ARTIGO ORIGINAL
TOMADA DE DECISÃO DE ENFERMEIROS FRENTE A INCIDENTES RELACIONADOS À SEGURANÇA DO PACIENTE
NURSES’ DECISION-MAKING REGARDING INCIDENTS RELATED TO PATIENT SAFETY
RESOLUCIÓNDE ENFERMEROS DELANTE DE INCIDENTES RELACIONADOS A LA SEGURIDAD DEL PACIENTE
TOMADA DE DECISÃO DE ENFERMEIROS FRENTE A INCIDENTES RELACIONADOS À SEGURANÇA DO PACIENTE
Cogitare Enfermagem, vol. 21, núm. 3, 2016
Universidade Federal do Paraná
Recepção: 01 Março 2016
Aprovação: 26 Setembro 2016
Resumo: Objetivou-se analisar a tomada de decisão de enfermeiros diante de incidentes relacionados à segurança do paciente. Estudo documental desenvolvido em um hospital público de Fortaleza, Ceará, entre setembro e dezembro de 2014. Foram analisados registros em Livros de Ocorrência de Enfermagem. Verificou-se associação entre as variáveis: tipo de incidente, categoria profissional e grau de dano com as ações de melhoria implementadas após a ocorrência. Realizou-se análise univariada e bivariada, aplicando-se o teste qui-quadrado de Pearson. Constatou-se que, dos 196 registros encontrados, em apenas 34,2% estavam descritas as decisões tomadas pelos enfermeiros, sendo estas direcionadas, em sua maioria, à equipe e ao paciente. Encontrou-se associação estatística significante entre tipo de incidente e registro de ações de melhoria (p=0,000). Destacaramse as implementadas naqueles com dano leve (24,4%) em detrimento dos graves. Conclui-se que há subnotificação de incidentes e decisões tomadas para mitigá-los, indicando pouco reconhecimento de sua importância e prejuízo à segurança do paciente.
Palavras-chave: Enfermagem, Segurança do paciente, Dano ao paciente, Registros de enfermagem, Tomada de decisões.
Abstract: This study aimed to analyze nurses’ decision-making regarding incidents related to patient safety. A documentary study was undertaken in a public hospital in Fortaleza, Ceará, between September and December 2014, analyzing records made in the Ward Notes (Livros de Ocorrência de Enfermagem). An association was ascertained between the variables of type of incident, professional category and degree of harm with the ameliorating actions implemented after the occurrence. Univariate and bivariate analysis was undertaken, applying the Pearson chi-squared test. It was observed that, of the 196 records found, only in 34.2% were the decisions made by the nurses described – the majority of these being directed towards the team and the patient. A significant statistical association was found between type of incident and documenting of ameliorating actions (p=0.000), emphasis being placed on those implemented in cases in which there was mild harm (24.4%) rather than serious harm. It is concluded that there is underreporting of incidents and decisions taken for mitigating them, indicating little recognition of either their importance or the harm to patient safety.
Keywords: Nursing, Patient safety, Patient harm, Nursing records, Decision Making.
Resumen: El objetivo del estudio fue analizar las resoluciones de enfermeros delante de incidentes relacionados a la seguridad del paciente. Es un estudio documental desarrollado en un hospital público de Fortaleza, Ceará, entre septiembre y diciembre de 2014. Fueron analizados registros en Libros de Ocurrencia de Enfermería. Se constató asociación entre las variables: tipo de incidente, categoría profesional y grado de daño con las acciones de mejoría implementadas después de la ocurrencia. Fue realizado análisis univariado e bivariado, aplicándose el test chi-cuadrado de Pearson. Se concluyó que, de los 196 registros encontrados, en solamente 34,2% las resoluciones de los enfermeros estaban escritas, siendo estas direccionadas, en su mayoría, al equipo y al paciente. Hubo asociación estadística significante entre tipo de incidente y registro de acciones de mejoría (p=0,000). Se destacaron las implementadas en aquellos con daño leve (24,4%) en detrimento de los graves. Se concluye que hay subnotificación de incidentes y resoluciones para mitigarlos, apuntando poco reconocimiento de su importancia y perjuicio a la seguridad del paciente.
Palabras clave: Enfermería, Seguridad del paciente, Daño al paciente, Registros de enfermería, Resoluciones.
INTRODUÇÃO
A segurança do paciente é temática de interesse mundial e de significativa importância para a saúde pública(1), considerando os inúmeros problemas divulgados sobre a precariedade dos serviços, a qualificação inadequada da mão de obra, a existência de uma cultura punitiva e a ineficácia dos processos de gestão. Esses problemas podem contribuir para ocorrência de erros, incidentes e eventos adversos.
Nessa perspectiva, a discussão sobre erros na assistência em saúde tem sido reforçada como fundamental nas rotinas hospitalares e na efetivação da cultura de segurança nesse cenário. Para tanto, deve-se implementar um processo de vigilância contínua para que estes sejam investigados e esforços sejam direcionados à incorporação de práticas baseadas em evidências na prática clínica(1).
Com o intuito de facilitar a análise de eventos relacionados à segurança do paciente em serviços de saúde, a Organização Mundial da Saúde (OMS) desenvolveu a International Classification for Patient Safety (ICPS) através da estruturação de um quadro conceitual constituído por dez classes e 48 conceitoschave. Essa estrutura conceitual foi projetada como uma convergência de percepções internacionais das principais questões relacionadas com a segurança do paciente e facilitar a descrição, comparação, avaliação, monitoramento, análise e interpretação de informações para melhorar o atendimento ao paciente(2).
As dez classes da ICPS fornecem uma compreensão global do domínio segurança, sendo elas: tipo de incidente, desfecho do paciente, características do paciente, características do incidente, fatores contribuintes/riscos, desfecho na instituição, detecção, fatores de mitigação, ações tomadas para diminuição do risco e ações de melhoria. Destaca-se que as ações de melhoria são empreendidas para reduzir o risco, representando a aprendizagem coletiva a partir da informação classificada nas dez classes, necessárias para resultar numa redução do risco, melhoria do sistema e no cuidado ao doente(2).
Mediante o exposto, este estudo tem como enfoque a tomada de decisão de enfermeiros diante dos eventos registrados em livros de ocorrência que se configuraram incidentes, ou seja, eventos ou circunstâncias que poderiam resultar ou resultaram em dano desnecessário ao paciente(2).
Ressalta-se o papel do enfermeiro no desempenho das competências gerenciais de liderança e tomada de decisão relacionadas à equipe e aos pacientes(3-4). Assim, um serviço de saúde seguro exige deste profissional a capacidade de identificar as possíveis falhas nos processos assistenciais, a proposição de soluções e a tomada de decisões que visem a um cuidado seguro.
A tomada de decisão pode ser definida como a escolha entre duas ou mais alternativas que possibilitem atingir um determinado resultado, sendo a liderança do enfermeiro ressaltada como inerente ao trabalho, já que ele é quem faz a coordenação da equipe de enfermagem e a intermediação entre os diferentes profissionais da equipe de saúde(5).
O papel deste profissional vincula-se às relações interpessoais e institucionais, possibilitando perceber o impacto de suas intervenções e qualidade dos seus cuidados, sendo o processo de tomada de decisão fator crucial à escolha de estratégias que garantem o aumento progressivo da satisfação do paciente(6-7).
Ademais, para o alcance da efetividade da qualidade da assistência, a Enfermagem deve valorizar a sua responsabilidade quanto às anotações e aos registros dos cuidados prestados, considerando que esses são imprescindíveis para a comunicação eficiente entre os membros da equipe sobre as intercorrências decorrentes do processo assistencial(3).
Objetivou-se, portanto, analisar a tomada de decisão de enfermeiros diante de incidentes relacionados à segurança do paciente.
MÉTODO
Estudo descritivo, documental, com abordagem quantitativa, realizado em unidade de internação pós-cirúrgica de hospital público de ensino, em Fortaleza, Ceará. Esta unidade não dispunha de um sistema de notificação exclusivo de eventos adversos no período em que se desenvolveu a pesquisa, nem de instrumentos padronizados para o registro do processo de tomada de decisão dos enfermeiros. Portanto, optou-se por analisar os relatórios de troca de turnos (Livros de Ocorrências de Enfermagem), considerado o único instrumento para registro das ações relacionadas à assistência naquela instituição.
A coleta dos dados ocorreu entre setembro e dezembro de 2014. Foram analisados 12 livros de ocorrências, referentes ao ano de 2013 (janeiro a dezembro). Ao todo, foram encontrados 196 incidentes relacionados à segurança do paciente.
Para a coleta de dados, utilizou-se um instrumento do tipo checklist elaborado pelas pesquisadoras e composto por informações relacionadas ao incidente registrado (tipo; categoria do(s) profissional(is) envolvido(s); tomadas de decisões; relato da ocorrência e descrição da conduta do notificador). Em seguida, os incidentes foram categorizados de acordo com a estrutura conceitual da ICPS, envolvendo os conceitos chave e as seguintes classes: tipos de incidentes, desfecho do paciente (grau de dano) e ações de melhoria. Estas constituem medidas tomadas (decisões) ou circunstâncias que são alteradas para melhorar ou compensar qualquer dano após a ocorrência.
Para entrada dos dados, utilizou-se o software Excel, com dupla digitação para validação do banco. Inicialmente, a análise se deu de forma univariada, onde foram calculadas as frequências relativas a partir das absolutas e medidas de tendência central. Posteriormente, estes foram submetidos à análise estatística bivariada, através do software livre Epiinfo7, sendo utilizado o teste de qui-quadrado de Pearson, onde foram consideradas estatisticamente significantes aquelas variáveis que se associaram ao desfecho com p valor ≤ 0,05.
Foram preservados os princípios éticos e legais da pesquisa envolvendo seres humanos. Este estudo faz parte do projeto intitulado “Segurança no gerenciamento do cuidado de Enfermagem: enfoque nos tipos de erros relacionados à assistência à saúde”, financiado pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP) e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará, sob Parecer nº 181.754/2012.
RESULTADOS
A análise dos livros de ocorrência do ano de 2013, na unidade de internação cirúrgica investigada, permitiu identificar 196 registros de eventos relacionados à segurança do paciente. Na Tabela 1, pode-se identificar o total de eventos segundo cada tipo conforme a Classificação Internacional para a Segurança do Paciente. Cabe ressaltar que 18 registros envolveram mais de um tipo, pois tinham diferentes características e fatores relacionados.
Verifica-se um predomínio de incidentes dos tipos: processo clínico/procedimentos, gerenciamento de recursos/organizacional, comportamento e documentação. No primeiro, destacam-se os cuidados diretos ao paciente, quando estes são inadequados ou omissos; no segundo, incluem-se aqueles que abrangem o gerenciamento e compreendem o dimensionamento de pessoal inadequado, o absenteísmo, a sobrecarga de trabalho e a indisponibilidade de leitos na instituição. No que diz respeito ao comportamento, destacam-se os eventos provocados por atitudes inadequadas, hostis, não cooperativas e relacionadas ao uso de substâncias por profissionais, acompanhantes ou pacientes. Finalmente, na documentação, incluem-se falhas nas requisições ou resultados de exames não disponíveis ou com informações incompletas, além de prescrições e prontuários para pacientes errados, ilegíveis ou ausentes.
Analisando detalhadamente as características dos eventos registrados, constatou-se que em 34,2% (n=67) haviam registros de decisões tomadas por enfermeiros para resolução ou mitigação do dano. Tais decisões foram tratadas como ações de melhoria, conforme se vê na Tabela 2.
Constata-se que 61,2% (n=41) das ações foram direcionadas à equipe, incluindo a comunicação entre os membros da equipe sobre problemas relacionados à prescrição, intercorrências no quadro clínico dos pacientes, dentre outras decisões características de ações de melhoria. Em seguida, foram destaque ações de melhoria dirigidas ao paciente, como reagendamento de exames/procedimentos/ cirurgias, além de implementação de cuidados diretos (ex: administração de medicamentos), para tratar intercorrências clínicas.
f = frequência.
*poderia haver mais de um tipo de incidente em cada evento registrado.
f = frequência.
Na Tabela 3 apresenta-se a correlação entre o registro de ações de melhoria e o tipo de incidente.
Evidenciou-se associação estatística significante entre registros de ações de melhoria implementadas e tipo de incidente. Assim, constatou-se que a maioria das ações de melhoria registradas foram destinadas aos incidentes do tipo: Processo Clínico e Documentação. Além disso, a ausência de ações de melhoria sobressaiu-se nos incidentes relacionados ao gerenciamento de recursos/organizacional, ao comportamento e às falhas nos equipamentos médicos.
Também foi analisada a categoria dos profissionais envolvidos nos incidentes registrados. A Tabela 4 apresenta a associação entre a categoria profissional envolvida no incidente e a existência de ações de melhoria registradas.
Constatou-se que houve maior registro de ações de melhoria nos incidentes que estiveram envolvidos a equipe médica e outros profissionais, tais como nutricionistas, farmacêuticos, técnicos de laboratório, técnicos em radiologia e trabalhadores dos serviços gerais. Desse modo, pode-se inferir que o dano envolvido em tais incidentes pode ter sido atenuado pelas condutas dos enfermeiros. Já nos eventos relacionados à participação da equipe de enfermagem, encontraram-se poucos registros sobre as ações de melhoria implementadas por enfermeiros.
f = frequência.
*poderia haver mais de um tipo de incidente em cada evento registrado.
f = frequência.
a. Nutrição, Farmácia, Laboratório, Radiologia e/ou Serviços Gerais.
b. No caso de incidentes relacionados ao sistema.
c. Poderia haver mais de uma categoria envolvida em um mesmo incidente.
Salienta-se que, quando os incidentes envolviam falhas institucionais ou do sistema, o registro de ações de melhoria foi ausente em sua maioria 75,5% (n= 37).
A Tabela 5 apresenta a associação entre as ações de melhoria registradas e o grau de dano envolvido em cada incidente.
Constatou-se que as ações de melhoria direcionadas aos incidentes com dano leve destacaram-se dentre os demais, apesar de não configurar associação estatística significante. Vale ressaltar que, em todos os eventos que levaram a óbito, não foram encontrados registros de ações de melhorias.
f = frequência.
DISCUSSÃO
Analisando os livros de ocorrência de enfermagem, chamou atenção, inicialmente, a baixa ocorrência de registros sobre incidentes envolvendo a assistência ao paciente. Por outro lado, estudos sobre a ocorrência de eventos adversos no Brasil constataram que, além de mais frequentes, tais eventos são, em sua maioria, evitáveis, gerando danos importantes para pacientes, equipes e organizações(8-10).
É notória, neste estudo, a contribuição de eventos relacionados às falhas assistenciais, sendo justificada pela maior frequência de incidentes envolvendo o processo clínico/procedimentos. Ademais, poderia haver, ainda, influência do gerenciamento de recursos organizacionais em grande parte dos eventos (Tabela 1).
Em outros estudos, houve igual predomínio de incidentes e eventos adversos relacionados ao processo clínico, com ênfase em procedimentos cirúrgicos e anestésicos, problemas dermatológicos, erros de tratamento e diagnóstico, tendo estas ocorrências relação com a carga de trabalho e a gravidade do paciente(8-9).
Na análise da Tabela 2, é preocupante notar que, para mais da metade dos incidentes registrados, não foram documentadas ações de melhorias por parte dos enfermeiros para a minimização dos danos aos pacientes. Autores corroboram este achado afirmando que poucos profissionais tomam atitudes perante os eventos adversos, apenas notificando à gerente de enfermagem ou ao médico do serviço, não expondo sua percepção na condução do incidente(11).
A ausência de percepção do profissional diante do dano pode ser justificada pela mecanização do cuidado. Os enfermeiros, geralmente, demonstram falta de liderança e de atitude no cuidado em saúde por estarem condicionados à execução automatizada da prática clínica, perdendo o julgamento crítico diante das ocorrências que atingem a integridade dos pacientes(12).
Isso aponta para a necessidade de incentivo à tomada de decisão destes profissionais voltada para a proposição e a implementação de ações de melhorias com o intuito de reduzir ou atenuar os efeitos dos danos gerados pelos incidentes. Estas ações necessitam, além de serem efetivadas, estarem registradas nos documentos institucionais, para favorecer a análise dos incidentes e a redução de danos deles decorrentes.
Ao considerar o atual contexto em relação aos eventos adversos e suas consequências, pode-se afirmar que é essencial uma liderança que estimule a adoção de medidas que minimizem a ocorrência destes. E, para que isto ocorra, os líderes devem garantir a construção de uma cultura de segurança(13).
O fato de haver maior número de ações de melhoria direcionadas à equipe (Tabela 2) indica a preocupação dos enfermeiros em estabelecer a comunicação entre os membros da equipe de saúde como barreira à ocorrência de eventos adversos. A comunicação efetiva entre a equipe multidisciplinar tem repercussão significativa na qualidade dos cuidados em saúde e na segurança do paciente(14-15).
Corroborando o achado, estudo realizado em Goiás evidenciou que as condutas adotadas para prevenção de eventos adversos foram direcionadas ao serviço (56,6%) e aos profissionais (43,3%) através da adequação de recursos humanos e materiais, melhoria da comunicação e do trabalho em equipe, redução da sobrecarga de trabalho, implementação de protocolos, orientações aos profissionais e pacientes, conscientização e supervisão das condições de saúde dos profissionais(16).
Portanto, a tomada de decisão dos enfermeiros deve propiciar ações e atitudes que compensem os danos ao paciente e evite os riscos inerentes ao processo de cuidar, sendo as medidas direcionadas ao âmbito organizacional necessárias ao aumento da resiliência do sistema no qual o paciente encontra- se inserido.
A maior preocupação dos enfermeiros em documentar incidentes relacionados ao processo clínico/ procedimentos (Tabela 3) pode ser explicada pelo fato de que as demais categorias de incidentes, em sua maior parte, são relacionadas à estrutura e aos processos organizacionais. Assim, decisões que abrangem tais aspectos são mais complexas e difíceis de serem tomadas por parte dos enfermeiros, pois dependem do envolvimento da gestão do serviço, além de investimento em recursos financeiros, humanos, tempo e treinamentos contínuos para os trabalhadores.
Ademais, evidenciou-se subnotificação dos registros de enfermagem em torno dos incidentes relacionados à segurança do paciente, os quais se limitaram ao esclarecimento de suas características básicas, do momento em que ocorreram e dos atores envolvidos, além das decisões tomadas a curto prazo (ações de melhorias) para minimizar o dano gerado por eles.
Estudo contemporâneo discutiu a inquietação dos enfermeiros em relação aos eventos adversos decorrentes de procedimentos no ambiente de trabalho, destacando a preocupação em se desenvolver práticas baseadas em evidências na sua área de atuação(12). No processo assistencial, o enfermeiro deve assumir o compromisso e a responsabilidade em executar suas etapas com segurança, orientando a equipe, aprimorando e atualizando seus conhecimentos(7).
A insuficiência de registros de ações de melhoria para evitar os incidentes provocados por falhas no gerenciamento de recursos, nos equipamentos médicos e por inadequação do comportamento dos profissionais é preocupante, pois as atribuições do enfermeiro não são restritas às ações assistenciais, mas incluem o treinamento e a capacitação de profissionais de enfermagem, gerenciamento de insumos e materiais e articulação organizacional(17). Além disso, a tomada de decisão do enfermeiro pode determinar o comportamento e atitudes, o estabelecimento de relações de cuidado e de interações com a equipe de saúde(18).
Analisando a Tabela 4, verifica-se que estiveram envolvidos nos incidentes registrados pelos enfermeiros, principalmente, profissionais de outras categorias, como Farmácia, Nutrição, Laboratório, Radiologia e Serviços Gerais. Este achado não implica em afirmar que estas são as áreas mais envolvidas nestes, pois é clara a subnotificação de circunstâncias envolvendo a insegurança dos pacientes, no geral. Aqui, importa compreender o fato dos enfermeiros priorizarem o registro de ocorrências abrangendo outras categorias em detrimento daqueles em que a equipe de enfermagem esteve envolvida.
Diante de incidentes decorrentes da assistência de enfermagem, estudos apontam que a conduta prevalente é o não registro dos próprios erros, seja por não reconhecerem que estão errando ou por medo da cultura punitiva e retaliações(19-20). Por outro lado, relatar o erro causado por outro profissional constitui-se uma prática desafiadora, visto que o profissional não diretamente envolvido na ocorrência do evento não detém a informação detalhada para descrição do incidente, além de existir uma relutância natural em gerar conflitos nas relações interpessoais entre os membros da equipe(21).
Finalmente, a análise da Tabela 5 permitiu identificar que, independentemente do grau de dano envolvido no incidente, não houve ações de melhoria implementadas. Também foi possível evidenciar que houve mais decisões registradas nos casos de incidentes com dano leve.
Por outro lado, estudos apontam que, diante das intercorrências clínicas, o enfermeiro e sua equipe como prestadores dos primeiros cuidados devem padronizar as condutas e rotinas na promoção da qualificação do serviço. Porém, é evidente que eles demonstram uma conduta efetiva de segurança apenas nos eventos mais graves, por não ser possível omitir esses casos do paciente e da família(3,22).
CONCLUSÕES
O estudo evidenciou subnotificação de decisões ou ações de melhoria implementadas por enfermeiros diante de incidentes que comprometem a segurança do paciente. Durante todo o período de um ano, em menos da metade 34,2% (n=67) do total de 196 incidentes havia registro de ações de melhorias instituídas pelos enfermeiros.
Foi notória a maior frequência de decisões tomadas/registradas nos casos de eventos envolvendo processo clínico e documentação. Outro dado importante diz respeito ao fato dos enfermeiros registrarem ações de melhoria nos casos envolvendo profissionais de outras categorias. Além disso, encontrou-se mais registros de tomada de decisão da Enfermagem em incidentes com dano leve 38,4% (n=48), o que difere dos outros estudos sobre o tema.
A falta de registros de condutas dos enfermeiros diante de incidentes vivenciados em seu processo de trabalho pode sugerir ausência de raciocínio crítico e dificuldade de expor sua percepção para posterior discussão e aperfeiçoamento da prática de enfermagem. Em contrapartida, deve-se ressaltar que as falhas no processo decisório do enfermeiro não dizem respeito apenas às atitudes e às competências deste profissional, pois deficiências nos processos organizacionais influenciam o modo de cuidar e de agir diante de situações críticas.
Conclui-se que é preciso investimentos por parte de gestores e enfermeiros em instituir a cultura de segurança na prática clínica, para que estejam empoderados a tomar decisões que se revertam em segurança tanto para pacientes quanto para a equipe interdisciplinar.
Como limitação do estudo, ressalta-se o fato de não ser possível concluir sobre a inexistência da tomada de decisão de enfermeiros diante dos incidentes, haja vista que se trata de estudo que utilizou livros de ocorrência como fonte dos dados.
Recomenda-se que, em estudos futuros, sejam elucidadas as ações de melhorias implementadas por enfermeiros diante de ocorrências envolvendo a segurança dos pacientes, o que pode ser feito por meio de pesquisas observacionais ou de avaliação. Sugere-se, ainda, que hospitais incluam, em seus programas de educação continuada, treinamentos sobre cultura de segurança e seus conceitos relacionados, incluindo os tipos de incidentes, o grau de dano envolvido e as ações de melhorias a serem implementadas, atreladas à aplicação de protocolos institucionais de segurança do paciente.
Agradecimentos
Aos integrantes do Grupo de Estudos sobre Gestão, Processos de Trabalho e Segurança do Paciente, da Universidade Estadual do Ceará.
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