CARACTERÍSTICAS EMPREENDEDORAS E DESEMPENHO DA VITIVINICULTURA NA REGIÃO DA CAMPANHA GAÚCHA DO BRASIL
ENTREPRENEURIAL CHARACTERISTICS AND PERFORMANCE OF THE VITI-VINICULTURE IN THE CAMPANHA GAÚCHA REGION OF BRAZIL
CARACTERÍSTICAS EMPRENDEDORAS Y DESEMPEÑO DE LA VITIVINICULTURA EN LA REGIÓN DE LA CAMPANHA GAÚCHA DE BRASIL
CARACTERÍSTICAS EMPREENDEDORAS E DESEMPENHO DA VITIVINICULTURA NA REGIÃO DA CAMPANHA GAÚCHA DO BRASIL
Revista Alcance, vol. 28, núm. 2, pp. 225-241, 2021
Universidade do Vale do Itajaí
Recepção: 09/12/2019
Aprovação: 06/10/2020
Resumo: No meio rural, o aumento da concorrência e a disputa por novos mercados têm demandado dos produtores certas características comportamentais, tais como inovar, assumir riscos calculados e tomar decisões diante de incertezas, isto é, um comportamento empreendedor. Com isso, o estudo buscou analisar a relação de características empreendedoras e o desempenho de vitivinicultores da região da Campanha Gaúcha do Brasil. Com uma abordagem quantitativa, aplicaram-se questionários para 57 produtores de uva da região da Campanha Gaúcha, sendo os dados analisados por estatística descritiva, teste de hipóteses e regressão linear múltipla. Nos resultados, constatou-se relação entre as características empreendedoras e o desempenho econômico-financeiro e mercadológico dos produtores de uva, com destaque à característica “Inovação e Planejamento”. Além disso, o estudo traz um panorama da produção vitivinícola da Campanha Gaúcha, a qual possui capacidade para inovação e desenvolvimento regional. O estudo contribui ao relacionar o comportamento empreendedor e o desempenho do agronegócio da produção de uvas, sendo que o modelo teórico elaborado no estudo propicia sua futura utilização em diferentes contextos agropecuários.
Palavras-chave: Características Empreendedoras, Agronegócio, Empreendedorismo Rural, Desempenho, Produtores de Uva.
Abstract: In rural areas, increased competition and the dispute for new markets have demanded certain behavioral characteristics among producers, such as innovating, taking calculated risks and making decisions in the face of uncertainty, i.e., entrepreneurial behavior. This study analyzes the relationship between entrepreneurial characteristics and performance of grape growers in the Campanha Gaúcha region of Brazil. It uses a quantitative approach, with the application of questionnaires to 57 grape growers in the region of Campanha Gaúcha. The resulting data were then analyzed by descriptive statistics, hypothesis testing and multiple linear regression. The results showed a correlation between entrepreneurial characteristics and economic-financial and market performance of grape producers, particularly in relation to the characteristic "Innovation and Planning". This study also provides an overview of the viti-viniculture industry of the region, which has the capacity for innovation and regional development. This contribution of this study is that it links entrepreneurial behavior with agribusiness performance of grape production, and the theoretical model elaborated in the study can also be used in different agricultural contexts.
Keywords: Entrepreneurial characteristics, Agribusiness, Rural Entrepreneurship, Performance, Grape growers.
Resumen: En las zonas rurales, el aumento de la competencia y la disputa por nuevos mercados han exigido ciertas características de comportamiento de los productores, como innovar, tomar riesgos calculados y decidir frente a la incertidumbre, esto es, tener un comportamiento emprendedor. Por consiguiente, el estudio buscó analizar la relación entre características emprendedoras y el desempeño de los productores de uva en la región de Campanha Gaúcha de Brasil. Con un enfoque cuantitativo, se aplicaron cuestionarios a 57 productores de uva en la región de Campanha Gaúcha, y los datos se analizaron mediante estadísticas descriptivas, pruebas de hipótesis y regresión lineal múltiple. En los resultados, se verificó relación entre las características emprendedoras y el desempeño económico-financiero y de mercado de los productores, con énfasis en la característica "Innovación y planificación". Además, el estudio proporciona una visión general de la producción de uva de la Campanha Gaúcha, que tiene capacidad de innovación y desarrollo regional. El estudio contribuye relacionando comportamiento emprendedor y rendimiento en el agronegocio de la uva, y el modelo teórico desarrollado proporciona su uso futuro en diferentes contextos agrícolas.
Palabras clave: Características Emprendedoras, Agronegocios, Emprendimiento Rural, Desempeño, Productores de Uva.
1 INTRODUÇÃO
O agronegócio é um dos ramos de atividade que mais cresce no Brasil e no mundo, sendo que o aumento na concorrência e disputas de novos mercados causam mudanças significativas no meio rural. Tais mudanças demandam do produtor certas características comportamentais, tais como inovar, assumir riscos e tomar decisões diante de incertezas, ou seja, demanda um comportamento empreendedor diante do negócio (Bracht & Werlang, 2015; Weber, Morgan & Winck, 2016).
Embora a relação entre comportamento empreendedor e agronegócio seja possível, estudos sobre empreendedorismo no meio rural ainda são recentes e escassos, sendo considerado um tema relevante que requer aprofundamentos teóricos e empíricos (Wolf, McElwee & Schoorlemmer, 2007; McElwee, 2008; Akgün, Nijkamp, Baycan-Levent & Brons, 2010; Pato & Teixeira, 2014; Smith, 2017; Dias, Rodrigues & Ferreira, 2018; Fitz-Koch, Nordqvist, Carter & Hunter, 2018; Bernardo, Ramos & Vils, 2019; Muñoz & Kimmitt, 2019).
Avramenko e Silver (2009), Akgün, Nijkamp, Baycan-Levent e Brons (2010) e Vik e McElwee (2011) ressaltam em seus estudos a necessidade de pesquisas empíricas sobre o comportamento empreendedor com foco especifico no meio rural, visto que as suas peculiaridades impedem de realizar comparações com estudos que focaram no meio urbano. Quanto à estruturação de instrumentos de pesquisa a serem aplicados ao meio rural, Akgün, Baycan-Levent, Nijkamp e Poot (2011) e Muñoz e Kimmitt (2019) ressaltam a necessidade de uma abordagem diferenciada para analisar empreendedorismo no meio rural, sendo que as abordagens apresentadas na literatura têm limitado a realização de pesquisas comparativas de forma quantitativa, sendo a diversidade metodológica uma das razões desta limitação.
Diante disso, um modo de apresentar maior relevância na discussão referente ao papel do empreendedorismo no meio rural se dá ao associar comportamento empreendedor e desempenho organizacional, algo visto com mais frequência em pesquisas no meio urbano. Com essa associação, torna-se possível verificar quais características empreendedoras impulsionam de modo mais efetivo o desempenho das organizações, possibilitando direcionar ações para promover tais características de modo mais consistente (Schmidt & Bohnenberger, 2009). Além disso, investigar a execução e os efeitos do empreendedorismo sobre o desempenho contribuirá no esboço e implantação de políticas de desenvolvimento e instrumentos mais seletivos que estimulem o empreendedorismo no meio rural (Stathopoulou, Psaltopoulos & Skuras, 2004; Akgün, Nijkamp, Baycan-Levent & Brons, 2010; Muhammad, McElwee & Dana, 2017).
Nessa perspectiva, o presente estudo aborda o empreendedorismo no meio rural, relacionando características empreendedoras com o desempenho das propriedades rurais de uma atividade e região específica do agronegócio brasileiro: a Vitivinicultura da região da Campanha Gaúcha, no estado do Rio Grande do Sul, Brasil.
A Campanha Gaúcha tem ganhado destaque no setor vitivinícola brasileiro, especialmente a partir dos anos 2000. Incentivados pelos bons preços pagos por uvas viníferas, proprietários de terras de municípios da Campanha Gaúcha, tais como Bagé, Dom Pedrito, Santana do Livramento e Quaraí, implantaram vinhedos para atender à crescente demanda por uvas finas. Vale mencionar que a commodity uva é transformada em uma série de produtos, em especial os vinhos finos, e carece de investimentos e inovações em um mercado competitivo, o que requer um comportamento empreendedor dos envolvidos (Silva, Anjos, Andersson & Sperling, 2015; Sarmento, 2018).
Reconhecendo o cenário da vitivinicultura na Campanha Gaúcha, estudar o comportamento empreendedor nesse ramo do agronegócio pode ser considerado relevante, levando em consideração as estratégias de agregação de valor e os diferenciais competitivos do ramo. Como ressaltados por Silva, Anjos, Andersson e Sperling (2015), destacam-se como diferenciais o enoturismo, a busca pela valorização da marca “Vinhos da Campanha” e a competitividade frente ao mercado internacional. Segundo os autores, a vitivinicultura divide espaço numa região notadamente marcada pela produção pecuária extensiva e produção de cereais. Neste caso, levando em conta a especificação do presente estudo, pode-se presumir que implantar a vitivinicultura em uma região conservadora e consolidada por outras atividades agropecuárias possa ser considerado empreendedorismo.
Nessa perspectiva, traçou-se como objetivo para o presente estudo analisar a relação entre as características empreendedoras e o desempenho dos vitivinicultores da região da Campanha Gaúcha do Brasil.
Metodologicamente, trata-se de pesquisa quantitativa com aplicação de questionários para 57 produtores de uva da região da Campanha Gaúcha, sendo os dados analisados por meio de estatística descritiva, teste de hipóteses e regressão linear múltipla. O estudo contribui ao confirmar por meio de evidências empíricas a relação entre características empreendedoras e o desempenho de propriedades vitivinícolas, com ênfase às características de inovação e planejamento. Além disso, o modelo teórico elaborado no estudo propicia sua futura utilização e adaptação em diferentes contextos agropecuários.
Após apresentada a introdução, o próximo capítulo irá apresentar a fundamentação teórica desta pesquisa, seguida da metodologia, dos resultados e das considerações finais do estudo.
2 CARACTERÍSTICAS EMPREENDEDORAS E DESEMPENHO NO AGRONEGÓCIO
Devido às contribuições de pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, existem conceituações variadas para os termos “empreendedor” e “empreendedorismo”, pois cada pesquisador utiliza princípios de sua área de interesse para a construção conceitual (Shane & Venkataraman, 2000; Kuratko, 2016). Entretanto, duas correntes teóricas abrangem elementos comuns à maioria delas: a corrente dos economistas, a qual tem Schumpeter (1961; 1982) como referência e relaciona empreendedorismo à inovação e ao desenvolvimento econômico, e a corrente comportamentalista, liderada por McClelland (1961; 1987), em que os estudos ressaltam comportamentos e atitudes dos empreendedores, tais como criatividade e orientação para realização.
A literatura relacionada às características comportamentais empreendedoras indica inúmeros fatores que podem ser ajustados em um conjunto menor de dimensões do perfil empreendedor. Embora não exista lista completa, sistematizar as características empreendedoras fornece insights relevantes sobre a mentalidade do empreendedor (Kuratko, 2016).
Das características mais ressaltadas, pode-se citar a busca por oportunidades, inovação, criatividade, orientação para realização, determinação, lócus interno de controle e propensão ao risco, sendo estas apenas uma parte do conjunto de características identificadas na literatura (Mcclelland, 1961; 1987; Hornaday & Bunker, 1970; Timmons, 1978; Kirkley, 2016; Kuratko, 2016; Moraes, Iizuka & Pedro, 2018). A partir das características que foram sendo identificadas, têm-se buscado meios para mensurá-las, porém ainda não há um padrão metodológico para mensurar o comportamento empreendedor (Rauch, Wiklund, Lumpkin & Frese, 2009; Schmidt & Bohnenberger, 2009; Muñoz & Kimmitt, 2019).
Diferentes estudos, tais como os de Kristiansen e Indarti (2004), Schmidt e Bohnenberger (2009)Nascimento, Dantas, Santos, Veras e Costa Júnior (2010) e Soares (2016), buscaram estruturar instrumentos para mensurar comportamento, perfil, intenção ou potencial empreendedor de diferentes indivíduos, sejam estudantes universitários, gestores de pequenas empresas, produtores rurais, etc. Apesar de não haver um padrão, as variáveis utilizadas são baseadas em características empreendedoras semelhantes, sendo que o modelo teórico de McClelland (1961) é base de boa parte desses instrumentos.
No entanto, para prosseguir nos estudos sobre o tema, seja para construir ou replicar instrumentos de mensuração do comportamento empreendedor, faz-se necessário ter atenção ao contexto em que será aplicado. Considerando o empreendedor um ser social e o empreendedorismo um fenômeno regional, destaca-se que os comportamentos empreendedores divergem conforme a atividade empresarial, os processos operacionais, os recursos locais, o conhecimento do indivíduo e o ambiente sociocultural em que se encontram (Rukuižienė, 2010; Gaddefors & Anderson, 2018).
Nessa perspectiva, o comportamento empreendedor no contexto do agronegócio deve ser analisado separadamente, vista as peculiaridades e diferenças em relação ao meio urbano (Akgün, Nijkamp, Baycan-Levent & Brons, 2010; Muhammad, McElwee & Dana, 2017). Entretanto, a pesquisa na área do empreendedorismo rural é relativamente escassa e recente e, com isso, uma análise mais profunda dos processos que o promovem ou inibem poderá preencher essa lacuna de pesquisa (Aggarwal, 2018; Dias, Rodrigues & Ferreira, 2018). Além disso, investigar a execução e os efeitos do empreendedorismo contribuirá no esboço e implantação de políticas de desenvolvimento que estimulem o empreendedorismo no meio rural (Stathopoulou, Psaltopoulos & Skuras, 2004).
As dimensões do produtor rural, quanto à sua atividade econômica, são variáveis e não podem ser representadas como um fenômeno homogêneo, sendo que as diferentes características dos produtores destacam essa heterogeneidade intrínseca. Adotando esta perspectiva, McElwee (2008), realizou um estudo buscando desenvolver uma compreensão conceitual acerca do agricultor/fazendeiro como empreendedor.
Entre os tipos de agricultores apresentados na classificação de McElwee (2008), o “agricultor como empreendedor” se destaca pelas suas características, visto que a motivação por fatores de atração, o conhecimento de mercado, a estratégia voltada à diversificação, o networking e a busca pelo lucro a longo prazo são algumas das características que coincidem ao comportamento empreendedor observado na literatura, sendo esse tipo de produtor o que se aproxima do que pode ser considerado empreendedor rural.
No que tange à estruturação de instrumentos de pesquisa para serem utilizados no meio rural, ressalta-se que, apesar de terem sido obtidos resultados interessantes nas últimas décadas, as abordagens apresentadas na literatura têm limitado a realização de pesquisas comparativas de forma quantitativa, sendo a diversidade metodológica uma das razões desta limitação (Akgün, Baycan-Levent, Nijkamp & Poot, 2011).
Dentre os estudos voltados ao agronegócio, Soares (2016) propôs um instrumento para relacionar o perfil empreendedor com o desempenho de produtores rurais. A elaboração de variáveis voltadas ao meio rural possibilitou englobar os principais conjuntos de características ressaltados na literatura sobre empreendedorismo, tais como realização, inovação, planejamento, motivação pessoal e propensão ao risco. Quanto ao constructo desempenho, foram utilizadas variáveis objetivas, a partir de dados fornecidos por uma cooperativa agroindustrial da região, fator considerado positivo, visto que, na literatura, não há padronização para mensurar tal constructo (Lumpkin & Dess, 1996; Hult, Hurley & Knight, 2004; Rauch, Wiklund, Lumpkin & Frese, 2009).
Na comunidade acadêmica adotam-se dois tipos de medidas de desempenho organizacional: objetivas e subjetivas. As medidas objetivas são provenientes de documentos e relatórios, tais como faturamento, resultado operacional, demonstrações financeiras e número de funcionários, sendo, na maioria das vezes, mais difíceis de coletar devido à ausência de dados válidos e confiáveis. Já as medidas subjetivas referem-se à expectativa dos proprietários, ou seja, uma organização pode apresentar desempenho bom, regular ou ruim, conforme as expectativas e percepções dos indivíduos que a administram, o que impossibilita comprovar a veracidade das informações (Schmidt & Bohnenberger, 2009, Blackburn, Hart & Wainwright, 2013).
Santos e Carneiro (2013), durante revisão de literatura acerca do desempenho organizacional, destacaram quatro tipos de medidas de desempenho: desempenho produtivo, mercadológico, financeiro e inovativo. O desempenho produtivo está relacionado ao aperfeiçoamento nos processos, eliminação de desperdícios, otimização dos insumos produtivos e melhoria do tempo de entrega. A satisfação do cliente, as vendas totais e fatia de mercado são exemplos de medidas de desempenho mercadológico, que se refere à capacidade da organização assumir um posicionamento de destaque em seu segmento. O retorno dos investimentos e o faturamento são alguns dos indicadores utilizados para mensurar desempenho financeiro, sendo essa categoria utilizada com maior frequência. Já o desempenho inovativo está relacionado a patentear novos produtos, processos ou tecnologias.
Com base na classificação das variáveis de desempenho adotada, especificamente em medidas subjetivas, e na revisão de literatura realizada acerca das características empreendedoras e do empreendedor rural, foi possível estruturar o modelo teórico a ser utilizado no presente estudo, conforme Figura 1.

Com base na tipologia “Agricultor como Empreendedor” (McElwee, 2008), construiu-se o modelo a ser aplicado empiricamente no caso da vitivinicultura da Campanha Gaúcha. As cinco características empreendedoras utilizadas contemplam características enfatizadas na literatura sobre o tema (Mcclelland, 1961; 1987; Hornaday & Bunker, 1970; Timmons, 1978; Kirkley, 2016; Kuratko, 2016; Moraes, Iizuka & Pedro, 2018) sendo mensuradas pela escala voltada ao agronegócio que foi proposta por Soares (2016). Já as variáveis de desempenho baseiam-se na revisão de Santos e Carneiro (2013), porém com uma abordagem voltada ao agronegócio para mensurar desempenho econômico-financeiro, produtivo e mercadológico.
A proposta conceitual possibilita relacionar diferentes características empreendedoras com medidas de desempenho das propriedades rurais, realizando as adequações pertinentes de acordo com as especificidades de cada cadeia agroindustrial. Dessa forma, abre-se um horizonte de pesquisas comparativas entre e intra setores agroindustriais e a discussão sobre seus distintos níveis de competitividade nos mercados nacional e internacional.
3 METODOLOGIA
O presente estudo caracteriza-se como descritivo-explicativo com abordagem quantitativa e método Survey. Classifica-se como pesquisa descritiva, pois se realizou uma descrição das características empreendedoras e do desempenho dos pesquisados, e explicativa, pois se buscou analisar dependência entre diferentes variáveis, ou seja, explicar o desempenho de organizações vitivinícolas em função de características empreendedoras. Já a escolha pela abordagem quantitativa e pelo método Survey está em consenso com a literatura relacionada, sendo que nos estudos que verificam intenção ou atitude empreendedora têm-se utilizado preferencialmente abordagens quantitativas.
Em relação à coleta de dados, foram aplicados questionários com produtores de uva da região da Campanha Gaúcha, estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Os dados acerca dos produtores foram obtidos por meio do Cadastro Vitícola (2015), base de dados atualizada periodicamente desde 1990 e que apresenta informações detalhadas sobre a viticultura gaúcha, contendo área e produção de uvas por cultivar, por município e por região.
A delimitação regional Campanha Gaúcha foi estabelecida pelos pesquisadores a partir da classificação dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (COREDES RS), sendo considerados para essa pesquisa os municípios pertencentes aos COREDES Campanha e Fronteira Oeste, totalizando 20 municípios do estado do Rio Grande do Sul (FEE, 2015).
Segundo dados do Cadastro Vitícola (2015), os municípios da região da Campanha Gaúcha possuem, em conjunto, um total de 94 propriedades cadastradas que cultivam uva, sendo que, com base nessa população, foi realizado o cálculo amostral utilizando o cálculo de amostras para populações finitas, conforme a equação:

Onde:
Z = Nível de Confiança;
σ = Desvio Padrão (referente à área plantada);
N = Número de propriedades;
e = erro amostral.
Considerando um nível de confiança de 95%, um desvio padrão referente à área de vinhedos e um erro amostral de aproximadamente 41 hectares, estabeleceu-se uma amostra de 56 viticultores. A amostra pertence a um total de 12 municípios da Campanha Gaúcha: Santana do Livramento, Rosário do Sul, Santa Margarida do Sul, Bagé, Dom Pedrito, Candiota, Hulha Negra, Lavras do Sul, Quaraí, Uruguaiana, Itaqui e São Borja. Vale enfatizar que, devido às grandes distâncias para acesso aos respondentes, essa pesquisa foi realizada com a seleção não probabilística por conveniência, sendo aplicada pelo critério de acessibilidade dos pesquisadores.
Durante o processo de coleta de dados, os produtores foram contatados em um primeiro momento via e-mail ou telefone, tendo como propósito esclarecer os objetivos da pesquisa. As informações referentes a e-mail e telefone de contato dos produtores foram obtidas junto à Associação de Vinhos da Campanha e junto às Vinícolas da região. A aplicação dos questionários com os produtores ocorreu no período entre 17 de julho e 30 de setembro de 2018, sendo realizada via formulários preenchidos online e também aplicados presencialmente, finalizando a pesquisa com o total de 57 questionários coletados, um a mais do que a amostra calculada. O total de respostas obtidas representa 60% da população de produtores da região, sendo que, apesar da amostragem não-probabilística, possibilita uma análise pertinente do contexto da vitivinicultura na Campanha Gaúcha.
Como instrumento para a coleta dos dados foi utilizado um questionário com perguntas abertas e fechadas, estando este dividido em dois blocos: a) Perfil do respondente e desempenho da propriedade rural; e b) Características empreendedoras. Na Figura 2 é apresentado um resumo da estrutura do instrumento de pesquisa com os respectivos blocos, sendo detalhadas as variáveis, o formato das questões e a literatura utilizada como fonte.

O instrumento foi construído com base na revisão de literatura, sendo que, no bloco A, as questões de perfil foram elaboradas com base em Sarmento (2016) e as questões sobre o desempenho com base em Santos e Carneiro (2013), realizando as adaptações pertinentes ao contexto vitivinícola. Já o bloco B, referente às características empreendedoras, é composto pela escala de Soares (2016). As escalas utilizadas para mensurar o desempenho e as características empreendedoras são do tipo Likert de 7 pontos. O instrumento de pesquisa utilizado pode ser acessado na íntegra no estudo de Caliari (2018).
Para a análise dos dados, utilizou-se de técnicas estatísticas. Com o propósito de caracterizar os vitivinicultores respondentes, aplicou-se da estatística descritiva, calculando-se média, mediana e desvio padrão, além da distribuição de frequências. Quanto a descrição das características empreendedoras, utilizou-se, além da estatística descritiva, de testes de hipóteses não paramétricos (Kruskal-Wallis e Mann-Whitney). Vale ressaltar que se optou pela utilização de testes não paramétricos visto que a hipótese de normalidade dos dados foi rejeitada por meio do teste Shapiro-Wilk.
Utilizou-se do Teste Kruskal-Wallis para verificar se há diferenças significativas entre os conjuntos de características empreendedoras na amostra de produtores de uva respondentes, isto é, verificar se os vitivinicultores apresentam graus de empreendedorismo distintos entre os fatores de Orientação para Realização, Inovação e Planejamento, Intenção Empresarial, Motivação Pessoal e Propensão ao Risco, a um nível de significância de 5%.
Já o teste de Mann-Whitney foi utilizado para comparar os níveis de características empreendedoras do grupo de produtores que tem apenas a atividade agropecuária como ocupação (os que não possuem fonte de renda além da agropecuária e os que são aposentados) com o grupo de produtores que possuem outra ocupação (funcionários públicos, funcionários de empresas privadas e autônomos). Definiu-se um nível máximo de significância de 10%.
Por fim, a análise de regressão múltipla foi utilizada para verificar a influência dos fatores de características empreendedoras (variáveis independentes) sobre o desempenho (variável dependente) das propriedades vitivinícolas da Campanha Gaúcha. Foram estimados três modelos, um para cada categoria de desempenho, a partir da equação a seguir.

Onde:
Yi = variável dependente de desempenho;
α = intercepto;
β = coeficiente angular;
= Orientação para Realização;
= Inovação e Planejamento;
= Intenção Empresarial;
= Motivação Pessoal;
= Propensão ao Risco;
= resíduo.
As variáveis dependentes utilizadas nos modelos foram: a) desempenho econômico-financeiro, mensurado pela variável faturamento médio por safra de uva em R$; b) desempenho produtivo, mensurado pela variável volume de produção (em kg) produzido na propriedade; e c) o desempenho mercadológico, referente à média de quatro questões que foram mensuradas em escala tipo Likert de 7 pontos.
Já as variáveis independentes são as mesmas nos três modelos, sendo estas referentes aos cinco fatores das características empreendedoras provenientes do estudo de Soares (2016) e destacadas no modelo teórico apresentado na fundamentação teórica. São elas: a) Orientação para Realização; b) Inovação e Planejamento; c) Intenção Empresarial; d) Motivação Pessoal; e) Propensão ao Risco.
Estabeleceram-se, para os três modelos de regressão, um nível máximo de significância de 10%. Os valores referentes ao F calculado, valor . e R² foram calculados pelo software SPSS, enquanto o F crítico foi determinado a partir da tabela de distribuição F de Snedecor, considerando significância de 10%.
Por meio destes procedimentos metodológicos que se buscou alcançar os objetivos propostos, sendo que os resultados da pesquisa são apresentados e discutidos a seguir.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
O capítulo está dividido em três tópicos: i) Perfil dos respondentes e das propriedades rurais; ii) Características Empreendedoras de Vitivinicultores da Campanha Gaúcha; e iii) Relação entre Características Empreendedoras e Desempenho dos Vitivinicultores.
4.1 PERFIL DOS PRODUTORES E DAS PROPRIEDADES RURAIS
A presente pesquisa foi aplicada junto a vitivinicultores e viticultores da região da Campanha Gaúcha do Brasil, ou seja, aqueles que possuem contato direto com a produção no campo, sendo vitivinicultores os que produzem a uva e elaboram vinho, enquanto os viticultores são os que somente produzem a uva, vendendo sua produção a terceiros.
Constatou-se que a amostra de produtores é majoritariamente do sexo masculino (89,5%) e com faixas de idade distribuídas entre 28 e 88 anos. Em relação à escolaridade, 61,4% dos respondentes possuem ensino superior ou mais, sendo 21,05% possuem pós-graduação e 40,35% ensino superior. Com base nesses dados, percebe-se que a maior parte da amostra de vitivinicultores da região da Campanha Gaúcha possui grau de escolaridade alto.
Quanto à fonte de renda, 36,84% dos produtores responderam que possuem apenas a renda agropecuária, enquanto os demais apresentam outra fonte. Referente à estrutura das propriedades, 27 produtores possuem até 50 hectares (ha), abrangendo 47% da amostra. Já no que se refere aos hectares voltados ao cultivo da uva, a média é de 11 ha e mediana de 7 ha, sendo que quase 80% dos produtores pesquisados possuem até 15 hectares cultivados de uva e as duas propriedades que mais cultivam uva destinam 40 e 60 ha.
Ainda, quanto ao perfil produtivo, 73,68% dos produtores responderam que sua produção não se restringe ao cultivo da uva, visto que desenvolvem outras atividades agropecuárias, tais como a pecuária e a produção de cereais (arroz, soja e/ou milho), atividades desenvolvidas por 52,63% e 15,79% do total de produtores, respectivamente.
No entanto, embora quase três quartos dos produtores apresentem outra atividade agropecuária na propriedade, 70,18% dos respondentes consideram a uva in natura como principal produto de comercialização, seguido dos 17,54% que consideram a produção de vinhos. Os dados evidenciam que, apesar de possuírem atividades tradicionais na região estudada, tais como a pecuária e a soja, a maior parte dos produtores que cultivam a uva a trata como ponto central em sua propriedade, independente do seu tamanho.
Acerca das variedades de uva produzidas, cada produtor cultiva, em média, quatro variedades, sendo que Chardonnay e Cabernet Sauvignon são as principais, por serem cultivadas por 75% e 72% dos produtores, respectivamente. Quanto às uvas voltadas ao consumo in natura, foram citadas, mas em menor frequência que as demais, as variedades Bordô e Niagara Rosada (8%).
Ademais, os produtores foram questionados se vinificam a produção, vendem para vinícolas ou dão outro destino à produção. Como resultado, 67% dos produtores responderam que as uvas são vendidas para vinícolas, 14% possuem vinificação própria e vendem o restante para outras vinícolas, 11% vinificam toda a produção e 8% dão outro destino às uvas.
Já no que tange a destino de localidade, ou seja, para que cidade, estado e/ou país o produto final é vendido, destaca-se que a Serra Gaúcha (principalmente Bento Gonçalves-RS) e a região da Campanha (principalmente Santana do Livramento-RS) são os principais destinos das uvas produzidas.
Diante dos resultados, pode-se afirmar que a vitivinicultura da Campanha Gaúcha não é configurada especialmente para a produção de vinhos, mas para o cultivo da matéria-prima que é destinada, em sua maioria, para grandes vinícolas, que tomam posse do rótulo das uvas de qualidade produzidas e geram renda em outras regiões (Serra Gaúcha, principalmente). Por ser voltada quase exclusivamente à produção de vinhos, a uva produzida não gera renda local com a fruta in natura ou sucos, sendo que as uvas cultivadas são específicas para a vinificação. Assim, em síntese, parcela fundamental dos vitivinicultores da Campanha Gaúcha é exclusivamente fornecedora de matéria prima.
4.2 CARACTERÍSTICAS EMPREENDEDORAS DE VITIVINICULTORES DA CAMPANHA GAÚCHA
Nesta seção, são apresentadas as análises das características empreendedoras dos produtores de uva. A Tabela 1 expõe os resultados de média, desvio padrão (σ) e coeficiente de variação (CV) dos cinco fatores e das quinze variáveis da escala de características empreendedoras, em que 1 refere-se a “discordo totalmente” e 7 a “concordo totalmente”.

De modo geral, as médias das características avaliadas nas quinze afirmativas do instrumento de pesquisa apresentam valores mais próximos à concordância plena. Percebe-se que as características empreendedoras estão presentes na amostra de produtores, sendo que, considerando os valores absolutos, a Intenção Empresarial apresentou a maior média entre os fatores, seguido da Orientação para Realização, Propensão ao Risco, Inovação e Planejamento, e, por fim, a Motivação Pessoal. Entretanto, faz-se necessário verificar se as diferenças de médias são fruto da variabilidade amostral ou apresentam de fato diferença significativa. Para tanto, buscou-se verificar se há diferenças significativas entre os fatores de características empreendedoras com o teste de hipótese não-paramétrico denominado Kruskal-Wallis, estando os resultados apresentados na Tabela 2.

Nota-se que o teste Kruskal-Wallis realizado entre as características empreendedoras mostrou-se significativo a 1% (P<0,01), sendo que a estatística do teste KW (23,37) foi superior ao valor crítico da distribuição qui-quadrado (13,28). O resultado sustenta a decisão de que há, ao menos, uma diferença entre os cinco fatores das características empreendedoras dos produtores respondentes. Para apontar estas diferenças, a Tabela 3 apresenta o resultado do teste post-hoc de Dunn, a partir do “valor . ajustado” e sua relação com cada fator em uma matriz.

O teste apontou quatro diferenças em um nível de significância de 5%. As características Intenção Empresarial, Orientação para Realização e Propensão ao Risco não possuem diferenças significativas entre si, porém apresentaram diferença significativa de medianas em relação à característica Motivação Pessoal. Além disso, a característica Intenção Empresarial, que apresentou, em valores absolutos, a maior mediana entre as características, também apresenta diferença significativa para a característica “Inovação e planejamento”.
Com base na análise estatística, verifica-se que a elevada concordância dos produtores em relação à “Intenção Empresarial” remete a um comportamento centralizador na tomada de decisão, sendo que, com base nas variáveis pertencentes ao fator, os vitivinicultores se consideram os principais responsáveis pelo negócio e, com isso, são os que tomam as principais decisões pertinentes à propriedade rural. Quanto à diferença significativa entre a “Intenção Empresarial” e os fatores “Inovação e Planejamento” e “Motivação pessoal”, destaca-se que estes dois fatores foram os que apresentaram os maiores coeficientes de variação (17,80% e 31,99%, respectivamente), o que determina a heterogeneidade dos produtores no que tangem a estas características empreendedoras.
Analisando a diferença entre os fatores “Intenção Empresarial” e “Inovação e Planejamento”, destaca-se o fato da vitivinicultura da região da Campanha Gaúcha ser voltada, em sua maioria, para o fornecimento da matéria prima à elaboração de vinhos finos. Com isso, enquanto os produtores de uva seguirem apenas como fornecedores da matéria prima para as grandes vinícolas, a necessidade de inovação e planejamento de produtos se torna praticamente nula, ocasionando em menores níveis empreendedores nesse constructo.
Quanto ao fator “Motivação Pessoal”, que apresentou diferença significativa em relação a três fatores, o resultado pode estar relacionado aos produtores que possuem outra ocupação além da atividade agropecuária, os quais abrangem 52,63% da amostra. Desse modo, em que a motivação pessoal se refere ao produtor considerar sua propriedade rural como a “uma das coisas mais importantes de sua vida”, ter outra ocupação fora da atividade agropecuária pode fazer com que o produtor tenha um menor grau de concordância em relação à afirmativa em comparação as demais.
Sendo assim, tal suposição pode ser averiguada por meio do Teste de Mann-Whitney. Neste caso, foram comparados os níveis das características empreendedoras do grupo de produtores com ocupação agrícola, isto é, tem apenas a atividade agropecuária como ocupação (neste caso incluídos os que não possuem outra fonte de renda além da agropecuária e os aposentados) com o grupo de produtores com ocupação não agrícola (funcionários públicos, funcionários de empresa privada e autônomos). Os resultados estão expostos na Tabela 4.

Identifica-se que quatro dos cinco conjuntos de características empreendedoras apresentaram diferenças significativas entre os grupos, sendo que os dois grupos amostrais não possuem diferenças entre si apenas quanto ao fator “Inovação e Planejamento”. Portanto, com base nas médias dos grupos e no valor ., pode-se concluir que os produtores que possuem apenas a agropecuária como ocupação apresentam médias de características empreendedoras de “Intenção Empresarial”, “Orientação para Realização”, “Propensão ao Risco” e “Motivação Pessoal” superiores aos produtores que tem outra ocupação além da propriedade agropecuária.
Tais resultados podem estar atrelados ao fato do produtor ter plena dedicação do seu tempo no seu negócio de produção de uvas. Sendo assim, com a dedicação total à propriedade rural, o produtor poderá buscar novas formas de inovar no processo produtivo, planejar suas ações, assumir riscos de maneira calculada e ter uma motivação a mais para buscar o sucesso do seu negócio.
Em síntese, o setor vitivinícola da Campanha Gaúcha pode ser considerado altamente empreendedor, pois os produtores de uva apresentaram níveis altos de características empreendedoras. Portanto, para a compreensão do setor vitivinícola, destaca-se que o comportamento empreendedor dos produtores pode ser um fator explicativo da rápida expansão desta atividade agropecuária na região. Após descrever as características empreendedoras da amostra de produtores de uva, torna-se fundamental analisar de que forma estas características se relacionam com o desempenho econômico-financeiro, produtivo e mercadológico dos respondentes.
4.3 RELAÇÃO ENTRE CARACTERÍSTICAS EMPREENDEDORAS E DESEMPENHO DOS VITIVINICULTORES
O desempenho das propriedades vitivinícolas foi mensurado em três conjuntos: a) econômico-financeiro - referente à variável “faturamento médio por safra de uva em R$”; b) produtivo - referente à variável “volume de uva (em kg) produzido na propriedade”; e c) mercadológico - referente à média de quatro variáveis com escalas tipo Likert de sete pontos sobre a relação com fornecedores, mercados compradores e concorrência. A análise da relação entre as características empreendedoras e o desempenho econômico-financeiro, produtivo e mercadológico foi realizada por meio de três modelos de regressão linear múltipla. A Tabela 5 apresenta as variáveis dependentes e independentes de cada um dos três modelos, bem como a significância geral e o nível de explicação das regressões.

Considerando um nível máximo de significância de 10%, pode-se verificar que apenas o modelo de desempenho produtivo como variável dependente não foi significativo. A partir da análise dos parâmetros, ressalta-se que as características empreendedoras explicam, em conjunto, 18% do desempenho econômico-financeiro e 43,9% do desempenho mercadológico dos produtores de uva respondentes, mantendo os demais fatores constantes. Nesse sentido, evidencia-se a relação existente entre as características empreendedoras e o desempenho de produtores de uva da região da Campanha Gaúcha do Brasil.
A evidência de que não há relação entre as características empreendedoras e o desempenho produtivo das propriedades pode estar atrelado ao volume de produção ser afetado, fundamentalmente, por fatores externos ao indivíduo, tais como condições biológicas e climáticas. Assim, o produtor não pode controlar esses fatores, apenas minimizar seu impacto.
Contudo, no longo prazo, o comportamento empreendedor poderá influenciar indiretamente o desempenho produtivo. Isto se dá pelo fato de que, considerando a relação existente entre características empreendedoras e o desempenho mercadológico e econômico-financeiro, os produtores poderão investir em estratégias que reduzam os impactos do ambiente externo na produção de uvas, como, por exemplo, utilização de fertilizantes e novas tecnologias no cultivo, ocasionando um aumento no volume de produção por safra.
Já a Tabela 6 apresenta os coeficientes dos modelos de regressão para desempenho econômico-financeiro e mercadológico. Destaca-se que o desempenho econômico-financeiro foi mensurado em reais (R$), enquanto o desempenho mercadológico e as características empreendedoras foram mensurados em escalas de concordância tipo Likert de sete pontos.

Verificando os coeficientes, nota-se que a característica “Inovação e Planejamento” apresenta relação positiva em ambos os modelos de regressão estimados. Assim, cada aumento unitário na escala do nível de “Inovação e Planejamento” ocasiona um acréscimo de R$ 91.942,98 no faturamento médio por safra de uva e de 0,4633 na escala de desempenho mercadológico percebido.
Com isso, evidencia-se que as características de inovação, ressaltada desde o início do século XX por Schumpeter (1961; 1982), e planejamento, evidenciado por McClelland (1961; 1987) em seus estudos acerca do comportamento empreendedor, relacionam-se positivamente tanto com o desempenho econômico-financeiro quanto com o desempenho mercadológico da amostra de produtores de uva da região da Campanha Gaúcha do Brasil. Nessa perspectiva, o resultado significativo do presente estudo possibilita estabelecer que as características de “inovação e planejamento” precisam ser consideradas fundamentais nos estudos subsequentes da influência do comportamento empreendedor no desempenho de propriedades rurais.
Em contrapartida, especificamente no modelo referente ao desempenho econômico-financeiro, a variável “Intenção Empresarial” apresentou relação negativa, visto que, a cada aumento unitário na escala de intenção empresarial dos produtores, ocorre um decréscimo de R$ 95.913,30 no faturamento médio por safra de uva, mantendo os demais fatores constantes.
Ressalta-se que este fator está associado a uma característica mais conservadora e individualista, em que o produtor centraliza em si as decisões da propriedade, visto que as três variáveis do fator seguem esse viés ao ressaltaram situações como “ser o dono do próprio negócio”, “considero-me principal responsável” e “acredito no empenho e trabalho intenso”. Desta forma, considera-se que, na amostra de produtores de uva da Campanha Gaúcha, a característica de ser o “principal responsável” e de “centralizar decisões” tem influenciado negativamente o desempenho econômico-financeiro, supondo assim que ter uma ideia de coletividade e de divisão de responsabilidades tende a gerar um desempenho superior.
Já no desempenho mercadológico, além do fator “inovação e planejamento” que apresenta relação em ambos os modelos, fatores “orientação para realização” e “motivação pessoal” também apresentam relação positiva com o desempenho mercadológico. Ressalta-se que esses dois fatores pertencem ao constructo teórico “Necessidade de Realização” (McClelland, 1961). O resultado possibilita atestar que, em conjunto, características comportamentais como aprender com erros, ser capaz de identificar oportunidades, buscar informações antes de tomar decisões, foco na qualidade, calcular riscos, ter uma boa rede de contatos e ter motivação pessoal pelo negócio rural, são positivas no que tange a desempenho mercadológico, influenciando na relação dos produtores com fornecedores, compradores e até mesmo com a concorrência.
Já a variável “propensão ao risco” apresentou relação negativa com o desempenho mercadológico, evidenciando que a vitivinicultura é uma atividade agropecuária da qual ser propenso ao risco não garante um desempenho mercadológico superior. A partir da já destacada relação positiva de características de planejamento, é possível reconhecer que produtores que possuem uma maior preocupação com controle e planejamento de riscos apresentam um melhor desempenho mercadológico em relação aos mais propensos ao risco.
Para associar os resultados empíricos da vitivinicultura da Campanha Gaúcha com a base teórica do presente artigo, elaborou-se a Figura 3, que resgata o modelo teórico apresentado na fundamentação teórica e insere os dados da pesquisa a fim de sintetizar os resultados.

A Figura 3 sintetiza os resultados obtidos com a análise da regressão linear, indicando os constructos das características empreendedoras e suas respectivas relações com as medidas de desempenho. Como já ressaltado, dentre as características empreendedoras investigadas, o constructo Inovação e Planejamento teve destaque no caso dos vitivinicultores pesquisados, apresentando uma relação positiva com o desempenho econômico-financeiro e o desempenho mercadológico das propriedades rurais.
McElwee (2008), ao propor a tipologia “agricultor como empreendedor”, ressalta que o reconhecimento de oportunidades de negócios e a execução de planejamento estratégico são requisitos importantes para os produtores rurais terem um negócio rentável. Para o autor, a capacidade inovadora é um requisito importante para tornar reais as oportunidades de negócios. A capacidade inovadora e o planejamento são fatores importantes para os produtores desenvolverem sua propriedade rural, sendo isto evidenciado no caso dos vitivinicultores respondentes.
O produtor rural, de modo geral, vem sendo instigado a se modernizar, assumir mais riscos e apostar nas tecnologias para propiciar sustentabilidade à sua produção, sendo necessário planejar-se em relação aos fatores externos (clima e economia) e internos (gestão e processos) que afetam o agronegócio (Bracht & Werlang, 2015). Weber, Morgan e Winck (2016) reforçam que os produtores rurais precisam atualizar-se constantemente quanto às técnicas de gestão, tendo que buscar o desenvolvimento de um perfil propenso a correr riscos e tomar decisões diante de incertezas para inovar no agronegócio, ou seja, desenvolver um comportamento empreendedor.
Akgün et al. (2010), Vik e McElwee (2011) e Muñoz e Kimmitt (2019) mencionam a necessidade de pesquisas empíricas sobre o comportamento empreendedor com foco específico no meio rural, visto que as suas peculiaridades impedem de realizar comparações com estudos que focaram no meio urbano. Nessa perspectiva, o resultado significativo do presente estudo possibilita estabelecer que as características de “inovação e planejamento” precisam ser consideradas fundamentais nos estudos subsequentes da relação entre comportamento empreendedor e desempenho de propriedades rurais.
Em síntese, afirma-se que a hipótese referente ao desempenho das propriedades rurais vitivinícolas da região da Campanha Gaúcha ser influenciado pelas características empreendedoras dos produtores foi considerada válida em relação ao desempenho econômico-financeiro e mercadológico, porém não atestou resultado significativo quanto ao desempenho produtivo. Portanto, torna-se relevante incentivar os produtores de uva a agirem de maneira empreendedora, principalmente no que se refere a inovar na gestão da propriedade e planejar as suas decisões. Tal incentivo deve ser direcionado tanto aos produtores já estabelecidos quanto os que estão iniciando na vitivinicultura na região. À medida que os produtores de uva ampliem sua atividade agropecuária devido ao melhor desempenho, é possível que estes migrem para a vinificação própria das suas uvas (seja com indústria própria ou terceirizando), agregando valor ao negócio e, consequentemente, contribuindo no desenvolvimento da região.
5 CONCLUSÕES
Com o esforço de analisar a relação entre características empreendedoras e desempenho de vitivinicultores da Campanha Gaúcha, foi possível traçar um perfil produtivo e empreendedor da vitivinicultura no extremo sul do Brasil.
Constatou-se a relação entre características empreendedoras e os desempenhos econômico-financeiro e mercadológico das propriedades rurais amostradas, especialmente quanto à característica “Inovação e Planejamento”. O estudo contribui ao enfatizar que, tanto para produtores de uva já estabelecidos quanto aos que estão iniciando na atividade agropecuária, ter um comportamento empreendedor diante da gestão de seu negócio rural possibilita um melhor desempenho.
Os resultados também indicam que o setor vitivinícola da Campanha Gaúcha do Brasil apresenta potencial de crescimento, especialmente em esforços de vinificação própria e agregação de valor à produção. A ampliação da atividade vitivinícola pode proporcionar valores adicionais por meio do enoturismo e a consequente diversificação dos produtos oferecidos, sendo possível a comercialização de uva in natura, sucos e demais derivados da uva. Com essas e demais ações provenientes da inovação produtiva, do planejamento e da tomada de riscos, o produtor poderá aumentar a circulação de renda local, contribuindo com o desenvolvimento regional.
Das limitações da pesquisa, tem-se a não generalização dos resultados, visto que se optou por uma amostragem não probabilística que impossibilita que os resultados referentes à amostra de vitivinicultores sejam atribuídos estatisticamente para todo o contexto da vitivinicultura da região da Campanha Gaúcha. Ademais, o agrupamento de variáveis de inovação e planejamento em um só constructo não possibilitou analisar separadamente a relação destas características no desempenho, e, apesar do destaque deste constructo nos resultados, é sugerida uma separação ou até mesmo focar na investigação apenas destas características em pesquisas subsequentes.
Como recomendação de futuros estudos, sugere-se a análise das características empreendedoras em atividades agropecuárias distintas, comparando diferentes regiões ou ramos do agronegócio quanto à influência destas características no desempenho das propriedades rurais (por exemplo, vitivinicultura x sojicultura, agricultura x pecuária, commodities x produto acabado, região sul x região norte, etc.). Tais pesquisas ampliarão o conhecimento quanto ao comportamento empreendedor no agronegócio, possibilitando comparar estudos e formular um corpo teórico consistente. Ademais, sugere-se utilizar medidas objetivas de desempenho, permitindo projetar se o aumento no nível de características empreendedoras influencia o aumento ou redução nos índices de desempenho das propriedades rurais, além de possibilitar a comparação entre o desempenho percebido (medidas subjetivas) com o desempenho documentado em balanços, demonstrações contábeis e relatórios (medidas objetivas) referentes a distintas atividades agropecuárias.
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