AS CATEGORIAS DA FORMAÇÃO EMPREENDEDORA E A MOBILIZAÇÃO DE COMPETÊNCIAS NO AMBIENTE DE ENSINO SUPERIOR

CATEGORIES OF ENTREPRENEURIAL TRAINING AND SKILLS MOBILIZATION IN THE HIGHER EDUCATION ENVIRONMENT

CATEGORÍAS DE FORMACIÓN PARA EMPRENDEDORES Y MOVILIZACIÓN DE HABILIDADES EN EL ENTORNO DE LA EDUCACIÓN SUPERIOR

MARCELO ROGER MENEGHATTI
Universidade Nove de Julho, Brasil
ROBERTO LIMA RUAS
Universidade Nove de Julho, Brasil
PRISCILA REZENDE DA COSTA
Universidade Nove de Julho, Brasil
CRISTIANE DREBES PEDRON
Universidade Nove de Julho, Brasil

AS CATEGORIAS DA FORMAÇÃO EMPREENDEDORA E A MOBILIZAÇÃO DE COMPETÊNCIAS NO AMBIENTE DE ENSINO SUPERIOR

Revista Alcance, vol. 27, núm. 2, pp. 251-272, 2020

Universidade do Vale do Itajaí

Recepção: 20/08/2019

Aprovação: 27/11/2019

Resumo: O objetivo deste estudo é identificar e analisar categorias de formação empreendedora a partir da percepção/opinião de professores e coordenadores em Instituições de Ensino Superior (IES) localizadas no Brasil, Paraguai e Argentina. No desdobramento da pesquisa, identificou-se a relação dessas categorias com a mobilização de competências empreendedoras. Trata-se de um estudo exploratório qualitativo de característica teórico-prática, cuja etapa analítica principal é realizada por meio do software Iramuteq (i), ao qual se acrescenta a análise de Classificação Hierárquica Descendente e de Similitude (ii), com a finalidade de avançar na compreensão mais profunda dos textos; e do software MAXQDA (iii), para codificação e formação das redes associadas às competências empreendedoras desenvolvidas. Os resultados evidenciaram quatro categorias principais, as quais, segundo os entrevistados, compõem os processos de Formação Empreendedora: intenção de empreender, processos/técnicas da formação empreendedora, aprendizagem empreendedora e estrutura de ensino empregada nessa formação. Ainda como resultados relevantes foram identificadas pelos formadores dezessete competências a serem desenvolvidas entre os alunos. Finalmente, o artigo relaciona essas dezessete competências às categorias da Formação Empreendedora.

Palavras-chave: Aprendizagem Empreendedora, Competências para Empreender, Estrutura de Ensino.

Abstract: This study aims to identify and analyze categories of entrepreneurial formation, based on the opinions of teachers and coordinators in Higher Education Institutions in Brazil, Paraguay and Argentina. During the research, we identified the relationship between these categories and the mobilization of entrepreneurial skills. This is a qualitative exploratory study with theoretical and practical characteristics. The main analytical step was performed using the software program Iramuteq (i), with the addition of the analysis of Descending Hierarchical Classification and Similitude (ii), seeking to obtain a deeper understanding of the texts. And the software program MAXQDA (iii) was used for the coding and formation of the networks associated with the entrepreneurial skills developed. The results showed four main categories, which, according to the interviewees, make up the Entrepreneurial Training processes: intention to undertake, processes/techniques of entrepreneurial training, entrepreneurial learning, and the teaching structure used in this training. Another relevant result was the identification, by the trainers, of seventeen competencies to be developed among the students. Finally, the article relates these seventeen competencies to the Entrepreneurial Training categories.

Keywords: Entrepreneurial learning, Skills to undertake, Teaching structure.

Resumen: El objetivo de este estudio es identificar y analizar categorías de formación para emprendedor a partir de la opinión de docentes y coordinadores en Instituciones de Educación Superior (IES) ubicadas en Brasil, Paraguay y Argentina. En el desarrollo de la investigación, identificamos la relación de estas categorías con la movilización de habilidades empresariales. Este es un estudio exploratorio cualitativo de características teóricas y prácticas, cuyo paso analítico principal se realiza utilizando el software Iramuteq (i), al cual se agrega el análisis de Clasificación Jerárquica Descendente y Similitud (ii), con el propósito de avanzar en la comprensión más profunda de los textos y, desde el software MAXQDA (iii), para la codificación y formación de las redes asociadas con las habilidades empresariales desarrolladas allí. Los resultados mostraron cuatro categorías principales que, según los entrevistados, conforman los procesos de Formación para Emprendedor: la intención de emprender, los procesos/técnicas de formación para emprendedor, el aprendizaje empresarial y la estructura de enseñanza empleada en esta capacitación. También como resultados relevantes fueron identificados por los entrenadores diecisiete habilidades que se desarrollarán entre los estudiantes. Finalmente, el artículo relaciona estas diecisiete competencias con las categorías de Formación para Emprendedor.

Palabras clave: Aprendizaje empresarial, Habilidades para emprender, Estructura docente.

INTRODUÇÃO

A prática do empreendedorismo é referenciada por conceitos diversificados e multifacetados, mas que apresenta certo consenso na forma de um processo contínuo de desenvolvimento do empreendedor, no qual os indivíduos desenvolvem e aplicam ideias visando obter resultados positivos em suas ações e, como consequência, conseguir sucesso econômico (Blackburn, 2011). Esta definição pressupõe que a trajetória do empreendedor compreende um processo permanente de alternativas de aprendizagem e de desenvolvimento de competências, relacionadas à atuação empreendedora (Baron & Shane, 2007; Landström & Lohrke, 2010).

A aprendizagem do empreendedor, em função do amplo espectro de alternativas e possibilidades, pode, de forma simplificada, ser entendida como a aprendizagem que ocorre em vários contextos de sua vida pessoal e profissional, resultando no desenvolvimento de competências e habilidades que o capacitam a atuar como empreendedor. Essa aprendizagem pode ocorrer de maneira formal – por meio de atividades organizadas num programa ou instituição voltada à formação de empreendedores, tais como cursos, seminários, exercícios, etc., ou de maneira informal, por meio de autodesenvolvimento, com base em suas experiências pessoais e/ou profissionais ou, ainda, na aprendizagem originada na imitação das ações de outros empreendedores. O que se espera, por meio desses processos de aprendizagem, é o desenvolvimento de competências associadas à atuação empreendedora (Fortin, 1992).

Autores como Hägg e Kurczewska (2016) destacam a necessidade de novas pesquisas teórico-empíricas contribuindo para elucidar questões ainda pouco nítidas acerca da aprendizagem no ambiente do empreendedorismo. Um destes caminhos seria investigar processos que articulassem modos formais e informais de aprendizagem, examinando a própria atuação do empreendedor e valorizando temas como significado da ação, experiência e reflexão nesses processos (Shane & Venkataraman, 2000; Blackburn, 2011).

Nessa perspectiva, se entende que a noção de Formação Empreendedora é capaz de tratar simultaneamente dos aspectos formais e informais da aprendizagem do empreendedor, bem como dos conhecimentos e das experiências necessárias a sua atuação e por isso constitui um dos conceitos-chave deste trabalho. Segundo Gartner (1998), Formação Empreendedora pode ser definida como um processo que proporciona ao indivíduo conhecimentos, habilidades e atitudes capazes de capacitá-lo a buscar oportunidades e criar novos projetos. De fato, a noção de Formação Empreendedora compreende tanto as ações e iniciativas que pretendem desenvolver as capacidades do empreendedor, quanto o impacto delas sobre suas competências e atributos. Como se observa, a Formação Empreendedora não é um fenômeno isolado do seu contexto (Shane & Venkataraman, 2000); ao contrário, pois é por meio de sua perspectiva histórica, social e/ou econômica, associada ao processo de formação em diferentes instituições e regiões, que se desenvolve a aprendizagem dos indivíduos. Formação Empreendedora é um processo que pode ser desenvolvido em várias instâncias formativas e institucionais. Um dos ambientes mais propícios a essa iniciativa é o das Instituições de Ensino Superior (IES).

Mas quais são os principais elementos estruturais do processo de Formação de Empreendedores em ambiente de Instituição de Ensino Superior (IES)? Que tipo de competências associadas ao empreendedorismo esse modelo de aprendizagem formal pode desenvolver/mobilizar? Essas são as principais questões que impulsionam este trabalho.

As respostas a estas questões posicionaram esta pesquisa no rumo de uma investigação acerca dos princípios e das formas de atuação de programas de Formação Empreendedora, desenvolvidos em IES. Nesse sentido, selecionaram-se IES que atendessem os seguintes critérios: experiência consolidada em programas de formação de empreendedores e oportunidade de acesso. Os mesmos critérios foram utilizados para selecionar profissionais atuando como formadores – coordenadores e professores – nestes programas. As IES investigadas se localizam em 3 países: Argentina, Paraguai e Brasil, e em regiões que apresentam certa proximidade em relação ao oeste do Paraná.

Este estudo segue uma abordagem qualitativa e exploratória. Segundo a literatura sobre metodologia, esta abordagem é recomendada para ampliar o conhecimento sobre determinado assunto cujo debate é ainda incipiente, não sendo por isso mesmo recomendada a elaboração prévia de hipóteses. É possível que após uma pesquisa exploratória seja possível desenhar hipóteses para um estudo que segue (Polit & Hungler, 1987; Theodorson & Theodorson, 1969). A etapa analítica foi realizada por meio do software Iramuteq (i), ao qual se acrescenta a análise de Classificação Hierárquica Descendente e de Similitude (ii), com a finalidade de avançar na compreensão mais profunda dos textos, e do software MAXQDA (iii), para codificação e formação das redes associadas às competências empreendedoras citadas pelos entrevistados.

Entre os principais resultados, destaca-se a identificação da estrutura dominante empregada no ensino do empreendedorismo, a qual se denominam categorias da Formação Empreendedora e a confirmação de que o relacionamento entre teoria e prática constitui um elemento relevante para a aprendizagem do empreendedor no ambiente investigado. As quatro categorias da Formação Empreendedora identificadas foram: intenção de empreender, processos/técnicas da formação empreendedora, aprendizagem empreendedora e estrutura de ensino empregada nessa formação. Ainda como resultados relevantes da pesquisa foram identificadas pelos formadores entrevistados dezessete competências principais que recomendaram como muito relevantes para aqueles estudantes que pretendem construírem-se empreendedores. Finalmente, o artigo relaciona tais competências às categorias da Formação Empreendedora.

2 A FORMAÇÃO DO EMPREENDEDOR

Por muito tempo foi discutido o potencial do empreendedor e se é possível formar um, ou se trata apenas de um perfil referencial, mas fora esclarecido pela literatura que se pode aprender a ser um empreendedor (Cope, 2005; Politis, 2005). Essas questões foram esclarecidas, porém o conceito evoluiu e a forma de entender o empreendedorismo também é aprimorada com estudos e análises sociais. Nesta perspectiva, a noção de empreendedorismo é entendida como um processo ou fenômeno complexo que requer persistência (Frese, 2009) e também como uma revolução (Timmons, 1990), sendo entendida pela inovação ou pelo uso e elaboração dos recursos (Penrose, 1959; Schumpeter, 1982; Zen & Fracasso, 2008).

A formação do indivíduo empreendedor é atribuída também às influências das oportunidades, como surgem ou são criadas, e às próprias relações delas com os indivíduos, pois interferem na formação do empreendedor. Esse pensamento provocado por Shane e Venkataraman (2000) ajuda a entender que a formação do empreendedor não acontece isolada, mas sempre imersa a um contexto. A relação entre a formação do indivíduo para ser empreendedor e o contexto em que está inserido permite verificar que o conceito, ou mesmo o perfil do empreendedor, são dinâmicos (Blackburn, 2011).

O empreendedor deriva de seu próprio contexto e de sua época, sofrendo fortes influências em sua formação, evidenciando uma evolução do conceito e do perfil do indivíduo empreendedor (Bruyat & Julien, 2000). Esta formação tem o objetivo de auxiliar na tomada de decisão empreendedora (Shane & Venkataraman, 2000). Diferente da formação gerencial, que pretende transmitir o conhecimento prático e experiências, a formação empreendedora também atua no campo do autoconhecimento, possibilitando assim formar indivíduos com características de adaptabilidade e, principalmente, perseverança para enfrentar cenários dinâmicos (Filion, 1990, 2000).

A formação do indivíduo empreendedor está relacionada com sua interpretação sobre certo evento e/ou contexto setorial (Filion, 2000). Por isso, a inclusão do tema no ensino superior pode ser fundamental para capacitar e formar o empreendedor, fazendo com que consiga realizar análises produtivas a partir dos contextos em que surgem as oportunidades. O que se pretende com a formação é desenvolver competências que possibilitem ao indivíduo alcançar o sucesso em seus objetivos (Fortin, 1992).

A formação do empreendedor, que é o esforço de construir e mobilizar competências voltadas à abertura de empresas e gerenciamento de oportunidades, demanda, a priori, a formatação de um processo de formação e aprendizagem desse empreendedor. Este processo de formação precisa proporcionar ao indivíduo o conhecimento, as habilidades e as atitudes capazes de encontrar oportunidades e criar novas empresas (Gartner, 1988).

O desenvolvimento de competências para a atuação empreendedora baseia-se na apropriação de experiências e fatos vivenciados pelo treinando. É a apropriação de experiências que mobiliza o aprimoramento de competências e/ou a criação de novas competências na formação de empreendedores (Cope, 2005; Politis, 2005). As experiências e o conhecimento acumulado ao longo do tempo, juntos a um processo de reflexão sobre a própria prática, são os fatores mobilizadores destas competências (Cope, 2005; Kolb, 1984; Politis, 2005). Esse processo é citado na literatura tanto de aprendizagem (Kolb, 1984) como na de empreendedorismo (Cope, 2005), como um fenômeno cíclico, podendo ser aprimorado a cada nova experiência.

Assim, a aprendizagem ou a formação de competências com base na experiência, embora receba forte influência do ambiente, depende da atuação do próprio indivíduo no sentido de conseguir apropriar os resultados da experiência na forma de atributos e competências. A aprendizagem se relaciona assim com a história do próprio empreendedor, é construída individualmente e torna o processo de aprendizagem dinâmico, único e evolutivo, pois cada indivíduo assimila e transforma as informações em conhecimento de acordo com suas próprias experiências (Cope, 2005; Kolb, 1984; Man & Lau, 2000a; Man, 2012).

Ainda merece atenção a reflexão dentro do processo de aprendizagem. Alguns autores atribuem à reflexão o próprio ato de aprender, ou seja, uma fase importante do processo que faz com que o indivíduo assimile e tome posse do conteúdo experimentado (Kolb, 1984; Cope & Watts, 2000). É entendida como parte do processo que pertence ao indivíduo, seja motivado ou não para que ela aconteça (Cope, 2003; Cope, 2005).

Portanto, ouvir o formador é importante para entender o processo de aprendizagem de competências empreendedoras. E são justamente os elementos: Aprendizagem empreendedora, Aprendizagem reflexiva e Formação de competências, que motivaram esta investigação. Esses temas serviram de base para coleta de opinião dos formadores e formação do corpus desta pesquisa. Para que a coleta de dados fosse estruturada, além da literatura já citada, outros temas foram sistematizados e utilizados. Como exemplo, a compreensão de que a aprendizagem reflexiva possa interferir na formação de empreendedores (Cope & Watts, 2000; Cope, 2003; Cope, 2005; Kolb, 1984).

3 MÉTODO

A pesquisa que deu origem a esse trabalho foi baseada em método qualitativo, tendo algumas etapas relevantes. A primeira etapa foi a construção de um instrumento de pesquisa capaz de extrair fragmentos do processo de aprendizagem que leva à formação de competências empreendedoras, a qual foi fundamentada na literatura investigada. Na segunda etapa, foi realizada a análise das entrevistas para compreender a profundidade dos textos e visualizar a formação de redes dos elementos tidos como competências empreendedoras. A Figura 1 apresenta uma matriz pontuando as características metodológicas desta pesquisa.

Matriz Metodológica
Figura 1.
Matriz Metodológica
Fonte: Elaborada pelos autores.

As entrevistas foram realizadas com um roteiro semiestruturado. Os entrevistados foram professores e coordenadores de projetos de formação empreendedora no ensino superior, que nesta pesquisa são denominados de formadores. A intenção das entrevistas foi de que os formadores relatassem suas experiências de ensino com o mínimo de interferências do pesquisador. Por isso, as entrevistas foram feitas com um diálogo aberto entre pesquisador e entrevistado, na intenção de deixar cada um dos entrevistados livre para relatar suas percepções sobre o fenômeno a ser pesquisado (Marton, 1981). O instrumento elaborado, que serviu de roteiro, foi montado de acordo com a literatura investigada, e composto por três temas teóricos previamente investigados e apontados na revisão da literatura. A Figura 02 apresenta os temas.

Estrutura teórica do roteiro de entrevista semiestruturada
Figura 2.
Estrutura teórica do roteiro de entrevista semiestruturada
Fonte: Elaborada pelos autores.

Foram entrevistados 19 formadores de 13 instituições diferentes, sendo que um deles é formador em duas instituições. Ainda por se tratar de uma pesquisa exploratória, a intenção foi coletar a maior variação de resultados possíveis, o que justifica a amostra intencional buscando diferentes realidades e experiências. Por isso, as entrevistas aconteceram em três países diferentes, Argentina, Paraguai e Brasil, mais especificamente no oeste do Paraná.

A escolha da região da pesquisa é também justificável pela importância do desenvolvimento regional entre os três países em questão. Esta escolha também é assegurada por uma vasta literatura que trata do desenvolvimento das interações políticas, econômicas e sociais das regiões de fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina. As relações entre esses países ainda podem ser observadas nas pesquisas e nos projetos em conjuntos que zelam pelo desenvolvimento de temas como o que motiva essa pesquisa (Cardin, 2009; Cavatorta, Caldana, & Campanha, 2017; Ferrari, 2013; Canclini, 1997; Julien, 2010; Saraiva, 1998).

Esta variabilidade da amostra garante uma maior possibilidade de visões sobre o fenômeno para a análise do conteúdo (Langely, 1999; Sinkovics & Alfoldi, 2012). Porém, tanto o nome das instituições como dos formadores estão sendo preservados, sendo atribuída uma sigla que substitui ambos os nomes. As siglas utilizadas devem ser entendidas da seguinte maneira: FB1 – Formador do Brasil número um; IB7 – Instituição de Ensino Brasileira número 7; sendo a segunda letra sempre o país de origem. A Figura 3 apresenta as características e os dados de cada entrevistado.

Caracterização dos entrevistados
Figura 3.
Caracterização dos entrevistados
Fonte: Elaborada pelos autores.

As entrevistas foram todas gravadas, gerando um total de 14:13:48 horas de áudio e, posteriormente, transcritas, somando um total de 256 páginas, usadas para montar uma base de dados em arquivo .txt. Em seguida, o material foi importado para o Software Iramuteq 0.7 Alpha 2 .Interface de R pour lês Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires), e para o Software MAXQDA Analytics Pro 2018, ambos utilizados para tratamento de dados qualitativos.

O intuito do uso do software Iramuteq foi de realizar uma análise de conteúdo textual para conhecer o corpus a ser pesquisado. Utilizou-se assim Classificação Hierárquica Descendente, apresentada por um Dendrograma, que visa não apenas dividir os grupos de palavras, mas entender a relação hierárquica das palavras no texto, gerando categorias diferentes nos grupos de palavras. As categorias são definidas pela relação entre as palavras em segmentos do próprio texto definidos pelo software. Elas proporcionam estatísticas diferentes entre si, que depois de agrupadas precisam ser observadas quanto ao seu sentido teórico, ou seja, interpretadas pelo pesquisador (Reinert, 1990). Isto é, em primeiro momento foi realizada uma análise semântica com dados sugeridos pelo sistema, com o intuito de conhecer os temas tratados no corpus, que nesta pesquisa são entendidas como categorias da Formação para o Empreendedorismo.

Em seguida, ainda com Software Iramuteq, foi realizada a Análise de Similitudes, apresentada por rede de palavras, que possibilita visualizar e identificar as ocorrências de palavras, indicando suas conexões e sua estrutura de representação (Marchand & Ratinaud, 2012). Neste momento, buscou-se apresentar a relação das palavras no corpus de pesquisa, possibilitando mostrar como o conteúdo apresenta dados importantes para o tema abordado nas entrevistas.

Por fim, com o Software MAXQDA, foi possível concluir a análise do conteúdo de maneira mais próxima do texto, buscando compreender quais elementos são sinalizados como competências empreendedoras na formação dos empreendedores. Para isso, foram codificadas as principais estruturas do corpus, permitindo visualizar a frequência de cada elemento e suas relações no texto, sendo assim, uma análise dedutiva, por sugerir a busca destes elementos a partir da literatura investigada (Sinkovics & Alfoldi, 2012). Dessa forma, cada um dos momentos de análise é justificado e demonstrado na Figura 4.

Objetivos das fases de análises
Figura 4.
Objetivos das fases de análises
Fonte: Elaborada pelos autores.

A Figura 5 apresenta o modelo da pesquisa e as fases do método. Primeiramente, foram selecionadas do corpus categorias que fazem parte da estrutura da Formação Empreendedora. Em seguida, foram identificados elementos considerados pelos entrevistados como competências importantes na formação de empreendedores. E, por fim, são demonstradas as relações entre as categorias da Formação Empreendedora com as competências citadas.

Modelo da pesquisa
Figura 5.
Modelo da pesquisa
Fonte: Elaborada pelos autores.

Para encontrar as categorias, a partir da análise de Classificação Hierárquica Descendente das palavras, o software divide o corpus em uma série de fragmentos de texto. Estes fragmentos são formados pela análise semântica ser parecida e de eles apresentarem as palavras mais citadas agrupadas em classes. A análise das características de cada uma dessas classes permite a nomenclatura de acordo com o tema de cada uma das classes, aqui tratadas como categorias.

As competências empreendedoras foram selecionadas e coletadas das falas dos entrevistados. São relatos que afirmam que os alunos precisam apresentar tais competências, ou mesmo relatos sobre a importância de formar estas competências nos alunos. Portanto, não se pretendeu nesta análise avaliar a qualidade da visão dos entrevistados acerca do que seria efetivamente uma competência ou um atributo ou, ainda, uma habilidade. As respostas dos entrevistados são mantidas segundo o que apareceram nos resultados e, por isso mesmo, consideradas como competências importantes para que os alunos empreendam.

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Na análise do corpus das entrevistas realizadas com os formadores de empreendedorismo nas IES, foram contadas 82.987 ocorrências de palavras entre os 19 textos transcritos. O total do corpus foi fragmentado 2.347 vezes, e ainda ocorreram 6.130 palavras que foram citadas apenas uma vez no texto. Para as análises foram escolhidas palavras das seguintes classes: adjetivos, verbos e nomes comuns, que foram sugeridos pelo próprio software que usa análise semântica para essa divisão. A Figura 6 mostra o gráfico de Dendrograma, realizado a partir da base montada, que apresenta as palavras mais utilizadas para a divisão de cada uma das classes de palavras que serão tratadas como categorias. O conteúdo analisado foi caracterizado pelo sistema em 4 classes, distribuídas pelas suas respectivas porcentagens de representação.

Dendrograma da Classificação Hierárquica Descendente das Palavras
Figura 6.
Dendrograma da Classificação Hierárquica Descendente das Palavras
Fonte: Dados da pesquisa.

O Dendrograma dividiu as palavras em quatro classes, doravante tratadas como categorias, que se apresentam em dois grupos, sendo o primeiro apenas formado pela categoria 4, e o segundo grupo formado pelas categorias 1, 2 e 3, obedecendo assim suas hierarquias. Essas categorias serão nomeadas de acordo com o emprego das palavras no texto. A Figura 7 ainda mostra as relações destas categorias. É possível perceber que a categoria 3 está no centro do gráfico, ligando as demais, e apenas a categoria 4 assume um posicionamento linearmente distante das demais, deixando claro sua posição hierárquica em relação às demais categorias.

Dimensões das variáveis dos textos
Figura 7.
Dimensões das variáveis dos textos
Fonte: Dados da pesquisa.

As categorias foram nomeadas de acordo com suas características encontradas nas falas dos entrevistados. A categoria 1 foi chamada de Intenção de Empreender, em que ficam evidentes palavras como: querer, mundo, oportunidade, que já refletem a intenção. A seguir são apresentadas algumas falas que justificam este raciocínio:

[...] isso, na minha opinião, é uma ferramenta muito importante, levar para o aluno que ainda nem sabe em qual área ele vai querer se capacitar, mas independente da área ele pode ser empreendedor. FB7

[...] e que ele mesmo seja capaz de empreender dentro dessa formação empreendedora podemos trabalhar o espírito empreendedor porque identifica certas atitudes que eles mesmos não identificavam que são as atitudes próprias de um empreendedor. FP6

[...] para os alunos que passaram por essa experiência e queriam dar continuidade a uma ideia de negócio, oferecemos uma outra opção, que se chama Laboratório de Empreendedores, no qual pode realizar um plano de negócios...FA4

Os trechos selecionados da primeira categoria refletem a preocupação dos formadores em assegurar que os alunos tenham intenção em empreender, desejando o próprio negócio. Mostram ainda que existe a preocupação em fazer com que os que já tenham a intenção de empreender executem suas ações com sucesso.

A categoria 2 foi nomeada como Processos/Técnicas da Formação Empreendedora, marcada por palavras como formação e aprendizagem. A fala dos entrevistados demonstra a preocupação com estas estruturas.

[...] não somente trabalhamos para fortalecer as competências e ferramentas aprendidas por nossos estudantes na área profissional, mas também para desenvolver essa atitude empreendedora, empreendedores que aprendem durante o processo de formação que temos nos programas de empreendedorismo... FP6

[...] os nossos consultores vão até à empresa e poderiam ali ajudar em alguma questão dessa formação empreendedora do nosso aluno também. FB7

[...] Eu acho que empreendedorismo tem que estar fazendo parte de todos os cursos, eu acho que é válido para todos, eu acho que o Brasil, ele tem um perfil, os acadêmicos, a população, ela tem ali um perfil que tem vontade de aprender e empreender e ter seu próprio negócio. FB8

A categoria 2 é caracterizada por trazer palavras que estão voltadas a uma estrutura educacional e atividades usadas para a formação. Esta categoria no Dendrograma está suportada pela categoria 1, apresentada como intenção de empreender, o que faz todo sentido ao pensar que, para receber ou provocar alguma formação empreendedora, é necessário despertar a intenção de um perfil empreendedor.

A categoria 3 está relacionada com a Aprendizagem Empreendedora. É marcada por palavras como: possibilidade, capacidade, vontade, comprometimento. Foram também separadas algumas falas dos entrevistados que justificam este cluster.

[...] creio que a aprendizagem precisa de uma certa distância [tempo], porque o que se faz agora é a semente para o que acontecerá daqui a dois, três, cinco anos. (...) Porque os que passam por essa experiência [empreendedora] sempre a recordam. FA4

[...] uma carreira de uma metodologia que estamos ensinando de adotar as atitudes empreendedoras, ele vai ter um êxito que é tudo que queremos, é todo um processo e ele vai ir aprendendo primeiro a se conhecer, logo para avaliar as alternativas, tomar as decisões custosas e identificar a oportunidade que sabe que pode levá-lo ao êxito. FP6

[...] quando você vê o aluno colocando em prática o conhecimento, eu acho que é a melhor forma de visualizar o seu resultado. FB8

As afirmações destacadas para a categoria 3 são caracterizadas por algumas palavras que justificam esta nomenclatura de aprendizagem empreendedora, como as palavras ideia e dificuldade, que no texto remetem à dificuldade dos alunos em apresentarem boas ideias inovadoras ou potenciais. Estas falas ainda demonstram preocupações com a aprendizagem e com a avaliação desta aprendizagem, como: “...a melhor forma de visualizar o seu resultado”. FB8.

A categoria 4 recebeu o nome de Estrutura de Ensino. É possível observar tanto no grupo de palavras como na fala dos entrevistados a preocupação de que a IES ofereça uma estrutura para ser utilizada no ensino de competências para o empreendedorismo. Esta estrutura pode ser entendida nas palavras curso, disciplina, sistema, mas também tem relação com a estrutura física, observando espaços dinâmicos para ações dentro deste propósito.

[...] oferecer um espaço e um suporte para os cursos, isso já resultaria na importância e mais confiança aos empreendedores. FP2

Sempre nos preocupamos em lhes dar toda a estrutura legal que tem que seguir para formalizar-se, desde da criação, formalização da empresa, até a parte tributária, que é algo importante para se ter. FP3

[...] Nós temos estrutura física, mas não adiante ter só uma sala, você precisa de toda uma infraestrutura para proporcionar isso. FB7

[...] ainda ele é mais voltado dentro da sala de aula, algumas atividades que a gente enquanto docente tenta trabalhar, estão tentando fazer agora um laboratório, uma parceria para a gente estar fazendo umas atividades que o aluno possa fazer as atividades como se fosse uma escola voltada para isso, sabe, um centro de estudo que possa aplicar e estar auxiliando, colocando em prática esse conhecimento. FB8

Estas categorias de temas extraídos das análises de palavras mais frequentes não são únicas e revelam um dinamismo de tema, que foi reforçado de acordo com a competência, o cargo e a região com que cada entrevistado se encontra. São análises importantes para conhecer a estrutura textual e as percepções dos formadores no processo de formação de empreendedores.

4.1 ANÁLISE DE SIMILITUDES

A análise de similitudes possibilita visualizar a relação e a ocorrência dos resultados pelas palavras mais utilizadas no texto, possibilitando um maior conhecimento sobre o corpus que está sendo observado (Marchand & Ratinaud, 2012). A Figura 8 apresenta a representação gráfica da análise de similitudes realizada com 83 palavras das utilizadas para a análise geral. É possível observar que as relações se formam a partir das palavras: aluno, empreendedor, professor e formação.

Análise de Similitude entre as Palavras
Figura 8.
Análise de Similitude entre as Palavras
Fonte: Dados da pesquisa.

Após a análise da Figura 8, algumas ideias dessa análise ficam mais claras, isso pela relação que as palavras assumem com suas ligações entre elas, formando a rede e os seus aglomerados. Como a preocupação com o aluno e sua relação com o professor, o conhecer prático e o querer empreender: “a partir desse momento que você provoca conhecimento, que você leva esse aluno a querer saber mais, a se propor a aprender, a ele se aperfeiçoar, a ser melhor”, conforme a fala do entrevistado FB8. Essas relações acontecem durante as aulas e deixam claras as tentativas com o processo de aprendizagem que os formadores têm para com os alunos.

Em torno da palavra aluno, a rede forma elos importantes com a palavra professor, que é ligado ao ensino, à partilha e ao treinamento e, ainda, as palavras projeto e ideia, ligadas com as palavras pesquisa e inovação. No texto, isso é ainda mais explícito, mostrando como essas relações acontecem no ambiente das IES:

[...] fundamental poder trabalhar com problemas reais porque muitas vezes acontece que os empreendedores estão com ideias que não estão resolvendo nenhuma necessidade ou algum problema real do mercado, portanto, uma boa estratégia seria poder incrementar projetos de inovação aberta. FA1

[...] Eles têm conhecimento suficiente, o que falta é organizar isso, e encorajar para eles terem ideias e começarem com elas. FP5

[...] E é surpreendente a capacidade que eles têm de trazer soluções novas, porque eles têm ferramentas de buscas em mãos que os permitem pesquisar e buscar coisas novas. FP4

Outro grupo de palavras evidenciado na rede de similitudes foi com a palavra empreendedor, que está relacionada a outras, como: universidade, capacidade e competências. Com a palavra empreendedor ainda é possível visualizar dois elos importantes, um sobre a formação e outro sobre negócios. Nos textos a seguir são demonstradas essas relações apontadas pelos formadores:

[...] Porque o aluno precisa ter seriedade com esses assuntos de empresas, negócios, empreendedorismo, e assim ele também descobre suas próprias capacidades e vontades de empreender, mas tem que ser de forma séria e estruturada, fazendo parte do curso como um programa curricular de formação. FP5

[...] Então, dentro da ideia do chá (conhecimento, habilidade, atitude) a formação já está sendo para isso, para que a pessoa desenvolva isso, é claro que dentro da ideia de capacidade e de competência a gente vai trabalhar duas questões, que é a questão do potencial, então a pessoa às vezes têm potencial mas não usa esse potencial, você às vezes tem que dar toda essa informação que a pessoa precisa, a questão da habilidade a gente precisa aprender a habilidade de cada um, trabalhar para melhor...FB4

A análise da similitude das palavras, realizada pela contagem de vezes que as palavras se repetem e como as mais repetidas se relacionam no texto – Figura 7 – (Marchand & Ratinaud, 2012), colabora para o entendimento de algumas configurações citadas pelos entrevistados presentes nos processos de Educação Empreendedora no ambiente específico das IES. Mesmo que o cenário da IES seja pensado para proporcionar aprendizagem, ele se configura de forma diferente ao se tratar de aprendizagem empreendedora.

4.2 COMPETÊNCIAS MENCIONADAS PELOS ENTREVISTADOS

Para colaborar com o entendimento sobre as pretensões com o processo de formação de empreendedores, foram extraídos das entrevistas elementos julgados como competências importantes para a formação de empreendedores. Entendem-se competências, de uma maneira geral, como a mobilização de capacidades intrínsecas ao indivíduo, tais como conhecimentos, habilidades e atitudes em situação real, na qual há previamente uma expectativa de entrega ou desempenho (Ruas, 2005). Entretanto, nesta análise não se avaliam se as respostas dos entrevistados acerca de competências empreendedoras coincidem ou não com as noções de competências mais empregadas, apresentando em certos casos uma ambiguidade entre as noções de atributos e competências, o que de certa forma reflete o entendimento dos entrevistados acerca dessa questão (LeBoterf, 2003; Sandberg, 2000). A Figura 9 apresenta esses elementos e demostra quantas vezes cada um deles foi citado como uma competência importante para a formação de empreendedores nas universidades.

Competências para empreender na opinião dos formadores
Figura 9.
Competências para empreender na opinião dos formadores
Fonte: Dados da pesquisa

As falas que expressam os elementos mencionados estão demonstradas na Figura 10. Foram dezessete competências bastante diversificadas que podem dar indícios das estratégias de formação priorizadas por cada formador ou instituição. Para esta análise foi considerada apenas uma codificação (uma fala) em cada um dos elementos.

Competências para empreender segundo a percepção/opinião dos formadores
Figura 10.
Competências para empreender segundo a percepção/opinião dos formadores
Fonte: Dados da pesquisa.

As competências então mensuradas pelos entrevistados refletem um anseio na formação dos alunos para o empreendedorismo. Isso não significa que de fato são mobilizadas nas IES em que estes formadores atuam, ou que sejam consideradas pela literatura como competências empreendedoras. Porém, sem dúvidas, são elementos que colaboram com a formação de empreendedores e se tornam úteis na atuação dos mesmos. Também existem relações e afinidades entre as competências, principalmente, entre as competências e as categorias da Educação Empreendedora, e são justamente estas relações entre as categorias que motivam as discussões deste estudo.

4.3 RELAÇÕES ENTRE CATEGORIAS E COMPETÊNCIAS

Para analisar as relações entre as categorias da Educação Empreendedora e as competências empreendedoras, foram levados em consideração alguns critérios que estão expostos nas respectivas figuras desse item. Foi selecionada apenas uma fala dos entrevistados para cada uma das competências, sendo que as frases presentes nas figuras correspondem às falas dos entrevistados na íntegra. A categoria Intenção de Empreender, apresentada na Figura 11, esteve correlacionada com 13 competências.

Competências correlacionadas com Intenção Empreendedora
Figura 11.
Competências correlacionadas com Intenção Empreendedora
Fonte: Dados da pesquisa.

A categoria Processo de Formação Empreendedora, que se correlaciona com 14 das competências mencionadas, é apresentada na Figura 12. É possível observar nas falas dos entrevistados uma preocupação em transferir conteúdos que moldem os alunos para cada uma das competências consideradas importantes na vida dos empreendedores. São relatos que demonstram esforços educacionais para melhorar a aptidão dos alunos.

Competências correlacionadas com Formação Empreendedora
Figura 12.
Competências correlacionadas com Formação Empreendedora
Fonte: Dados da pesquisa.

A Figura 13 apresenta a categoria Aprendizagem Empreendedora com 12 competências correlacionadas. As preocupações expressas nas falas das competências relacionadas com esta categoria se mostram condizentes com a literatura que exprime a tentativa de formar um indivíduo com um perfil dinâmico, e com conhecimento dos processos fundamentais para empreender (Blackburn, 2011; Shane & Venkataraman, 2000).

Competências correlacionadas com Aprendizagem Empreendedora
Figura 13.
Competências correlacionadas com Aprendizagem Empreendedora
Fonte: Dados da pesquisa.

Por fim, com 13 correlações, a Estrutura de Ensino é apresentada na Figura 14. Esta categoria aparece no corpus com dois sentidos distintos, sendo uma estrutura formal de ensino, na qual as IES zelam pela Educação Empreendedora, como no currículo dos cursos, e outro sentido é que as IES precisam facilitar a Educação Empreendedora, oferecendo estrutura de programas de incentivo e espaço físico para provocar a aprendizagem.

Competências correlacionadas com Estrutura de Ensino
Figura 14.
Competências correlacionadas com Estrutura de Ensino
Fonte: Dados da pesquisa.

Estas correlações entre as categorias da Formação Empreendedora e as Competências empreendedoras ajudam a entender a percepção/opinião dos formadores sobre o processo que orienta os alunos a se tornarem um empreendedor. Fica evidente em muitas falas dos entrevistados que as categorias acabam mobilizando competências entre os alunos, como na fala do FP6: “...e tem que treinar toda a parte de inovação, criatividade, agora também tem que fortalecer toda a parte financeira, onde muito poucas vezes os alunos acertam a planificação...”, sendo possível visualizar uma tentativa de formação ou ensino para que o aluno seja criativo.

5 DISCUSSÕES

Conforme se observou na análise do Dendrograma construída a partir dos resultados das entrevistas, alguns conceitos são destacados pelos formadores como fundamentais na formação de empreendedores. Foram quatro as principais categorias da formação empreendedora destacadas neste estudo: Intenção de Empreender; Processos/técnicas da Formação Empreendedora; Aprendizagem Empreendedora; Estrutura de Ensino. A literatura sobre Aprendizagem ou Formação Empreendedora não se resume apenas a estes pontos, mas é condizente com eles. A Intenção de Empreender pode ser mobilizada justamente pela formação que o indivíduo recebe, sendo mobilizada por ferramentas como práticas e políticas educacionais (Hoppe, 2016).

A Formação Empreendedora é um conceito amplo, sendo que o aluno pode ou não ter intenção de empreender após receber esta formação. O processo de Formação Empreendedora, para alguns autores, está relacionado com a forma com que o aluno observa e descobre novas oportunidades (Hajizadeh & Zali, 2016; Shane & Venkataraman, 2000). Para os entrevistados, além da visão de oportunidades, a formação está relacionada com a estrutura educacional e programas que a favoreçam.

Já a Aprendizagem Empreendedora pode ser avaliada por elementos de processos de aprendizagem e também pelos resultados obtidos no tempo pelo aprendiz (Cope, 2005; Gartner, 1988). Os entrevistados reafirmam a ideia de que este é um processo subjetivo, difícil de ser avaliado, sendo que a melhor forma de percepção, segundo eles, é observar alunos enquanto colocam suas ideias em prática e aproveitam as oportunidades que surgem.

Por fim, a Estrutura de Ensino é julgada pelos entrevistados como importante na formação e na aprendizagem de competências empreendedoras. Mais do que um conjunto de processos de formação, a estrutura precisa apresentar uma dimensão física, pois os projetos demandam locais adequados para aplicação, mas com certeza, exigem uma dimensão teórica, que é a orientação para que a intenção empreendedora seja operada de maneira adequada. A relação entre a intenção empreendedora e a estrutura pode também ser observada pela relação de proximidade das palavras entre a categoria 1 e a categoria 4.

A análise de similitude, que buscou as conexões entre as palavras mais utilizadas (Marchand & Ratinaud, 2012), revela que essas expressões foram distribuídas em dois grupos dominantes e de maneira central pelas palavras: aluno e professor; empreendedor e formação. Destaca-se nesta análise que a palavra aprendizagem aparece de maneira menos intensa, e como uma ligação entre as palavras aluno e professor. Como se tratou de um instrumento de coleta de dados aberto, a fim de evitar ao máximo a interferência do pesquisador, a ausência da palavra aprendizagem pode refletir a dificuldade de tratar do tema em função de sua complexidade.

Já as competências empreendedoras, embora consideradas genericamente como o resultado de um processo de aprendizagem, apresentam na verdade uma visão relativamente ambígua entre sua perspectiva teórica (Fortin, 1992; Gartner, 1988) ou baseadas, sobretudo, nas experiências dos empreendedores (Cope, 2005; Politis, 2005). É perceptível durante as análises que, na prática, o conceito de competência empreendedora não apresenta uma definição homogênea e é de fato tratada às vezes como um atributo atitudinal, como uma habilidade ou até mesmo como um conhecimento teórico sobre o empreendedorismo: “que muitos têm, mas ficam travados em alguma parte.” FB7.

Outra contribuição relevante do estudo é a correlação que se estabeleceu na análise entre as competências empreendedoras e as categorias levantadas acerca da formação empreendedora. Para que haja mobilização de competências é preciso um ambiente físico e/ou didático necessário à consolidação da aprendizagem e à constituição de um “formato intelectual” daí resultante. É a partir dessa condição que o aprendiz pode replicar o aprendizado em novas circunstâncias (Cope, 2005; Kolb, 1984; Politis, 2005). A Figura 15 apresenta a configuração e os detalhes destas contribuições da pesquisa.

Contribuições desta pesquisa
Figura 15.
Contribuições desta pesquisa
Fonte: Dados da pesquisa.

Um outro ponto a destacar neste debate se refere à lógica que constitui as categorias que emergiram na análise dos dados. A Intenção de Empreender trata da motivação dos alunos para aprender sobre empreendedorismo, o que é uma referência muito presente na literatura sobre o tema (Cope, 2003; Cope, 2005). Os Processos e as Técnicas formam um caminho prático que relaciona a teoria e as ideias abstratas à operacionalização do “empreendimento” (Hägg & Kurczewska, 2016; Hajizadeh & Zali, 2016). A Aprendizagem Empreendedora é um dos eixos centrais do processo de formação, pois essa categoria é o que mobiliza a aquisição de competências (Kyrö, 2015; Hietanen & Järvi, 2015). Por fim, a Estrutura de Ensino, que na opinião dos formadores traduz o aspecto institucional da formação empreendedora e garante a relação efetiva entre o aprendiz e o processo de desenvolvimento do empreendedorismo.

Pela visão dos formadores é possível entender que, nos ambientes das IES investigadas, a aprendizagem empreendedora assume características específicas. Primeiro, porque considera a formação como uma condição fundamental na formação de competências para empreender. Segundo, porque essa aprendizagem é um processo único, singular, e conta com vários tipos de esforços para aproximar o aluno das práticas empresariais empreendedoras mesmo fora do ambiente empresarial, estabelecendo uma relação teórico-prática capaz de promover um tipo de aprendizagem que assegure ao aprendiz um perfil dinâmico, capaz de suportar as dificuldades destas ações no seu campo de atuação.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste estudo se construiu a partir de pesquisa exploratória acerca das percepções/opiniões de formadores em processos que pretendem obter Aprendizagem voltada ao empreendedorismo. Neste sentido, foi possível caracterizar como a formação de empreendedores é entendida pelos formadores, destacando principalmente as características dos processos ali desenvolvidos, mas também as dificuldades e a abrangência desses processos. Destaque também para as contribuições sobre a identificação das competências empreendedoras mais evidentes no ambiente analisado.

Esta pesquisa pode servir de mobilização para novos estudos, dentro ou fora do ambiente das IES, colaborando com o conhecimento teórico que envolve a formação empreendedora, tratando especialmente das formas e das configurações da aprendizagem nesse ambiente específico.

A principal limitação deste estudo é a impossibilidade de generalizar achados e contribuições, dado o caráter exploratório da pesquisa. Por outro lado, a relativa heterogeneidade cultural dos entrevistados, assim como a diversidade de situações enfrentadas por esses formadores em seus diferentes ambientes, permite considerar os resultados obtidos como um caleidoscópio de possibilidades e desafios a serem considerados em outros tipos de estudos. Para estudos futuros, recomenda-se o uso de métodos quantitativos, a fim de obter uma abrangência maior do fenômeno.

Outra sugestão para estudos futuros é a de explorar as dificuldades existentes na estrutura universitária para fomentar o desenvolvimento de competências empreendedoras.

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Notas

Nota O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
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