Recepción: 16/09/2021
Aprobación: 21/02/2022
DOI: https://doi.org/10.14210/alcance.v29n3(set/dez).p328-342
Resumo:
							                           Dilema: Após assumir o cargo de Gestor de Compras na Universidade do Leste do Brasil (ULB), o gestor público Roberto, juntamente com estudantes do curso de Gestão Pública, se depara com o dilema de melhorar os processos do setor, tentando contribuir para uma governança mais adequada para as compras públicas.
Objetivo educacional: O caso permite desenvolver competências para interpretação dos conceitos gerais de burocracia, compras públicas, governança pública e gestão de riscos no setor público.
Contextualização: A trajetória de Roberto com os estudantes ocorre intermediada pelo professor Franco, enquanto estagiário docente da disciplina Organização, Sistemas e Métodos e estudante do curso de Mestrado em Gestão Pública na ULB. As preconcepções e desafios são apresentados sob o olhar de dentro do setor público.
Tema principal: O enfoque está na discussão sobre gestão de processos, governança e gestão de riscos, orientando a reflexão sobre as ações gerais necessárias e desafiadoras em termos de implementação no contexto da gestão pública.
Público: Recomenda-se a aplicação em nível de graduação do quarto semestre em diante ou pós-graduação lato sensu, nas disciplinas de Gestão de Licitações e Contratos e Governança Pública. É necessário que o discente tenha conhecimento e formação em disciplinas de Fundamentos de Administração e Gestão Pública, Organização, Sistemas e Métodos e Gestão de Pessoas no Setor Público.
Originalidade/valor: A situação real apresentada trabalha nuances inerentes às compras públicas, bem como permite compreender os conceitos teóricos subjacentes, para tentar implantá-los na prática. O que envolve a gestão de processos e compras públicas? Quais os conceitos centrais de governança e gestão de riscos? Como implantar?
Palavras-chave: Burocracia, Governança, Compras Públicas, Gestão de Riscos.
Abstract:
						                           Dillemma: After assuming as the Procurement Manager of the East University of Brazil (ULB), the public manager Roberto, together with students of Public Management, has the dilemma to improve the processes of his area, trying to get a better governance to public procurement.
Educational objective: The case allows to develop competences to the interpretation of the general concepts of bureaucracy, public procurement, public governance and risk management in public sector.
Contextualization: The trajectory of Roberto with the students is mediated by professor Franco, in the context of Roberto’s role as assistant professor in the Organization, Systems and Methods class and as student of the Public Management Graduation course of ULB. The preconceptions and challenges are presented from an inside view of the public sector.
Main theme: The focus is the discussion about processes management, governance and risk management, guiding the reflections to the necessary and challenging actions in terms of their implementations in the public sector context.
Audience: It is better suited to MBA or third year undergraduate students, considering classes such as Public Procurement Management and Public Governance. It is necessary that the student has previous knowledge and completed classes involving Introduction to Management and Public Management, Organization, Systems and Methods and Human Resources Management in the context of public sector.
Originality/value: The real situation presented works with public procurement singularities, and allows to understand the subjacent theoretical concepts, to try to apply in practice. So what does process management and public procurement involve? What are the core concepts of governance and risk management? How to deploy?
Keywords: Bureaucracy, Governance, Public Procurement, Risk Management.
Resumen:
						                           Dilema: Después de asumir el cargo de Gerente de Compras en la Universidade do Leste do Brasil (ULB), el gerente público Roberto, junto con estudiantes de la carrera de Gestión Pública, se enfrenta al dilema de mejorar los procesos del sector, tratando de contribuir a una mayor gobernanza adecuada para la contratación pública.
Objetivo educativo: El caso permite el desarrollo de competencias para interpretar los conceptos generales de burocracia, contratación pública, gobernanza pública y gestión de riesgos en el sector público.
Contextualización: la trayectoria de Roberto con los estudiantes ocurre mediada por el profesor Franco, como docente pasante de la disciplina Organización, Sistemas y Métodos y estudiante de la Maestría en Gestión Pública de la ULB. Se presentan ideas preconcebidas y desafíos desde dentro del sector público.
Tema principal: El enfoque está en la discusión de la gestión de procesos, la gobernanza y la gestión de riesgos, orientando la reflexión sobre las acciones generales necesarias y desafiantes en términos de implementación en el contexto de la gestión pública.
Público: Se recomienda postular a nivel licenciatura a partir del cuarto semestre o posgrado lato sensu, en las disciplinas de Gestión de Licitaciones y Contratos y Gobernanza Pública. Es necesario que el alumno tenga conocimientos y formación en materias de Fundamentos de la Dirección y Administración Pública, Organización, Sistemas y Métodos y Dirección de Personas en el Sector Público.
Originalidad/valor: La situación real presentada trabaja con los matices propios de las compras públicas, así como permite comprender los conceptos teóricos que subyacen, para tratar de implementarlos en la práctica. ¿Qué implica la gestión de procesos y la contratación pública? ¿Cuáles son los conceptos centrales de la gobernanza y la gestión de riesgos? ¿Cómo implementar?
Palabras clave: Burocracia, Gobernancia, Compras Públicas, Gestión de Riesgos.
INTRODUÇÃO
Desde que ingressou na graduação em Gestão Pública, aos 18 anos, no ano de 2016, na Universidade do Leste do Brasil (ULB), na cidade de Borborema (PB), Severino, atentou para peculiaridades dessa instituição pública. Basicamente, ficou impressionado com a demora nas construções, na reposição de material de consumo, na manutenção de equipamentos, como condicionadores de ar, carteiras, luzes e computadores. Não conseguia entender como a ULB, que recebe um dos maiores orçamentos do Estado do Leste, estava permeada de obras inacabadas e não conseguia gerir adequadamente seu processo de licitação até para itens essenciais para seu funcionamento. Ele se questionava: por que isso ocorria? Quem seria o responsável?
Do outro lado da mesa, Roberto, 30 anos de idade, servidor público ingressante da turma do concurso de 2010, ocupante do cargo de Gestor de Compras no Setor de Licitações e Patrimônio (SLP) da ULB desde janeiro de 2016, também não estava satisfeito com a situação. Desde que assumiu o cargo, tem tentado implantar melhorias, mas sem muita orientação administrativa, diante de sua formação em Direito. Ele precisava encontrar soluções para a situação posta. Afinal, boa parte das críticas que a ULB recebe recai sobre o processo de licitação, responsabilidade dele e de sua pequena, mas valorosa equipe de trabalho, como gostava de dizer.
Sabendo da extrema responsabilidade do seu setor e que sua formação técnica em Direito o deixava, por um lado, muito competente no aspecto legal, mas, por outro, como um “peixe fora d'água” do ponto de vista de administração, Roberto procurou ampliar sua formação. A oportunidade surgiu com a criação do curso de Mestrado em Gestão Pública (MGP) do Centro de Estudos Públicos (CEP) da ULB. Depois de lograr sucesso no primeiro processo seletivo, em julho de 2016, Roberto avançou nos estudos sobre governança e gestão de riscos no setor público. Além disso, teve experiência como estagiário docente na disciplina de Organização, Sistemas e Métodos (OSM) no curso de graduação de Gestão Pública do CEP no primeiro semestre de 2017. Com essa vivência, adquiriu conhecimentos para repensar regras, procedimentos e articulação do SLP na ULB.
Em comum, Severino e Roberto compartilhavam a percepção de que já existia um vilão para o problema da morosidade do processo de compras públicas: a burocracia. Nos corredores, nas discussões informais e no compartilhamento de memes nas redes sociais, ela tinha rosto, cor e endereço. Todavia, Severino não se dava por satisfeito quanto a isso. Na verdade, algo que aprendeu já no primeiro semestre da sua graduação é que esse termo não representava mais a conotação pela qual foi criado. Além disso, sabia da necessidade de separar senso comum e conhecimento acadêmico e gerencial. Logo, para ele, não era aceitável que tudo fosse reduzido a uma mera simplificação baseada em uma palavra que representava muito mais do que era compartilhado no boca a boca ou de forma, por vezes, sensacionalista, pela imprensa. Roberto, já com uma boa experiência prática e acadêmica na ULB, sabia que apontar a burocracia como culpada dos problemas era uma meia verdade, pois muito do que se referia a esse termo era decorrente do excesso de formalismo da instituição.
Tanto ele quanto Severino sabem que a burocracia é necessária, pois existe para evitar relações clientelistas. Logo, se eles estavam ali, na condição de estudante ou de servidor público na ULB, era porque tinham passado por um processo formal e impessoal de seleção e “não deviam favor a seu ninguém”, como gostavam de dizer. Se para Roberto isso vinha da prática, para Severino ainda estava na teoria. Ambos, porém, acreditavam que a melhoria do funcionamento da ULB passa por um repensar de processos, sendo necessário atualizar a instituição com técnicas de gestão mais contemporâneas. Em particular, no âmbito geral das compras públicas, que afetam toda a organização, isso compreende uma série de desafios, que incluem não apenas os elementos da burocracia em si, mas, também, governança, riscos, transparência e repensar o processo na ULB. A questão agora era: como modernizar o processo de compras? Quais conceitos acadêmicos e como aplicá-los no SLP e na ULB? Na teoria é uma coisa, na prática, outra? Por onde começar?
CAMINHOS CRUZADOS
No dia primeiro de abril de 2017, na longa fila do restaurante universitário, Severino conversava sobre as “questões burocráticas da ULB” com Paulo, seu melhor amigo no curso de Gestão Pública. Era, na verdade, o início da discussão de um trabalho da disciplina de OSM. O professor, Franco Perito, dividiu a turma em equipes que deveriam escolher um departamento ou setor de compras de uma organização pública para identificar problemas relacionados a esse processo. No diálogo, contudo, Severino ficou preocupado com as preconcepções de Paulo sobre o que poderiam encontrar de resultados. Afinal, acreditava que o trabalho era uma oportunidade não só de aplicar conhecimentos teóricos na prática, quanto, quem sabe, de encontrar um estágio no setor que os permitissem conduzir o estudo.
– Severino, tu é mesmo muito inocente, rapaz. Tá na cara que esse trabalho não vai dar em nada. Eu mesmo preferia fazer prova e me livrar logo. O que eu mais quero é me formar, tentar ganhar dinheiro e nem lembrar das aulas com o ar condicionado quebrado às duas horas da tarde.
– Como assim, meu amigo Paulo? Esse trabalho é diferente de tudo que já fizemos até agora no curso. Para o professor Franco, é mais fácil fazer uma prova. Corrige, dá as notas e ponto final. Tu mesmo é um que só fica reclamando que o curso não tem nada de prático. Aí, quando chega essa oportunidade, tu fica com esse papo.
– Ah! Pare, Severino. Tu acha mesmo que isso vai mudar alguma coisa? Tu vai ver... a gente vai lá bater na porta dessas repartições públicas e o pessoal lá não vai nem olhar para nós. Eles lá querem um bando de estudantes dizendo que estão fazendo as coisas erradas?
– Tu tá por fora mesmo. Quem foi que te colocou essa ideia na cabeça? Não vai falar que é aquela conversinha de grupo do whatsapp, né? Fala sério! Aqui, a gente tá para aprender e não dar atenção a esse monte de besteira que circula lá.
– Cara... sério! Tu é muito certinho. É por isso que eu só faço trabalho contigo. E nem adianta dizer nada, que só dá certo porque eu também sou desenrolado na hora de apresentar. Mas que tu vai ver que isso é “barca furada”, tu vai.
– Deixa de onda que tu só tá na equipe mesmo porque, apesar de tudo, tu é gente boa e me dá carona todo dia! (Risos)
– Vamos fazer uma aposta, então. Se a gente conseguir algo desse trabalho, eu te pago um almoço, daqueles pra nem se lembrar dessa linguiça com feijão e farofa que a gente vai comer agora.
– Fechado! Mas, agora, vai logo que a fila começou a andar e a gente nem percebeu, já tô ouvindo a galera reclamando lá no fim.
Dois dias depois da conversa, Severino, Paulo e os demais integrantes da equipe foram até o Departamento de Serviços Públicos (DSP) da prefeitura de Borborema, responsável, dentre outras atribuições, pelos processos de licitação. Levavam consigo a confiança e um requerimento assinado pelo professor, para pedir autorização de realizar o trabalho. Ao serem recebidos pelo gestor local, foram informados de que seria necessário que o setor jurídico analisasse. Daí, teriam uma resposta. Preocupados com o prazo, questionaram quanto tempo demoraria. A resposta do gestor foi evasiva.
– Vejam bem... aqui, nós temos muitos processos. O setor jurídico é bem atarefado. Não sei bem informar quanto tempo vai demorar. Aqui, nós temos um trâmite para esse tipo de pedido. Nós temos que nos resguardar. Sabe como é? Aqui é tudo transparente, mas as licitações são sempre alvo de notícias na mídia e não queremos esse tipo de holofote aqui.
– Nós entendemos, mas queremos frisar que o trabalho é apenas um exercício para a disciplina do curso de Gestão Pública. Não tem nenhum propósito que não seja acadêmico. É uma forma de tentarmos exercitar o que aprendemos em sala de aula – argumentou Severino.
– Eu entendo, eu também já passei por isso. Eu estou aqui já há o quê? Acredito que uns 36 anos, já tenho até tempo para me aposentar. Podem deixar que eu vou encaminhar, sim, o pedido, com celeridade e transparência, mas é como eu disse, não tenho como garantir nada, o pessoal lá que analisa.
Após essa primeira tratativa, Paulo aproveitou para brincar com Severino.
– Eu te avisei, essa vai ser a aposta mais fácil que eu vou ganhar!
– Calma, meu amigo, que ainda tá cedo para cantar vitória.
Dez dias depois, sem nenhum retorno desde a primeira reunião e já muito preocupado com a situação, Severino foi conversar com o professor Franco para explicar o ocorrido. O setor público seria mesmo refém desse excesso de formalismo, se questionava. A essa altura, Roberto já participava da disciplina como estagiário docente, conhecendo os alunos. Por coincidência, estava presente na conversa na sala do professor Franco. Sensibilizado com o relato e vislumbrando uma oportunidade, disse que faria todo o esforço possível para que o SLP recebesse a equipe e realizasse o trabalho lá. Afinal, poderia conseguir não apenas ajuda teórica, mas também reforço na sua equipe de trabalho, se conseguisse alocar os estudantes na condição de estagiários. Era uma possível solução para o dilema em que se encontrava, de tentar iniciar as mudanças no setor com fôlego novo.
Com o engajamento de Roberto, a equipe de Severino realizou o trabalho da disciplina no SLP. A primeira etapa envolveu a coleta de dados, por meio de um questionário, para obter um diagnóstico da situação do setor. Com o estudo realizado, a equipe identificou que o processo de compras públicas envolve o planejamento, a execução e a coordenação das atividades para obtenção de materiais e serviços de toda a ULB. Todavia, apesar dessa responsabilidade, alguns problemas dificultam o fluxo das atividades, como: barulho no ambiente de trabalho, repetitividade do trabalho, pressão de prazos, rigidez das normas, ritmo de trabalho excessivo, quantitativo pequeno de pessoas, mobiliário e espaço físico inadequado.

Formalmente, está estabelecido que, no planejamento, duas comissões com dois servidores e um pregoeiro para cada uma delas realizam o trabalho em conjunto com uma equipe de apoio composta por servidores do setor requerente. Na prática, todavia, não existe um organograma formal, apresentando essa estrutura e delineando adequadamente as responsabilidades. Logo, isso ocasiona típicos problemas de governança, que perpassam todo o processo de compras públicas, como ausência de mecanismos de liderança, controle e gestão de processos mais apurados, bem como planejamento estratégico estabelecido. O setor requerente, por exemplo, apenas emite um ofício quando precisa de algum material ou serviço, com pouca preocupação com a correta especificação. Apesar dessa situação, a equipe de Severino percebeu que os servidores da SLP eram engajados e muito preocupados com o bom uso dos recursos públicos. Após esse diagnóstico, Severino aproveitou para brincar com Paulo.
– Parece que o jogo virou, não é, meu amigo? Há locais e locais, pessoas e pessoas. O que eu vi aqui foi um desejo forte de fazer as coisas acontecerem, mesmo com as dificuldades. Eu acredito que é nosso papel, como futuros gestores públicos, mudar essa percepção que se tem do setor público. Veja, o diagnóstico que nós fizemos abre muitas possibilidades de discussão. Eu não fazia ideia de que o processo de compras tinha essa complexidade e podia ser vinculado com práticas de governança. Quando estudamos liderança, não pensei que teria uma aplicação tão necessária em um processo como esse. Isso abre uma reflexão que perpassa a própria disciplina de OSM. Eu mesmo já comecei a rever o material da disciplina de Introdução à Administração e Fundamentos de Gestão Pública.
– Ah, meu amigo... isso aqui é uma exceção à regra, pode ter certeza. Bom, mas sorte nossa de termos feito o trabalho no SLP.
Com a primeira parte do trabalho concluída e apresentada em sala de aula, a equipe recebeu uma notícia animadora. Roberto conseguiu, com a reitoria da ULB, a abertura de seleção de estágio, com possibilidade de receber os alunos do curso de Gestão Pública. O SLP tinha três vagas. Severino não perdeu tempo, se inscreveu no processo seletivo e levou Paulo junto. Enquanto isso, na sala do professor Franco, passados mais de 45 dias do início do semestre, as orientações continuavam.
– Severino e Paulo, vejam, recebi a resposta do primeiro setor que vocês foram pedir permissão para realizar o trabalho. Olha só, é um documento com dez páginas, para justificar o motivo de não poder receber vocês. Tem todo um embasamento jurídico, parece até que íamos fazer uma auditoria lá – comentou o professor Franco.
– É, professor – Severino complementou – se fossemos depender deles, já teríamos sido reprovados na disciplina. Também se eles fossem tão diligentes no cotidiano com o público e nas tarefas, como foram com um simples pedido de realizar um trabalho de disciplina acadêmica, garanto que não tinha tanta reclamação da população.
– Eu vou logo direto ao ponto – acrescentou Paulo – é... mais uma vez, esse setor sendo uma vergonha, só que, como dizem por aí, nada acontece, feijoada!
TRANSPARÊNCIA E RISCO
Ao final da disciplina, Severino e Paulo já tinham obtido sucesso no processo seletivo para estágio no SLP. Ambos estavam do outro lado da mesa, junto com Roberto. Paulo, que tanto criticava a gestão pública, agora a defendia, pois, como dizia, nunca imaginara que o trabalho envolveria tanta responsabilidade. As ações deles, independentemente do contexto político e econômico vivenciado, estavam constantemente em evidência. Blogs, websites de notícias locais e redes sociais geravam publicações polêmicas, questionando as licitações.
Severino tinha Roberto como seu mentor no trabalho. Discutiam que, paralelamente às necessárias reformas da agenda política, eles tinham que buscar maneiras de melhorar o gerenciamento do setor. Afinal, boa parte dos gastos públicos ocorrem por meio da aquisição de bens e serviços, operacionalizados na forma de processos licitatórios ou a partir das contratações diretas, que representam exceções legais à regra de licitar, conforme instrumentos normativos. Logo, estavam inseridos dentro de um setor essencial e estratégico no âmbito da ULB, mas que não era percebido dessa forma pela reitoria e por toda a comunidade acadêmica.
Após um levantamento nos processos licitatórios, constatou-se que o pregão, por exemplo, era a modalidade de licitação predominante, presente em mais de 90% dos casos. Ou seja, excetuando-se obras, praticamente todo o restante ocorria por meio dessa modalidade. Paulo ficou surpreso ao saber que isso envolvia desde a aquisição de hortifrutigranjeiros, até a compra de veículos automotores, perpassando por material de expediente para o funcionamento da máquina administrativa, medicamentos, materiais e equipamentos médico-hospitalares para o Hospital Universitário. Também eram realizados pregões visando à contratação de serviços contínuos e não contínuos para todas as áreas da administração, como tecnologia da informação, contratação de instituição financeira, higienização e limpeza, vigilância, manutenção de equipamentos, dentre outros.

O desafio de modernizar, como Roberto gostava de falar para os estagiários recém-chegados, era distante de ser um processo simplificado, pois abrangia inúmeras mudanças. Dentre elas, se incluíam cultura e estrutura organizacional, governança e gestão, regulamentações, controle, mercado de fornecedores, dentre outros. Apesar dos avanços ocorridos nos últimos anos, ainda havia muitos percalços administrativos. Roberto, sempre otimista, acreditava que essa situação mudaria, se o setor adotasse princípios de governança, como aprendera no curso de mestrado. Isto é, ações que envolvessem mecanismos de liderança, estratégia e controle, no intuito de conciliar os interesses de quem delega e quem executa. No setor público, isso envolve atender aos anseios da população, que requer bens e serviços de qualidade, em consonância com preceitos éticos, de integridade e transparência.
Roberto, mais experiente e com formação em andamento no mestrado, se animava sempre que contava com a participação dos estudantes nas reuniões. Daí, levava adiante a discussão para apresentar conceitos que julgava importantes e complementares à governança. Gestão de riscos era um deles.
– Chefe, se tem uma coisa que nós temos aqui é risco. Eu acho que, se conseguirmos melhorar essa parte de governança aqui, vamos avançar muito e melhorar a ULB – Severino comentou em uma das reuniões que Roberto fazia semanalmente com toda a equipe.
– Verdade, concordo com ele – complementou Paulo. Eu me sinto extremamente vigiado no meu trabalho. É como se, ao entrar aqui, eu estivesse dentro do Big Brother, a diferença é que aqui não tem câmeras para tudo que é lado, mesmo assim, eu desconfio até da minha sombra! Outro dia analisei um processo simples, de compra de giz aqui da ULB. Na manhã seguinte, tinha uma notícia daquele blog sensacionalista dizendo que tínhamos comprado com sobrepreço e que os responsáveis deveriam ser punidos.
– Fico muito contente de vocês terem essa percepção – continuou Roberto com a discussão. Eu quero apresentar hoje, nessa reunião, a chamada gestão de riscos.
– Opa! Já estou interessado, afinal, hoje, também tenho uma prova lá na faculdade e quero avaliar o risco de não ir fazer – brincou Paulo.
– Brincadeiras à parte, Paulo, esse é um ramo da governança que busca administrar eventos internos e externos que podem comprometer o alcance dos objetivos de uma organização. Ou seja, sem isso, pode haver uma propensão maior a desvios, fraudes e desperdícios na prática político-administrativa. Claro que isso depende de ações interligadas, a começar da administração e que depois se propaga para os demais níveis da estrutura organizacional. No fim, o que se espera é um trabalho contínuo e integrado, para mitigação da probabilidade e impacto da ocorrência de riscos e, então, se alcancem os objetivos propostos.
– Muito bom, chefe! – comentou Severino. Eu acredito que aqui no SLP nós já temos um entendimento que é preciso melhorar nossa governança. Acho que a hora da mudança chegou. Mas, eu fico me perguntando como usar, na prática, esses conceitos todos, incluindo essa questão da gestão de riscos. Quais são os caminhos, sabe? Por onde começar ou qual o primeiro passo? E, será que é a única forma de melhorar o que fazemos aqui no setor?
- Veja, Severino, começando pelo fim, eu entendo que há diversos caminhos possíveis. Nesse momento, nós vamos focar na governança e gestão de riscos, mas, deixo aberto aqui para que vocês também possam explorar e trazer outros conceitos de gestão. Agora, um bom começo para pensarmos na governança e gestão de riscos é explorar ainda mais esses assuntos, nos fazendo questionamentos para gerarmos ideias e pensar que caminhos podemos tomar. Por exemplo: o que envolve a gestão de processos e compras públicas? Quais os conceitos centrais de governança e gestão de riscos que precisamos considerar, aqui no SLP? Como vamos implantar eles aqui? Não é uma tarefa fácil, vocês já devem ter percebido. Essas e outras decisões precisam que nós reflitamos e estejamos preparados para os seus desdobramentos. Mas, para mim, está mais claro que chegou a hora de avançarmos sobre isso. O desafio é grande, saibam que estamos, de algum modo, mexendo em um vespeiro. Os outros setores, em algum momento, vão chiar e não sei até que ponto teremos validação institucional. Vocês sabem, engenheiro de obra pronta por aqui tem muitos, mas quem realmente dá suporte no caminho, aí já é outra história – complementou Roberto. Bom, mas chega de papo e vamos à prática. Que tal começarmos um brainstorming? Quem começa?
NOTAS DE ENSINO
OBJETIVOS EDUCACIONAIS E ABORDAGEM DE ENSINO
O caso aborda como temáticas principais a gestão de processos e estruturas organizacionais, com foco em licitações, governança e gestão de riscos (GR). Recomenda-se sua aplicação, em nível de graduação, do quarto semestre em diante, ou pós-graduação lato sensu, nas disciplinas de Gestão de Licitações e Contratos e Governança Pública. É necessário que o discente tenha conhecimento e formação em disciplinas de Fundamentos de Administração e Gestão Pública, Organização, Sistemas e Métodos e Gestão de Pessoas no Setor Público. Tem como objetivo desenvolver competências voltadas à interpretação dos conceitos gerais de burocracia, compras públicas, governança pública e gestão de riscos no setor público.
O professor deve aplicar o caso após apresentar os conceitos centrais sobre processo de licitação e suas modalidades, governança e gestão de riscos, em aula prévia, ou como preparação para aula subsequente sobre os temas. Os discentes devem efetuar a leitura prévia, individualmente, antes da aula. A entrega do caso deve ocorrer, preferencialmente, dois dias antes do encontro. No dia de aplicação do caso, recomenda-se uma sessão de brainstorming com a turma, em três etapas, considerando uma aula de uma hora e quarenta minutos de duração: 1) divisão em pequenos grupos (até quatro estudantes por grupo) para decisões individuais se transformarem em coletivas (30 minutos); 2) compartilhamento das ideias dos grupos com a turma e (30 minutos); 3) debate para decisão coletiva da turma para o dilema proposto com base nas etapas anteriores (30 minutos). Os dez minutos restantes servem para estabelecer direcionamentos e conclusões sobre a atividade. O pequeno grupo utiliza papel A4 para registrar suas ideias individuais na etapa 1. Já na etapa 2, os grupos compartilham a ideia no quadro, utilizando metade dele. A outra metade do quadro serve para o professor registrar as decisões coletivas oriundas da etapa 2.
Os recursos necessários para aplicação são a impressão apenas da narrativa do caso para entrega aos alunos; lousa e lápis adequado para que os alunos registrem os principais pontos do grupo. Os discentes podem ser avaliados pela preparação individual, manifestada pela demonstração de conhecimento de detalhes do caso, preparação do grupo, qualidade da discussão coletiva, bem como um relatório individual de cada grupo no final da aula com as soluções para as questões. Podem-se registrar elementos como: convergências, divergências, termos técnicos empregados, teorias mencionadas, dentre outros. Cabe ao professor ou um assistente (e.g. – estagiário docente) registrar os principais aspectos discutidos para posterior vinculação com teorias subjacentes.
QUESTÕES PARA DISCUSSÃO
1. A quais prerrogativas burocrático-legais o SLP deve atender para realizar o trabalho do setor e que estão envolvidas no processo de compras públicas? Em que o pregão se diferencia das demais modalidades de licitação?
2. Como a gestão de processos pode contribuir para melhoria do processo de compras no SLP da ULB? De que modo ela pode contribuir para diminuir o nível de formalização do setor?
3. Como o SLP, responsável pela gestão de compras públicas, pode ser entendido de forma estratégica na ULB? Quais são as implicações estruturais desse entendimento?
4. De que modo a governança contribui para o processo de compras públicas da ULB? Quais os princípios norteadores e como eles se relacionam para melhoria da organização?
5. Quais impactos positivos a Gestão de Riscos pode agregar aos processos de compras públicas e à organização? Como os instrumentos do Manual da Gestão de Integridade, Riscos e Controle Interno do MPDG podem ser aplicados na ULB?
ANÁLISE DO CASO E CONEXÃO COM A LITERATURA
A base de conhecimento sobre OSM contribui para a chamada gestão de processos, levando em consideração a organização como um todo ou setor de análise dentro dela. Logo, o debate deste caso deve ser iniciado com o entendimento mais amplo sobre esse tópico. Dentro dessa perspectiva, se insere o processo de compras públicas, com suas particularidades e desafios. Mesmo que os processos de compras componham a atividade meio das organizações públicas, também se caracterizam como um ato finalístico, em face das funções e do valor estratégico. Logo, é necessária uma política contínua de aprimoramento da gestão das compras, especialmente em face da constante modernização das normas aplicáveis, assim como das ferramentas e metodologias que necessitam ser inseridas nesse contexto, tal qual a governança e a gestão de riscos, que têm a premissa de atenuar a probabilidade e as oportunidades de eventos contrários ao alcance dos objetivos dos respectivos procedimentos. Essa inter-relação entre gestão de processos, compras públicas, governança e gestão de riscos é retratada nos dilemas vividos pelos personagens deste caso.
1. A quais prerrogativas burocrático-legais o SLP deve atender para realizar o trabalho do setor e que estão envolvidas no processo de compras públicas? Em que o pregão se diferencia das demais modalidades de licitação?
As contratações oriundas dos processos formais de compras públicas de bens e serviços estão inseridas na gestão pública em virtude da obrigatoriedade constitucional, estabelecida pelo art. 37, XXI da Constituição Federal, da Administração Pública contratar, por meio de processos licitatórios que garantam, dentre outros princípios, a igualdade de condições de concorrência, moralidade e eficiência (BRASIL, 1988). A licitação é o procedimento administrativo preliminar pelo qual, seguindo diversos critérios pré-estabelecidos, a administração pública seleciona, dentre várias propostas referentes à aquisição de bens e serviços, a que melhor atende ao interesse público, a fim de celebrar contrato com o responsável pela proposta mais vantajosa.
No ordenamento jurídico do Brasil, a regulamentação geral das licitações públicas ocorre por intermédio da Lei Federal n. 8.666, de 21 de junho de 1993 e da Lei Federal n. 14.133, de 1º de abril de 2021. De princípio, a lei 8.666 criou algumas modalidades de licitação, tais quais a concorrência, tomada de preços, convite, leilão e concurso. Entretanto, a modalidade com maior utilização na contemporaneidade, qual seja o pregão, foi criada pela Medida Provisória n. 2.026, de 4 de maio de 2000, que posteriormente foi convertida na Lei n. 10.520, de 31 de maio de 2002, aumentando sua abrangência para todos os entes e esferas da federação.
O pregão, que pode ser realizado na forma presencial ou eletrônica, é uma modalidade destinada à aquisição de bens e serviços comuns que, independentemente do valor, podem ter os seus padrões de desempenho e qualidade objetivamente definidos em edital, por meio de especificações usuais de mercado (MAZZA, 2014). Pode-se utilizar dessa modalidade em processos licitatórios dos mais amplos objetos, desde a aquisição de material de expediente, até a compra de aeronaves, contratações de serviços de tecnologia da informação, assim como para a contratação de serviços contínuos com mão de obra exclusiva, conforme é o caso de serviço de limpeza e conservação, e de vigilância armada.
2. Como a gestão de processos pode contribuir para melhoria do processo de compras no SLP da ULB? De que modo ela pode contribuir para diminuir o nível de formalização do setor?
Os processos têm a finalidade de produzir produtos ou serviços, considerando elementos de entrada e saída. Ou seja, compreendem um conjunto de operações ordenadas de forma lógica e cronológica (CRUZ, 2015), sendo compostos por uma série de atividades divididas em tarefas e operações (CARREIRA, 2009). No setor público, podem ser entendidos a partir de um conjunto de decisões que geram valor para o cidadão (BRASIL, 2009). Da forma como definidos, os processos fazem parte da temática de organização, sistemas e métodos, que representam ações conjuntas do processo administrativo de planejar e organizar, no intuito de pensar o desenho estrutural, determinar planos, bem como definir procedimentos, rotinas e métodos (ROCHA, 1998).
Trata-se do entendimento sobre uma organização, por meio da análise de atividades e criação de procedimentos que possibilitem a atuação de forma sistêmica (CRUZ, 2002). Ou seja, trabalha-se com a ideia da junção das partes integrantes para alcance dos objetivos de forma simplificada, com o auxílio de sistemas de informação e por meio de métodos administrativos (OLIVEIRA, 2013). O intuito destes últimos é obter economia de esforço, tempo e movimento com a simplificação do trabalho, buscando aumento da produtividade, diminuição de despesas e melhor desempenho (OLIVEIRA, 2013).
Em particular, este caso tem foco no processo de compras públicas. É reconhecido no Brasil o papel-chave desempenhado pelas atividades dessa natureza. Santos (2004, p. 150) destaca que a gestão de compras representa uma área de atuação fundamental para quaisquer governos, de modo que, a partir de ferramentas de governança e de tecnologia da informação e comunicação (TIC), tem sido criado “o maior ferramental de estrutura burocrática para o controle e a prevenção de possíveis desvios e, por isso, nela se encontra um dos principais espaços nos quais o governo pode ser reinventado”. O reconhecimento das particularidades da Administração Pública contribui para a diferenciação dos procedimentos necessários em comparação com o setor privado.
Logo, para que tal iniciativa alcance sucesso, é extremamente necessário que haja uma estratégia bem definida, uma reengenharia do processo de compras e um gerenciamento das expectativas associadas às tecnologias (RAJKUMAR & SWAROOP, 2008), considerando também a imprescindível adaptação dos atos aos regulamentos existentes, que são inúmeros, e às políticas públicas, dentro de uma perspectiva de inovações. Apesar dos inúmeros avanços que têm ocorrido ao longo dos últimos anos, o setor de compras públicas se depara com muitos percalços que dificultam a sua profissionalização e execução de maneira estrategicamente fomentada, o que, na prática, realça a carência de ajustes efetivos em termos de gestão e governança.
3. Como o SLP da ULB pode ser entendido de forma estratégica na ULB, considerando o ciclo de compras públicas? Quais são as implicações estruturais desse entendimento?
As compras públicas caracterizam um dos temas com maior sensibilidade e impacto na administração pública, dado que o seu valor contributivo, através dos processos de concorrência e do acesso ao mercado público, influencia toda a organização, assim como os ciclos socioeconômicos, tendo em vista o poder de alcance contratual pelo setor público. Os procedimentos formais relativos às compras realizadas pela administração pública têm um papel estratégico, no sentido de fomentar o alcance dos objetivos planejados pelos gestores governamentais, uma vez que elas interferem, de maneira direta, no atendimento às demandas dos usuários deste setor, com o fornecimento de produtos de qualidade, bem como de serviços indispensáveis para a sociedade (NASCIMENTO et al., 2011).
O ciclo de compras públicas (Figura 3) tem início com o dimensionamento da demanda, perpassando por um caminho de aglomeração de atos administrativos oriundos de diversos setores estratégicos, a exemplo de especificação e padronização, coleta de preços praticados no mercado para embasar o custo estimado, a execução do procedimento licitatório, até a conclusão com a avaliação dos contratos junto aos fornecedores. Nesse diapasão, incorporam-se questões jurídicas, fiscais, de gestão, logística, controle e política de incentivos (FERRER & SANTANA, 2015).
Para que exista um gerenciamento eficaz dos recursos públicos, é necessário que gestores e o corpo administrativo sejam treinados para constituírem um quadro de incentivo à redução de fraudes, de promoção à eficiência e de atendimento dos atos normativos (BEUREN & MACÊDO, 2014). Afinal, enquanto ferramenta estratégica, cuja finalidade é adquirir bens e serviços públicos, as atividades inerentes a esse processo estão vulneráveis a esse tipo de ocorrências difusas que podem comprometer o alcance dos objetivos. Logo, para uma boa gestão dos processos de compras públicas, que busque a mitigação dos riscos que permeiam as atividades correlatas, são necessárias ações que englobam transparência, competitividade, critérios objetivos para tomada de decisão, bem como ferramentas que previnam a má aplicação de recursos e salvaguardar a integridade pública (OCDE, 2011).
4. De que modo a governança pode contribuir para o processo de compras públicas da ULB? Quais os princípios norteadores e como eles se relacionam para melhoria da organização?
A governança, que pode ser considerada como um conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle, cujo intuito é fazer com que os interesses de quem delega e quem executa possam convergir, visando à supremacia do interesse público. Na esfera pública, o cidadão demanda as suas necessidades aos agentes políticos e burocratas, que precisam direcionar, supervisionar e estimular os atores governamentais, para que os anseios da população sejam atendidos com o melhor custo-benefício e em atenção aos regramentos aplicáveis a cada caso, sem olvidar dos valores agregados como a ética, moralidade, integridade e transparência (SILVESTRE, 2019).
Kissler e Heidemann (2006) afirmam que o setor público exerce um papel fundamental para a sociedade, e a efetiva governança nesse setor pode contribuir para o uso eficaz dos recursos, a exigência de responsabilidade em prestar contas para o administrador dos recursos, o aperfeiçoamento na administração e entrega dos serviços, contribuindo, assim, para oferecer uma melhora sensível na vida das pessoas, mediante a resolução satisfatória dos problemas públicos. Historicamente, o controle vem funcionando como um indispensável instrumento para assegurar o crescimento da transparência nas ações tomadas pelos gestores.
A conceituação de governança pública é originária do termo governança corporativa. Carvalho (2002) apresenta os princípios de governança corporativa como um conjunto de valores e regras que orientam a gestão para que possam atender aos interesses dos stakeholders envolvidos. O tema da governança corporativa tomou conta dos agentes de governo, que partiram dos seus princípios para se adaptarem às necessidades do setor público, devido à pressão pela melhoria dos serviços prestados. Martinez et al. (2009) relatam que esse processo emergiu devido à incitação por ações que cumprissem os objetivos sociais, apresentando maior competência de gestão e liderança, assim como uma maior intermediação política entre as demandas dos cidadãos e o bem público final.
Os princípios basilares norteadores da governança são: transparência (disclosure), equidade (fairness), accountability e compliance. Atualmente, o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Advocacia Geral da União (AGU) convergem que a governança pública engloba três mecanismos: liderança, estratégia e controle. A cada um deles foi associado um conjunto de componentes que contribuem direta ou indiretamente, para o alcance dos objetivos. São eles: (a) pessoas e competências; (b) princípios e comportamentos; (c) liderança organizacional; (d) sistema de governança; (e) relacionamento com partes interessadas; (f) estratégia organizacional; (g) alinhamento transorganizacional; (h) gestão de riscos e controle interno; (i) auditoria interna; e (j) accountability e transparência. Dessa forma, fica evidente a importância da boa governança pública nos procedimentos técnico-burocráticos, uma vez que compreende essencialmente a utilização de mecanismos de liderança, estratégia, controle de avaliação e monitoramento da gestão processual, visando à otimização da condução de políticas públicas e à boa prestação de serviços de interesse da sociedade (TCU, 2014).
Considerando que as atividades executivas e operacionais relacionadas aos procedimentos de compras públicas envolvem, corriqueiramente, tomadas de decisões complexas e sujeitas à apreciação dos órgãos de controle interno e externo, é imprescindível a existência de uma estrutura de governança. Ou seja, capaz de fomentar a cultura da integridade e proporcionar a segurança processual, sob o viés da regularidade, da efetividade, da transparência e da inovação, afastando atuações oportunistas. Nesse sentido, na observância da premissa que os processos formais de licitação necessitam dotar da comprovação do atendimento às normas ora aplicáveis e estarem alinhados com as boas práticas de compras públicas, a regulamentação da governança promove melhores condições para o desempenho e a responsabilização dos stakeholdersdos diferentes níveis de gestão envolvidos, notadamente quando se visualiza o paradigma relacionado ao engessamento e burocracia versus a desburocratização e inovação, na busca da otimização dos resultados.
5. Quais impactos positivos a Gestão de Riscos pode agregar aos processos de compras públicas e à organização? Como os instrumentos do Manual da Gestão de Integridade, Riscos e Controle Interno do MPDG podem ser aplicados na ULB?
Para o alcance dos objetivos das organizações, não se pode negligenciar os riscos inerentes às atividades que regem os seus processos e a estrutura de governança e, de modo mais específico, às tomadas de decisões complexas, que fazem parte da rotina dos agentes que detêm tais competências. A gestão de riscos, então, compreende um conjunto de atividades, trabalhadas continuamente, visando a identificar, analisar, avaliar, tratar e monitorar riscos. Lima et al. (2020) explicam que a compreensão da gestão de riscos necessita abarcar a partir da noção do que é risco, que, por sua vez, surge das incertezas integrantes de cenários de imprevisibilidade, como alterações de regulamentos, crises econômicas, fenômenos da natureza, os quais possam resultar em circunstâncias negativas aos atos e procedimentos praticados, que podem ser originários de contextos locais, mas também globais.
A Gestão de Riscos (GR) compõe a governança com foco na liderança em seus diversos níveis, contribuindo para a melhoria sistêmica da gestão pública. O reconhecimento dos riscos e das oportunidades é um fator do processo decisório da gestão no setor público. Os arranjos institucionais que estão atrelados aos agentes jurídicos envolvidos, assim como as atuais condições políticas, sociais e de mercado, sem deixar de lado o nível de profissionalismo dos gestores que compõem os quadros que se integram, são outros aspectos essenciais para serem levados em consideração, quando se analisam os riscos (IPEA, 2018).
O Manual da Gestão de Integridade, Riscos e Controle Interno (GIRC) do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MPDG) contempla que, no ambiente de trabalho, muitas vezes, as organizações se deparam com fatores internos e externos que tornam incerto o êxito do atingimento dos objetivos do projeto ou da atividade que se encontra em desenvolvimento. Independentemente da área em que se atua, os riscos podem afetar o andamento da ação, levando-a a uma direção completamente diferente daquela inicialmente planejada. São instrumentos desse modelo, a política de gestão de integridade, as instâncias de supervisão e a metodologia de gerenciamento de integridade (MPDG, 2017).
No tocante à gestão pública, a atuação de forma estratégica, que vise a amenizar ou liquidar a ocorrência de eventos danosos, se torna ainda mais importante, devido à premissa de que os atores estatais somente podem agir em plena conformidade com as normas que disciplinam as vertentes da Administração Pública, além de que o controle externo, de certo modo, é incipiente quanto à flexibilização burocrática. O manual de GIRC (MPDG, 2017, p. 5) argumenta que as responsabilidades do governo em relação ao bem público exigem a adoção de práticas e estratégias eficazes de gestão. Nesse contexto, “a gestão de integridade, riscos e controles internos da gestão torna-se uma importante ferramenta para ajudar na tomada de decisões baseadas em metodologias e normas que geram, dentre outros benefícios, a redução ou a eliminação de retrabalhos”.
Gerenciar os riscos nas aquisições de bens e serviços públicos envolve a dinâmica de identificar, entender, avaliar e tratar os eventos que possam ter a consequência de impactar negativamente os objetivos do procedimento. Referente ao tratamento dos riscos, os modelos de referência científica e regulatória listam quatro atitudes: evitar, aceitar, transferir e mitigar. As atividades de controle interno têm o condão de reduzir o risco a níveis aceitáveis, através de capacitação, normatização, manuais, roteiros, segregação de funções, tecnologias, checklists, etc. (TCU, 2018). As principais referências existentes que visam a contribuir para a identificação, análise, avaliação e o tratamento de riscos são propostas como as COSO ERM, o ISO 31000:2018 e o Modelo das Três Linhas (The Institute of Internal Auditors – The IIA, 2020). No cenário brasileiro, têm-se o Manual de Gestão de Integridade, Riscos e Controle Interno (GIRC) do Ministério de Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, a Instrução Normativa Conjunta n. 01/2016 desse Ministério e da Controladoria Geral da União, e o Modelo de Avaliação da Maturidade Organizacional em Gestão de Riscos do TCU como medidas contributivas para a implementação da GR pelas agências públicas nacionais.
FONTES DE DADOS
Este caso se fundamenta em dados primários, obtidos por meio de observação. Eles são oriundos de situações reais, fiéis aos acontecimentos vivenciados por dois dos autores, ao longo de diversos anos de experiência nas suas funções. Além disso, também se utiliza de narrativa fictícia complementar, principalmente por meio dos diálogos, no intuito de realçar aspectos centrais da temática. Isso ocorre por meio da exposição dos conflitos entre o protagonista e os demais personagens. Os nomes das pessoas envolvidas, bem como das organizações às quais pertencem, foram modificados ou suprimidos para resguardar a privacidade de todos os envolvidos.
Referências
Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. (1988) Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico.
Brasil. Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT. (2009). Gestão de Riscos: Princípios e Diretrizes. Norma Brasileira ABNT NBR ISO 31000: Primeira Edição.
Beuren, I., & Macêdo, F. (2014). Artigos sobre gasto público publicados em periódicos internacionais. Revista Administração em Diálogo. PUC-SP. São Paulo.
Carreira, D. (2009). Organização, Sistemas e Métodos: ferramentas para racionalizar as rotinas de trabalho e a estrutura organizacional da empresa. São Paulo: Saraiva.
Carvalho. A. (2002, junho/setembro). Governança Corporativa no Brasil em Perspectiva. Revista de Administração. São Paulo: USP, 37(3).
Cruz, T. (2002). Sistemas, Organização & Métodos. São Paulo: Atlas.
Cruz, T. (2015). Manual para Gerenciamento de Processos de Negócio. Metodologia DOMP™. (documentação, organização e melhoria de processos). São Paulo: Atlas.
Ferrer, F & Santana, J. Compras Públicas Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.
IPEA. Instituto De Pesquisa Econômica Aplicada. (2018). Avaliação de políticas públicas: guia prático de análise ex ante. volume 1. Brasília: Ipea.
Kissler, L. & Heidemann, F. G. (2006). Governança pública: novo modelo regulatório para as relações entre Estado, mercado e sociedade? Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 40 (3).
Lima, F., Façanha, M., Luca, M., & Vasconcelos, A. (2020). Gerenciamento de riscos e gestão de controles internos em empresas brasileiras envolvidas em crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Revista Contemporânea De Contabilidade, 17(43), 34-50.
Mazza, A. (2014). Manual de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva.
MPDG. Ministério Do Planejamento, Desenvolvimento E Gestão. (2017). Manual de Gestão de Integridade, Riscos e Controles Internos da Gestão. Brasília: MPDG.
Nascimento, G., Gomes, E., Becalli, A., Souza, S., & Corcetti, E. (2011). A qualidade dos produtos adquiridos por pregão eletrônico e a sua relação com a sala de aula no Ccaufes. Anais do VIII Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia, Resende, RJ, Brasil.
OCDE. Organisation for Economic Co-operation and Development. (2011). Avaliações da OCDE Sobre Governança Pública: Avaliação da OCDE sobre o Sistema de Integridade da Administração Pública Federal Brasileira - Gerenciando riscos por uma administração pública mais íntegra.
Oliveira, D. (2013). Sistemas, Organização & Métodos. Uma abordagem gerencial. São Paulo: Atlas.
Rajkumar, A., & Swaroop, V. (2008). Public spending and outcomes: does governance matter? Journal of Development Economics, 86.
Rocha, L. (1998). Organização e Métodos. São Paulo: Atlas.
Silvestre, H.C. A (nova) governança pública. (2019). Repositório da Coleção Gestão Pública. Brasília: ENAP.
TCU. Tribunal De Contas Da União. (2014). Referencial para avaliação de governança em políticas públicas. Brasília: TCU.
TCU. Tribunal De Contas Da União. (2018). Manual de gestão de riscos do TCU. Brasília: TCU.