Resumo:
							                           Dilema: o caso para ensino apresenta o dilema da empresa do segmento da carcinicultura marinha, a Camarões Gesund, face aos momentos de crise vivenciados por ela durante a pandemia de Covid-19. Voltar a exportar, considerando experiência anterior, ou focar no atendimento ao mercado interno, explorando novos segmentos. 
Objetivo educacional: o caso se constitui como uma oportunidade para o aprendizado reflexivo e compreensão de como as vivências passadas da empresa, seja no enfrentamento de crises ou na aplicação de novas estratégias, contribuem para o desenvolvimento de capacidades dinâmicas de uma organização. 
Contextualização: o caso para ensino descreve situações desafiadoras enfrentadas pela Camarões Gesund em períodos de crise, em especial, aquela provocada pela pandemia de Covid-19. Em um momento em que 90% do seu faturamento era originário de restaurantes, estes permaneceram fechados por mais de cem dias durante a pandemia, mantendo, após esse período, limitações ao atendimento presencial. Nessa direção, o caso visa contribuir para a reflexão dos alunos sobre os momentos de crise vivenciados pela empresa, em especial aquela causada pela pandemia. 
Tema principal: aplicação de conceitos de capacidades dinâmicas na avaliação de situações e tomadas de decisões em momentos de crises. 
Público: graduação em Administração de Empresas e profissionais em carreira técnica ou gerencial. 
Originalidade: além da apresentação de dilema em contexto pandêmico, entende-se como aspectos inovadores do caso sugerir como um dos pontos de reflexão a analogia com o Ensaio sobre a Cegueira. Do ponto de vista didático e pedagógico, propor alternativas para aplicação do caso também em aulas on-line, adotando ferramentas interativas.
Palavras-chave: Capacidades Dinâmicas, Capacidade de Detecção, Capacidade de Apreensão, Capacidade de Reconfiguração, Caso para Ensino.
Abstract:
						                           Dilemma: the teaching case presents the dilema of a company in the marine shrimp segment, the Camarões Gesund, given the moments of crisis experienced during the Covid-19 pandemic. Return to export, considering previous experience, or focus on serving the domestic market by exploring new segments. 
Educational purpose: the case constitutes an opportunity for reflective learning and understanding of how the company's past experiences, either in coping with crises or in applying new strategies, contribute to the development of an organization’s dynamic capabilities 
Contextualization: this teaching case describes the challenging situations faced by Camarões Gesund in times of crisis, in particular the one caused by the Covid-19 pandemic. At a time when 90% of its revenue came from restaurants, they had to remain closed for more than one hundred days during the pandemic, maintaining, after this period, limitations on face-to-face service. In this sense, the aim of the case is to contribute to student's reflections in times of crisis experienced by the company, especially those generated by pandemic. 
Main theme: application of dynamic capabilities concepts in the assessment of situations and decision making in moments of crisis. 
Audience: Business Administration undergraduate courses and professionals in a technical or managerial career. 
Originality: in addition to presenting a dilemma in a pandemic context, an innovative aspect of the case is the analogy with the blindness novel as one of the points of reflection. From the didactic and pedagogical point of view, it is proposed alternatives for applying the case also in online classes, adopting interactive tools.
Keywords: Dynamic Capabilities, Sensing Capacity, Seizing Capacity, Transforming Capacity, Teaching Case.
Resumen:
						                           Dilema: el caso de enseñanza presenta el dilema de una empresa del segmento de camarón marino, la Camarões Gesund, ante los momentos de crisis vividos durante la pandemia del Covid-19. Volver a exportar, considerando las experiencias previas, o enfocarse en dar servicio al mercado interno, explorando nuevos segmentos. 
Objetivo educativo: el caso constituye una oportunidad para el aprendizaje reflexivo y la comprensión de cómo las experiencias pasadas de la empresa, ya sea enfrentando crisis o aplicando nuevas estrategias, contribuyen al desarrollo de las capacidades dinámicas de una organización. 
Contextualización: este caso de enseñanza describe situaciones desafiantes que enfrenta Camarões Gesund en períodos de crisis, en particular la causada por la pandemia de Covid-19. En un momento en que el 90% de sus ingresos provenían de los restaurantes, estos permanecieron cerrados por más de cien días durante la pandemia, manteniendo, pasado este período, las limitaciones al servicio presencial. 
Tema principal: aplicación de conceptos de capacidades dinámicas en la evaluación de situaciones y toma de decisiones en momentos de crisis. 
Público: licenciatura en Administración de Empresas y profesionales de carrera técnica o gerencial. 
Originalidad: además de presentar un dilema en un contexto de pandemia, se entiende como aspectos innovadores del caso sugerir la analogía con el Ensayo sobre la Ceguera como uno de los puntos de reflexión. Desde un punto de vista didáctico y pedagógico, proponer alternativas de aplicación del caso también en clases online, adoptando herramientas interactivas.
Palabras clave: Capacidades Dinámicas, Capacidad de Detección, Capacidad de Aprehensión, Capacidad de Reconfiguración, Caso de Enseñanza.
Caso para Ensino
ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA: CAMINHOS DA CAMARÕES GESUND NA CRISE DA COVID-19
ESSAY ON BLINDNESS: THE PATHS OF CAMARÕES GESUND IN THE COVID-19 CRISIS
ENSAYO SOBRE LA CEGUERA: LOS CAMINOS DE CAMARÕES GESUND EN LA CRISIS DEL COVID-19

Recepción: 11/06/2021
Aprobación: 16/02/2022
Localizada no nordeste brasileiro, a Camarões Gesund Produtos Marinhos S.A.[2] se destaca nacionalmente pela produção de camarões da espécie Litopenaeus vannamei. Ela é comandada por Klaus e Joana, os sócios-fundadores, e Miguel, o diretor técnico. Sua produção atende o mercado nacional há 38 anos, tendo também sido direcionada para o mercado externo, no período de 2000 a 2005, havendo destaque pelo incremento na sua capacidade para atender novos mercados.
Os momentos de grande turbulência, provocados pela taxa de câmbio desfavorável começando em 2006 e o enfrentamento, em 2011, de um vírus mortal que atacou e destruiu a sua matéria-prima, os camarões, provocaram reações por parte da empresa, que demonstrou sua capacidade de ajustar seus recursos, o que culminou na manutenção de sua competitividade no mercado.
No início do ano 2020, a produção e as vendas estavam em alta e a participação no mercado interno era crescente, representando 90% do faturamento originário de restaurantes em todo o Brasil. O cenário era de otimismo e não poderia ser melhor, após enfrentar tantos períodos de turbulência. Contudo, uma notícia inesperada, de cobertura mundial, surpreendeu a todos e reinstaurou elevados níveis de tensão na empresa: um novo vírus letal, desta vez tendo os humanos como vítima, espalhava-se pelo mundo, com oscilações em níveis de gravidade entre continentes e países, causando mortes, fechamento de empresas e instabilidade econômica. Durante mais de 100 dias no período da pandemia, com os restaurantes fechados no país e considerando as possibilidades de melhorias no mercado externo, devido aos avanços positivos no controle das ondas do vírus e a taxa de câmbio favorável para a exportação, Klaus, Joana e Miguel, os diretores da empresa, refletiam se a Camarões Gesund deveria voltar a exportar, considerando a experiência anterior que tiveram, ou se direcionariam seu atendimento ao mercado interno, explorando novos segmentos. Eles discutiram como seria bom ter tudo, o melhor dos mundos, aproveitar o know-how no mercado interno e explorar novas possibilidades além das fronteiras. Contudo, o momento era o de enxergar uma solução.
Era 28 de fevereiro de 2020. Joana, a diretora operacional da Camarões Gesund Produtos Marinhos S.A., estava no Los Angeles International Airport, em viagem de volta para o Brasil, após merecidas férias no Hawaii, onde passou bons e divertidos dias. Enquanto aguardava o embarque, tomava café com um amigo e algo chamou sua atenção: pessoas usando máscaras, principalmente, as orientais. Ao entrar na aeronave, observou mais orientais de máscara. Ela, então, comentou com o amigo:
— Nossa! Alguns povos do oriente realmente têm o hábito de usar máscara!
Ele respondeu:
— Você acha que isso já não é também por conta do coronavírus?
Foi quando a “ficha” começou a cair. Após a sua chegada das férias a Natal, RN, onde reside, Joana precisou viajar para um evento internacional. Porém, interrompeu o percurso ainda no Brasil, ao ser informada sobre o cancelamento do evento devido à Covid-19. Já em Natal, estava a caminho de uma reunião da empresa, quando soube que os três profissionais que tinham viajado com ela para o evento estavam contaminados e ela, então, retornou para casa, onde ficou em isolamento durante 20 dias. Para ela, que está habituada a uma rotina cheia de compromissos e contatos, tanto em ambiente de escritório, como nas fazendas e na indústria onde ocorre o cultivo e beneficiamento dos camarões, foi complicado.
Isolada e trabalhando de forma remota, eram muitas as reflexões de Joana, diante de uma situação única e universal. Ela administra, conjuntamente ao seu sócio, Klaus, e o diretor-técnico, Miguel, uma empresa que vendeu mais de 2.500 toneladas de camarão em 2019, com fazendas de produção situadas em alguns municípios do litoral potiguar. De todos os lados, a notícia era a mesma: a pandemia se espalhava sem controle. Sendo diretora de uma empresa empregadora de mais de 600 funcionários, envolvidos em um segmento cujo elemento central é um ser vivo, o camarão, saber lidar com a nova situação era o que mais a preocupava.
De imediato, era necessário pensar em protocolos para evitar a contaminação das pessoas, embora os diretores não soubessem exatamente quais seriam. Eles não conseguiam parar de pensar sobre os efeitos drásticos e difíceis e o quanto a situação poderia culminar em redução do pessoal. Tais dúvidas persistiam.
Além disso, manter a saúde financeira da empresa era essencial, pois poderiam continuar a apoiar os funcionários e seus familiares, além da comunidade no entorno das fazendas de cultivo. Algo essencial no momento vivido. Os pensamentos dos diretores passaram a ser orientados pelos números da empresa. Havia um fator essencialmente preocupante: 90% do faturamento era originário de restaurantes em todo o Brasil, que começavam a interromper o atendimento ao público, devido à pandemia instaurada.
Eram muitas as incertezas sobre o que ocorria, principalmente, quanto ao contexto externo. Tomada por grande tensão, diante da situação tão inesperada, Joana pontua: “penso que estamos cegos!” O que mais a afligia era não saber quando os restaurantes abririam, ou como ajustar a produção e o beneficiamento dos produtos.
De repente, os diretores se depararam com um grande dilema: diante da atual situação, deveria a Camarões Gesund continuar focada no atendimento ao mercado interno, buscando explorar novos segmentos, ou voltar a exportar, algo que já havia feito no passado, consciente das incertezas cambiais e de possíveis barreiras internacionais?
Tomados pela conjuntura obscura, resolveram resgatar lembranças de diferentes momentos da trajetória da Camarões Gesund: a origem da empresa; a verticalização, no sentido de produzir os próprios insumos; assumir o beneficiamento; voltar-se ao mercado externo; lidar com a variação do câmbio; enfrentar o vírus mancha branca – doença que acomete camarões. De cada uma dessas passagens, a equipe diretiva foi pinçando elementos para enfrentar a cegueira perante a pandemia. Isto porque, ao relacionar as fortes experiências passadas com a situação provocada pela crise da Covid-19, vislumbravam um cenário turvo, com situações novas, diante das quais ainda não tinham ideia de como agir.
No início dos anos 1980, o Brasil vivia uma forte recessão, um enorme crescimento da dívida externa e uma inflação média de 80% ao mês. Os produtores de sal do Rio Grande do Norte começaram a “quebrar” e as grandes áreas salinizadas se tornaram obsoletas. Acompanhando tal situação, investidores europeus identificaram uma oportunidade: produzir camarão em águas salgadas. Nasceu assim, em 1983, a Camarões Gesund, onde antes funcionavam as salinas localizadas em Canguaretama (RN). O fundador da empresa, o alemão Klaus Fischer, tinha uma visão adicional clara, diante da oportunidade: gerar emprego e renda.
Queria construir uma fazenda de cultivo de camarões marinhos, para trabalhar com aquicultura de forma sustentável, gerando desenvolvimento e agregando conhecimento às comunidades ribeirinhas. Logo de início, fortes desafios foram enfrentados: a regularização da área, fazer um planejamento adequado, prever o investimento necessário e realizar a adaptação do layout ao cultivo, sem impactar negativamente o meio ambiente, já demonstrando interesse e capacidade de moldar o projeto da empresa ao ecossistema, em um movimento de adaptação do negócio.
Vencidas essas etapas, era chegado o momento de conseguir o insumo principal: o filhote de camarão. A primeira iniciativa de carcinicultura, isto é, de cultivo de camarões, se deu de forma artesanal, por meio da captura de filhotes selvagens e posterior inserção nos tanques, mas não deu certo. Naquele momento, Klaus marcou uma reunião com os outros dois diretores, Joana e Miguel, para discutirem uma nova estratégia quanto ao insumo. Mesmo diante do insucesso com a experiência inicial, Klaus iniciou a reunião demonstrando motivação para prosseguir com o projeto:
— Bom dia, pessoal! O resultado da experiência com os filhotes selvagens não foi positivo. Precisamos pensar em novas alternativas. Sei que vamos encontrar uma solução.
Miguel, na sequência, pondera:
— O filhote de camarão é peça-chave em todo processo e, por isso, o mais adequado é cultivar os camarões desde o início, nos tanques.
Joana concorda, mas indaga:
— A ideia é boa, porém será preciso uma adequação na capacidade operacional e de outros recursos internos da empresa. Concordam?
Klaus sinaliza:
— Sim, vamos precisar adequar os processos internos, ampliar a estrutura e desenvolver competências. Contudo, penso que isso vai contribuir para um posicionamento mais seguro da empresa.
Foi decidido, então, pelo cultivo de camarões, desde o início, nos tanques, experiência que culminou também no surgimento de conhecimentos para o negócio. Os sócios mobilizaram recursos e seguiram o padrão da cadeia de produção do camarão marinho cultivado: criaram laboratório de maturação e larvicultura, em 1989, com a capacidade de produção de 60 milhões de pós-larvas (filhotes de camarão) por ano; adaptaram as fazendas das antigas salinas para produção e engorda; e estruturaram o centro de processamento e congelamento do produto para o mercado consumidor.
Em um processo de aperfeiçoamento, resolveram importar uma espécie de camarão do pacífico, o Litopenaeus vannamei (camarão-de-patas-brancas). Em 1997, ele se tornou o produto exclusivo da Camarões Gesund, espécie ainda hoje muito robusta no mundo inteiro, cuja produtividade é superior.
Resolvido o problema da pós-larva, a empresa reconfigurou os recursos organizacionais e buscou reforço da sua base de conhecimento. Passou a agir como se fosse um centro de pesquisa, fazendo testes e conhecendo a parte técnica dos insumos, para garantir uma melhor matéria-prima.
Já detentora de uma boa produtividade, a empresa colocava os camarões frescos no gelo e embarcava para o mercado interno. Contudo, quando o destino era mais distante, o risco de perda de qualidade aumentava e isso era inaceitável para os gestores. Tal situação motivou a empresa para mais uma experiência inovadora na mobilização de recursos, criando a sua indústria de beneficiamento, em 1997. O camarão passou a ter melhor valor agregado, despertando o interesse do mercado externo. Assim, os diretores perceberam que a empresa tinha estrutura para atender, tanto o mercado interno, quanto o mercado externo. Decidiram, nesse momento, começar a exportar.
Tendo, entre 2000 e 2005, um foco maior voltado para a exportação, a equipe diretiva precisou estudar e avaliar os novos mercados (Estados Unidos e Europa). Logo, percebeu que o nível de exigência era elevado, o que proporcionaria à empresa a vantagem que não tinha no Brasil, já que seus produtos possuíam qualidade superior, em relação aos concorrentes nacionais, mas esse fator não era tão valorizado pelo mercado consumidor nacional. Utilizaram-se dessa estratégia e firmaram parcerias com grandes redes de varejo internacionais, o que trouxe força para a marca começar a se estabelecer fora do país. Esse momento constituiu-se também como uma oportunidade de engajamento e aprendizado de todos os segmentos da empresa, suportando a nova estratégia.
Em determinado momento, como reflexo dos elevados padrões de qualidade – a empresa rastreava desde a pós-larva até o consumidor final, identificando quais eram suas fragilidades; fabricava a própria ração, importando alguns dos insumos; treinava as equipes das redes de varejo parceiras para o manuseio correto do produto; oferecia um camarão mais saudável, além de ter uma equipe alinhada e ser liderada por uma diretoria que primava por experimentações e descobertas constantes – a Camarões Gesund foi premiada, em 2001, por uma rede de varejo francesa, com o Selo de Garantia de Qualidade.
Reconhecendo que a empresa sempre cumpriu normas relativas à preservação ambiental, condições de trabalho, práticas de produção e responsabilidade social, a parceria avançava com sucesso e 70% dos camarões vendidos pela rede francesa eram fornecidos pela Camarões Gesund. Fato que despertou o interesse de outras redes varejistas europeias. A produção fluía intensamente (Figura 1).

Em 2006, a exportação representava 70% das vendas, mas os gestores não imaginavam o que ainda enfrentariam: a variação cambial. O dólar caía de R$4,00 para R$1,50. Os diretores precisaram decidir os próximos passos e, após uma longa discussão, chegaram a uma solução:
Klaus frisa:
— A situação é desafiadora! A variação cambial inviabiliza a exportação e o mercado interno não absorve a produção no ritmo do momento.
Joana reage:
— Ninguém esperava por isso e a empresa foi toda ajustada para a exportação. Não consigo enxergar uma saída.
Miguel idealiza:
— Talvez o caminho seja vender uma das unidades de produção.
Klaus concorda:
— Isso! Encolher é a saída, ainda que o movimento seja contrário aos que temos praticado. Mas essa decisão exige uma lógica inversa, que precisamos descobrir como operacionalizar. Será necessário um novo delineamento da empresa e realinhamento dos recursos.
Joana complementa:
— O mais tormentoso é reduzir o quadro de funcionários. Espero não ser necessário.
Ainda em estágio inicial das adequações na empresa, a equipe diretiva tinha certeza de que o pior havia passado. Isso porque eles não imaginavam o que estava próximo: um vírus, a mancha branca, que mata a pós-larva de forma violenta, reduzindo a sobrevivência de quase 100% para 15%. O clima é novamente de tensão:
Klaus pontua:
— A ameaça dessa mancha branca me parece ser mais grave do que a provocada pela variação cambial. Concordam?
Miguel tenta descontrair:
— Estamos “aquecidos” pelos desafios recentes! Isso pode nos ajudar na busca de uma nova saída.
Joana prevê:
— Dessa vez, teremos que fazer uso do que sobrou da reserva financeira da empresa. O cenário não é nada animador, Miguel.
Klaus, então, conclui:
— Deve ter aparecido um vírus parecido com esse, da mancha branca, em outro lugar do mundo. Vou em busca de ajuda.
Nas suas pesquisas, descobriu, na Ásia, algo diferente. Um camarão com uma genética melhorada, mais resistente ao vírus da mancha branca. Imediatamente, ligou para os demais diretores em um tom desafiador:
— Percebi que é possível contornar essa situação. Nós vamos ter que criar uma forma de conviver com o vírus!
Após a ligação, Miguel desabafa com Joana:
— Melhorar a genética do camarão é importante, mas pode demorar muito. Não temos esses animais no Brasil. A situação requer uma solução mais rápida. Estou estudando algo aqui.
Depois de uma pesquisa concentrada e apertada pelo tempo, Miguel desenvolveu um sistema sustentável que trata a água que entra e sai dos tanques. Um sistema fechado, que visa ao controle da mancha branca, e que não agride o meio ambiente. A assimilação desse sistema pela empresa demonstrou a sua capacidade de inovar.
Com as inovações tecnológicas introduzidas ao sistema de produção, a empresa cria o Clean Wasser, um sistema único no mundo, que promove a sustentabilidade. Era 2014 e os impactos da mancha branca foram controlados, devido à inovação, que passava a funcionar e a produção, gradativamente, voltava a crescer. Klaus suspirava:
— Que ideia brilhante! A invenção trouxe imunidade para os camarões, oxigênio para a empresa e sustentabilidade para o ambiente, tudo numa tacada só.
O sistema foi premiado internacionalmente como uma ideia inovadora na aquicultura. Nessa mesma época, o quarto maior grupo empresarial na Ásia, líder internacional em aquicultura e detentor de um grande centro de pesquisas, o Thai Xāh̄ār, começou a se interessar pela Camarões Gesund. Líder também em melhoramento genético de camarões e detentora do melhor plantel de reprodução do mundo, a empresa decidiu investir na Camarões Gesund tornando-se sua sócia. Após os trâmites necessários, em 2018, a Camarões Gesund se tornava uma Sociedade Anônima (S.A.) e a Thai Xāh̄ār passava a ser detentora de 40% das ações.
Em fevereiro de 2020, com a produção em alta, a empresa detinha a tecnologia de larvicultura e uma significativa fatia do mercado interno. Após tantas turbulências, os diretores, cheios de planos, contemplavam, enfim, momentos de calmaria. Muito bom, se não fosse a chegada de um novo vírus cuja força destruidora supera, em muito, a da mancha branca. Ainda que não mate os camarões, é letal para muitos humanos, impactando todos os segmentos da sociedade. Esse vírus gerou uma doença pandêmica: a Covid-19.
Passados os 20 dias de quarentena, Joana vai para a sede da empresa. Em reunião, os sócios discutem os primeiros desafios diante da Covid-19, pois a situação era pior do que pensavam e não sabiam como manter a empresa em atividade. A grande preocupação era proteger os funcionários, como também, os seus familiares. Para acalmar os ânimos, ela sugeriu:
— Vamos seguir todos os protocolos recomendados pelas autoridades, aferição de temperatura, uso de máscaras, conscientizar a comunidade no entorno da empresa, manter a distância de segurança, enfim, garantir que nossa equipe esteja segura!
E conforme Joana sugeriu, fizeram (Figuras 2 e 3).


Tendo sido adotados os protocolos de segurança, outra grande preocupação começava a afligir a equipe, conforme Joana alerta:
— Tem uma outra questão que me preocupa muito: mais de 90% do nosso faturamento vem das vendas para as redes de restaurantes, estão lembrados? Acabo de saber que o governo decretou que todos os restaurantes deverão fechar indefinidamente, para evitar aglomerações. De 250 toneladas mensais que produzimos, somente 15 serão absorvidas pelos demais segmentos. Não temos armazéns frigoríficos.
Miguel acrescenta:
— Temos que lembrar também que o elemento central da nossa produção é um ser vivo. Não podemos simplesmente parar a produção e fechar a fábrica, dispensar os funcionários ou colocá-los em home office. Todo o ciclo produtivo leva três meses, não podemos simplesmente interromper. A produção depende do manejo in loco e tratamento por humanos!
Klaus enfatiza:
— São muitas e delicadas questões. Mas, neste momento, o cuidado com nossos 668 funcionários é prioridade!
Porém, Joana pontua:
— Você tem razão, Klaus, mas temo que desligamentos sejam inevitáveis.
A reunião é tensa e deixa um clima extremamente perturbador. Ainda abalados, os diretores lembram das marcantes experiências vividas e as habilidades que a empresa teve de construir e se reconstruir, para lidar com situações pesadas. Enquanto viviam a expectativa, contudo, não conseguiam vislumbrar, de forma clara, uma saída, pois a pressão imposta pela dura e inesperada situação, que se agravava de forma rápida, só aumentava.
Nessa montanha-russa de emoções, os diretores vislumbravam novas possibilidades, já que um dos recursos valiosos que a empresa tinha era a boa reputação junto aos bancos e clientes que ainda estavam ativos. Passavam a pensar que haveria uma saída, afinal. Porém, não tinham clareza quanto à situação dos restaurantes, ponto que mais os preocupava.
Como eram redes de restaurantes com atuação em diferentes estados do Brasil, nos quais o controle da pandemia apresentava uma dinâmica diferente, era impossível saber qual seria a sequência de reaberturas. Essa situação de incerteza levava a equipe diretiva a quase perder a esperança. Não conseguiam enxergar uma alternativa.
Além disso, era difícil mensurar o impacto sobre as vendas com a reabertura gradual dos estabelecimentos clientes. Todas essas dúvidas sem respostas claras faziam crescer, ao longo dos meses que iam passando, a curva de tensão diante da realidade, deixando os diretores tomados por indagações: Qual limite estabelecer para a produção? Como organizar os turnos de trabalho para não gerar aglomeração? Quais outros canais de vendas buscar? Seriam necessárias adaptações nas fazendas produtoras e na indústria?
Imersa numa situação tormentosa e obscura há três meses, a equipe refletia sobre várias questões diante da situação.
Joana manifesta a sua preocupação:
— Não podemos parar a produção de forma repentina. Nosso insumo principal é um ser vivo!
Klaus indaga:
— Mas não temos estrutura para armazenar a produção. Como vamos resolver isso? Também, não podemos perder os nossos funcionários, já preparados para o trabalho e comprometidos com a empresa.
Miguel complementa:
— As áreas de beneficiamento e logística estão estruturadas para atender os maiores clientes, os restaurantes, que vão ficar fechados até ninguém sabe quando.
Klaus sugere:
— A solução, de imediato, para não perder a produção, é alugar armazéns frigoríficos. Já fiz uma cotação de preços. Serão R$120 mil por mês para estocar 500 toneladas.
Porém, Joana alerta que o armazenamento não seria suficiente:
— Tirando os restaurantes, resta uma quantidade mínima de clientes para absorver o estoque. Vamos precisar parar a produção, não tem jeito!
Percebendo que os restaurantes não retomariam as atividades tão cedo, os sócios decidiram reduzir a produção em 50%, inicialmente. Contudo, poucas semanas depois, foi preciso reduzir drasticamente para 20%, pois o mercado não a absorveria. Consequentemente, desligamentos foram necessários, sendo quase 200 funcionários dispensados. A equipe diretiva discutia se seria prudente fazer uma adequação da estrutura, se esta seria a melhor solução. Com essas reflexões, tentavam renovar os ânimos.
Após muito pensar, discutiram propostas de incentivo à prática de delivery pelas redes de restaurantes, pois haviam atingido pouco mais de 30% do faturamento alcançado no ano anterior. Para Joana, essa poderia ser uma saída para a situação complicada na qual a empresa se encontrava, já que, conforme supôs, as pessoas continuavam consumindo camarão, mas agora, em suas casas. Para ela, deveriam incentivar os restaurantes a venderem por sistema de delivery, em uma tentativa de reverter o cenário financeiro da Camarões Gesund. Além disso, considerou importante investir mais esforços na relação com os demais segmentos, empórios e supermercados.
A proposta teve boa receptividade pelos demais diretores, mas sua viabilização dependeria de consideráveis ajustes em produção, beneficiamento e distribuição. A diretoria não conseguia vislumbrar os impactos dessas mudanças na readequação da empresa após a pandemia. Sem perder a esperança, mesmo diante de tantas tensões, devido à situação caótica, Joana insiste na possibilidade:
— Pensem positivo! Nós precisamos inovar, e essa será uma oportunidade para isso. Vamos desenvolver mais a nossa criatividade e sair da commodity, do camarão inteiro, à granel.
Miguel alerta a equipe que, embora a pandemia estivesse acontecendo há meses, na Europa e outros países que enfrentaram o problema primeiro, o comércio estava reabrindo. Joana então se anima:
— Ótimo! Pode ser uma boa alternativa voltar a exportar, retomar as atividades, ainda que a médio prazo. Quanto está o dólar hoje?
Klaus, porém, é mais cauteloso:
— É um risco muito alto e tudo é muito incerto, talvez não seja viável fazer isso. Precisamos analisar mais o cenário para tomar decisões.
Os ânimos da equipe são enternecidos pelas incertezas na garantia dos insumos importados e seus preços, já que boa parte é importada para produzir as rações dos camarões, os fornecedores locais não têm estoque e a pandemia é mundial. Se, por um lado, o dólar favorece as exportações, por outro, importar os insumos necessários para a ração está cada vez mais caro.
Mergulhada em um mar de incertezas, mas conhecedora da força e capacidade da empresa para lidar com mudanças, a equipe tinha certeza de que encontraria a solução, podia senti-la bem perto. Entretanto, o horizonte ainda se encontrava nebuloso e as dúvidas ressoavam em suas mentes, mantendo os diretores reféns da cegueira que se apossara deles no início da crise. Era preciso clarear a visão para decidir. Havia duas opções: voltar a exportar ou focalizar no atendimento ao mercado interno, explorando novos segmentos. Qual seria a melhor opção? A empresa possuía as capacidades necessárias para vencer mais uma crise? De uma coisa estavam certos: já não estavam totalmente cegos, podiam vislumbrar uma saída. Somos cegos que veem, diziam.
O caso coloca o aluno em contato com situações empresariais, caracterizadas pelo inesperado e pela incerteza. Dessa forma, constitui-se como uma oportunidade para o aprendizado reflexivo, estabelecendo conexões da teoria com a prática. Após a leitura do caso, conhecendo os diferentes momentos da Camarões Gesund, antes e durante a pandemia de Covid-19, espera-se que os participantes desenvolvam experiências reflexivas no sentido de:
a) compreender como as vivências passadas, seja no enfrentamento de crises, ou na aplicação de novas estratégias, contribuem para o desenvolvimento de capacidades dinâmicas de uma organização;
b) aplicar conceitos de capacidades dinâmicas na avaliação de situações e tomadas de decisões em momentos de crises; e
c) refletir sobre a importância das capacidades dinâmicas em contextos instáveis e imprevisíveis, especialmente em situações de crise.
O eixo teórico da discussão do caso é suportado por diferentes dimensões das capacidades dinâmicas. Dessa forma, sugere-se a utilização no curso de graduação em Administração de Empresas, nas disciplinas de Tópicos Avançados em Administração Estratégica, Tópicos Especiais em Administração, ou similares. O caso pode também despertar interesse em profissionais, em carreira técnica ou gerencial, na exploração do potencial que as crises podem trazer para o desenvolvimento de capacidades dinâmicas.
O caso foi escrito a partir da perspectiva da equipe diretiva da Camarões Gesund. Os dados primários foram obtidos por meio de entrevista semiestruturada com a diretora operacional, Joana (nome fictício), via plataforma de videoconferência e através da obtenção de informações, durante uma palestra proferida por Joana a uma turma de Graduação do Curso de Administração em uma universidade pública, em setembro de 2020, cuja temática contemplava o impacto da pandemia na empresa. Os dados da entrevista foram coletados, inicialmente, em junho de 2020, e atualizados, por meio de novas conversas informais entre os pesquisadores e a equipe diretiva da Camarões Gesund, em outubro de 2020 e novembro de 2021. Complementarmente, buscaram-se informações em fontes secundárias, por meio do site da empresa e de documentos disponibilizados por ela. Atribuiram-se nomes fictícios para a empresa, personagens e sistemas, objetivando preservar a identidade da organização e de seus funcionários.
A opção por fazer a analogia com o Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, se deu em razão da similaridade entre a cegueira apresentada na obra e aquela vivenciada pelos gestores de uma organização, face ao enfrentamento de uma crise causada pelo inesperado, um novo vírus que pode ser letal para o ser humano. Assim como na obra de Saramago, o novo vírus (Covid-19) obrigou a sociedade a se adaptar, mudando seu modo de viver e interagir. O mesmo aconteceu com as empresas, pois sofreram os impactos causados pela pandemia, como a redução da produção e do consumo, a perda de clientes, o acúmulo de dívidas, dentre outros.
Com isso, espera-se que o caso e a analogia contribuam para o entendimento sobre: a) como momentos de crise podem cegar, ainda que momentaneamente, os gestores de uma organização, fazendo-os se sentirem sem saída; b) como o contato com as forças adquiridas em crises passadas ajuda a recuperar a cegueira, possibilitando a retomada do movimento de readaptação ao ambiente e da aplicação de conhecimentos e capacidades para a sobrevivência do negócio.
Para a preparação dos alunos é sugerida a disponibilização e leitura prévias do caso. Na aplicação, sugere-se um plano de ensino, conforme Tabela 1. A aula pode ser organizada em atividades de grupo, seguida de plenária.
Para facilitar a interação durante as aulas, especialmente na modalidade on-line são sugeridas, no decorrer da análise do caso, algumas ferramentas de interação. Considera-se adotar, mesmo em aulas presenciais, em que, geralmente, os alunos estão com celulares e alguns, notebook, a participação simultânea suportada pelas ferramentas mencionadas, o que irá tornar a aula mais dinâmica e atrativa para os discentes.

Sugere-se ao professor avaliar os alunos com base no plano de ação elaborado a partir da questão 6.
1. Ao longo de sua trajetória, a Camarões Gesund vivenciou diversos dilemas e encontrou maneiras de superá-los. Nesse sentido, quais os principais desafios enfrentados pela Camarões Gesund antes da Covid-19 e como a empresa reagiu para enfrentar essas crises?
2. Após tantas turbulências, Joana e os demais diretores, cheios de planos, contemplavam, enfim, momentos de tranquilidade, pelo menos era o que pensavam, se não fosse a chegada de um novo vírus. Mesmo diante das ameaças vivenciadas pela Camarões Gesund no período da pandemia de Covid- 19, a empresa enxergou algumas oportunidades e soube avaliá-las. Diante disso, mencione alguns comportamentos da empresa que demonstram a capacidade adaptativa, diante das situações impostas pela Covid-19 e como foram avaliadas.
3. Para a empresa sobreviver em meio à crise, os diretores buscaram mobilizar recursos e agir diante das oportunidades que emergiram. Desse modo, descreva o processo que a empresa utilizou para mobilizar recursos para aproveitar as novas oportunidades e capturar valor no período da pandemia.
4. Para enfrentar as ameaças oriundas da crise de Covid-19, a empresa teve que tomar atitudes de reconfiguração e realinhamento. De que modo a Camarões Gesund reconfigurou e realinhou os recursos organizacionais para enfrentar a crise de Covid-19?
5. Reflita sobre como o caminho histórico de enfrentamento de desafios, percorrido pela Camarões Gesund, ajudou a empresa a desenvolver as capacidades necessárias para enfrentar a crise gerada pela Covid-19.
6. Se você tivesse que tomar decisões, como diretor da Camarões Gesund, qual caminho você seguiria: continuar focado no atendimento ao mercado interno ou voltar a exportar? Desenvolva um plano (definições de objetivos e ações) para o caminho da sua preferência.
Previamente à análise, para situar a discussão do caso em um contexto mais amplo, é recomendado que o professor discorra sobre a cadeia produtiva de camarões no Brasil, trazendo elementos do Anexo I: Informações sobre a carcinicultura marinha no Brasil. Para propiciar interação, é sugerido adotar a ferramenta Jamboard ou Padlet. O professor pode solicitar que os alunos construam quadros indicando: 1) Os principais elementos do ambiente institucional; 2) As principais fases do processo de produção aquícola; e 3) Principais insumos no processo de produção de camarão.
Essa questão inicial tem como objetivo proporcionar o contato com informações sobre momentos do contexto do caso, com potencial para que o professor possa estimular os alunos a compreender a noção de capacidades dinâmicas. O professor deve estimular buscas de momentos de desafios da empresa presentes na narrativa. Os elementos no lado esquerdo da Tabela 2 podem vir a ser elencados pelos alunos. Depois, sugere-se que o professor instigue os alunos a refletirem sobre como a empresa reagiu, lado direito da Tabela 2.
Para a elaboração do quadro, em aula on-line, são sugeridas as ferramentas elencadas na Tabela 1, pois possibilitam a participação simultânea dos alunos, adicionando ou atualizando as informações contidas na narrativa. Também podem ser utilizadas as ferramentas para criação de murais, conforme indicado na Tabela 1.

Após os alunos compreenderem os desafios e as estratégias adotadas pela empresa, o professor direciona o debate, a fim de permitir uma análise entre os tópicos identificados e o potencial deles para o desenvolvimento de capacidades obtidas pela empresa, que será aprofundada na questão seguinte. Um importante ponto para reflexão com os alunos é discutir o desenvolvimento de capacidades como um processo gradual, evolutivo, incremental e histórico.
Capacidades estão relacionadas com as maneiras pelas quais os recursos são coordenados e gerenciados, sendo desenvolvidas, em parte, pelo aprendizado, pela combinação de recursos e pela utilização de ativos complementares (TEECE, 2019). Na hierarquia de capacidades organizacionais, as capacidades dinâmicas de alto nível são atividades e avaliações que direcionam outras capacidades e recursos para manter a adequação da firma com o ambiente externo (TEECE, 2018). As capacidades dinâmicas podem ser desmembradas em três dimensões principais: detecção (sensing), apreensão (seizing) e reconfiguração (transforming) (TEECE, 2019).
Para possibilitar que os alunos percebam essas dimensões, o professor pode incitar reflexões e discussões sobre a dinâmica da empresa, diante das situações de trevas inesperadas e ameaçadoras, em momentos anteriores à Covid-19 e a capacidade de identificar e avaliar oportunidades, mobilizar e reconfigurar recursos que a Camarões Gesund demonstrou.
Nesse momento, o professor solicita aos alunos que tragam algumas situações da narrativa associadas às três dimensões das capacidades dinâmicas. Interagindo com os alunos e tendo como base as colocações deles, o professor deve avançar na análise do caso, buscando informações complementares na narrativa, relacionadas às dimensões, com o intuito de direcionar os alunos à compreensão de como os vários desafios enfrentados pela Camarões Gesund ajudaram no desenvolvimento de capacidades dinâmicas.
As questões dois, três e quatro mostrarão como as dimensões das capacidades dinâmicas discutidas por Teece (2019) poderão ser aplicadas à Camarões Gesund ao longo de sua história.
A Camarões Gesund apresenta, historicamente, comportamentos que demonstram a sua capacidade adaptativa, mesmo diante das situações impostas pelas crises. Um exemplo foi o de perceber que seria estratégico cultivar as pós-larvas da espécie Litopenaeus vannamei, o que se mostrou fundamental para a viabilidade do negócio. Essa estratégia tem relação com a primeira dimensão da capacidade dinâmica, a detecção (sensing): que se refere à capacidade de identificar e avaliar oportunidades, ameaças e necessidades dos clientes. Esta capacidade está relacionada aos processos que direcionam as atividades internas de P&D e de seleção de novas tecnologias, identificação de fornecedores e desenvolvedores de inovações, identificação de segmentos-alvo de mercado e mudanças nas necessidades e desejos dos consumidores (TEECE, 2007).
Aqui, o professor pode fazer um brainstorming, resgatando as concepções dos alunos sobre os sistemas analíticos para perceber, filtrar e delinear ameaças e oportunidades, adotando a ferramenta sugerida na Tabela 1.
A história da Camarões Gesund apresenta vários momentos relacionados com a capacidade de sensing, ou seja, sistemas analíticos e capacidades individuais para perceber, filtrar, formatar e calibrar oportunidades e ameaças. A empresa surgiu da percepção do fundador, Klaus Fischer, em aproveitar as áreas desativadas das salinas para a criação de camarões. Além disso, Klaus já possuía uma preocupação com sustentabilidade ambiental e social, compreendendo, antecipadamente, a importância desta temática para o negócio. A formatação de uma tecnologia própria de produção, o Clean Wasser, ocorreu a partir da análise do problema da mancha branca, a partir de países que já enfrentaram esse problema. O estabelecimento de alianças estratégicas, com uma rede varejista francesa e com a Thai Xāh̄ār, também são exemplos de detecção de oportunidades.
Compreender o ambiente, em termos de oportunidades e ameaças, é uma atividade fundamental em contextos dinâmicos. Contudo, além de compreender, é importante ter a capacidade de direcionar os recursos organizacionais para alterar modelos de negócio, gerar soluções para os clientes e capturar valor para a empresa frente às novas características ambientais. Este desafio enfrentado pela Camarões Gesund é o tema desta questão.
A Camarões Gesund foi construindo sua capacidade de apreensão (seizing), mediante o desenvolvimento de um modelo de negócio baseado em verticalizações (produção das pós-larvas e beneficiamento dos camarões), da pesquisa e desenvolvimento (Clean Wasser), da reputação (Selo de Garantia de Qualidade) e das alianças estratégicas (varejista europeu e Thai Xāh̄ār). Esta é a segunda dimensão da capacidade dinâmica, apreensão (seizing), diz respeito à capacidade de mobilizar recursos para aproveitar novas oportunidades e capturar valor.
Segundo Teece (2007), a capacidade de apreensão está relacionada ao delineamento de modelos de negócios e de soluções para os clientes, seleção de protocolos para a tomada de decisão, além de mecanismos de controle, no caso de alianças estratégicas ou estabelecimento de plataformas e ecossistemas de negócios. Além do mais, esta capacidade também pode ser percebida na geração de soluções para os clientes. Por exemplo, o modelo de negócio da Camarões Gesund conseguiu atingir um patamar de qualidade, atestado pelas certificações, que permitiu as possibilidades de atender, tanto o mercado interno, quanto o externo.
Para o desenvolvimento dessa atividade, sobretudo na modalidade on-line, é sugerido que o professor adote quadros interativos, nos quais os alunos poderão indicar os comportamentos observados. A atividade pode ser facilitada por meio das ferramentas indicadas na Tabela 1, estimulando os alunos a se comunicarem, de forma dinâmica, por meio de notas adesivas.
Recentemente, com a crise de Covid-19, a equipe diretiva da empresa confiou em sua reputação junto aos clientes, na qualidade dos produtos e no conhecimento do mercado, na busca pela mobilização de recursos, a fim de redirecionar o foco para a melhor solução: ou para o atendimento ao mercado interno (consumidor final), ou para voltar a exportar.
Recomenda-se que o professor consulte o desfecho do caso aqui nas notas de ensino, a fim de compartilhar, após a discussão das demais questões com os alunos, como a Camarões Gesund conseguiu mobilizar recursos para aproveitar novas oportunidades e capturar valor, em meio à pandemia de Covid-19.
Contextos dinâmicos exigem, além das capacidades de detecção e apreensão, a exploração de novos recursos. Para evitar a armadilha do paradoxo do desempenho (quando grandes esforços geram apenas pequenos resultados), em muitos casos, as empresas precisam lidar com inovações mais radicais, transformando (ou reconfigurando) os seus recursos organizacionais. A Camarões Gesund precisou se transformar para enfrentar a crise da Covid-19, e essa é a discussão desta questão.
A última dimensão da capacidade dinâmica, reconfiguração (transforming), refere-se à capacidade de reconfigurar, renovar e realinhar os recursos organizacionais. Esta capacidade está relacionada às decisões de estruturação organizacional e descentralização, governança, co-especialização de ativos (desenvolvimento de produtos complementares) e gestão do conhecimento (TEECE, 2007).
Para ajudar os alunos no desenvolvimento dessa atividade, é sugerido que o professor estimule uma discussão para que eles se aproximem da dimensão reconfiguração, por meio de renovação e realinhamento, solicitando que os alunos mostrem comportamentos da narrativa relacionados a tal dimensão. Essa atividade poderá ser auxiliada com a utilização de quadros interativos, usando as ferramentas indicadas na Tabela 1. O professor pode fechar a análise da questão com base nas informações do parágrafo seguinte.
A análise das informações do caso indica que a capacidade de reconfiguração (transforming) foi observada por meio do aprendizado, voltado para inovação (pesquisa e desenvolvimento), realinhamento de recursos (verticalizações e desinvestimento em uma unidade produtiva de camarões) e co-especialização (aliança estratégica com a Thai Xāh̄ār). A Camarões Gesund reconfigurou vários aspectos da sua operação para enfrentar as ameaças oriundas da pandemia da Covid-19: aluguel de armazéns frigoríficos, para estocar seus produtos; redução do quadro de funcionários; adequação das atividades logísticas, para atender o varejo de menor porte; adequação dos processos operacionais, para atender os protocolos de segurança.
Nesse momento de levar os alunos à reflexão dos conhecimentos obtidos pela experiência, sugere-se que o professor faça uma discussão, conforme sugestão apresentada na Tabela 1, estimulando os alunos a trazerem situações sobre o comportamento da empresa que, mesmo diante de uma realidade tormentosa, enxerga momentos relacionados:
• à exploração das capacidades existentes;
• às melhorias na eficiência operacional;
• às adequações dos processos; e
• ao refinamento de práticas organizacionais.
Na sequência, a busca dos alunos deve ser direcionada a elencar situações da empresa durante as crises, no intuito de viabilizar o futuro dos negócios, relacionadas:
• às iniciativas de pesquisa;
• às experimentações;
• à tomada de risco; e
• às descobertas.
Um caminho recomendado para discutir a questão é o professor retomar o dilema da empresa entre permanecer focada no mercado interno ou voltar a exportar. O professor deve retomar as falas dos alunos, relacionando-as com o histórico da empresa, caracterizado por um comportamento de enfrentamento às conjunturas obscuras, entre elas a provocada pela Covid-19. Durante a discussão, os alunos devem ser remetidos a algumas situações do caso: aqui é sugerido que o professor coloque tópicos sobre o comportamento da empresa em um quadro interativo, adotando o Miro e solicite aos alunos que façam anotações trazidas da narrativa, associadas ao comportamento. Dando sequência às colocações dos alunos, acrescentar que:
• para superar o momento gerado pela crise de Covid-19, a empresa atua, no sentido de explorar o capital de conhecimento acumulado com outras crises, como a verticalização de atividades, integração das etapas de beneficiamento, aliança estratégica com empresas europeias e o desenvolvimento do sistema de produção Clean Wasser;
• as mudanças provocadas pela pandemia põem a empresa diante de incertezas que levam, naturalmente, ao desenvolvimento de novos conhecimentos relacionados, desde a criação de protocolos de saúde, para evitar a contaminação dos funcionários e familiares, até a inovação em produtos, processos, distribuição e exploração de novos segmentos de mercado; e que
• segundo Teece (2019), atividades de pesquisa de potenciais inovações disruptivas, geralmente, exigem um horizonte de longo-prazo e maior incerteza do que atividades que dependem de conhecimentos já existentes na organização. Esse momento da aula é oportuno para que o professor aprofunde a discussão do caso, buscando desenvolver com os alunos a noção do trade off entre soluções de curto-prazo e longo-prazo, procurando gerar a discussão de como as empresas devem lidar com essa questão, principalmente, em momentos de crise.
Considerando que, nesse momento da discussão do caso de ensino, os alunos tenham desenvolvido compreensões sobre as diferentes dimensões (sensing, seizing e transforming) das capacidades dinâmicas na trajetória da Camarões Gesund, esta questão busca estimulá-los a agir: a desenvolver um plano de ação para solucionar o dilema.
Para ajudar o professor a conduzir a elaboração do plano pelos alunos, mesmo supondo o conhecimento adquirido por eles até o momento, na discussão do caso, apresenta-se, na sequência, uma síntese de informações. Para as discussões, na realização do plano, e a escrita de forma interativa são sugeridas algumas ferramentas, conforme a Tabela 1. Na condução dos alunos durante a realização do plano, o professor deve estimulá-los a refletir sobre as discussões anteriores das questões e, apoiado na síntese apresentada na sequência do texto, apontar elementos que possam estimular a tomada de decisão por parte dos alunos.
Os conhecimentos acumulados e capacidades desenvolvidas pela Camarões Gesund, ao longo da sua história, permitiram a adaptação da empresa às situações passadas e à atual, causada pela pandemia de Covid-19. Agora é o momento para a empresa olhar para o futuro e enxergar os seus caminhos. No passado, a exportação foi importante para os resultados da empresa e para o desenvolvimento de níveis de tecnologia e qualidade adequados ao atendimento dos mercados mais exigentes. Esse know-how é um diferencial da empresa. Por outro lado, o foco no mercado externo se mostrou perigoso, devido aos fatores externos e incontroláveis que podem dificultar esse tipo de operação, por exemplo, as variações cambiais. O atendimento do mercado interno mostrou possibilidades interessantes e menos arriscadas, pois a proximidade com os clientes e a atuação dentro dos limites geográficos do Brasil minimizaram os riscos das ameaças ambientais. Minimizaram, porém, não evitaram, conforme observado com a crise de Covid-19 e o consequente impacto sobre as operações dos principais clientes dos produtos da empresa, os restaurantes. Além do mais, quando comparado com o mercado externo, o mercado interno poderá apresentar limites para as possibilidades de crescimento da empresa, especialmente para produtos com qualidade diferenciada e alto valor agregado. Assim, está posto o dilema: focalizar a exportação ou o mercado interno?
Para a elaboração do plano, o professor solicita aos alunos que, em grupo, tomem a decisão quanto ao caminho a ser seguido: mercado interno ou exportação. O ideal é que formem grupos, tanto para o primeiro, quanto para o segundo caminho, para possibilitar uma discussão mais ampla.
Para o(os) grupo(os) que optar(em) pelo atendimento do mercado interno, o professor deve recomendar que o plano contemple objetivos e iniciativas que envolvam as capacidades de sensing, seizing e transforming em uma abordagem que prioriza os recursos existentes na empresa. Por exemplo, a Camarões Gesund pode utilizar sua experiência no mercado interno para reavaliar os seus mercados-alvo (sensing), readequar a sua capacidade produtiva e priorizar os produtos mais lucrativos (seizing), além de adequar seus produtos e canais de distribuição para o consumo de camarões “dentro de casa” (transforming).
Já para o(os) grupo(os) que escolher(em) a opção de priorização das exportações, o professor deve orientar que o plano de ação também deve contemplar objetivos e iniciativas estratégicas que envolvam as capacidades de sensing, seizing e transforming, contudo em uma abordagem de desenvolvimento de novos recursos. Por exemplo, a Camarões Gesund pode detectar os mercados internacionais com potencial para receber os produtos da empresa e identificar as especificidades legais e técnicas para atender esses mercados (sensing). A empresa precisará adequar a sua produção, obter as certificações necessárias e estruturar a logística e distribuição internacional (seizing). A opção da exportação gera alguns riscos adicionais para a organização e, ao mesmo tempo, abre espaço para novas descobertas, em termos de modelo de negócios, tecnologias, pesquisa e desenvolvimento (transforming).
Finalizada a elaboração da tarefa, o professor deve solicitar que cada grupo apresente o plano. Enquanto os grupos estão expondo, o professor vai pontuando alguns elementos para discutir, com os alunos, as vantagens e desvantagens dos caminhos pontuadas: mercado interno ou externo. Assim, apresentando um resumo do potencial da empresa, ele poderá gerar uma interessante discussão com a turma, a partir da seguinte pergunta: Por que não preparar a empresa para as duas possibilidades, simultaneamente?
A atividade de discussão para as vantagens e desvantagens dos caminhos explorados pelos alunos poderá ser realizada através de um quadro interativo. As ferramentas indicadas na Tabela 1, para utilizar quadros interativos, são recomendadas, neste caso.
A Camarões Gesund acumulou experiências nos mercados interno e externo, já obteve certificação internacional, possui a capacidade de pesquisa e desenvolvimento, tem relacionamentos com agentes do mercado interno e externo, possui uma aliança estratégica com uma grande empresa internacional do setor e um modelo de negócios baseado em sustentabilidade (uma tendência global). Em resumo, a empresa pode desenhar cenários prospectivos e priorizar uma ou outra das alternativas, em função do curso de ação dos acontecimentos, contudo, mantendo atividades em ambas as alternativas constantemente. Essa estratégia poderá proteger a empresa de situações “coringas” (wild cards) inesperadas, como o surgimento da pandemia de Covid-19. A empresa aprendeu e desenvolveu capacidades ao longo do tempo.
Após adotar os protocolos de segurança e as medidas iniciais para garantir o funcionamento da empresa (aluguel de armazéns, redução da produção e desligamentos), para não paralisar totalmente as vendas, a Camarões Gesund adequou sua estrutura e lançou um produto com preço reduzido e embalagem de volume de 400g, menor do que as tradicionais e com foco voltado para os supermercados, atacados e empórios, isto é, para o consumidor final.
Com isso, ela passou, ainda no ano de 2020, a atender um novo segmento de mercado e manteve o foco principal de atuação voltado para o mercado interno, ampliando sua presença junto aos consumidores. Disponibilizou os novos produtos em freezers personalizados nos estabelecimentos dos clientes e, com a reabertura gradual dos restaurantes, instalou os aparelhos em unidades de redes parceiras. Em 2021, com a reabertura dos restaurantes, a empresa divide os esforços para atender os dois segmentos: food, representado pelos restaurantes, e o atacarejo. Surgiram oportunidades para participar de eventos, como a Feira Nacional do Camarão, momento em que os diretores objetivam mostrar para o consumidor a qualidade elevada de seus produtos, na busca por manter a vantagem competitiva em relação aos concorrentes.
Embora, em 2020, tenham sido retomadas as negociações para voltar a exportar, ainda que em volume menor que no passado (50 ton/mês foi a previsão para o segundo semestre de 2020), o cenário não se mostrou favorável em 2021. Dadas as barreiras logísticas impostas pela pandemia de Covid-19, o custo para exportação, a partir do Brasil, se tornou muito elevado, em relação aos países dos principais concorrentes internacionais da Camarões Gesund. Desta forma, as exportações foram interrompidas e o foco estratégico voltado exclusivamente para o mercado consumidor interno, que é bastante “aquecido”, segundo os diretores, e apresenta melhores vantagens competitivas para a empresa.
A recontratação de funcionários teve início em outubro de 2020, de forma gradual, ano em que foram readmitidos 80 funcionários. Com a melhoria da situação financeira, a recontratação continuou em 2021 para os setores de produção e indústria. Foi construída, em 2021, a fábrica de ração da empresa, minimizando sua dependência de insumos importados e garantindo uma ração de qualidade. Construíram, ainda, o primeiro laboratório molecular para certificar a qualidade do camarão e evitar o risco de perder a produção, devido a alguma doença. Além disso, aperfeiçoaram os processos de larvicultura.
Com isso, os diretores se dedicaram a organizar a empresa no ano de 2021, a partir das capacidades desenvolvidas, com o objetivo de reverter o quadro financeiro em 2022, aumentando o faturamento. Para tanto, reestruturaram também a equipe de funcionários, abrindo quatro novas gerências estratégicas: Gerência de Beneficiamento, Gerência de Qualidade, Gerência de Manutenção Patrimonial e Gerência de Construção Civil e Infraestrutura.
Em 2018, a produção brasileira de camarão marinho cultivado foi de, aproximadamente, 77 mil toneladas, gerando uma receita total de R$ 3 bilhões para a indústria nacional (ABCC, 2020). A Figura 4, a seguir, mostra um esquema da cadeia produtiva da carcinicultura marinha no Brasil.
Em 2018, a região Nordeste foi responsável pela maior parte da produção brasileira (99,4%), com destaque para os estados do Rio Grande do Norte (43,2%) e Ceará (28,5%) (IBGE, 2018). A alta concentração de produtores no Nordeste está relacionada às vantagens que a região possui para o desenvolvimento da atividade, tais como: extensas áreas costeiras para o cultivo de camarão; melhores condições ambientais e sanitárias; domínio das tecnologias de reprodução, larvicultura e engorda da espécie Litopenaeus vannamei, por meio de processos tecnológicos desenvolvidos nas próprias empresas (Tahim, Damaceno, Araújo, 2019).
Entre 2011 e 2019, quase toda a produção de camarão marinho cultivado no Brasil foi destinada ao mercado interno. Embora, no período, o Brasil não tenha participado de forma relevante nas exportações de camarões, o comércio internacional deste produto continuou relevante.




