Resumo:
							                           Objetivo: Ter evidências do que contribuiu para o distanciamento entre as contas correntes observada e teórica do modelo intertemporal da conta corrente, tendo em vista que o modelo para o Brasil demonstra não ser suficiente para explicar os movimentos observados, não sendo compatível com a hipótese teórica de suavização do consumo ao longo do tempo, por meio de aquisição e venda de ativos no mercado financeiro internacional. Procedimentos Metodológicos: Utilizando a metodologia proposta por Huang (2010), investiga-se se a inclusão das variáveis taxa real de juros mundial e termos de troca ao modelo básico, para o caso brasileiro entre 1970 e 2010. Ainda que os resultados sejam favoráveis à inclusão daquelas variáveis, a conta corrente teórica não se ajusta totalmente à observada, resultado possível de se deparar na literatura em torno do tema. Na tentativa de avançar neste ponto da análise, o método VAR é combinado com o QCA com o objetivo de complementar a análise para ter evidências do que poderia ter contribuído para o distanciamento entre as contas correntes observada e teórica, entre 1980-2002. Resultados: As configurações específicas e consistentes obtidas fornecem indícios de que o distanciamento entre as contas ocorreu em cenário de maior troca, pelo setor privado, de ativos diferenciados para a produção futura. Originalidade: A utilização do método QCA complementar à análise do modelo intertemporal da conta corrente. A despeito da defasagem temporal dos dados em estudo, a estratégia metodológica de combinação dos métodos permite obter interações específicas entre variáveis que não compõem o modelo, mas são apontadas como possíveis explicações para o resultado obtido.
Palavras-chave: conta corrente intertemporal, mobilidade do capital, VAR, QCA.
Abstract:
						                           Objective: Obtain evidence of what contributed to the gap between the observed and theoretical current accounts of the intertemporal current account model, bearing in mind the Brazilian’s model show that is not sufficient to explain the observed movements and is not compatible with the theoretical hypothesis of smoothing consumption over time, through the acquisition and sale of assets in the international financial market. Methodological Procedures: Using the methodology proposed by Huang (2010), we investigate the inclusion of the variables world real interest rate and terms of trade in the basic model for the Brazilian case between 1970 and 2010. Even though the results are favorable to the inclusion of those variables, the theoretical current account does not fully adjust to the observed one, a possible result to be found in the literature on the subject. To move forward in the analysis, the VAR method is combined with the QCA to complement the analysis and have evidence of what could have contributed for the gap between the observed and theoretical current accounts, between 1980-2002. Results: The specific and consistent configurations obtained provide evidence that the distance between accounts occurred in a scenario of greater exchange, by the private sector, of differentiated assets for future production. Originality: The QCA method is used to complement the analysis of the intertemporal current account model. Despite the time lag of the data under study, the methodological strategy of combining the methods allows for specific interactions between variables that are not in the model but are pointed out as possible explanations for the result obtained.
Keywords: intertemporal current account, capital mobility, VAR, QCA.
Resumen:
						                           Objetivo: Tener evidencia de lo que contribuyó a la brecha entre las cuentas corrientes observadas y teóricas del modelo de cuenta corriente intertemporal, dado que el modelo de Brasil resulta no ser suficiente para explicar los movimientos observados, no siendo compatible con la hipótesis de suavización teórica del consumo en el tiempo. , mediante la adquisición y venta de activos en el mercado financiero internacional. Procedimientos Metodológicos: Utilizando la metodología propuesta por Huang (2010), investigamos si la inclusión de la tasa de interés del mundo real y las variables de los términos de intercambio en el modelo básico, para el caso brasileño entre 1970 y 2010. Si bien los resultados son favorables a la inclusión de En esas variables, la cuenta corriente teórica no se ajusta completamente a la observada, resultado posible que se encuentra en la literatura sobre el tema. En un intento de avanzar en este punto del análisis, se combina el método VAR con el QCA con el fin de complementar el análisis para tener evidencia de lo que pudo haber contribuido a la brecha entre las cuentas corrientes observadas y teóricas, entre 1980-2002. Resultados: Las configuraciones específicas y consistentes obtenidas evidencian que la brecha entre cuentas se dio en un escenario de mayor intercambio, por parte del sector privado, de activos diferenciados para la producción futura. Originalidad: El uso del método QCA complementa el análisis del modelo de cuenta corriente intertemporal. A pesar del desfase temporal de los datos en estudio, la estrategia metodológica de combinar los métodos permite interacciones específicas entre variables que no componen el modelo, pero que se señalan como posibles explicaciones del resultado obtenido.
Palabras clave: cuenta corriente intertemporal, movilidad de capital, VAR, QCA.
EVIDÊNCIAS PARA A CONTA CORRENTE INTERTEMPORAL NO BRASIL E ANÁLISE DO DISTANCIMENTO ENTRE TEÓRICA E OBSERVADA
EVIDENCE FOR THE INTERTEMPORAL CURRENT ACCOUNT IN BRAZIL AND ANALYSIS OF THE DISTANCE BETWEEN THEORETICAL AND OBSERVED CURRENT ACCOUNT
EVIDENCIA DE LA CUENTA CORRIENTE INTERTEMPORAL EN BRASIL Y ANÁLISIS DE LA DISTANCIA ENTRE TEÓRICO Y OBSERVADO
Recepción: 28/02/2021
Aprobación: 18/06/2021
Na literatura econômica, a mobilidade de capital entre países tem como marco o artigo seminal de Feldstein & Horioka (1980) que, partindo da hipótese teórica de perfeita mobilidade, argumentam que uma alta correlação entre poupança e investimento seria evidência de baixa mobilidade internacional do capital. Não obstante, Ghosh (1995) argumenta que, independentemente dessa relação, existe algum grau de mobilidade de capital refletido no movimento da conta corrente. Sob a hipótese de trocas intertemporais, enunciada aos moldes da hipótese de renda permanente, a conta corrente seria um canal de suavização do consumo. Com expectativas racionais, o agente representativo dinamiza a conta corrente ao ajustar seu consumo ótimo frente a choques. A volatilidade da conta corrente observada comparada à teórica sob perfeita mobilidade de capital seria capaz de indicar o grau de mobilidade internacional do capital. Esta interpretação teórica é discutida na literatura como em Cashin & McDermott (1998), Agénor et al. (1999), Hussien & Mello Jr. (1999), Bergin & Sheffrin (2000), Ismail & Baharumshah (2008), Ogus & Sohrabji (2008), Garg & Prabheesh (2018), Singh (2019) entre outros. Huang (2010) assume que flutuações nos termos de troca também podem agir como indutoras do movimento da conta corrente suavizadora, de forma a não as considerar possivelmente levaria a atribuir o movimento da conta corrente a outros fatores, como à mobilidade de capital.
Para a economia brasileira entre 1947 e 1997, Senna & Issler (2000), seguindo o modelo básico de Ghosh (1995), obtiveram resultado diverso ao de Ghosh & Ostry (1997), apesar de utilizarem metodologia próxima, devido ao maior rigor metodológico, como apontam os próprios autores. Apesar das hipóteses testáveis do modelo não serem totalmente favoráveis, aqueles autores encontraram excesso ao invés de perfeita mobilidade do capital, apontando para a existência de significativo capital especulativo em circulação naquele período. Silva & Andrade (2006) retomaram o estudo de Senna & Issler (2000) adicionando uma amostra trimestral entre 1991 e 2004 e uma anual de 1947 a 2003. Os autores testam ainda a hipótese de ortogonalidade (para a expectativa racional) e decompõem a variância para o teste de choque transitório. Os resultados admitem a hipótese de ortogonalidade para dados anuais, mas não a hipótese de que choques transitórios no produto líquido afetem a conta corrente o que, segundo eles, pode ser evidência de gasto excessivo ou restrição externa. Além disso, apontam para o comportamento suavizador da conta corrente a partir de 1990 para dados trimestrais.
Tendo em vista o desempenho do modelo intertemporal básico, Silva & Andrade (2007) discutem o excesso de mobilidade e essa relativa inadequação para pequenas economias abertas, como a brasileira, assumindo que o componente suavizador da conta corrente serviria também como instrumento para reagir a variações esperadas nas taxas de juros mundiais e na taxa de câmbio. Com dados para o período 1947-2003, os resultados mostram que a inclusão daquelas variáveis não melhora suficientemente o ajuste do modelo, mas o modelo utilizado não pode ser rejeitado para o caso brasileiro para o período se considerar a elasticidade de substituição igual a 0,59. Já Santos & Cerqueira (2017), para o período de 1999 a 2007 em frequência trimestral, apontam que seus resultados mostram que a movimentos da taxa de juros não afetou as decisões intertemporais de consumo dos brasileiros. Carrasco-Gutierre & Oliveira (2013) com o modelo intertemporal da conta corrente corroboram fatos estilizados da literatura, todavia há hipóteses testáveis do modelo que não puderam ser confirmadas. Com tais estudos, a busca pelos fatores que poderiam contribuir para tal resultado é motivadora para a pesquisa. Ao passo que Oliveira, Hellery e Carrasco-Gutierrez (2015) e Silva (2016), encontram evidências favorável à inclusão da formação de hábito no consumo para o entendimento da dinâmica da conta corrente.
Esses resultados com relação ao comportamento da conta corrente são similares em boa parte da literatura empírica em torno da abordagem intertemporal, ou seja, não se encontram resultados totalmente satisfatórios para explicar os reais movimentos da conta corrente intertemporal observada. Possivelmente o fluxo de capital tenha aumentado em tal medida que se sobreponha ao necessário para suavização da conta corrente levando, portanto, a conclusão de que os movimentos da conta corrente teórica associada às hipóteses teóricas subjacentes do modelo (suavização do consumo, perfeita mobilidade de capital e formação de expectativas racionais) pouco explicariam o desempenho da conta corrente observada. Entre os fatores destacados como potenciais candidatos para explicar o baixo desempenho do modelo, estão: i) movimento significativo de capital especulativo (Ghosh, 1995; Senna & Issler, 2000); ii) restrições de acesso ao mercado financeiro internacional, com mobilidade imperfeita do capital (Silva & Andrade, 2007); iii) consumo do governo. Contudo, ainda que os modelos propostos procurem incorporar outras variáveis para o estudo do caso brasileiro, a metodologia empregada mostra o distanciamento entre a conta corrente teórica e a observada, em especial da década de 1980 até início dos anos 2000 no caso deste estudo. Obstfeld (2010, 2012) argumenta que, ainda que o fluxo bruto de ativos internacionais tenha aumentado significativamente e influenciado a atual estrutura financeira global, os desequilíbrios da conta corrente devem ser considerados pelos formuladores de política econômica. Entretanto, alerta para a necessidade de observar esse fluxo bruto por parte desses formuladores. Em Obstfeld (2004), o autor já propôs uma medida de fluxo de ativos, mostrando como este evoluiu para países emergentes e desenvolvidos; e uma medida do tamanho do comércio internacional de ativos, que também poderiam ter contribuído para elucidar os resultados não satisfatórios do modelo.
Dessa forma, o presente trabalho tem por objetivo verificar o grau de mobilidade do capital brasileiro e ter indícios sobre possíveis fatores que possam estar relacionados ao comportamento da conta corrente. Para tanto, a estratégia metodológica é obter a estimação do modelo intertemporal da conta corrente, seguindo Huang (2010), por meio de estimação Vetor Autorregressivo (VAR) combinado com posterior análise qualitativa por meio da Análise Qualitativa Comparativa (QCA). Nesse ponto, a despeito da defasagem temporal dos dados em estudo, pretende-se contribuir com a discussão ao testar fatores que poderiam levar à não compatibilidade entre o modelo teórico e a conta corrente realizada para o período de 1970-2010. O QCA foi proposto por Ragin (1987), baseado na teoria e álgebra Boleana para o desenvolvimento de estudos na área de ciências sociais, mas vem ampliando seu uso com resultados interessantes. Schneider & Wagemann (2010) e Marx, Rihoux & Ragin (2013) elencam cinco motivações para uso do QCA: resumo dos dados; verificar a coerência analítica de um determinado conjunto de casos com identificação de anomalias; avaliar teorias existentes; elaboração de novas teorias; avaliar novas ideias, proposições ou conjecturas ainda não incorporadas em uma teoria existente.
Para este trabalho, a motivação para uso de tal técnica afina-se com a possibilidade de examinar os fatores que levariam ao distanciamento entre as contas correntes brasileiras entre 1980 e 2002. Afinal, o QCA permite obter informações sobre os dados contribuindo para verificar se um conjunto de fatores específico apresentam uma configuração consistente para o resultado observado. Com este escopo, o artigo está dividido em 4 seções, além desta Introdução. A seção 2 apresenta o modelo, e em seguida, na seção 3, trata-se a metodologia de pesquisa e a descrição dos dados para a realização dos testes e aplicação. Os resultados serão expostos na seção 4 e, por fim, reúnem-se as considerações finais na seção 5.
O modelo intertemporal da conta corrente pressupõe um pequeno país produtor de um bem transacionável e que consome produção de outros. O consumidor, formador de expectativas racionais, tem a função de utilidade de sua vida dada por:
(1)

em que Et{. } é o operador de esperança condicionada às informações disponíveis em ; é o fator de desconto subjetivo; e são indicadores de tempo no intervalo [1, ∞]; u(. ) ; é a utilidade do indivíduo, responde ao consumo em s (Cs∗), cuja função é:
(2)

O parâmetro 𝜎 é a elasticidade intertemporal de substituição que representa a sensibilidade do consumo à taxade juros, sendo 𝜎 > 0 𝑒 𝜎 ≠ 1. Já o 𝛼 é a proporção de consumo designada a produtos importados, e assume valorentre ]0,1[. Dada esta composição do consumo, espera-se que o índice de preço (𝑃∗) garanta que 𝐶𝑡 = 𝐶𝑚,𝑡 +𝑃𝑡𝐶𝑥,𝑡 = 𝑃∗𝐶𝑡∗. Como o país participa do mercado financeiro internacional, comprando e vendendo ativos, o consumidorse depara com a restrição orçamentária:
(3)

𝐵 é o estoque de ativo líquido; 𝑟 é a taxa real de juros mundial; 𝑁𝑂 é o produto líquido; 𝑃 é o preço relativodado pelos termos de troca; e 𝐶 o consumo em termos do preço dos bens importados. Destarte, o problema demaximização da utilidade vitalícia do indivíduo é:
(4)

e tem como solução a Equação de Euler:
(5)

que loglinearizada é:
(6)

A Equação 6 mostra que o consumo responde às variações esperadas na taxa de juros internacional e nostermos de troca. Todavia, para conhecer a dinâmica da conta corrente suavizadora do consumo é necessário obter arestrição orçamentária intertemporal loglinearizada. Esta é obtida iterativamente da restrição do problema de maximizaçãodo indivíduo, e considera a equação de transversalidade dada por 𝑙𝑖𝑚𝑇→∞[(11+𝑟) 𝑇𝐵𝑡+𝑇+1] = 0. Se 𝑅𝑡+𝑖 =1 Π (1 + 𝑟𝑡+𝑗 𝑖 )⁄ 𝑗=1 , a restrição orçamentária intertemporal é:
(7)
A loglinearização da Equação 7 segue a estratégia de Huang & Lin (1993) e Bergin & Sheffrin (2000),considerando 𝛤𝑡 = 𝜙𝑡 + 𝐵𝑡, sendo obtida em três fases, detalhadas em Huang & Lin (1993), Huang (2010):
(8)

Com as Equações 7 e 8 é possível obter a equação das flutuações da conta corrente:
(9)

A equação 9 contempla a análise de troca intertemporal possibilitada pela escolha do indivíduo entre consumo presente e futuro e não deve ser entendida como o fluxo contabilizado na conta de Transações Correntes do Balanço de Pagamentos. A equação intrínseca ao modelo é o caminho de consumo ótimo do indivíduo e respeita a restrição intertemporal com a qual se depara. Ghosh (1995) reconhece que a flutuação da conta corrente pode ser influenciada de duas formas: i) em resposta à taxa de juros mundial relativa à taxa de desconto subjetiva (consumption-tilting); e ii) em resposta a choques no produto, gastos do governo e investimento, estabilizando o consumo no tempo (consumption-smoothing). Para este trabalho, interessa o entendimento de consumption-smoothing. Logo, a conta corrente representa um componente suavizador de consumo, e entende-se que essa conta corrente é construída pela Equação 9 e não pela diferença entre produto líquido e consumo.
Pela Equação 9 cat antecipa as alterações futuras no produto líquido na taxa de juros mundial e nos termos detroca. Diante da mobilidade perfeita do capital, o indivíduo poupa se a expectativa futura é de resultado ruim, logoaumentos temporários no produto líquido (Δ𝑛𝑜𝑡) ou termos de troca (Δ𝑝𝑡) elevam a conta corrente2. Já a taxa mundialde juros reais tem influência sobre a conta corrente por dois canais: efeito de substituição intertemporal e efeito renda. Oparâmetro 𝜎 capta o primeiro efeito, de forma que haverá aumento na conta corrente suavizadora, através da reduçãodo consumo presente, se há expectativa de aumento na taxa de juros real. O outro canal é o efeito riqueza medidopor 1 − 𝛺, que é positivo se 𝐵𝑡 > 0, afetando 𝑐𝑎𝑡 em direção oposta a expectativa de juros reais mundial. Para o Brasil,real devedor, (𝐵𝑡 < 0), 1 − 𝛺 < 0 o que inverte a direção do efeito renda.
Huang (2010), como em Shibata & Shintani (1998), para encontrar uma equação geral que capte inclusive aimperfeição da mobilidade internacional do capital, desenvolve a Equação 9, incluindo um termo de restrição de liquidezpelo qual analisa a mobilidade do capital. Considerando a existência de um nível de mobilidade intermediário (𝜆), em queos peso 𝜆 e 1 − 𝜆, ponderam o consumo. Logo:
(10)

Desta forma, a conta corrente suavizadora desse país será:
(11)

Interpretação importante da Equação 11 é que 𝜆 pertencente ao intervalo ]0,1[, e mede o grau de mobilidadedo capital internacional. Quanto maior for este parâmetro, maior a participação do país no mercado mundial, e a contacorrente é usada pelo indivíduo para suavizar seu consumo no tempo. Interessa apenas o adiamento ou antecipação doconsumo através da utilização do mercado internacional de ativos, com acesso irrestrito.
Seguindo Campbell (1987), a Equação 11 pode ser reescrita:
(12)

Considerando o vetor 𝑌𝑡 = [𝑐𝑎𝑡Δ𝑛𝑜𝑡𝑟𝑡Δ𝑝𝑡]′, a metodologia de Vetor Autorregressivo (VAR) permitiráconhecer a melhor previsão para as variáveis e construir a série teórica da conta corrente suavizadora. No formato de umVAR tem-se:

Sendo 𝑎𝑖𝑗(𝐿)o polinômio no operador de defasagem 𝐿 e 𝑒𝑖𝑡 os erros de previsão. Para um VAR(1): 𝑌𝑡 =𝐴𝑌𝑡−1 + 𝑒𝑡. Onde 𝐴 é matriz companion de ordem 𝑝𝑛 × 𝑝𝑛, onde 𝑛 é o número de variáveis do vetor, 𝑝 a ordem doVAR, e 𝑒𝑡 é o vetor (𝑝𝑛 × 1). Para qualquer tempo à frente de 𝑡 tem-se que a ótima previsão de 𝑌𝑡+𝑖, dado o conjuntode informação até 𝑡 (𝐻𝑡), será: 𝐸𝑡[𝑌𝑡+𝑖⁄𝐻𝑡] = 𝐴𝑖𝑌𝑡. Sendo 0 < 𝜌 < 1, a Equação 12 reescrita é:
(13)

onde 𝛾𝑗 é o vetor 1 × 𝑛𝑝 com todos os elementos iguais a zero exceto pelo j-ésimo, que é igual a 1. A Equação13 representa a conta corrente suavizadora teórica (𝑐𝑎𝑡∗), que revela a expectativa futura do agente em torno dasvariáveis, onde 𝑘 = (𝛾2𝜆 + 𝛾3𝜂 + 𝛾4𝜃)𝜌𝐴(𝐼 − 𝜌𝐴)−1 é um vetor linha (de ordem 1 × 𝑛𝑝) que capta as previsõesem relação às variáveis do vetor 𝑌𝑡 . Desconsiderando o erro, 𝑐𝑎𝑡∗ poderá igualar-se a 𝑐𝑎𝑡 se −𝑘1 𝑥𝑛𝑝 = [1 0 … 0]. Apartir dessa igualdade são geradas 𝑛𝑝 restrições ao modelo teórico que podem ser testadas.
Como se pretende analisar o efeito da inclusão dos termos de troca e da taxa real de juros internacional nomodelo, parte-se de um modelo simples para o completo. Logo, estimam-se 3 modelos, sendo que para cada um tem-seque o vetor 𝑌𝑡 é:

Então, com as séries atual e teórica[3], é possível fazer os testes em relação ao modelo e obter suas variâncias para se ter indícios sobre o a mobilidade de capital internacional.
Após obter a conta corrente teórica, e comparando-a com a atual obtida pela primeira igualdade da Equação 9, adota-se a estratégia metodológica de buscar evidência sobre a diferença entre essas. Se o país suaviza seu consumo no tempo, ambas as séries para a conta corrente devem ser iguais. Entretanto, a literatura vem mostrando que não há perfeita aderência entre elas, trazendo as questões: Por que a conta corrente teórica se mantém distante da observada, para o caso em estudo? Para auxiliar a responder, utiliza-se o método QCA que permite encontrar as configurações que levariam a um resultado específico. Assim, observado o distanciamento entre a conta corrente atual e teórica é de interesse conhecer quais combinações de fatores mais contribuíram para que esse resultado ocorresse de forma a auxiliar a elucidar a questão.
Para seguir boas práticas indicadas para o uso da técnica, apresentadas em Schneider e Wagemann (2010), e tendo como base no escopo deste trabalho, definem-se os seguintes conceitos compatíveis com a terminologia de análise QCA: i) condição - cada fator de interesse, e que não deve ser confundido com variável independente; ii) resultado - é o fenômeno investigado, que, neste caso, é a diferença entre conta corrente teórica e observada, e não deve ser confundida com variável dependente; e iii) fórmula solução - é o resultado encontrado para o QCA, e não se confunde com os termos utilizados para uma regressão, que é equação.
A análise comparativa e qualitativa de resultados (QCA) vem sendo cada vez mais utilizado por áreas doconhecimento como psicologia, ciências políticas e sociais, muito possivelmente em função dos avanços estratégicos(Marx, Rihoux & Ragin, 2013). O método utiliza a lógica Booleana para examinar as combinações de condições(configuração) suficientes e ou necessárias para se obter determinado resultado. Dito de outra forma, a interação entrecombinações explica o resultado; ou a ocorrência de um resultado Y é avaliada por meio da probabilidade condicionalP(Y/A. B) onde A. B é uma configuração específica. Calibrando os valores entre [0,1] são gerados outros conjuntosfuzzy, e serão criadas as melhores configurações com número de casos com scores maiores que 0,5 em cadaconfiguração. Essa calibração representa uma escala ordinal, cujo valor 1 mostra a inclusão no conjunto, zero a nãoinclusão no conjunto, e 0,5 indica que o objeto não está nem completamente dentro nem fora do conjunto.
Como exemplo, para ranquear a condição tamanho do governo, se o valor gerado for igual a 1, podemos afirmar que, naquele ano, o tamanho do governo foi significativamente grande e, portanto, aquele ano está incluído no conjunto. Ao contrário de um determinado ano ser ranqueado com o valor 0, nesse caso, o ano está completamente fora do conjunto. Caso o valor atribuído seja de 0,5 trata-se de "cross-over point”, ou seja, é um ponto de ambiguidade e não se pode afirmar que a observação seja ou não pertencente ao conjunto. Outra opção de trabalho é gerar conjuntos crisp em que serão atribuídos valores 0 ou 1 às observações de cada conjunto. Será atribuído 0, que indica a não inclusão da observação no conjunto e ocorrerá sempre que o valor for menor que a média do conjunto. Será atribuído 1, para o caso contrário, quando o valor da observação for maior que a média do conjunto.
A escolha das condições para serem analisadas pelo QCA baseia-se nos fatores em geral destacados por autores como possíveis fatores que levam o modelo intertemporal da conta corrente a não representar as flutuações da conta corrente. São eles: i) Índice Grubel-Lloyd proposto por Obstfeld (2004); ii) tamanho do mercado de ativos internacionais; iii) tamanho do governo medido pelo consumo como razão do PIB. Como se pretende ter evidências empíricas para como tais hipóteses poderiam contribuir para que a conta corrente teórica fique acima da observada, o resultado selecionado é a diferença entre ambas. A escolha deste resultado baseia-se no resultado não satisfatório para a previsão do VAR para o modelo intertemporal da conta corrente. Ao aplicar o modelo de Huang (2010), que encontrou resultados satisfatórios para a Inglaterra, esperava-se encontrar bons resultados para o caso brasileiro, principalmente por ser uma economia menor que a Inglaterra, e o modelo intertemporal ter como hipótese uma economia pequena.
A referência de 0,75 é estabelecida como a condição de suficiência para que a configuração gerada resulte em diferença da conta corrente, ou seja, todas as condições que apresentem relação de inclusão (escore de consistência) superior a 0,75 são consideras suficientes para que ocorra do distanciamento da conta corrente intertemporal teórica. Então, entende-se que este método como abordagem de pesquisa permitirá ter indícios sobre configurações presentes no distanciamento entre variável teórica e observada entre 1970 e 2010. Espera-se ter evidências de qual configuração de fatores resultou no afastamento da conta corrente teórica da observada.
A construção da base de dados para a economia brasileira, no período de 1970 a 2010, deu-se com a utilizaçãodas variáveis resumidas na Tabela 1. As séries 𝐺𝐿, GLrs, VC, CG, são externas ao modelo intertemporal da contacorrente aqui abordado e serão as proxies de fatores elencados como possíveis responsáveis pelo desempenho nãosatisfatório do modelo. Foi incluída como variável o saldo da conta investimento em carteira do Balanço de Pagamentoscomo proporção do PIB, entretanto, não entrou na análise devido ao não atendimento de normalidade multivariada.

Em analogia ao índice Grubel-Lloyd4, proposto para comércio bilateral em produtos similares, mas diferenciados,Obstfeld (2004) propõe: 𝐺𝐿 = 1 −|𝐴−𝐿|𝐴+𝐿, onde 𝐴 é ativo externo bruto e 𝐿 o passivo. Quanto mais próximo de 1 estivero índice, maior o comércio bilateral de ativos, ou comércio de "diversificação", como a troca mútua de ativos diferenciadospara a produção futura. Ou seja, com o índice igual a 1, situação ideal para o país com nenhum ativo ou dívida externalíquida, que, por conseguinte, mantém equilíbrio ao longo do tempo. No caso de ser igual a 0, todos os passivos sãopassivos líquidos, o que o autor chamou de finanças de desenvolvimento puro. Segundo o autor, Índice próximo de 0implica que o país se envolveu em maiores volumes de comércio intertemporal relativa a swaps puras de ativos por outrosativos, como a exportação de bens atualmente disponíveis em troca da promessa de bens futuros, ou o contrário, dandoorigem a um desequilíbrio na conta corrente (Obstfeld, 2012 p. 12).
Para o autor, os modelos intertemporais da conta corrente tornam-se insuficientes para descrever a dinâmica deativos externos líquidos, já que, atualmente, observam-se enormes fluxos de diversificação de duas vias, operaçõesfinanceiras intranacionais. Uma variante do índice proposta é deduzir as reservas internacionais para representar omercado internacional de ativos diferenciados do setor privado, portanto, também será analisada. Já como proxy doacesso ao mercado de ativos internacional, ou volume do comércio de ativos, como uma medida de abertura de aberturafinanceira, também proposto em Obstfeld (2004, 2012), tem-se: 𝑉𝐶 =𝐴+𝐿2𝑌, onde 𝑌 é o PIB. Para os três índicespropostos pelo autor, os países emergentes estão, em geral, atrás dos países de renda mais elevada, pois trocam maisativos swap, e apresentam menor abertura financeira total. Quanto à presença do governo, será medida pelo do consumodo governo em proporção do PIB. Para ilustrar essas condições de interesse, apresenta-se o seu comportamento noperíodo em estudo na Figura 1. Em todos os casos, observamos alterações a partir da década de 1990, que podem estarrelacionadas ao distanciamento da conta corrente observada em relação à teórica nos períodos anteriores.

Os resultados para o Teste de Raiz Unitária pelos métodos Dickey Fuller Aumentado, Phillips-Perron e KPSSestão representados no Apêndice A. De forma geral, os resultados apontam que as variáveis em nível𝑛𝑜𝑡, 𝑝𝑡 , 𝑐𝑡 , 𝑏𝑡 apresentam Raiz Unitária, mas são estacionárias em primeira diferença. Para as séries da conta correntee taxa de juros, parte das estatísticas obtidas leva a rejeitar a Raiz Unitária, sendo que para a conta corrente isso ocorreapenas a 10% de significância para o teste Dickey Fuller Aumentado, e não se rejeita a hipótese de estacionariedadepara o teste KPSS.
Para obter 𝑐𝑎𝑡∗ por meio da estimação VAR é necessário determinar os valores de 𝜆, 𝜂 e 𝜃. O valor de 𝜆 é iguala 1, considerando-se perfeita mobilidade de capital. Já os valores para 𝜂e 𝜃 dependem da definição dos parâmetros 𝜌,𝛺,𝜎 e 𝛼, sendo que o valor dos dois primeiros já foram definidos. O parâmetro 𝜎, elasticidade de substituiçãointertemporal, é 0,59, obtido no estudo de Issler e Pesqueira (2000). Já o coeficiente da participação dos importados noconsumo total de tradables (α) é calculado a partir da conceituação de Campa e Goldberg (2006), e para o caso brasileirotem valor médio de 0,04699. Então, obtém-se 𝜂 = −0,621 e 𝜃 = 0,639. Para o Modelo 1 estima-se um VAR (3) e paraos Modelos 2 e 3 um VAR(2), que satisfazem a condição de estabilidade e de não autocorrelação dos resíduos.
Implicação decorrente do modelo é que a conta corrente causa, no sentido de Granger, variações no produto líquido, ou seja, a conta corrente antecipa flutuações no produto líquido. Pelo teste de causalidade pode-se constatar que, para nenhum dos Modelos, o teste admite a causalidade, sendo evidência desfavorável ao comportamento suavizador da conta corrente. Esse mesmo resultado foi observado por Senna & Issler (2000) e Silva & Andrade (2006). Outro teste pertinente é o Teste sobre as restrições impostas a cada um dos Modelos, para o qual a estatística encontrada rejeita a hipótese de validade das restrições, a 5% de significância[5].
Ajustada a ordem do VAR e definidos os parâmetros necessários, obtém-se a conta corrente suavizadora teórica para cada um dos 3 Modelos propostos. A Figura 2 apresenta o comportamento das séries teóricas (linha tracejada) obtidas para cada um dos Modelos, junto com a série observada obtida pela Equação 9 (linha contínua).

Pelo Gráfico do Modelo 1 da Figura 2, 𝑐𝑎𝑡∗ mostra-se pouco compatível com os movimentos de 𝑐𝑎𝑡. Entretanto,com um pouco mais de volatilidade, as séries teóricas obtidas para os Modelos 2 e 3 tem trajetória relativamente maispróximas da série observada. Entende-se que, numa análise visual, expandir o modelo mais simples, incluindo taxa realde juros internacional e termos de troca, eleva a volatilidade da conta corrente suavizadora teórica, na medida em que ainformação dessas variáveis passa a fazer parte da formação de expectativa dos agentes. Contudo, a inclusão dasvariáveis não consegue refletir com exatidão os movimentos observados no período.
Ainda que o Gráfico do Modelo 3 mantenha a trajetória descolada da série observada em relação à da série teórica, esta parece aproximar-se ainda mais da observada se comparada à do Modelo 2, em certos pontos. Em especial na década de 1970, período marcado por dois choques do petróleo, que influenciaram a capacidade de importação do país; choques estes possivelmente captados pelos termos de troca. Também a partir de 2002, tal variável parece muito contribuir para a explicar o movimento da conta corrente suavizadora. Daquele ano até 2005 houve deterioração dos termos de troca, e a proximidade das séries dá indícios de que o agente reagiu a esse movimento. Sendo a expectativa aos choques o que importa para o modelo intertemporal, a inclusão dos termos de troca parece afetar as decisões de consumo intertemporal.
Outro ponto que se constata na observação da Figura 2, é a não capacidade dos Modelos teóricos em descrever o déficit observado no componente suavizador da conta corrente entre 1980 e início da década de 2000. Este período é marcado pelo ambiente desfavorável à formação de expectativas: saída do país do cenário internacional, altas taxas de juros internacionais e crise da dívida. Pode-se inferir que os Modelos 2 e 3 não conseguem prever o déficit, ou o déficit na conta corrente não foi compatível com o comportamento suavizador esperado. A partir de 1994, a conta corrente suavizadora observada torna-se positiva, possivelmente influenciada por melhora nas expectativas em relação à década anterior. Os superávits observados pós 1994 foram inferiores ao teoricamente necessário à suavização do consumo, em boa parte do tempo para os Modelos 2 e 3.
A análise do nível de mobilidade do capital internacional ocorre pela comparação das variâncias da conta corrente suavizadora observada e da teórica, como propôs Ghosh (1995), a Tabela 2 apresenta as variâncias encontradas para o período de 1970 a 2010. As colunas e linhas ‘Teórica 1’, ‘Teórica 2’ e ‘Teórica 3’ representam respectivamente a variância e covariância da conta corrente Teórica dos Modelo 1, 2 e 3. Já a coluna e linha ‘Observada’ representa a variância/covariância da série construída a partir da Equação 9, e a coluna ‘Razão’ mostra a razão das variâncias observada e teórica.

Na última coluna da Tabela 2, as razões encontradas são maiores que 1, isso mostra que, para aproximar contacorrente teórica e atual seria necessário 𝜆 > 1, ou seja, existe excesso de mobilidade do capital. Para os 3 Modelos,percebe-se que, ainda que superior a um, a Razão é menor do que a encontrada para o modelo básico. Já a covariânciaentre as séries observada e a teórica mostra-se negativa para os três modelos, possível consequência do longo períodoem que a teoria previa superávit e a conta corrente suavizadora brasileira persistiu em déficits.
É importante retomar as questões levantadas após observação da Figura 2: falha do modelo em refletir a década de 1980 e início dos anos de 2000; a melhor aproximação visual da série teórica ao observado a partir do início da década 1990; e a coincidência do lançamento do Plano Real como a retomada do superávit observado. Considerando-as, entende-se apropriado que as razões das variâncias sejam analisadas em três subperíodos: de 1970 a 1989, de 1990 a 2010 e de 1994 a 2010. O objetivo é ter evidências se, a partir de 1990, ou de 1994, a variância teórica está mais próxima da observada e se isso muda a análise do excesso de mobilidade. A Tabela 3 apresenta as variâncias encontradas para os subperíodos.
Nos três subperíodos considerados, a razão da variância é superior a 1 para qualquer dos Modelos. Entretanto, nota-se que, independentemente do período, as variáveis incluídas no modelo contribuem para aproximar a variância teórica de sua contraparte observada, reforçando que os efeitos de taxa de juros e termos de troca são relevantes para explicar o movimento da conta corrente e não deve ser considerado apenas o produto líquido. Comparando as razões entre os períodos, pode-se afirmar que houve redução do excesso de mobilidade do capital nos anos mais recentes para os Modelos 2 e 3.
Para auxiliar na análise, o Apêndice B apresenta os resultados do teste da Razão da Variância, que confronta a Hipótese Nula de que a razão é igual a 1 contra as Alternativas de que a Razão seja maior, diferente e menor do que 1. Para o Modelo 3, o estudo dos subperíodos mostra que a razão entre as variâncias observada e teórica é superior a 1, independentemente do período. Entretanto, o teste da razão não permite rejeitar a hipótese nula em favor de qualquer das alternativas para o subperíodo 1994-2010. Portanto, é estatisticamente possível admitir que a razão entre as variâncias seja igual a 1, o que põe de lado a afirmação sobre o excesso de mobilidade a partir de 1994. Considerando todas as hipóteses assumidas para a construção do Modelo 3, o Teste da Razão entre as variâncias permite dizer que a conta corrente brasileira funcionou como suavizadora de consumo no período de 1994 a 2010[6].

Esse resultado reflete possivelmente as políticas que compuseram o Plano Real, que proporcionaram maior participação dos importados na economia brasileira, o que elevou a concorrência entre os tradables. Também a poupança externa estava cada vez mais acessível, o que favoreceu a utilização da conta corrente para suavizar o consumo frente a previsões de alteração do produto da economia. Além disso, a formação das expectativas pôde ser aprimorada se comparada ao que se passou na década anterior ao Plano.
Como apresentado, a conta corrente teórica mostrou-se, em boa parte do período analisado, acima da contacorrente observada, dando evidências do fraco desempenho do modelo teórico em explicar as flutuações da contacorrente intertemporal. Então, pretende-se com a análise de QCA, encontrar configurações de condições não incluídasno modelo intertemporal, mas que possivelmente auxiliam a elucidar a seguinte questão: O que contribuiu para que aconta corrente teórica se mantivesse acima da conta corrente observada, principalmente entre 1980-2002? O métodoQCA permite testar as configurações que contribuíram para o distanciamento entre ambas as contas correntes sem, noentanto, estabelecer relações causais. As condições de interesse a serem testadas são aquelas originadas pelosconjuntos índice Grubel-Lloyd (𝐴), índice Grubel-Lloyd sem inclusão das reservas (B), variação do volume de comérciointernacional de ativos (C), e consumo do governo como proporção do PIB (𝐸), sendo o resultado a ser analisado paracada configuração é a diferença entre conta corrente teórica e observada (𝐹) 7.
As fórmulas de solução indicam, no período de análise, que há configurações consistentes para as combinações de condições de interesse para o resultado de diferença entre conta corrente e teórica. Entretanto, para se ter uma melhor interpretação econômica do que as configurações podem oferecer, será feita uma análise apenas com o índice Grubel-Lloyd e outro apenas com o índice Grubel-Lloyd sem inclusão das reservas, mantendo as demais. Tendo em vista o interesse em verificar as soluções para o período em que a diferença é positiva, as melhores configurações estarão vinculadas ao período de 1980 a 2002, quando a conta corrente teórica esteve necessariamente acima da observada. Para os conjuntos fuzzy gerados, configurações com o índice Grubel-Lloyd, uma configuração consistente foi encontrada e duas sem reserva, todas apresentadas na Tabela 4.

Para o resultado de diferença entre conta corrente teórica e observada – considerando as configurações índiceGrubel-Lloyd (𝐴), variação do volume de comércio internacional de ativos (C), e consumo do governo como proporçãodo PIB (𝐸) – observou-se uma combinação consistente. Essa configuração aponta para valores mais baixos para o nívelde ativos swap puro, junto com variação positiva no volume de mercado internacional de ativos e não ocorrência devariação significativa ou alta nos gastos do governo em relação ao PIB, e tende a distanciar conta corrente teórica e atual.A consistência e a cobertura são de 0,867 e 0,472 respectivamente, sendo o valor do primeiro relativamente significativoe a favor da configuração encontrada. O valor baixo do índice coincide com o que destacou Obstfeld (2004), pois mostraque grande troca de ativos swap tende a contribuir para a diferença entre as contas correntes. Mas, pode-se afirmar paraesta amostra específica e para o caso em que esse fato ocorra em concomitância com o maior acesso ao mercadofinanceiro e baixa variação no volume consumido do governo.
Para o resultado de diferença entre conta corrente teórica e observada – agora considerando as configuraçõesíndice Grubel-Lloyd sem reserva (𝐵), variação do volume de comércio internacional de ativos (C), e consumo do governocomo proporção do PIB (𝐸) - duas configurações foram encontradas, conforme duas últimas colunas da Tabela 4. Asduas configurações consistentes podem ser reduzidas a uma solução consistente: índice significativo de Grubel-Lloydsem reserva em conjunto com ausência de variação no consumo do governo, independente da variação no tamanho docomércio internacional de ativos, leva à ocorrência de diferença entre conta corrente teórica e observada. Tal verificaçãopermite afirmar para estes dados que, menos trocas de ativos swap puro pelo setor privado, ou seja, quanto maior oíndice Grubel-Lloyd, em conjunto com baixa variação no consumo do governo, tende a levar ao distanciamento entreconta corrente teórica e observada.
Para os conjuntos crisp gerados, foi encontrada uma solução consistente apenas para as combinações que incluem o índice Grubel-Lloyd sem reserva. Entretanto, não será discutida ou apresentada, tendo em vista que o a consistência e cobertura têm valores muito baixos para serem considerados relevantes. Afinal, a consistência indica o quanto a combinação causal encontrada leva ao resultado em estudo, e a cobertura mede o quanto do resultado é explicado pela referida configuração considerada. Não há critério estabelecido na literatura como limiar para estas medidas, entretanto, por parcimônia, optou-se por considerar as combinações que apresentem consistência superior a 0,8.
Assim, para a análise QCA, valores mais baixos de índice Grubel-Lloyd, atendendo à combinação acima destacada, apresentam resultado conforme proposto em Obstfeld (2004). Afinal, segundo o autor, valores do índice próximos a 1 mostram que o país mantém o equilíbrio intertemporal. Entretanto, se observarmos o índice sem considerar as reservas, este mostra que o aumento da diversificação de ativos, ou para menos transações de ativos swap puro, independentemente do aumento ou não da abertura financeira, se combinado com a menor variação do consumo do governo em proporção do PIB, leva ao distanciamento da conta corrente teórica. Cabe destacar a afirmação de Obstfeld (2012, p. 473) de que as reservas oficiais constituem componente importante dos ativos externos brutos para países emergentes, que, neste trabalho, são refletidos na modificação de resultado ao se retirar este componente. Ressalta-se, também, que o índice obtido é considerado baixo sendo, em média, para o período 1970-2010, de apenas 0,495 e 0,341 com e sem as reservas, respectivamente. Ao passo que, em Obstfeld (2004), a média dos países de maior renda, as médias são 0,84 para ambas. Desta forma, maiores valores do índice levarem à distanciamento entre conta corrente teórica e observada não apresentam contradição, pois são apenas relativamente maiores.
O presente estudo possibilita ter indícios sobre o nível de mobilidade do capital internacional no Brasil entre 1970e 2010, revendo os resultados já realizados para o Brasil, tendo em vista a metodologia proposta em Huang (2010). Aindaque o modelo estimado não tenha sido capaz de acompanhar com precisão os momentos de débito no componentesuavizador de consumo da conta corrente brasileira, é possível constatar que a inclusão dos termos de troca e taxa realde juros internacional é relevante para a formação de expectativas dos indivíduos. A metodologia do VAR permitiu tambémter indícios sobre o excesso de mobilidade do capital no período, entretanto, o λ implícito reduziu e a conta correntefuncionou como suavizadora de consumo a partir de 1994, possivelmente pela dinâmica do Plano Real, instituído paraestabilizar e promover a abertura da economia. Portanto, esses resultados seriam favoráveis à utilização dos termos detroca no modelo.
Mesmo com a inclusão das variáveis propostas, o modelo não se mostra suficiente para explicar as flutuações da conta corrente observada no período. Então, a análise QCA permitiu ter indícios do apontamento de Obstfeld (2004), de que a atual estrutura financeira internacional, com grande fluxo bruto de ativos, pode tornar o modelo intertemporal da conta corrente insuficiente, mas não desnecessário, para explicar as flutuações observadas. Desta forma, o índice proposto por aquele autor como medida de ativos de swap puro, associado à baixa ou nula variação nos gastos do governo, torna-se combinação significativa para obter o distanciamento entre conta corrente teórica e atual como resultado, em especial no período de 1980 a 2002. Cabe destacar que nenhuma das configurações deve ser considerada isoladamente para tratar o resultado da diferença, pois o QCA baseia-se na interação entre elas para se obter um possível resultado.
Quanto aos fatores apresentados como possíveis explicações para o desempenho não satisfatório do modelo intertemporal da conta corrente, buscou-se as configurações de conjuntos externos ao modelo para verificar se, combinadas, poderiam dar indícios do distanciamento entre teórica e atual. Quanto à participação do consumo do governo, verificou-se que, em todas as combinações consistentes, é esperado que exista baixa variação no consumo do governo. Além disso, para o caso de análise do comércio privado de ativos swap puro, o resultado não depende, necessariamente, do aumento ou não de abertura financeira. Já para o movimento desses ativos, incluindo a reserva, há necessidade de se observar aumento da abertura financeira.
Cabe destacar limitações do presente estudo, entre elas, a restrição e defasagem temporal dos dados para construção dos modelos, que se justificam pela finalidade de apresentar o QCA como ferramenta aliada à compressão de possíveis ocorrências que levaram ao afastamento entre resultado teórico e empírico para a conta corrente intertemporal. A indicação de que a hipótese teórica de suavização intertemporal da conta corrente para o período foi motivação para a aplicação do QCA como método que permite avaliar condições relevantes observadas em específico período. Em relação ao modelo construído com base na proposta de Huang (2010), há de se destacar que a análise dos resultados para o Brasil deve considerar as limitações teóricas tais como a facilidade de acesso ao mercado financeiro internacional para movimentação do consumo frente a choques observados no PIB, taxa de juros e taxa de câmbio. Destarte, tais hipóteses requerem cuidado nas análises que extrapolem o período e condições estabelecidas neste estudo.
Assim, atingido o objetivo a que se propôs este artigo, mas sem o esgotamento da discussão em torno do tema, novos questionamentos podem ser apontados para avançar nesta linha de pesquisa. O método aqui implementado se ocupa em analisar os dados desta amostra, não se propondo a estabelecer relação de causalidade, o que abre uma linha de avanço na discussão. A participação do governo na economia, neste trabalho, foi medida pela razão consumo/PIB. Outras medidas podem ser sugeridas para melhor representar este agente na economia. Com o índice proposto por Obstfeld (2004, 2012), tem-se indícios de que o modelo intertemporal não poderia dar conta dos movimentos da conta corrente, deixando também em aberto a continuidade em mostrar como é possível aperfeiçoá-lo.
Em relação à metodologia QCA, as condições selecionadas para verificação do fraco desempenho do modelo podem ser aprimoradas, ou outras podem ser escolhidas para obtenção de evidências. Além disso, o uso da ferramenta de análise pode ser expandido para mostrar a gestores os possíveis efeitos de determinadas condições para que o indivíduo não utilize a conta corrente para suavizar seu consumo ao longo do tempo. Sendo aliado na avaliação deste caso teórico, o uso e desenvolvimento do método pode contribuir para aprimorar a avaliação de gestores para comportamento de variáveis em condições específicas observadas em um período. Promove-se, assim, o uso do QCA em pesquisas no Brasil, onde o estudo se apresenta incipiente, como relatam Betarelli Junior & Ferreira (2018), ou pouco usual, como afirmam Souza Filho, Martins & Macedo (2018).









