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ANÁLISE DO PROCESSO CRIATIVO NO DESENVOLVIMENTO DE ARTIGOS DE MODA
ANALYSIS OF THE CREATIVE PROCESS IN THE DEVELOPMENT OF FASHION ARTICLES
ANÁLISIS DEL PROCESO CREATIVO EN EL DESARROLLO DE ARTÍCULOS DE MODA
Revista Alcance, vol. 29, núm. 2, pp. 143-155, 2022
Universidade do Vale do Itajaí

Artigo


Recepción: 03/02/2022

Aprobación: 20/06/2022

DOI: https://doi.org/10.14210/alcance.v29n2(Mai/Ago).p143-155

Resumo: Objetivo: Analisar o processo criativo, durante o processo de desenvolvimento de artigos de moda, na percepção dos profissionais que atuam em empresas do setor coureiro-calçadista localizadas na região do Vale dos Sinos.

Metodologia: Optou-se pela abordagem qualitativa e estratégia de pesquisa de campo, considerando seu caráter exploratório. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, sendo analisados por meio da análise textual discursiva.

Resultados: Constatou-se que o processo criativo é constituído de etapas de desejo e motivação intrínseca, preparação, manipulação, geração, verificação e validação de ideias. Contudo, muitos elementos externos, como a pressão para reduzir o lead-time para criar e as responsabilidades sobre o sucesso de vendas e redução de custos, fazem parte do todo que compreende o fenômeno complexo da criatividade no âmbito organizacional.

Implicações teóricas: Os resultados contribuem para um melhor entendimento e nova forma de olhar para estudos de gestão organizacional, com vistas a promover ajustes nos modelos de gestão da criatividade.

Originalidade: Existe uma necessidade de aplicação da criatividade, ao longo das etapas do processo produtivo, quando se refere à indústria da moda, o que se contradiz com as estruturas de moda que, muitas vezes, veem o processo criativo a par do processo produtivo. Portanto, torna-se oportuno contribuir com uma investigação que busca a compreensão da criatividade como fenômeno complexo em empresas do segmento da indústria criativa de moda, mais especificamente nos ambientes organizacionais do setor de calçados, na região do Vale dos Sinos.

Palavras-chave: Indústria Criativa, Profissionais de Mod, Indústria Calçadista, Profissionais de Moda.

Abstract: Objective: Analyze the creative process, during the process of developing fashion articles, in the perception of professionals who work in companies in the leather-footwear sector, located in the region of Vale dos Sinos.

Methodology: We opted for the qualitative approach and strategy of field research, considering its exploratory character. Data were collected through semi-structured interviews, being analyzed using textual discourse analysis.

Results: It was found that the creative process consists of stages of desire and intrinsic motivation, preparation, manipulation, generation, verification and validation of ideas. However, many external elements, such as the pressure to reduce the lead-time to create and the responsibilities for sales success and cost reduction, are part of the whole that comprises the complex phenomenon of creativity in the organizational sphere.

Theoretical implications: The results contribute to a better understanding and a new way of looking at organizational management studies, regarding promoting adjustments in creativity management models.

Originality: There is a need to apply creativity throughout the stages of the production process when referring to the fashion industry, which contradicts the fashion structures that often see the creative process alongside the production process. Therefore, it becomes opportune to contribute to an investigation that seeks to understand creativity as a complex phenomenon in companies in the segment of the creative fashion industry, more specifically in the organizational environments of the footwear sector, in the Vale dos Sinos region.

Keywords: Creative Industry, Fashion professionals, Footwear Industry.

Resumen: Objetivo: Analizar el proceso creativo, durante el proceso de elaboración de artículos de moda, en la percepción de los profesionales que laboran en empresas del sector cuero-calzado ubicadas en la región de Vale dos Sinos.

Metodología: Optamos por el enfoque cualitativo y la estrategia de la investigación de campo, considerando su carácter exploratorio. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semiestructuradas, siendo analizados mediante análisis discursivo textual.

Resultados: Se encontró que el proceso creativo consta de etapas de deseo y motivación intrínseca, preparación, manipulación, generación, verificación y validación de ideas. Sin embargo, muchos elementos externos, como la presión para reducir los plazos de creación y las responsabilidades para el éxito de las ventas y la reducción de costes, forman parte del conjunto que comprende el complejo fenómeno de la creatividad en el ámbito organizativo.

Implicaciones teóricas: Los resultados contribuyen a una mejor comprensión y una nueva forma de ver los estudios de gestión organizacional, en cuanto a promover ajustes en los modelos de gestión de la creatividad.

Originalidad: Existe la necesidad de aplicar la creatividad en todas las etapas del proceso de producción cuando se hace referencia a la industria de la moda, lo que contradice las estructuras de la moda que a menudo ven el proceso creativo junto con el proceso de producción. Por tanto, se vuelve oportuno contribuir a una investigación que busque entender la creatividad como un fenómeno complejo en las empresas del segmento de la industria creativa de la moda, más específicamente en los entornos organizacionales del sector del calzado, en la región Vale dos Sinos.

Palabras clave: Industria creativa, Profesionales de la moda, Industria del calzado.

1. INTRODUÇÃO

De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT, 2020), a indústria da moda é o segundo maior empregador da indústria de transformação brasileira, perdendo apenas para o setor de alimentos e bebidas. Com relação à divisão dos segmentos de moda, conforme a Federação das Indústrias do Estado do Rio De Janeiro (FIRJAN, 2019), uma delas trata de calçados, bolsas e acessórios. Abarcados nesta categoria, estão o curtimento e outras preparações com couro e a fabricação de calçados, artigos e artefatos de couro, sintéticos ou uso de qualquer material nessa fabricação.

A indústria calçadista brasileira é constituída por clusters, dentre os quais se destaca o do Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul. Dados da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (ABICALÇADOS, 2020) revelam que a região supramencionada representa 45,1% da produção do Estado. Importante destacar que a indústria calçadista nacional tem sido pressionada pelos produtos asiáticos, de qualidade similar, contudo com preços mais baixos (ABICALÇADOS, 2020).

Diante desse cenário, é válido destacar, também, que o setor de moda apresenta dinâmicas bem peculiares. Uma problemática atribuída à área de calçado de moda diz respeito à lógica industrial e suas características, que exigem mais rapidez nos ciclos de moda, em contraponto à necessidade constante do uso da criatividade para o desenvolvimento de produtos (Treptow, 2013). Ademais, algumas atividades criativas impactam na agregação de valor aos produtos, como no caso específico do design de produtos, que valoriza, no mercado, os objetos fabricados na indústria de moda e de calçados (Núñez, 2016).

Em uma perspectiva econômica, o setor de moda busca diferenciação na sua atuação frente ao mercado, com lançamentos de novos produtos, com maior frequência e com novas propostas de uso e características, incluindo demandas para atendimento de nichos específicos de mercado (Treptow, 2013). O surgimento do termo “indústrias criativas” está associado a movimentos ocorridos a partir dos anos 1990, em alguns países industrializados, e seu advento decorre de mudanças econômicas e sociais que fizeram com que o foco dos negócios se deslocasse das atividades industriais, para as atividades intensivas em conhecimento, localizadas no setor de serviços (Bendassolli et al., 2009).

Dentro do contexto de indústrias criativas, as quais são conceituadas como as atividades econômicas que empregam a criatividade como elemento central do negócio (Bendassolli et al., 2009), este artigo objetiva analisar o processo criativo, durante o processo de desenvolvimento de artigos de moda, na percepção dos profissionais que atuam em empresas do setor coureiro-calçadista, localizadas na região do Vale dos Sinos. Além dos profissionais da área do design, que utilizam a criatividade como matéria-prima no seu trabalho, também foram entrevistados alguns gestores. A escolha por entrevistar os gestores se justifica pelo fato de que costuma ser esse público que toma decisões em níveis hierárquicos estratégicos.

A pesquisa se fundamenta no conceito da criatividade como sendo um fenômeno multifacetado (Amabile, 1988) e que, portanto, pode ser analisado de forma individual, grupal e organizacional, em um contexto complexo e sistêmico (Klein & Kozlowski, 1999). Para a realização da pesquisa, optou-se por adotar a abordagem qualitativa e, como estratégia de pesquisa, uma pesquisa de campo exploratória sendo considerado o estudo descritivo. Os resultados permitiram constatar que o processo criativo é constituído de etapas de desejo e motivação intrínseca, preparação, manipulação e geração de ideias, verificação e validação de ideias. Contudo, muitos elementos externos, como a pressão para reduzir o lead-time para criar e as responsabilidades sobre o sucesso de vendas e a redução de custos fazem parte do todo que compreende o fenômeno complexo da criatividade no âmbito organizacional.

Como os desafios das organizações estão cada vez mais relacionados com problemas de caráter multidisciplinar, entende-se que o estudo oferece contribuições para incentivar mais pesquisadores a explorar a complexidade inerente no processo criativo. Nesse sentido, a maior contribuição da pesquisa são os dados que poderão servir de embasamento para novos modelos de gestão da criatividade.

Após esta introdução, o artigo apresenta as bases conceituais referentes à indústria da moda e à criatividade. A seguir, estão detalhados os procedimentos metodológicos e, na seção seguinte, as análises e discussões dos resultados. Após descrição e apresentação do corpus pesquisado, constam as considerações finais em relação ao objetivo, suas contribuições, limitações e sugestões para investigações futuras.

2. AS ESPECIFICIDADES DA INDÚSTRIA DE MODA

A indústria da moda apresenta uma dualidade fundamental, no sentido de que é, ao mesmo tempo, uma atividade econômica (Loconte, 2020) e atividade artística (Hartley, 2005). Lipovetsky (2009) considerou a moda como um dos direcionadores das sociedades: a sedução e o efêmero tornaram-se os princípios organizadores da vida coletiva moderna. As pessoas mudam sua forma de vestir-se, em função de influências sociais (Treptow, 2013). Isso ocorre porque vivemos na sociedade do consumo de massa (Berlim, 2020) e a moda não se contenta em apenas transformar tecidos em roupas, ela cria objetos portadores de significado (Godart, 2018).

À medida que as pessoas consomem, elas pautam as relações a partir das aparências e de um ciclo de gradual uso, em que se irá privilegiar aquilo que é novo (Tretpow, 2007). Atende-se, assim, ao circuito mercadológico que compreende uma demanda produtiva, comercial e industrial (Moura, 2008; Conti, 2008). Logo, um produto ou serviço cultural é derivado da consideração do tipo e valor que este engloba ou gera. Portanto, é possível compreender que existem valores culturais, além de valores comerciais, nesses produtos e serviços, mesmo que o aspecto cultural não possa ser totalmente mensurável em termos monetários. Com isso, é possível chamar esses produtos e serviços de criativos (UNCTAD, 2018).

Uma estratégia utilizada pela área de desenvolvimento de produtos é se afastar dos estereótipos, a fim de aumentar a impressão da novidade, buscando um projeto que aumente a harmonia, a elegância e a simetria de um design. Com isso, pretende-se prender a atenção do consumidor, gerando, nele, o desejo da compra. Essa relação faz da criatividade um vetor essencial e a matéria-prima de todo o processo do produto criativo (Mozota, Klöpsch, & Da Costa, 2011). A moda, assim, é relacionada, em termos de área de atuação, ao design industrial, por ter característica da atividade comercial e industrial, implícita na produção e venda em massa (Rech, 2008).

A moda trabalha com a criação de novos produtos de forma constante. O profissional de criação desse mercado é chamado de designer de moda, estilista e/ou desenhista (Godart, 2018). Seu trabalho é produzir novidades, sem que se exclua a realidade da empresa e o mercado no qual se está inserido. Esse é, portanto, um escopo de atuação do profissional mais ampliado do que apenas o referente ao momento da criação (Treptow, 2013; Pires, 2008).

Os ciclos de mudança e a sede do mercado por novidades têm forçado as empresas a realizar lançamentos cada vez mais próximos. Nas empresas de estrutura pequena, como as microempresas de confecção, chegam a ser esperados lançamentos semanais (Treptow, 2013). Porém, o escopo de atuação do designer de moda é ampliado, no sentido de não pensar apenas aspectos estéticos do produto, ação mais relacionada com o seu lado inspirador e inventivo, mas, também, levar em conta sua viabilidade comercial, financeira e produtiva (Millspaugh & Kent, 2016).

Nesse sentido, Löbach (2001) acrescenta à função do designer o papel de pesquisa e aproximação em relação ao consumidor, uma vez que aquele necessita compreender a relação deste com o produto e com as características de valor agregado. Para que o profissional tenha condições de explorar todo seu potencial criativo, alguns aspectos organizacionais são importantes, como será abordado na próxima seção deste trabalho.

3. TIPOS DE CRIATIVIDADE E SUA INTERPRETAÇÃO COMO PROCESSO

Mesmo não sendo possível, além de ser pretensioso, delimitar uma única perspectiva do que é a criatividade, para o seu uso, é importante sinalizar que este artigo se propõe a investigar a influência do ambiente organizacional na criatividade dos indivíduos. Cumpre destacar que o estudo da criatividade é inerente a um pensamento dialógico. Portanto, propõe-se que se estude o fenômeno em seus níveis individual, grupal e organizacional, inspirado em Klen e Kozlowski (1999). O resultado desta análise multinível é um retrato mais profundo e rico da organização, que reconhece a influência do contexto organizacional na vida dos indivíduos, nas suas ações e percepções e a influência destes no ambiente organizacional.

Em se tratando do nível individual da criatividade, Amabile (1983, 2005) sinaliza que ele compreende três aspectos: habilidades de domínio, habilidades criativas relevantes e motivação intrínseca. A habilidade de domínio diz respeito a uma habilidade técnica e talento no campo em questão, uma capacidade cognitiva de fazer interpretação e aprender com base em um conhecimento prévio para criar ou modificar algo.

A habilidade criativa relaciona-se com a forma que o indivíduo faz uso do conhecimento. Inclui estilo de trabalho, estilo cognitivo, domínio de estratégias que favorecem a produção de novas ideias e traços de personalidade. A motivação intrínseca refere-se à satisfação e ao envolvimento que o indivíduo tem pela tarefa. Engloba interesse, competência e autodeterminação. Nenhuma das demais habilidades ou métodos de pensamento criativo pode compensar a falta de motivação apropriada para executar uma atividade (Amabile, 2016).

Amabile et al. (2005) destacam que a criatividade pode ser incentivada, dentro dos grupos de trabalho, a partir da autonomia, da abertura às ideias e do incentivo à criatividade, além do compartilhamento dos objetivos e da possibilidade do desafio, os quais geram compromisso coletivo. Contudo, Paulus e Baruah (2018) ressaltam que uma equipe, com uma variedade de habilidades diferentes, pode superar o desempenho de um indivíduo, cuja base de conhecimento e experiência concentra-se em apenas uma área.

Para Caniëls e Rietzschel (2015), a criatividade organizacional é o resultado do comportamento criativo individual, que compreende uma complexa interação entre o indivíduo e o ambiente. Manenti (2013) ressalta que, no âmbito organizacional, a criatividade está relacionada à geração de novas ideias e apresenta um caráter de utilidade, que gera valor. A criatividade em grupo é uma função advinda do comportamento criativo individual, da interação entre esses indivíduos, das características do grupo, dos processos, além das influências contextuais.

Stacey (2005) e Dong (2017), complementam que um indivíduo pode impactar a criatividade no coletivo. Para Perry-Smith e Mannucci (2017), em um contexto social, a jornada da ideia para ter maior grau de sucesso, necessita que a rede seja articulada e ativada de forma diferente nos variados estágios das ideias, pois defendem que o indivíduo precisa de elementos relacionais e estruturais diferentes em cada fase do processo. A criatividade, portanto, nunca pode ser considerada um processo individual, pois envolve a interação com outras pessoas em um grupo, sendo assim, pode ser analisada sob a perspectiva de um processo.

Ressalta-se que não é objetivo deste trabalho esgotar as fontes que exploram o processo criativo, mas determinar os conceitos fundamentais que sejam suficientes para demostrar a interferência que o ambiente de trabalho desempenha no profissional de design de moda. Nessa perspectiva, se faz mister analisar a criatividade como processo.

Para Fabun (1969), o processo criativo compreende as seguintes etapas: (a) desejo: é a motivação e vontade de querer criar algo original; (b) preparação: fase da coleta informações, por meio de pesquisas, experimentação ou contato com experiências; (c) manipulação: momento de tentar sínteses, buscar padrões e relações de conceitos aparentemente não relacionados; (d) incubação: é o momento de se afastar da ideia e deixar o inconsciente atuar; (e) antecipação: é uma espécie de premonição, em que a pessoa percebe que a solução está prestes a ser encontrada; (f) iluminação: é o momento em que a ideia, enfim, surge; e (g) verificação: é quando a ideia é testada para ser validada.

Na perspectiva do uso da criatividade como solucionadora de problemas, Amabile (1988) explica, a partir do modelo conceitual individual, como pode se dar o processo, desde a apresentação inicial das ideias até a solução. O processo ocorre por estágios, sendo que o primeiro deles é a identificação da tarefa/problema. O segundo estágio é a preparação, em que o indivíduo busca por informações para a solução do problema. No terceiro estágio, denominado geração de ideias, o nível de originalidade do produto ou resposta é determinado. Neste estágio, o indivíduo cria várias possibilidades de respostas, fazendo uso dos processos criativos relevantes e de sua motivação intrínseca.

A seguir, ocorre a validação da ideia, o momento de apresentar a ideia ou produto. Nesse sentido, o indivíduo faz uso de suas habilidades de domínio para avaliar a extensão em que o produto será criativo, útil, correto e de valor para a sociedade, de acordo com critérios estabelecidos. O último estágio, denominado análise dos resultados, é a tomada de decisão com relação à resposta, com base na avaliação do estágio anterior. Ao final, se identifica se a ideia solucionou o problema. Se sim, entende-se que o processo se encerra. Da mesma forma, se o resultado for negativo, ele também se encerra, porém, se o resultado for parcial, representa um progresso em direção à solução e o processo retorna aos estágios anteriores, fazendo-se uso da experiência como aprendizagem.

Não necessariamente o processo ocorre com essa conformidade e com todas essas etapas (Baxter, 2011; Fabun, 1969). “A produção de ideias novas não é estática, pois, à medida que surgem, já evoluem, agregando algo que as torne factíveis” (Bruno-Faria, 2007). Já na década de 1960, do século passado, Fabun (1969) destacou que, nesse processo, operam a consciência, a subconsciência e a inconsciência, e que essas transações ocorrem nos âmbitos interno e externo ao humano, ou seja, somos estimulados conforme as interferências que recebemos do ambiente em que estamos inseridos. De todos esses estágios da consciência, a criatividade se dá, principalmente, no inconsciente individual.

No tocante à abordagem social do processo criativo, Perry-Smith e Mannucci (2017) definem que as etapas que se assemelham às propostas de Amabile (1988) necessitam de necessidades sociais como: para a fase de geração de ideias, o indivíduo necessita de flexibilidade cognitiva, para a fase elaboração, necessita de apoio/suporte de outras pessoas. Já na fase de defesa da ideia é necessário influência social e legitimidade e na última fase, a de implementação, é necessário que exista visão e compreensão compartilhada dos envolvidos. Correntes de estudos dentro da Psicologia tratam a criatividade como um comportamento resultante de particularidades, constelações de características pessoais, problemas cognitivos e ambientes sociais (Amabile, 1983; Sternberg & Lubart, 1991; Csikszentmihalyi, 1996). No âmbito organizacional, a criatividade é o resultado dos comportamentos criativos individuais (Amabile, 1983; Sternberg & Lubart, 1991; Sternberg, 2006) e suas complexas interações (Stacey, 1996; Morin & Lisboa, 2007; Morin, 2000; Woodman, Sawyer & Griffin, 1993) com os elementos e com o sistema social no qual estão inseridos (Csikszentmihalyi, 1996). Dessa forma, entende-se que as interações ao longo do processo resultam em maior ou menor potencial criativo.

4. MÉTODO

Para realização da pesquisa, os autores optaram pela abordagem qualitativa e estratégia de pesquisa de campo, considerando seu caráter exploratório. Bauer e Gaskell (2002) definem a pesquisa qualitativa como uma estratégia que gera dados para o desenvolvimento e compreensão de forma mais detalhada sobre crenças, atitudes e valores, no sentido do comportamento das pessoas nos contextos sociais. Gil (2002) corrobora a referida classificação, afirmando que este tipo de pesquisa aproxima o pesquisador de determinado problema, com a intenção de se analisar o fenômeno de forma mais explícita.

Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, no período de março a abril de 2020, com questões abertas, a fim de entender a percepção dos indivíduos sobre o universo organizacional. As questões foram elaboradas com base no referencial teórico e validadas por meio da técnica Delphi, por dois professores doutores, especialistas no assunto investigado. Após a validação dos experts, foi aplicado um teste piloto com uma estilista de calçado de moda, que possui mais de 15 anos de experiência no mercado. A partir dos referidos procedimentos, foram construídos dois roteiros de perguntas: um a ser aplicado junto aos gestores de setores criativos e outro a ser aplicado junto aos profissionais das áreas criativas, em empresas do segmento de calçado de moda. O roteiro consta no Quadro 1.

Quadro 1
Roteiro da Entrevista

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Para a realização das entrevistas, foram selecionados sete profissionais do setor coureiro-calçadista da região do Vale dos Sinos, no estado do Rio Grande do Sul, de forma não probabilística, intencional e por conveniência, adotando critérios de acessibilidade e disponibilidade de tempo dos entrevistados. A coleta de dados foi feita com o uso de ferramentas de tecnologia como Skype e WhatsApp, com uso de gravador para posterior transcrição e análise, sendo as entrevistas previamente autorizadas pelos respondentes. O perfil de cada entrevistado pode ser visualizado no Quadro 2.

Quadro 2
Perfil dos Entrevistados

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

E1 é gestora e coordena a área de estilo de uma das marcas da empresa, que atende a diversos públicos femininos. Seu foco é a criação de calçados e bolsas e, atualmente, há, em sua equipe, três estilistas e uma assistente. E2 é estilista de calçados, bolsas e cintos de uma das marcas da corporação, que possui mais de uma marca. E3 é responsável e designer de produto, e, dada a estrutura da empresa ser considerada pequena, ele exerce também atividades administrativas. Pela sua experiência de 20 anos no mercado de calçados, respondeu ao questionário direcionado aos profissionais criativos.

E4 é gerente de produto e já atuou em empresas bem relevantes do segmento de calçado de moda, trabalhando desde à concepção do produto até em frentes mais técnicas, como engenharia e produção. E5 é estilista da organização de E1, ou seja, faz parte da equipe em que E1 faz a coordenação. E6 é gerente de inovação, que tem como foco a tecnologia em couros, calçados e artefatos. E7 é estilista da mesma organização que E5, tendo E1 como gestora.

No que se refere à estratégia de análise dos dados, optou-se por análise textual discursiva, proposta por Moraes (2003), uma vez que esta descarta a neutralidade do discurso e considera a subjetividade do entorno. A análise textual qualitativa pode ser compreendida como um processo auto-organizado de construção de compreensão em que novos entendimentos emergem de três componentes, analisados de forma sequencial: desconstrução dos textos do corpus, a categorização e, por fim, a compreensão de um novo emergente. O autor apresenta uma sequência de etapas que compõem tal metodologia. Na primeira etapa, é realizada a desconstrução e desintegração dos textos, destacando-se seus elementos constituintes. Após isso, surgem as unidades de análise, que são definidas em função de um sentido pertinente aos propósitos da pesquisa, aqui também denominadas unidades de significado ou de sentido. Por fim, é o momento de produção de uma nova ordem, uma nova compreensão, uma nova síntese.

Nesse sentido, de posse das entrevistas, conforme proposto por Moraes (1999), foi realizada a decomposição dos discursos em unidades de significados, que se concluiu com a desconstrução dos textos. Ao final, foi possível criar o conjunto de unidades de significados, que foi agrupado quando identificadas as relações de semelhança, surgindo um significado mais amplo que abarcasse todos esses conceitos menores. Desse processo, resultou a unidade de análise “o processo criativo” que formou quatro categorias de análises, sendo elas “Desejo e motivação intrínseca”, “Preparação”, Manipulação e geração de ideias” e “Verificação e validação de ideias”.

5. ANÁLISE DOS DADOS

De acordo com Fabun (1969), Amabile (1988) e Perry-Smith e Mannucci (2017), o processo criativo pode ser dividido em etapas, que vão desde o desejo e a motivação do indivíduo para propor novas ideias até a verificação e validação dessas, que poderão gerar novos produtos ou serviços. Com base nas análises dos resultados empíricos, foi possível identificar que o segmento calçadista utiliza um processo com métodos semelhantes. Além disso, constatou-se a existência de todos os níveis de escopo da criatividade ao longo do processo criativo, conforme abordado no referencial teórico, porém, dadas as suas características complexas no contexto organizacional e corroborando com as teorias de Perry-Smith e Mannucci (2017) sob uma abordagem social em relação à criatividade e seu processo, observou-se que esses níveis variam de acordo com cada momento e necessidade inerentes de cada etapa. As categorias de análises utilizadas seguem abaixo nos subitens 5.1 a 5.4.

5.1 Desejo e Motivação Intrínseca

Esse estágio é compreendido por ser o da motivação e vontade de criar algo (Fabun, 1969; Amabile, 1988). Nesse sentido, identificou-se, pelas análises dos discursos dos entrevistados, que o início do processo criativo de uma empresa de calçado de moda está pautado na motivação do consumidor, visto que, quando perguntados de onde surgem as ideias para criar, todos tinham a mesma resposta: se apoiando nas necessidades do consumidor.

Observam-se tais constatações na fala de E3: “[...] a gente olha como o consumidor está se comportando e iniciamos um trabalho de desenvolvimento de coleção” e de E1: “[...] é tudo por uma questão: como é o comportamento da mulher? Então é uma necessidade da consumidora e aí a gente vem e busca e a marca se favorece disso;” e, ainda, na fala do E7: “[...] não é assim tanto tipo espontâneo, então sempre vinha de alguma necessidade de mercado”.

E3 destaca que a indústria brasileira de moda não tem a característica de ser criativa, visto que os designers não fazem produções totalmente autorais. O entrevistado atribui isso ao fato de que a própria indústria e o mercado não aceitam esse formato, uma vez que o que é valorizado e, por consequência, o que irá trazer segurança para o lojista, é de onde vem a ideia, e esta, geralmente, vem de tendências do mercado exterior. Destaca-se que o perfil do consumidor também se mostrou relevante, no que se refere à manifestação da criatividade do designer. E2 afirma que os consumidores das classes A e B consomem a moda de maneira mais rápida e rentável. O entrevistado entende que as referidas classes aceitam melhor os produtos que imprimem as informações de moda, pois, por consumirem muito, já sabem que esses produtos apresentam custos mais elevados. Contudo, mesmo em momentos mais recessivos, é um mercado que segue consumindo.

A prática adotada, para dar início ao processo criativo se assemelha à proposta de Amabile (1988), corroborando com a ideia pragmática da criatividade como inerente à resolução de um problema. A autora define como primeira etapa a de identificação deste, e o movimento que se percebe é da união de habilidades de motivações individuais para engajar as pessoas na busca de soluções. Identificou-se que as empresas têm um guia de bordo, como nomeou E4, o calendário de sell in. Especialmente os profissionais que atuam no segmento de fast fashion trazem este componente como um direcionador de todo o processo criativo.

Rech (2008), Moura (2008) e Conti (2008) apontam que o setor da moda é muito dinâmico e exige muito esforço criativo, uma vez que o setor está inserido em uma lógica industrial, que exige cada vez mais rapidez em apresentar novidades, por meio dos ciclos de consumo de moda, conforme apontou Treptow (2013). Destacou a E1: “[...] temos 70 modelos e a gente entrega uma coleção por mês”. E7 complementa que a produção pode chegar a até mais de uma coleção por mês. Por mais que se perceba que é uma prática comum, E5 reforça essa característica como um aspecto desmotivador: “[...] a cada mês temos que fazer uma coleção nova e isso é muito desmotivador, porque às vezes nem acabamos a anterior e já estamos pensando na próxima e isso é bem comum”.

O calendário de sell in estabelece o tempo de duração de cada projeto, desde a criação até o produto estar nas lojas. A partir dessa informação, é realizado o briefing, que evidencia o faturamento de coleções anteriores, o que mais vendeu e o que não vendeu, buscando trazer estudos de tendências, a fim de identificar mudanças de comportamento do consumidor. Alguns designers já recebem o briefing da área de merchandising e apenas propõem soluções. Outros, que trabalham em organizações com estruturas mais enxutas, relatam fazer essa análise. Com relação a profissionais que não atuam com lojas próprias, faz parte do processo uma análise das expectativas do lojista em relação às vendas de determinada coleção e marca.

No tocante às influências para o processo criativo nesse primeiro momento, percebe-se que existe uma grande interferência de fatores externos (Fabun, 1969), os quais condicionam o pensamento criativo do designer e da equipe, que vão desde o acompanhamento do comportamento consumidor e as características da marca até os números de produtos que tiveram boas vendas e, portanto, serão repaginados. No que se refere à análise dos multiníveis da criatividade, se percebe que essa etapa inicial é mais coletiva, apesar da teoria trazer, como característica, a motivação intrínseca individual, visto que, geralmente, para a troca de informações, são realizadas reuniões intersetor de briefing entre a equipe de criação ou entre as equipes de criação e de vendas.

5.2 Preparação

Após as análises mercadológicas, inicia-se a etapa de maior inspiração: a pesquisa de moda, que, conforme Löbach (2001), é quando o designer estabelece uma relação do produto com as necessidades dos consumidores. É o momento em que os profissionais se inspiram em tendências. Essas fontes não são necessariamente voltadas para o calçado, conforme destacou a E2: “às vezes, de uma ideia ou de alguma coisa que se vê completamente fora do que seria o padrão, serve como inspiração, com uma visita a um museu”. E5 afirma que: “não existem fórmulas para as ideias novas, elas vêm de diversas fontes e que tudo isso, aliado com análises de mercado, pode servir de inspiração para criar”.

Essa etapa é o momento de coletar todas as informações de que se necessita, a partir de pesquisas, experimentação ou experiências, o que Amabile (1988) chama de habilidades de domínio. Para pesquisar a tendência, é comum, no segmento, realizar viagens com o intuito de pesquisar o mercado externo. Além disso, os entrevistados destacam a pesquisa do mercado interno, a fim de se observar o que está vigente nas coleções e o que aconteceu em coleções passadas.

Vale destacar o relato de E1, no qual a gestora afirma: “[...] quando viajo para o exterior, estou sempre com o celular na mão. Faço foto de tudo e transmito on-line para minha equipe. Então, é como se fosse o meu olhar ali com eles”. Neste trecho, fica clara a relação de colaboração existente, corroborando os preceitos teóricos de Paulus e Baruah (2018), que afirmam que o sucesso da equipe resulta da soma de conhecimentos e experiências individuais. Por outro lado, existe um filtro de informações em que a gestora acaba trazendo a sua visão da pesquisa, podendo influenciar, condicionar ou limitar percepções dos demais. Seguindo o processo da pesquisa, a gestora afirma que “é função das estilistas criar as propostas de novos produtos e coleções”, retomando-se, nesse momento, o nível individual da criatividade.

Outro fator considerado na etapa de preparação diz respeito à acirrada concorrência, exigindo o desenvolvimento de coleções com preços competitivos. Os entrevistados ressaltaram que alguns concorrentes produzem modelos visualmente similares, mas mais baratos, ou, até mesmo, cópias, o que estimula o surgimento de uma guerra comercial e inibe a criatividade. Os entrevistados afirmam que os designers e estilistas buscam tendências nas mesmas fontes de moda. Nesse ponto, o diferencial estará em como o designer vai absorver o conceito e propor a coleção. E2 reforça: todos têm acesso à informação, mas a capacidade de interpretação vai de cada um”.

No tocante à análise multinível da criatividade, na fase de preparação se percebe que, em um primeiro momento, ela é mais colaborativa entre a equipe. Ainda nessa etapa, entretanto, é preciso que o profissional alinhe as referências externas com suas referências internas, a fim de buscar o diferencial que gerará em relação aos concorrentes, visto que as fontes de estímulo externo são, praticamente, as mesmas.

5.3 Manipulação e Geração de Ideias

Nessa fase, o criativo se torna mais suscetível às influências que sofreu, identificando as alternativas, faz sínteses, manipula materiais, relaciona conceitos, busca padrões, experimenta combinações e propõe coisas novas (Amabile, 1988). Aqui é fundamental que o criativo tenha flexibilidade cognitiva para fazer novas associações e mudanças de esquemas cognitivos que irão proporcionar associações novas para ideias conceitualmente distintas (Perry-Smith & Mannucci, 2017). Conforme os entrevistados, esse momento mostra ser mais individual e, nele, se faz uso da motivação intrínseca. Neste estágio, o criativo “passa a contar uma história”, como destacou a E7. Esta é a etapa em que o designer sugere alternativas de materiais que possam ser diferenciais, os tipos de solados e identifica as necessidades de desenvolvimento de novos produtos, formas e solados que terão que ser executados pela equipe de engenharia e produção, caso as ideias sejam validadas no grande grupo.

Ainda na fase de manipulação, ocorre uma etapa que E7 afirma ser de menor criatividade, mas, ao mesmo tempo, é quando podem surgir novas ideias, que é o processamento técnico. Ela envolve a área de engenharia, já que é o setor que transformará em amostra as ideias que foram desenvolvidas pela criação. Cumpre destacar o alerta de E6 que esta interação entre times também pode ser prejudicial à questão da novidade: “Normalmente, os setores produtivos tendem a simplificar muito ou limitar a capacidade criativa, pois eles focam na produtividade, no volume em produzir e, então, ela tende a matar todas as ideias da criação que fogem desse padrão”.

Em relação ao âmbito e espaço dados à criatividade, foi possível constatar que, desse ponto em diante, a criatividade passa a tomar uma característica mais macro, pois passa a ser discutida para além do indivíduo e seu núcleo de trabalho. Nessa fase, também, costuma ocorrer a identificação do uso dos indivíduos às estruturas informais da organização, porque a tarefa de criar novos produtos extrapola as paredes de uma área predefinida para essa atribuição e, no relacionamento interpessoal com pessoas de outras áreas, podem, novamente, surgir novas ideias, como apontado pelos entrevistados e corroborado pelos autores Amabile (2005), Paulus e Baruah (2018).

5.4 Verificação e Validação de Ideias

O objetivo dessa fase é apresentar a compilação das ideias em formato de apresentação de pesquisa, do que seria a coleção proposta para atender àquela demanda do calendário de sell in. Geralmente, existe um comitê composto por pessoas de várias áreas, dentre eles, CEOs, diretores e gerentes, que serão os validadores da coleção. Para a construção da troca de ideias, as empresas fazem uso de ferramentas de brainstorming e design thinking, com uso de painéis chamados, pela E7, de moods. É interessante perceber que existe um clima aberto de troca de ideias e construção coletiva.

Foi nessa etapa que se constatou que a criatividade passa a se tornar um fenômeno mais organizacional, uma vez que as ideias deixam de ser trabalhadas e discutidas no âmbito individual ou dos pequenos grupos e passam a tomar corpo propositivo de projeto e, portanto, dependem de aprovação para sua efetivação, necessitando de apoio de membros do grupo, como será importante que o criativo possua argumentos fortes e uma trajetória de desempenho favorável, a fim de obter legitimidade dos superiores que irão, de fato, aprovar a ideia e depositar nela recursos financeiros, humanos ou tecnológicos, conforme apontam Perry-Smith e Mannucci (2017). Ressalta-se que as ideias ficam sujeitas a moldes e ajustes, que, se não forem bem acompanhados e argumentados, poderão não se transformar no produto.

De acordo com a fala de E3 e E7, é importante que o designer saiba receber críticas, pois as receberá o tempo todo, mas ambos afirmam que é importante insistir e defender suas ideias, visto que existiu uma análise mercadológica para se propor as coleções. Contudo, os profissionais destacam que têm espaço para criar, mas dentro de parâmetros atrelados à identidade da marca e a viabilidade comercial, financeira e técnica. Conforme destaca E2:

em que inovar, mas, ao mesmo tempo, não pode ficar fora da possibilidade de dar um retorno financeiro para a fábrica e pra os colaboradores. Então, é uma coisa bem objetiva. Aí, a gente sai da criatividade e vai realmente pra números e valores.

E3 ressalta que em empresas que não têm loja própria, portanto, além de defender suas ideias de coleção para a própria empresa, o designer o precisa fazer também para o lojista de multimarcas, competindo com gigantes da indústria, como ele se referiu às grandes marcas que possuem lojas físicas próprias e podem arriscar e tentar mais aceitação das consumidoras. Com isso, conseguem apresentar mais diferenciais, com preços mais agressivos.

Cabe destacar que, nas empresas analisadas, o designer também apresenta uma pré-análise de custos do produto. Nessa perspectiva, constatou-se que o profissional tem uma atuação mais abrangente do que apenas a incumbência do uso da sua criatividade e inspiração para a geração de ideias de produtos. O design de moda, hoje, está muito aproximado do conceito de design de produto. Para criar, o designer necessita ter em mente a inovação, a confiabilidade, a racionalização, a evolução tecnológica, o padrão estético, a rápida percepção de função/uso e as características socioeconômicas e culturais dos produtos e dos usuários, corroborando os preceitos teóricos de Godart (2018), Treptow (2013).

É na etapa de verificação e validação que o processo criativo se encerra para dar espaço ao processo produtivo, no qual a coleção aprovada é entregue à engenharia, que faz as amostras e os acertos finais. Após isso, é possível fazer os cadastramentos das matérias-primas, para, então, a área de produção iniciar a fabricação da coleção.

Cabe ressaltar que não foram evidenciadas as etapas de incubação e antecipação propostas por Fabun (1969). Essas fases, para o autor, seriam uma pausa entre o início do processo, em que existe a motivação para pensar as ideias e a sua concretude. Acredita-se que, dado o ritmo acelerado identificado em relação ao segmento, a pressão para atender aos planejamentos estipulados pelos calendários de moda, além da interdependência desse sistema, existe um espaço muito curto de tempo para incubação de ideias.

Na sequência, apresenta-se o Quadro 3, que mostra um resumo das considerações dos entrevistados sobre as categorias de análise que nortearam a pesquisa.

Quadro 3
Resumo das análises dos resultados por unidades

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Concluída a etapa da análise dos resultados, na qual foram identificadas as relações entre as informações obtidas nas entrevistas da pesquisa de campo e no referencial teórico estudado sobre a Criatividade, apresentam-se as considerações finais sobre a pesquisa realizada.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo se propôs a analisar o processo criativo, durante o processo de desenvolvimento de artigos de moda, na percepção dos profissionais que atuam em empresas do setor coureiro-calçadista localizadas na região do Vale dos Sinos. Com os resultados das análises, se identificou que o processo criativo apresenta as etapas de desejo e motivação intrínseca, preparação, manipulação e geração de ideias, verificação e validação de ideias. Nesse sentido, foi identificado que o tempo, para o desenvolvimento embrionário das ideias no âmbito individual é cada vez mais reduzido, por conta das pressões sofridas pelos profissionais criativos, principalmente em virtude dos aspectos externos à organização, de caráter mercadológico. Assim, o processo criativo toma forma e características do design industrial, pautado por métodos a serem seguidos para, ao final, gerar, como resultado, o produto de moda, que, nesse caso, seriam as coleções de calçados.

Ainda, conclui-se que, durante todo o processo, ocorrem interações com outros atores da organização, os quais demonstram uma participação intensa no trabalho. Por isso, identificou-se que a criatividade é exercida em todos os seus níveis, sendo que o individual se dá nos primeiros momentos do processo, passando aos outros níveis na sequência. Ou seja, conforme as etapas vão sendo desenvolvidas, percebe-se que o fenômeno da criatividade toma proporções grupais e organizacionais, sofrendo influência do seu entorno em maior e menor intensidade, e essas são influenciadas pelos elementos tanto relacionais como estruturais da rede que cercam a jornada da ideia e, ao final, o produto criativo, aqui representado pela coleção de calçados de moda.

Ao final dessas considerações, cabe ressaltar que este estudo proporciona um olhar multidisciplinar sobre a criatividade dentro das organizações. Com isso, entende-se que o estudo oferece dados que poderão servir de embasamento para novos modelos de gestão da criatividade, de modo a incentivar mais pesquisadores a explorar o viés complexo inerente às organizações nas temáticas de criatividade.

Ainda que esta pesquisa tenha atingido o objetivo proposto e que o rigor metodológico tenha sido perseguido, não se pode eximir a existência de limitações, que, no caso desta pesquisa, dizem respeito ao fato de que, como foi indagado apenas um colaborador de cada empresa, e mesmo que se utilizaram critérios de seleção quanto ao cargo do entrevistado, deve ser considerado o viés do respondente.

Como sugestão de futuras pesquisas, entende-se relevante aprofundar o tema que compreende a tríade cultura organizacional, criatividade e complexidade, por meio de métodos de estudo de caso único ou múltiplo, a fim de maior aprofundamento do fenômeno. Com isso, poderão ser evidenciados resultados específicos e frameworks da interação de um sistema e os principais elementos que compõem a cultura que rege a organização: os indivíduos, como vetores que dão início ao processo criativo, o campo, que corresponde a quem reconhece o espaço da criatividade e, por fim, valida a inovação, fundamental para a sobrevivência e competitividade das organizações.

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