, a diferença cultural era significativa, assim elas não entendiam o porquê de determinadas especificações no produto, na operação logística ou na negociação. Como não entendiam e constantemente discutiam as regras, acabavam por não fechar contratos. Por último, as operadoras obrigavam o fornecedor a ter área técnica e comercial no país para atendimento e cumprimento das leis de defesa do consumidor no serviço pós-venda. Ivo mostrava-se aliviado: “Nós falamos a mesma língua, nós entendemos este mercado, ele nos valoriza e assim é prazeroso o investimento feito nos recursos para atendê-lo.”

Devido à dificuldade de concretização de negócios diretos entre chineses e as operadoras, visualizaram-se tentativas de trading companies fazerem essa ponte e assim entrarem neste mercado. Não obtiveram sucesso porque, embora estas empresas fossem especializadas na importação, denotavam falta de conhecimentos técnicos do produto para atender as especificações exigidas pelo cliente. As especificações técnicas elaboradas pelas operadoras eram detalhadas, exigentes e rígidas. A antena parabólica pretendida deveria ser modelo único que conseguisse atender tanto o interior como o litoral, tanto o Sul como o Norte e tanto uma vivenda unifamiliar como um prédio de 20 pisos. António destacou: “A Famaval é uma das poucas empresas atuantes neste mercado que possui departamento técnico próprio. Estamos neste setor desde os anos 80 pesquisando e desenvolvendo antenas para inúmeros casos espalhados pelo mundo.”

As operadoras de TV por assinatura compravam a crédito quantidades significativas, então, a entrada neste negócio exigia elevado capital para aguentar seu ciclo financeiro. Todos os produtos fornecidos tinham sua logomarca estampada, assim, não poderiam ser utilizados noutro cliente. Ivo alertava: “Embora esteja a correr bem, existe um risco que não me agrada muito. Para além do elevado capital empregue, não poder usar a antena de um cliente noutro cliente, preocupa-me. Precisamos ter muito cuidado!”

Enquanto que algumas empresas importavam da China e sua vantagem competitiva era custo reduzido, a Famaval competia com 70% de sua importação de sua própria fábrica em Portugal. Na Europa, os salários são elevados e as regras de proteção ao meio ambiente rígidas, sejam para os processos produtivos ou para os insumos utilizados. Mesmo assim, a empresa conseguia se destacar por cinco motivos. Primeiro, a Famaval, para poder concorrer no mercado mundial com este tipo de produto, fez investimentos avultados em tecnologia para automatizar sua fábrica. Segundo, ao contrário da China, que demora cerca de 35 dias para chegar as mercadorias ao Brasil, de Portugal era preciso apenas 12 dias para chegar ao porto de Santos. Ivo reforçava: “Nossa empresa não precisa de tanto estoque em trânsito e consegue responder com mais celeridade a eventuais alterações solicitadas por nossos clientes”. Terceiro, o câmbio entre Real e Euro se manteve mais estável que o câmbio entre Real e Dólar. António complementa: “Como nossa importação vem da zona Euro e nossos concorrentes importam da China, onde se usa o Dólar como moeda de pagamento, a nossa empresa não precisou renegociar seus preços contratuais, ao contrário de alguns concorrentes. Quarto, a Famaval concebia e produzia antenas parabólicas desde 1985, sempre com departamento de P&D (pesquisa e desenvolvimento) próprio. Ivo não esconde seu orgulho: “Nossa engenharia não está apenas pronta a responder a eventuais problemas, como também a propor melhorias seja em produtos ou processos. Outras empresas vão precisar de terceiros, demorando tempo e muitas vezes não apresentando qualquer solução em tempo hábil”. Por último, a empresa se destacou com a qualidade e a confiabilidade de seu produto mediante sua produção e controle de qualidade, tanto na fábrica em Portugal como na unidade do Brasil. Ivo reforça: “Para além de sistema de gestão da qualidade ISO 9001 implantado desde 2004 em nossa matriz, nossos produtos são reconhecidos em várias operadoras de TV por assinatura”. António complementa: “Embora nossa empresa tivesse de fazer pequenas adaptações aos produtos para atender o mercado brasileiro e/ou as especificações dos clientes, um modelo de nosso catálogo acabou por ser a referência base para as novas especificações de um dos clientes.

António reconhece: “As operadoras de TV por assinatura no Brasil, devido às enormes quantidades que adquirem, têm enorme barganha junto dos fornecedores, no entanto precisam de nosso conhecimento técnico e operacional para melhorar o produto, a operação logística e reduzir seu custo.” Ivo, apesar de satisfeito, alerta: “Foram anos muito bons, mas o poder de nossos clientes assusta. Precisamos estar sempre muito atentos”.

Abismo em 2013

Em 2013 surgiu instabilidade no Brasil mediante protestos conhecidos como manifestações dos 20 centavos, que inicialmente surgiram para contestar os aumentos de tarifas de transporte público nas capitais. O governo agiu, mas se notava já o início de descontentamento com as políticas governamentais e o início de uma crise econômica. Em 2014, por exemplo, o crescimento económico foi de apenas 0,1%.

O poder público em atitude de reação aos resultados da atividade económica que vinham sendo negativos interferiu na economia em vários setores. Publicou a Resolução nº13 do Senado Federal, que no seu artigo 1º dizia que a alíquota do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e serviços (ICMS), nas operações interestaduais com bens e mercadorias importadas do exterior, passaria a ser de 4%. Para os produtos se enquadrarem dentro dessa resolução, seu conteúdo importado deveria ser superior a 40%. Nesse ano um cliente com 75% das vendas da Famaval era uma operadora com sede no estado do Rio de Janeiro (RJ). Toda a venda para esse cliente era faturada com ICMS interestadual (SP → RJ) de 12%. Com a entrada em vigor da resolução, o ICMS passaria de 12% para 4%. Como a empresa estava localizada no estado de SP, todas as importações davam entrada no Brasil pelo porto de Santos. No porto, para levantar as mercadorias, era exigido o pagamento antecipado do imposto ICMS na alíquota interna do próprio estado, que era de 18%. Resumindo, a Famaval importava 70% da antena, pagava antecipado 18% de ICMS para ter o produto e depois vendia para o cliente com apenas 4% de ICMS sobre a venda. Como a antena apresentava margem de lucro baixa, rapidamente a empresa acumulou centenas de milhares de reais em crédito de imposto ICMS na secretaria da fazenda do estado de SP. Ivo mostrava-se preocupado: “Para além deste montante não estar disponível para usarmos em nossa atual operação, não estou a visualizar como esta tendência poderá ser invertida. Quanto mais vendemos para esse cliente, maior é o saldo de ICMS acumulado, menos dinheiro temos disponível para nosso ciclo financeiro. Quando iremos reaver esse crédito?” António não estava tão pessimista: “Poxa! Não é dinheiro perdido! A qualquer momento podemos reaver esse crédito!”

Com a instabilidade política e econômica, a taxa de câmbio entre Real e Euro disparou, ficando em finais de 2013 na ordem dos 3,20 reais por Euro (ver Figura 1). Para a Famaval, era agora difícil concorrer no mercado, porque cerca de 70% de seus insumos por conta do câmbio tinham aumentado cerca de 39% de custo. António reconhecia: “Os clientes não estão a aceitar aumento de preço e nós não temos qualquer controle sobre o câmbio. Precisamos fazer algo!”

Taxa de Câmbio EURBRL entre 2010 e 2013
Figura 1
Taxa de Câmbio EURBRL entre 2010 e 2013
Fonte: Elaborada pelo autor em https://fxtop.com

Um dos clientes com sede no RJ ameaçou deixar de comprar parte do seu volume à Famaval por conta do sistema de venda praticado. Toda a venda para este cliente era executada em sistema de triangulação, ou seja, era faturada para sua sede no RJ, mas a mercadoria física no momento da venda não era remetida para essa sede. Alguns dias depois da nota de venda emitida, as antenas eram enviadas diretamente para os distribuidores nos diversos estados brasileiros mediante uma nota de comodato entre a operadora e os distribuidores. Acontece que houve uma interpelação do governo do estado de SP, à Famaval e à operadora, argumentando que no caso de envio para os distribuidores localizados no próprio estado de SP a operação era incorreta. A Famaval, ao vender para a operadora sediada no RJ, faturava com 4% de ICMS porque era uma venda interestadual de um produto importado. À operadora, ao ceder esse material para os distribuidores presentes no estado de SP em nota de comodato, não se aplicava qualquer ICMS. Como a mercadoria era enviada diretamente da Famaval para distribuidores no mesmo estado, o ICMS a aplicar nesses casos deveria ser de 18% que era a alíquota intraestadual. A operadora, para não correr qualquer tipo de risco, decidiu que a partir de 2014 não iria comprar antenas em fornecedores localizados no mesmo estado do próprio destino da mercadoria. No caso da Famaval, a perda de vendas para o próprio estado de SP iria reduzir em 40% as vendas que esse cliente habitualmente comprava. António insinuava: “Temos de fazer alguma coisa! Não podemos correr riscos com procedimentos que possam ser considerados ilegais! Mas também não podemos dar ao luxo de perder 40% de vendas de um cliente tão importante.” Outro cliente, com centro de distribuição (CD) em SP, tinha recentemente criado um segundo CD na Bahia para atender as regiões Norte/Nordeste e insinuava que no contrato seguinte iria aumentar as compras ao fornecedor que criasse filial próximo a seu novo CD.

Nessa época popularizava-se a nova tecnologia denominada “streaming” na difusão de televisão por meio da internet, tanto para televisores do tipo “smart” como para tablets ou celulares. Um desses serviços inovadores, o Netflix, só nesse ano conseguiu cerca de 10 milhões de novos clientes, sinalizando que o meio de transmissão do sinal de televisão não era mais apenas o cabo ou satélite, mas também a banda larga.

Em 2013, a empresa paranaense concorrente da Famaval, entre 2009 e 2012, desinteressava-se do negócio e deixava de importar relevantes quantidades de antenas. O pequeno fabricante nacional em SC mostrava competitividade nas operadoras de TV. Um novo concorrente começava a se destacar com importação da China e duas unidades para fazer montagem e embalagem, uma em SC e outra no Espírito Santo (ES). Esta empresa também se destacava numa das operadoras por ter apresentado um produto com inovações e custo reduzido. Como exemplo, o tubo que suportava a antena era habitualmente de 40mm de diâmetro, mas este fornecedor introduziu no mercado um tubo de 32mm. Outra empresa apareceu, importando por um estado pouco habitual, como era o caso de Alagoas. Verificou-se o aparecimento de benefícios fiscais em alguns estados para importações de produtos, como o caso de SC, pelo porto de Itajaí e no ES, pelo porto de Vitória. Visualizavam-se também benefícios na importação em estados que não estão no litoral, mas que possuíam licença de utilização dos portos presentes na costa. António desabafa: “O panorama de nossa concorrência mudou tanto em tão pouco tempo.”

Devido à crise económica, as operadoras tiveram dificuldades, obtendo apenas crescimento de clientes até 2014, quando atingiram 19,6 milhões de clientes. Daí em diante decresceram os números de assinantes de TV por assinatura no Brasil, enquanto os de banda larga cresceram. Com a diminuição de clientes, os preços baixaram. Surgiram movimentações de fusões e aquisições no mercado, como foi o caso da fusão da Telefónica com a Vivo em 2013, no ano seguinte a compra da GVT pela Vivo e a Sky pela AT&T.

O preço do aço que era o principal insumo da antena parabólica tinha atingido o pico de preço em 2011 e vinha desde esse ano com curva descendente (ver Figura 2). Ivo alertava: “Embora o Brasil seja um dos principais exportadores no mundo do minério de ferro utilizado no fabrico de folhas de aço, o país não apresenta a mesma pujança no nível da indústria de transformação por conta dos altos custos resultantes da improdutividade e falta de infraestrutura.” António retorquiu: “Para alguns insumos, como era o caso de tubos de aço carbono usados na nossa antena, nos visitam regularmente alguns fabricantes pujantes que anteriormente trabalhavam exclusivamente para setor de petróleo e gás.”

Preço no minério de ferro entre 2009 e 2014
Figura 2
Preço no minério de ferro entre 2009 e 2014
Fonte: Elaborada pelo autor em https://www.indexmundi.com

A feira ABTA, em 2013, perdeu notoriedade e constatava-se agora menos presenças de empresas potenciais entrantes no mercado, em especial, chinesas e trading companies. As especificações técnicas das operadoras eram agora mais condescendentes. Elas concluíram que a rotatividade de seus clientes era elevada, então não compensava estar a exigir uma antena que aguentasse 10 anos, quando o prazo médio de retenção de seus clientes era de apenas 3. As operadoras passaram a comprar com prazos de pagamento dilatados, em alguns casos chegando ao triplo do prazo, levando a que fosse agora necessário mais capital para manter igual volume de operação. Algumas operadoras desistiram de algumas customizações, para assim seus fornecedores poderem ter estoques menores e poderem usar o mesmo produto em diversos clientes. As operadoras deixaram de ter planejamento a longo prazo e passaram a enviar pedidos e planos de entrega com pouco tempo de antecedência. Para além do contínuo apoio técnico que sempre a operadora exigiu de seu fornecedor, foi preciso agora começar a participar de soluções para diminuir custos no produto e/ou na logística associada. A antena era um produto de baixo valor econômico, mas alto custo logístico devido à sua elevada massa volumétrica. Os operadores clamavam do fornecedor ajuda para otimizar seu modelo de entrega, que poderia resultar em mudanças na logística, na embalagem ou no produto. Como exemplos, uma operadora mudou sua estratégia logística de CD por estado para envio direto a distribuidores e outra mudou sua antena de caixas de 2 unidades para paletes completos de 180 unidades.

António sentia-se triste e resumia: “Agora a qualidade do produto não é mais tão valorizada, então ou nossa empresa reduz as especificações e consequentemente o preço, ou simplesmente não iremos receber novos pedidos.” Ivo desapontado complementava: “O poder de barganha das operadoras de TV se acentuou e não resta alternativa senão analisar nossa estratégia e redefinir o rumo de nossa empresa para o futuro.”

E agora de 2014 em diante?

Os gestores da Famaval, depois do abismo de 2013, perante diversas forças competitivas, tiveram de repensar toda a sua estratégia para 2014 e anos seguintes. Suas dúvidas eram: A Famaval deveria continuar apostando em crescimento no Brasil para aproveitar economia de escala, reduzir sua estrutura e consequente menos vendas ou simplesmente abandonar este mercado que se apresentava adverso? Optando por continuar, a empresa se depararia com necessidade de tomada de decisões em três áreas: produção, localização e produto. Na primeira, relacionada com a produção, as dúvidas seriam: A Famaval deveria continuar com dependência da importação de sua matriz, deveria adquirir de outros países mais competitivos ou deveria desenvolver a internalização de sua produção? Na segunda, relativa à localização, as dúvidas seriam: A empresa deveria manter sua unidade em SP e não atender 40% de um dos seus clientes, deveria abrir uma segunda unidade em outro estado ou simplesmente mudar sua unidade atual para outro estado? António e Ivo visualizavam que a decisão de localização dependeria da decisão sobre a produção, uma vez que era necessário analisar o local ideal para importar ou produzir. Por último, relativamente ao produto, as dúvidas da empresa seriam: A Famaval deveria manter seu produto mesmo com risco de perder vendas ou deveria permitir reduzir especificações de forma a conseguir reduzir o preço para manter ou aumentar quota de mercado?

NOTAS DE ENSINO

OBJETIVOS EDUCACIONAIS E UTILIZAÇÃO RECOMENDADA

O caso “Depois da bonança veio o abismo, e agora?” trata da caminhada da empresa Famaval no mercado brasileiro. Esta situação real iniciou em 2008, seguindo-se 4 anos de crescimento (período de bonança), mas em 2013 (período de abismo) a empresa obteve resultados negativos, tendo então a empresa o dilema de seu futuro por solucionar. Este caso trata da necessidade constante do alinhamento estratégico da empresa com o ambiente externo e da evolução da empresa num ambiente marcado por mudança e incerteza.

O estudo tem por objetivo levar os alunos ou profissionais de empresas a vivenciar decisões estratégicas, com enfoque nas forças competitivas que moldam a estratégia das empresas industriais (cinco forças de Porter) e análise de ambiente interno e externo (matriz FOFA - Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças). O estudo possibilita ao aluno avaliar tanto o ambiente externo quanto o ambiente interno, que moldam o comportamento estratégico de uma organização. O aluno poderá analisar o cenário passado, atual e prever eventuais cenários futuros. Ele deverá criar estratégias que busquem resolver o dilema, procurando obter vantagem competitiva, considerando as características da empresa e do mercado.

O caso foi desenvolvido para utilização em disciplinas relacionadas com gestão estratégica empresarial e gestão mercadológica. O nível recomendado é para cursos de graduação ou formação executiva em Administração. A proposta para aplicação do caso inicia com o instrutor apresentando o caso, em seguida deve dividir a turma em grupos, no máximo 3 pessoas, para que, com a leitura do caso, o dilema seja discutido e entendido. Após esta etapa, o instrutor pode apresentar as questões para discussão (apresentadas na seção 3) para que cada grupo formule uma resposta. No final, sugere-se uma discussão com todos em conjunto e, de forma indutiva, o instrutor deverá amarrar os referencias teóricos: Análise estrutural da indústria (cinco forças de Porter), Matriz FOFA e Estratégicas Genéricas de Porter.

2. FONTES DE DADOS

O autor era um dos funcionários da empresa que vivenciou este caso e juntamente com entrevistas a outros intervenientes procedeu à elaboração deste caso para ensino. Os dados primários foram obtidos em entrevista pessoal com António (administrador da Famaval no Brasil) no dia 6 de abril de 2018, com início às 10h e duração aproximada de duas horas. Também se realizou entrevista por meio de videoconferência, para complemento e cruzamento de informações, com Ivo (administrador da Famaval em Portugal) no dia 6 de abril de 2018, com início às 14h e duração aproximada de duas horas. Os dados primários foram complementados com as recordações do autor do artigo e com dados secundários com relatórios gerenciais da empresa Famaval.

3. QUESTÕES PARA DISCUSSÃO

1 – Na posição da administração da Famaval e considerando uma decisão estratégica, você continuaria no Brasil para crescer e aproveitar economia de escala, reduziria a estrutura e consequente quota ou abandonaria este mercado que está a ser adverso para a empresa? Justifique sua resposta.

2 – Optando pela continuidade no Brasil, como deveria ser a estratégia da administração da Famaval na abordagem a esse mercado? Justifique.

3 – Optando pela continuidade no mercado, que deveria a administração da Famaval fazer no que diz respeito à sua produção e à sua localização? Avalie e justifique se priorizaria a produção ou a importação, onde produziria ou de onde importaria.

4 – Optando pela continuidade no mercado, que deveria a administração da Famaval fazer no que diz respeito ao seu produto? Avalie e justifique se priorizaria a manutenção de seu padrão ou reduziria para conseguir ser concorrencial em nível de preço.

5 – Apresente, sob forma de um quadro, as características da empresa e do meio envolvente relatado no caso, tanto para o período de bonança como o de abismo. Explique as variações encontradas nessas características entre esses períodos e informe eventuais conexões com as respostas apresentadas nas questões anteriores.

4. REVISÃO DE LITERATURA E ANÁLISE DO CASO

Questão 1

A Famaval optou por continuar no Brasil, não reduzindo sua estrutura e não desistindo do mercado, tendo como o objetivo a recriação de vantagem competitiva que permita a empresa a voltar a ter resultados. Segundo Porter (1998), a criação de vantagem competitiva é um desafio recorrente e contínuo das organizações e esse processo depende do uso produtivo dos insumos ou da constante inovação.

No caso, explana-se “Em 2013 surge instabilidade no Brasil mediante protestos”, instabilidade que se tornou política, social e econômica, mas a administração da empresa visualizava sinais de que o país iria recuperar crescimento econômico e melhores índices de ética e transparência. A empresa pode se posicionar de modo que suas capacidades proporcionem superior defesa contra o conjunto de forças existentes, antecipar as mudanças nos fatores básicos das forças e responder a elas, ou tentar influenciar o equilíbrio de forças com base em movimentos estratégicos (Porter, 2004).

Apesar de no caso serem apresentadas várias situações que não são controláveis pela empresa e facilmente poderiam levar a empresa a deixar o país, por exemplo, a taxa de câmbio, não seria fácil encontrar outro mercado desta dimensão que permita economia de escala. Também se via apetitoso para a empresa, devido às afinidades culturais entre os dois países. Para Moraes e Fernandes (2010), as economias de escala dificultam a entrada de novos competidores e elas podem ser obtidas por meio de atividades compartilháveis, redução de custos, políticas governamentais, entre outros.

Embora as novas tecnologias apresentadas no caso, o mercado consumia ainda relevantes quantidades de antenas parabólicas, porque a banda larga com qualidade suficiente para visualizar TV estava apenas disponível nos grandes centros urbanos. Deluca e Ramos (2004) enfatizam que o mercado é um orientador fundamental ao elaborar a estratégia, porque ao analisar o ambiente externo envolvente, a organização poderá identificar novas tendências e necessidades, posicionando-se rapidamente para seu atendimento.

O Brasil apresentava um sistema tributário complexo que tanto poderia ser facilitador como complicador. A administração da empresa acreditava que, investindo em seu capital humano, poderia transformar esse sistema tributário adverso de 2013, retratado no caso, num diferencial competitivo. Segundo Porter (1989), a vantagem competitiva origina-se das distintas atividades executadas na empresa, seja na produção, no marketing, na entrega ou mesmo no suporte de seu produto.

Em 2013 a concorrência estava enfraquecendo, conforme está enfatizado no caso: “Em 2013 a empresa paranaense concorrente da Famaval, entre 2009 e 2012, desinteressava-se do negócio e deixava de importar relevantes quantidades de antenas”. Assim, a Famaval visualizava melhores condições para vencer no mercado nos anos seguintes. Porter (2004) enfatiza que a concorrência diminui quando menos empresas de um mesmo setor vislumbram oportunidades de melhorar sua posição.

A manutenção da empresa no mercado sem reduzir a estrutura teria como desvantagem a continuação de forte dependência no Brasil e num reduzido número de clientes com alto poder de barganha. Também a Famaval, para suportar o capital de giro necessário, precisou de novas fontes de financiamento, porque as operadoras desejavam prazos de pagamento mais dilatados. Para Gonçalves, Moreira, Oliveira, Ferreira e Coleta (2002), numa empresa a estratégia está relacionada com a arte de utilizar adequadamente os recursos financeiros, físicos e humanos, tendo em vista a minimização dos problemas e a maximização das oportunidades do ambiente da empresa.

A empresa poderia ter optado por continuar no mercado com redução da sua estrutura. Nesse caso, teria a necessidade de se ajustar para um nível menor de faturamento. A Famaval não o fez porque sua administração visualizava que só faria sentido estar presente no Brasil com pujança para usufruir da economia de escala que o enorme mercado possibilitava. Para Deluca e Ramos (2004), para a estratégia ter sucesso em uma organização, é fundamental a mesma se adequar ao ambiente que está inserida, de modo que possa buscar uma posição favorável.

A empresa poderia ter optado pela saída do mercado e assim deixaria um mercado que estava sendo adverso, concentrando seus esforços em outros que pudessem ser rentáveis. Depois de vários anos no mercado brasileiro e diversos investimentos realizados, a empresa achou que a saída poderia ser penosa do ponto de vista financeiro. A eventual venda de seus ativos, para além de difícil no curto prazo, seria certamente por preços inferiores ao valor real.

Questão 2

Após decisão de manter no mercado, a administração iniciou um estudo para adequar sua estratégia. Segundo Porter (2004), a empresa, diagnosticando as forças que afetam a concorrência numa indústria e suas causas básicas, está em posição para definir sua estratégia, ou seja, definir seu posicionamento da empresa. Para o autor, esse posicionamento pode ser defensivo ou ofensivo quanto às causas básicas de cada força competitiva.

A Famaval definiu como estratégia para 2014 conseguir voltar a crescer sem visar à liderança, optando pelo enfoque no atendimento às operadoras já clientes. Porter (2004) aborda três estratégicas genéricas competitivas que são posicionamentos em relação à liderança em custo ou à diferenciação. Para o autor, caso a estratégia não vise à liderança, denomina-se enfoque. A estratégia enfoque tem objetivo de a empresa ser capaz de atender seu determinado grupo comprador, mais efetiva ou eficientemente do que os concorrentes que estão competindo de forma mais ampla (Porter, 2004).

A Famaval decidiu também que o atendimento às operadoras deveria ser de forma a não priorizar alto crescimento. Porter (2004) alerta que a decisão de aumentar a capacidade de fornecimento deve ser avaliada com precaução, porque o rompimento do equilíbrio entre a oferta e a procura pode aumentar o poder de barganha dos clientes.

A empresa poderia ter optado pela estratégica genérica liderança em custos. Não o fez porque seus concorrentes eram empresas que importavam seus produtos da China, onde os custos de produção são inferiores.

A empresa também poderia ter optado por liderança em diferenciação. Não o fez porque as operadoras raramente aceitam diferenciação no produto ou no processo, limitando seus fornecedores a cumprir suas especificações.

A empresa acreditava poder continuar a desenvolver algumas de suas vantagens latentes no tempo da bonança, como era o caso da experiência, do conhecimento de sua área técnica e da confiabilidade de seu produto. Segundo Porter (1989), a posição estratégica deve ser imposta, portanto deliberada, assim a empresa deve buscar um conjunto de atividades que proporcione uma posição estratégica ímpar e de valor no mercado.

Questão 3

A empresa Famaval tomou três decisões relativas à sua estratégia para produzir ou importar, o quê e onde. Conforme o texto, em 2013 notava-se que o fabricante nacional estava a mostrar competitividade em relação ao importador. Esse fato teve como principal responsável a taxa de câmbio que nesse ano era muito superior aos anteriores. Então, a primeira decisão da Famaval foi mover partes de sua produção de Portugal para o Brasil, a injeção plástica de peças que compõem as antenas e a conformação de tubos aço carbono redondo e retangular. Com a conformação de tubo no Brasil, foi preciso encontrar um fornecedor terceirizado de pintura a pó para pintá-los. Assim, a empresa reduziu o coeficiente de importação da antena, sendo em alguns momentos, dependendo do câmbio, excluído da aplicabilidade da resolução 13, voltando a ser taxado com ICMS interestadual de 12%. Com essa decisão, a empresa passou a ter uma correlação menor com a taxa cambial, podendo ofertar preços melhores e mais estáveis em cada contrato. Segundo Vargas, Moura, Bueno e Paim (2013), ao identificar uma vantagem competitiva numa empresa, os gestores devem intensificar o desenvolvimento dessa vantagem para que ela cada vez mais se sobressaia perante os concorrentes, assim como desenvolver outras que possam vir a ser também vantagens competitivas. Reconhecia-se que os custos da mão de obra e a produtividade no Brasil não eram vantagem competitiva, mas existiam empresas referência para o fornecimento das matérias-primas de injeção plástica e de tubo aço carbono. A Famaval escolheu a conformação porque o tubo era uma peça que ocupava muito espaço nos containers e implicava um superior custo logístico na importação e a injeção plástica porque era um processo automatizado que recorre a pouca mão de obra.

Para além do protagonismo do fabricante nacional, verificava-se também em 2013 o surgimento de empresas importadoras, trazendo mercadorias por estados diferentes do habitual, como o maior porto no país no estado SP. Começavam a surgir no mercado rumores da existência de melhores e maiores benefícios em estados como ES ou SC. A empresa toma sua segunda decisão, anunciando a abertura de filial no estado de SC para proceder às importações pelo Porto de Itajaí. Nesse porto, ao importador era cobrado o ICMS Interestadual de 4% e não o ICMS Intraestadual de 18% que acontecia em SP. Com isso, o acúmulo de crédito de ICMS reportado no caso deixaria de existir. Para além disso, os custos no Porto de Itajaí se mostraram inferiores aos de Santos e em SC as empresas poderiam ter acesso a benefícios fiscais. A Famaval, mediante esta segunda unidade no Brasil, num estado diferente de SP, poderia fornecer em triangulação o estado de SP no caso da operadora com sede no RJ reportado no caso. A nova filial, para além de importadora, foi transformada como unidade produtiva, porque nessa região se encontravam fabricantes de parafusos, laminadores de folhas de aço, conformadores de tubo e injetoras de peças plásticas. SC também se destacava com farta logística rodoviária para o Sudeste e Centro-Oeste e regular logística via marítima para Norte e Nordeste. Segundo Vargas et al (2013), é muito importante a relação da empresa com o contexto do ambiente, na formulação de estratégia e na implantação de um planejamento, pois o planejamento direciona as ações para o atendimento das necessidades e exploração das potencialidades. Outros estados se apresentaram como fortes alternativas para a Famaval e poderiam ter sido escolhidos, como exemplo, o ES. A empresa escolheu Santa Catarina devido à maior proximidade com seus principais clientes e sua unidade de SP.

A última decisão da empresa foi passar a produção de um dos modelos de antena que mais sofria para ser competitiva para um fabricante na China, mas sob desenho e controle da Famaval em Portugal. Porter (2004) confirma que os fornecedores influenciam a rentabilidade de uma indústria. Embora os custos de produção fossem inferiores na China, era consensual que a maioria desses produtos eram de inferior qualidade. Ao obrigar o fabricante chinês a produzir sob sua especificação, a Famaval pensava eliminar o risco de seu produto ser confundido com os habituais chineses presentes no mercado. A Famaval precisava também controlar a qualidade dessa produção para assim garantir os padrões mínimos que a empresa sempre habituou os clientes. Assim, a empresa deslocou para a China um funcionário para implementar esse controle. A Famaval escolheu um fabricante que conhecia há bastante tempo, que era também referência para este produto, e se mostrou disponível para cooperar tanto no Brasil como em outros mercados. Escolhendo uma empresa referência, a Famaval esperava reduzir riscos na qualidade de produto, no cumprimento de prazos de entrega e fortalecia a parceria com essa empresa, que em outros tempos e mercados foi um feroz concorrente. No entanto, a partir desse momento, a empresa corria o risco de o fabricante chinês divulgar seu conhecimento repassado ou vender o seu próprio produto no mercado.

Questão 4

A empresa Famaval tomou três decisões para seu produto. Primeiro, ela permitiu que o departamento de P&D reduzisse algumas especificações com impacto no custo, mas que nunca se coloquem em causa os mínimos que a empresa sempre habituou seus clientes. Segundo Kotler (2000), a definição correta do produto, preço, praça e promoção evidencia como importância fundamental para o sucesso da empresa em um ambiente competitivo. Como exemplo, a empresa decidiu que podia reduzir espessuras em peças, desde que elas não apresentassem problemas nas cargas de vento mínimas obrigatórias dos clientes. A empresa acabou também utilizando de imediato a inovação explanada pelo concorrente no caso “tubo que suporta a antena era habitualmente de 40mm de diâmetro, mas esse fornecedor introduziu no mercado um tubo de 32mm”. Noutro caso, a empresa não permitiu reduzir sua espessura de pintura, porque, contrariamente aos concorrentes, qualquer antena Famaval no Brasil, após 2 anos, estará sem ferrugem, mantendo sua imagem e reputação. A empresa desejava um equilíbrio entre preço e qualidade, de acordo com sua estratégia de enfoque no atendimento aos requisitos dos clientes.

Segundo, a Famaval introduziu melhorias que reduziram custo de produção ou custo logístico, tanto dentro da própria empresa como já na cadeia de distribuição do cliente. Foram propostas dezenas de alterações, tais como: aumento de quantidades por caixa para otimizar caminhões contratados; redução de espaços vazios mediante introdução de outros métodos de embalagem; definição de padrões de embalagem para atacado e varejo; planejamento de modelo de entrega direta a distribuidor, em vez de usar CD por região. Para Porter (2004), na estratégia genérica competitiva enfoque, a empresa atinge a diferenciação por satisfazer melhor as necessidades de seu alvo particular, ou por ter custos menores na obtenção desse alvo, ou ambos.

Por último, a Famaval criou um comitê de P&D para em 3 anos conseguir desenvolver e colocar no mercado um produto que se adéque à Banda Larga. Porter (2004) esclarece que os produtos substitutos que exigem maior atenção são aqueles sujeitos às tendências de melhoramento do preço-desempenho. Embora a utilização da antena como meio de transmissão do sinal de TV ainda perdure, nota-se já uma migração significativa para a Banda Larga usando a internet como plataforma. Como a empresa não contém qualquer produto para esse meio, torna-se imperioso desenvolver uma inovação, caso contrário correrá o risco de perder a longo prazo o mercado da distribuição do sinal de TV. Como era uma nova tecnologia para a Famaval, ela precisava desenvolver sua equipe técnica ou adquirir o conhecimento de entidades terceiras.

A empresa poderia optar por manter seu produto padrão e tentar redução de custo noutros fatores. Não o fez porque ela verificava que todos seus clientes apresentavam diminuição das especificações impostas pela necessidade de reduzir o preço de aquisição.

Questão 5

Para Moraes e Fernandes (2010), o entendimento das relações das forças com a empresa é fundamental para a análise da competitividade da própria empresa. De acordo com a Figura 3 verifica-se que os entrantes potenciais e os concorrentes diminuíram de influência no período do abismo em relação ao período bonança, facilitando à Famaval a manutenção ou crescimento no mercado. A influência dos fornecedores se manteve fraca nos dois períodos e assim não seria força para influenciar significativamente a mudança de estratégia.

As forças que mais variaram de um período para o outro foram os compradores, os substitutos e o governo, sendo assim fatores importantes para a nova estratégia da empresa. Os compradores apesar de no período do abismo lançarem especificações técnicas mais condescendentes, tinham aumentado seu poder de barganha porque eram cada vez clientes maiores mediante fusões ou aquisições. Também, exigiam prazo de pagamento mais dilatados, enviavam pedidos com prazos mais curtos e exigiam ajuda de seus fornecedores em processos de melhoria logística e de produto. Os produtos substitutos embora seja uma força que tenha mudado de fraca para forte entre os dois períodos, sua influência no curto prazo não era ainda preponderante, mas deveria ser levada em conta no longo prazo. A popularização dos serviços “streaming” e a crescente demanda do serviço de banda larga explanada no caso alertava a Famaval para introduzir produtos para esta nova tecnologia porque o risco de estes substituírem os atuais da empresa era enorme. O governo foi uma das forças que influenciou o período de abismo passando de moderado a forte através da resolução do senado nº13 informada no texto. Na nova estratégia da empresa para além de ações para minimizar a influência desta força existe também a possibilidade de obtenção de vantagem competitiva, uma vez que, várias decisões estão relacionadas à questão tributária. No Brasil, quando as questões tributárias são analisadas e planejadas profundamente, rapidamente poderão passar de adversas a vantagens competitivas perante seus concorrentes. Segundo Azevedo, Rengel, Malafaia e Thomé (2012), as cinco forças competitivas determinam a intensidade da concorrência e a rentabilidade da organização, sendo que as forças predominantes são essenciais para a formulação de estratégias. Para Porter (2004) a diferenciação está na habilidade de cada empresa lidar com estas forças.

Identificação das 5 Forças de Porter
Figura 3.
Identificação das 5 Forças de Porter
Fonte: Elaborado pelo autor

Para Gonçalves et al (2002), mediante a matriz FOFA, visualiza-se a situação estratégica geral da empresa, por meio do inventário de forças e fraqueza da empresa, das oportunidades e ameaças do meio envolvente e do grau de adequação entre eles. Na análise interna da própria empresa na matriz da Figura 4, verifica-se que no período do abismo as forças da empresa foram reduzidas em relação ao período da bonança. As características que tornavam a Famaval forte no mercado durante o período da bonança deixaram de ser valorizadas pelos clientes no período do abismo, reduzindo agora a apenas duas: a engenharia de produto própria e a experiência da empresa no setor. As fraquezas no período de bonança eram a dependência de importação e na bonança passaram a ser a localização da empresa no Brasil. Então, a empresa precisava eliminar ou minimizar a fraqueza localização e encontrar e desenvolver características que se tornem forças.

Na análise externa, tanto no período da bonança como no abismo para a formulação de uma nova estratégia se encontram na matriz FOFA diversas oportunidades para serem aproveitadas. Embora o tipo de oportunidade de um período para o outro tenha mudado, o número de oportunidades em qualquer dos períodos se mantém elevado. Na matriz se visualiza no período do abismo um número superior de ameaças e uma maior variedade em relação ao período anterior. Todas as ameaças devem ser levadas em conta para que a nova estratégia as minimize ou as evite. A análise das forças e fraquezas, assim como das oportunidades e ameaças, segundo Wright, Kroll e Parnell (2010 como citado em Azevedo et al., 2012, p. 485), possibilita que a empresa preveja as situações das quais podem tirar vantagem e evite ou minimize as ameaças. Para Gonçalves et al. (2002), os gestores devem conhecer as capacidades e os limites de sua organização para ajustar e direcionar sua estratégia para a procura de oportunidades.

Identificação da matriz FOFA
Figura 4.
Identificação da matriz FOFA
Fonte: Elaborado pelo autor

De acordo com as fases vivenciadas pela empresa descritas no caso, após análise das forças competitivas, ambiente interno e externo, decorrente das ações tomadas em 2014, a empresa visualizava nos 4 anos seguintes (2015-2019) um novo período de bonança. Embora algumas variáveis não sejam controladas pela empresa, como o crescimento econômico do país, a ética e a transparência no mercado, a complexidade do sistema tributário, algumas delas apresentavam já em 2014 sinais de melhoria. A empresa também deverá aproveitar no curto prazo o abrandamento da intensidade da concorrência, assim como manutenção da necessidade do uso da antena como meio de transmissão de TV. Com a internalização de parte da produção e a criação da filial de Itajaí, a empresa se torna mais diversa, flexível, competitiva, imune a forças, como a taxa de câmbio e com possibilidade de atender a 100% todos os clientes. Com a terceirização de partes da produção na China, a empresa se torna também competitiva. Com a redução de especificações sem ultrapassar limites mínimos estipulados, otimização de produtos e processos, a empresa reforça seu posicionamento estratégico de enfoque junto às operadoras de TV por assinatura, mantendo sua imagem. A empresa esperava que no eventual novo período de bonança continuariam a existir forças, como o caso dos produtos substitutos, o governo e os compradores. Mas a empresa esperava conseguir prevalecer no mercado suas próprias forças, tais como conhecimento técnico, experiência, confiabilidade, diversidade, flexibilidade e localização.

Referencias

Azevedo, D. B., Rengel, L. A. A. S., Malafaia, G. C. & Thome, K. M. (2012). Estratégia competitiva de uma multinacional estrangeira na avicultura de postura no Brasil. Revista de Administração da Universidade Federal de Santa Maria, 5(3), 479-492

Deluca, M. & Ramos, M. (2004). Varejo supermercadista da grande Florianópolis: Uma análise das cinco forças competitivas de Porter. Revista de Negócios, 9(1), 51-60

Gonçalves, C. A., Moreira, J. C., Oliveira, D. F., Ferreira, R. F. & Coleta, K. A. P. G. (2002). Análise de um alinhamento estratégico a partir da combinação de FOFAS com os FCS. Revista de administração FACES Journal, 1(2), 67-96

Kotler, P. (2000). Administração de marketing (10a ed.) Rio de Janeiro: Pioneira.

Moraes, R. O. & Fernandes, R. B. (2010). Tecnologia e forças competitivas: estudo de caso sobre o VOIP em uma concessionária de telecomunicações. Revista Produção online. 10(2), 297-324

Porter, M. E. (1989). Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior (19a ed.) Rio de Janeiro: Campus

Porter, M. E. (2004). Estratégia competitiva: técnicas para análise da indústria e da concorrência (18a ed.). Rio de Janeiro: Elsevier.

Vargas, K. S., Moura, G. L., Bueno, D. F. S. & Paim, E. S. E. (2013). A cadeia de valores e as cinco forças competitivas como metodologia de planejamento estratégico. Revista Brasileira de Estratégia, 6(1), 11-22.

Notas

Editor de Seção: Profa. Dra. Flávia Freitas
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