Artigo Original
INFECÇÃO DE SÍTIO CIRÚRGICO PÓS-ALTA: OCORRÊNCIA E CARACTERIZAÇÃO DE EGRESSOS DE CIRURGIA GERAL
INFECCIÓN POST-ALTA DE SITIO QUIRÚRGICO: OCURRENCIA Y CARACTERIZACIÓN DE PACIENTES SALIENTES DE CIRUGÍA GENERAL
INFECÇÃO DE SÍTIO CIRÚRGICO PÓS-ALTA: OCORRÊNCIA E CARACTERIZAÇÃO DE EGRESSOS DE CIRURGIA GERAL
Cogitare Enfermagem, vol. 22, núm. 4, e51678, 2017
Universidade Federal do Paraná
Recepção: 10 Abril 2017
Aprovação: 30 Outubro 2017
RESUMO: Objetivou-se investigar a ocorrência de infecção de sítio cirúrgico e descrever as características dos casos de pacientes em seguimento pós-alta de Cirurgia Geral, em ambulatório de hospital do Distrito Federal, Brasil. Estudo descritivo, retrospectivo dos anos 2011 a 2013, realizado de agosto de 2015 a julho de 2016, a partir de consulta a sistemas de informações do hospital e prontuários de pacientes. No período do estudo, foram realizados 2.772 procedimentos na especialidade Cirurgia Geral e 2.283 (82,28%) pacientes compareceram ao acompanhamento pós-alta. Foram diagnosticados 85 casos de infecção, uma incidência média de 3,7% no período. Verificou-se maior ocorrência de casos de infecção entre o 6° e 10° dia pós-operatório. Os dados reforçam a relevância da vigilância pós-alta instituída no serviço de saúde e mostram indicadores de resultado que podem auxiliar na definição de estratégias para melhoria de ações de prevenção e controle de infecções de sítio cirúrgico.
DESCRITORES: Infecção hospitalar, Infecção da ferida cirúrgica, Seguimentos, Cirurgia geral, Enfermagem médico-cirúrgica.
RESUMEN: Se objetivó investigar la ocurrencia de infección del sitio quirúrgico y describir las características de casos de pacientes en seguimiento post-alta de Cirugía General, en servicio de hospital del Distrito Federal, Brasil. Estudio descriptivo, retrospectivo de anos 2011 a 2013, realizado entre agosto de 2015 a julio de 2016, consultando sistemas de información del hospital e historias clínicas de pacientes. En el período estudiado fueron efectuados 2.772 procedimientos en la especialidad de Cirugía General, 2.283 (82,28%) pacientes comparecieron a seguimiento post-alta. Fueron diagnosticados 85 casos de infección, una incidencia promedio del 3,7% en el período. Se verificó mayor ocurrencia de infecciones entre 6° y 10° días del posoperatorio. Los datos potencian la relevancia del seguimiento post-alta implantado en el servicio de salud y muestran indicadores de resultados que colaboran en la definición de estrategias para mejorar acciones preventivas y control de infecciones del sitio quirúrgico.
DESCRIPTORES: Infección Hospitalaria, Infección de la Herida Quirúrgica, Estudios de Seguimiento, Cirugía General, Enfermería Médico-Quirúrgica.
INTRODUÇÃO
As Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) constituem grave problema de Saúde Pública no Brasil e no mundo, sendo uma das importantes causas de morbidade e mortalidade entre pessoas submetidas a procedimentos em serviços de saúde(1-2).
IRAS são adquiridas durante o processo de cuidado em hospital ou outro local destinado à assistência à saúde, não estavam presentes na internação ou após a alta hospitalar, e representam problemática para a segurança dos pacientes pelo impacto gerado, como maior tempo de internação, incapacidade em longo prazo, aumento da resistência a antimicrobianos, aumento da mortalidade e maiores despesas para o sistema de saúde, pacientes e familiares(3). Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), estima-se que a cada 100 pacientes internados, pelo menos sete em países desenvolvidos e dez em países em desenvolvimento irão adquirir IRAS(1).
A Infecção do Sítio Cirúrgico (ISC) é uma das principais representantes das IRAS no Brasil, ocupando a terceira posição entre todas as infecções em serviços de saúde, compreendendo 14% a 16% daquelas encontradas em pacientes hospitalizados, estando relacionada a procedimentos cirúrgicos, com ou sem colocação de implantes, em pacientes internados ou ambulatoriais(4). As ISC acometem diferentes planos anatômicos, podendo ocorrer em até 30 dias após o procedimento cirúrgico ou em até um ano se houver implante de prótese(4).
Infecções de sítio cirúrgico constituem uma das mais temidas complicações decorrentes de operação cirúrgica, pois se manifestam como um episódio grave, de elevado custo e associado ao aumento da morbidade e mortalidade. Pacientes infectados têm duas vezes mais chances de risco de morte ou de passar algum tempo na unidade de tratamento intensivo, e cinco vezes mais chances de serem readmitidos após a alta(4-5).
Diversos fatores oferecem maior risco de adquirir ISC, como extremos de idade, condição clínica do paciente, tempo de internação antes da operação, aplicação inapropriada da antibioticoprofilaxia, tempo de duração da cirurgia, potencial de contaminação do procedimento, habilidade técnica da equipe cirúrgica, ambiente físico do centro cirúrgico, imunodeficiência, e presença de doenças preexistentes(6). Também podem estar associados ao próprio patógeno, ou seja, sua virulência e resistência oferecida aos antimicrobianos(2). Essas infecções podem ser causadas por agentes microbianos originados de fonte endógena, como pele, nariz, boca, trato gastrointestinal ou vaginal do paciente, e/ou de fonte exógena, como os profissionais da área da saúde que o assistem, visitantes, equipamentos médicos e o ambiente(4).
O alto custo das hospitalizações tem sido importante motivador para a redução do tempo de internação e a alta hospitalar precoce oferece desafio para a detecção das ISC. A vigilância do paciente cirúrgico, na maioria das instituições, tem ocorrido apenas durante o período de internação(7). Pacientes que foram submetidos a procedimentos cirúrgicos devem ser acompanhados no período de internação e com a mesma cautela após a alta, pois, estatisticamente, de 12% a 84% das ISC são diagnosticadas quando o paciente não mais está no hospital, o que enfatiza a relevância da vigilância pós-alta(2,6).
Segundo orientação da ANVISA, que recomenda diversas formas para que hospitais possam realizar vigilância pós-alta(1), foi criado em 2005 o Serviço de Atendimento Ambulatorial de Egressos Cirúrgicos (SAAEC) em um hospital de ensino do Distrito Federal. O objetivo central do serviço é acompanhar egressos da especialidade Cirurgia Geral para minorar a subnotificação de casos de ISC(2).
Cabe ressaltar que a prevenção da ISC, a partir da identificação de características associadas ao problema, contribui para a implementação de ações para minimizar sua ocorrência, diminuindo a possibilidade de retorno para internamento dos pacientes cirúrgicos. Assim, traçaram-se como objetivos da pesquisa investigar a ocorrência de infecção de sítio cirúrgico e descrever as características dos casos de pacientes em seguimento pós-alta de Cirurgia Geral, em hospital de ensino do Distrito Federal, Brasil.
MÉTODO
Estudo descritivo e retrospectivo, de abordagem quantitativa. A coleta de dados foi realizada de agosto de 2015 a julho de 2016, pela consulta a livros-ata do SAAEC, a partir de dados estatísticos da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) da instituição e de prontuários de pacientes atendidos nos anos de 2011 a 2013. Este período foi definido pelas pesquisadoras pelo interesse de se ampliar dados de indicadores de resultado da assistência na Cirurgia Geral, acerca da ocorrência e a caracterização das ISC no pós-alta de egressos atendidos no SAAEC, e inicialmente obtidos em estudo prévio(2), obtendo-se assim, série histórica de informações relevantes.
Foi utilizado um instrumento próprio para registro de variáveis de interesse à pesquisa: sexo e idade dos pacientes; operações cirúrgicas realizadas; ISC notificadas; e tempo transcorrido entre a operação cirúrgica e o diagnóstico de ISC no período pós-alta hospitalar. Os dados foram compilados empregando-se o programa Microsoft Office Excel® 2007.
O seguimento ambulatorial do paciente no SAAEC ocorre nos primeiros 30 dias após a operação cirúrgica, ou até um ano, nos casos de colocação de prótese. No momento da alta hospitalar, o paciente é orientado a retornar no SAAEC entre o 6° e 10° dia pós-operatório. Na ocasião desse retorno, é realizada avaliação médica de sua condição clínica geral e inspeção direta do sítio cirúrgico. Em seguida, procede-se à retirada total ou parcial de pontos cirúrgicos e fornecimento de orientações, ou são realizadas outras condutas que se mostrem necessárias, praticadas pela equipe assistencial do serviço, isto é, médicos cirurgiões e residentes, além de técnicos de enfermagem da CCIH e estudantes de graduação em enfermagem participantes de um Projeto de Extensão universitário, sob supervisão docente(2).
Indicadores de resultados da vigilância de ISC pós-alta hospitalar foram calculados como proporções, expressas sob a forma percentual, quais sejam:
proporção de retornos - número total de pacientes que retornaram ao serviço em relação ao número total de pacientes submetidos a procedimentos operatórios, por ano; considerou-se no numerador dessa proporção, um único retorno, excluindo-se os retornos subsequentes dos pacientes que voltaram ao serviço mais de uma vez;
proporção de perdas - número total de pacientes que não compareceram ao serviço em relação ao número total de pacientes submetidos a procedimentos operatórios, por ano;
proporção de incidência (incidência cumulativa) de ISC - número total de casos notificados em relação ao número total de pacientes em seguimento ambulatorial, por ano; somente a primeira ocorrência de ISC de cada paciente foi registrada;
proporção das operações cirúrgicas de acordo com o potencial de contaminação (cirurgias limpas, potencialmente contaminadas, contaminadas e infectadas)(8);
indicadores de distribuição proporcional dos casos de ISC - proporção dos casos segundo categorias das variáveis de interesse: diagnóstico (análise clínica ou laboratorial) e intervalos de tempo entre a operação cirúrgica e o diagnóstico de ISC (6 a 10, 11 a 15, 16 a 30, >31 dias).
Médias calculadas:
retorno do paciente ao serviço - número total de pacientes que retornaram ao serviço em relação ao número total de pacientes submetidos a procedimentos operatórios no período, em anos;
perdas obtidas - número total de pacientes que não retornaram ao serviço em relação número total de pacientes submetidos a procedimentos operatórios no período, em anos.
Foi considerado apto a participar da pesquisa qualquer paciente acompanhado no SAAEC, da especialidade Cirurgia Geral, no período compreendido entre janeiro de 2011 e dezembro de 2013, desde que não correspondesse a qualquer critério de exclusão.
Foram excluídos do estudo pacientes que apresentavam dados incompletos nas fontes de consultas segundo as variáveis de interesse mencionadas, e pacientes que apresentavam idade inferior a 18 anos.
O projeto foi apreciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília e aprovado sob o n. 1.150.652 (12/08/2015).
RESULTADOS
No período em análise (2011 a 2013), foram atendidos 2.326 pacientes no SAAEC, tendo sido excluídos 43 deles segundo critérios estabelecidos, resultando em uma amostra de 2.283 pacientes.
A amostra em estudo encontrava-se com idades entre 18 e 104 anos, distribuída nas faixas etárias: 51 (2,23%) tinham idade entre 18 e 20 anos; 274 (12,00%) entre 21 e 30 anos; 495 (21,68%) entre 31 e 40 anos; 468 (20,50%) entre 41 e 50 anos; 453 (19,85%) entre 51 e 60 anos; 361 (15,81%) entre 61 e 70 anos; 137 (6,00%) entre 71 e 80 anos e apenas 44 (1,93%) com idade maior ou igual a 81 anos. Quanto ao sexo, 1.336 (58,52%) eram feminino e 947 (41,48%) masculino.
A proporção média de retorno dos pacientes foi de 82,28%: no ano de 2011 foram realizadas 734 cirurgias e 577 (78,61%) dos pacientes compareceram ao serviço; em 2012, as operações cirúrgicas aumentaram para 1.109 e 881 (79,44%) retornaram, e em 2013 foram realizadas 929 cirurgias e o serviço atendeu 825 (88,80%) destes pacientes.
A média da proporção de perdas no período foi de 17,70%. Em 2011, 157 (21,38%) dos pacientes não retornaram ao SAAEC; em 2012, 288 (20,55%) e em 2013 104 (11,19%) não compareceram ao serviço.
Foram identificados 90 tipos de operações da Cirurgia Geral. Para análise nos casos de cirurgias múltiplas no mesmo paciente, utilizando o mesmo acesso, considerou-se apenas o procedimento com maior risco de infecção, conforme recomendação da ANVISA. Dentre essas operações cirúrgicas, verificou-se maior frequência de Herniorrafia, representados por 745 (32,63%) da amostragem, seguida de Colecistectomia, sendo 646 (28,29%) do total.
A distribuição de ISC entre os procedimentos foi proporcional, que de um total de 86 notificações no período, 22 (25,58%) foram em Herniorrafias, seguido de sete (8,14%) notificações em Colecistectomias. A frequência das operações cirúrgicas predominantes entre os pacientes em seguimento ambulatorial e a distribuição proporcional dos casos de ISC é apresentada na Tabela 1.

A Figura 1 demonstra a incidência cumulativa dos casos de ISC no período do estudo, sendo a maior proporção no ano de 2012, com 37 casos (4,19%), e os demais anos com taxas semelhantes, 21 (3,63%) em 2011 e 27 (3,27%) em 2013.

A frequência dos casos de ISC, segundo o potencial de contaminação, é apresentada na Tabela 2. Foram identificadas 44 notificações (51,16%), isto é, a maior parte dos casos notificados de ISC ocorreu em cirurgias limpas e a menor parte das notificações foi em cirurgias contaminadas, com 12 casos (13,95%).

Na Tabela 3 é apresentada a proporção da distribuição de procedimentos segundo o potencial de contaminação e a distribuição de ISC do total de cada classificação segundo o potencial de contaminação. A distribuição indica uma maior proporção de notificações de ISC em cirurgias classificadas como infectadas e contaminadas.

A Figura 2 mostra a distribuição das operações cirúrgicas e a distribuição dos casos de ISC, por idade. Apenas 542 (23,74%) procedimentos aconteceram em pacientes com idade igual ou superior a 61 anos, e 26 (30,23%) das ISC se manifestaram nesse grupo, a maior parte em termos proporcionais.

O diagnóstico de ISC foi realizado por meio de análise clínica em 76 (88,37%) dos casos e em apenas 10 (11,63%) dos pacientes foi coletado material para exame laboratorial.
Acerca do tempo decorrido entre a operação cirúrgica e o diagnóstico de ISC, 24 (27,91%) dos casos foram diagnosticados entre o 6° e o 10° dia pós-operatório (DPO), 22 (25,58%) foram notificados entre o 11° e 15° DPO, 22 (25,58%) entre o 16° e 30° DPO e 18 (20,93%) casos do 31° DPO em diante.
DISCUSSÃO
A vigilância do paciente cirúrgico na maior parte das instituições ocorre apenas no período de internação, gerando menores taxas de ISC quando comparados a instituições com seguimento pós- alta(7). A necessidade da vigilância pós-alta é justificada por 75% dos casos de ISC serem diagnosticados no período posterior à alta hospitalar, além do problema da subnotificação nos serviços de saúde(9).
A Organização Mundial da Saúde preconiza três ações de modo a promover a segurança do paciente, que são a prevenção de eventos adversos, identificação de eventos adversos ocorridos e a minimização dos seus efeitos com intervenções eficazes(10). Nesse sentido, a ISC deve ser tida como uma complicação altamente impactante na evolução clínica, recuperação e reabilitação dos pacientes cirúrgicos e, portanto, sua vigilância ativa é recomendada com a utilização de ferramentas adequadas à estrutura de cada serviço de saúde(11).
O hospital em estudo determinou para si o retorno ambulatorial dos egressos cirúrgicos onde poderiam aplicar diferentes métodos de vigilância pós-alta hospitalar, isto é, inspeção direta do sítio cirúrgico, consulta de prontuários, coleta de amostra de cultura para exame microbiológico quando indicado e avaliação clínica do paciente. A estratégia de retorno ambulatorial se revela mais eficaz quando comparado a contato telefônico, visto dificuldades como o número fornecido incorreto ou programado para não receber ligações, pacientes e/ou familiares não sabem fornecer informações precisas sobre o questionado, entre outros aspectos. Isso foi evidenciado em um estudo que obteve uma taxa 8,1% menor por contato telefónico quando comparado ao seguimento ambulatorial(11).
Em contraparte, o acompanhamento ambulatorial exige quantidade maior de pessoal treinado, estrutura física elaborada, depende da colaboração da equipe de saúde e das condições físicas e financeiras do paciente, que deverá comparecer novamente à instituição. Outro argumento favorável ao seguimento ambulatorial é que os pacientes em geral não são capacitados a se autodiagnosticar, uma vez que não são aptos a fornecerem dados fidedignos sobre possível ISC(11).
Além do seguimento ambulatorial e contato telefônico, algumas instituições fazem uso de questionários aplicados a pacientes ou cirurgiões, visitas domiciliares, análise de prontuários e exames microbiológicos. É importante frisar que nenhum desses métodos é totalmente eficiente sozinho, sendo ideal mesclar várias estratégias para abarcar maior quantidade de pacientes e obter qualidade da informação(11).
Como são muitas as dificuldades que surgem no contexto social dos pacientes em retornarem ao serviço para serem avaliados no ambulatório, como longa distância entre o domicílio e a instituição, baixa condição socioeconômica, difícil acesso ao transporte, ausência do auxílio de um terceiro no caso de pacientes dependentes e, por vezes, alguns pacientes ainda são instruídos a retornarem ao serviço no decorrer das semanas posteriores à sua primeira consulta quando, a critério médico, necessitam ser reavaliados, a taxa de retorno ao ambulatório obtido neste estudo pode ser considerada satisfatória, dado que correspondeu a uma média de 82,28% ao longo dos anos em análise e perda média de 17,71%.
Quanto às faixas etárias dos pacientes atendidos no SAAEC, constatou-se que os procedimentos operatórios tendem a ser mais frequentes à medida que a idade é mais avançada, porque a distribuição das operações não segue o mesmo padrão da distribuição da população nas diferentes faixas etárias. Uma análise na pirâmide etária divulgada pelo último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, mostra que a pirâmide é larga na base e no centro, começando a abreviar-se a caminho do ápice, que representa a população mais idosa(12). Para exemplificar, pode- se colocar a população entre 21 e 30 anos, assim, a pirâmide revela que aproximadamente 17,9% da população estão nessa faixa etária, no entanto, neste estudo apenas 12% dos procedimentos cirúrgicos foram realizados nessa faixa. Contudo, se for realizado um corte na população acima de 60 anos, percebe-se uma diferença ainda maior: no censo, apenas 1% da população tem mais de 60 anos, e neste estudo 23,4% dos procedimentos transcorrem nessa faixa.
Sabe-se que o envelhecimento traz consigo diversas mudanças naturais e comuns no processo de senescência, associado a diversas doenças crônicas que tornam esse grupo mais suscetível a ser submetido à intervenção operatória, como foi evidenciado por outra pesquisa(13). Os idosos possuem reserva orgânica diminuída para reagir a um procedimento agressivo como uma operação cirúrgica, tornando-os um dos grupos de risco que necessita atenção e cuidado no manejo de todo o processo, de modo a diminuir as possibilidades de complicações pós-operatórias(14); entre elas está a ISC, sendo uma das principais manifestações de infecção hospitalar no idoso(15).
Nessa pesquisa, foi constatada maior ocorrência proporcional de ISC em maiores de 60 anos, em que a frequência de operações e a distribuição de ISC por idade se mantiveram similares em todos os cortes de idade, exceto aqueles com idade superior a 60 anos, onde essa similaridade deixa de existir. Ressalta-se que a equipe de saúde deve se esforçar ao máximo para controlar todos os fatores para se evitar complicações, pois além dos custos financeiros advindos de uma longa internação, existem custos imensuráveis para o paciente e família, sua dor e sofrimento que afetam a qualidade de vida de todos os envolvidos, que podem resultar na inatividade de algum membro, perda funcional de um órgão ou até mesmo óbito(15).
Estatisticamente, analisado à luz do Censo IBGE de 2010, constata-se que a população do sexo feminino é superior à do sexo masculino. Assim, os achados da distribuição de procedimentos cirúrgicos por sexo não surpreendem ao exporem uma taxa superior em pacientes do sexo feminino. Em outros estudos correspondentes têm-se proporções muito similares(2,5,12).
Foi demonstrada maior ocorrência de herniorrafias e colecistectomias. Herniorrafia é um procedimento comumente realizado na especialidade da Cirurgia Geral(16) e existe grande diversidade de técnicas cirúrgicas. A escolha da técnica tem sido embasada na classificação de Nyhus, que leva em consideração pontos, como o local da hérnia na região inguinofemoral, o tipo de hérnia e a característica do assoalho do canal inguinal(17). Na instituição em questão, essa cirurgia tem sido realizada no Centro Cirúrgico Central, apesar de estudos demonstrarem que não há diferença na ocorrência de infecção entre pacientes que realizam o procedimento ambulatorial e aqueles que se submeteram à internação convencional(2).
Já a colecistectomia pode ser realizada da forma convencional ou por via videolaparoscópica, sendo esta última técnica com maiores vantagens ao modo convencional pela diminuição do impacto cirúrgico e do tempo de internação, proporcionando ligeireza no retorno às atividades cotidianas, menor risco de complicações pós-operatórias e menor abalo estético. Ambas as técnicas são utilizadas nesse hospital, sendo escolhida uma ou outra conforme o parecer da equipe cirúrgica(2,18).
Ainda que a instituição em estudo seja um hospital de ensino, que objetiva preparar profissionais para atenderem aos mais diversos casos segundo as especialidades, e conscientes que alunos que adentram para residências e na graduação encontram-se desprovidos da habilidade técnica requerida pelos procedimentos, a incidência média dos casos de ISC é similar ao encontrado em outros estudos. Constatou-se taxa média de 3,69% ao longo dos anos estudados, enquanto em outro estudo que fez uso dos mesmos métodos, constatou a proporção de ISC média de 3,4%(2). Outra pesquisa, que investigou o seguimento de pacientes submetidos à cirurgia ortopédica por pelo menos um ano, identificou incidência global de ISC de 6%(19).
Entre as ISC notificadas, constatou-se maior ocorrência nos procedimentos de herniorrafia e colecistectomia, um procedimento limpo e potencialmente contaminado, respectivamente. Esse resultado, embora pareça ferir as recomendações de taxas de ISC esperadas segundo o potencial de contaminação, não o faz. Foi encontrada maior taxa de ISC em um procedimento limpo, mas também, com extensa vantagem foram realizadas no período uma quantidade superior desse procedimento em relação aos demais. Logo, proporcionalmente, o resultado está dentro da normalidade, assim como o de colecistectomia. Quando esse resultado é comparado com taxas de ISC de acordo com o potencial de contaminação de 1% a 5% em cirurgias limpas, 3% a 11% em potencialmente contaminadas, 10% a 17% em contaminadas e acima de 27% em infectadas(20), percebe-se que está regular.
Com relação à forma de diagnóstico das ISC, 88,37% foram notificadas por meio da análise clínica. Esse método é considerado suficiente para detecção de uma ISC, tem recomendação da ANVISA para seu uso e consiste na identificação de sinais flogísticos nos planos da ferida(4). A pequena parcela das notificações de ISC que corresponde à confirmação laboratorial (11,63%) foi obtida por meio de culturas colhidas por swab, método não recomendado pela ANVISA. A agência reguladora preconiza coletar o material purulento localizado na parte mais profunda da ferida, utilizando-se, de preferência, aspirado com seringa e agulha. Quando a punção com agulha não for possível, deve-se aspirar ao material somente com seringa tipo insulina. Swabs somente serão utilizados quando os procedimentos mencionados não forem possíveis(4,21).
Com relação ao tempo decorrido entre o procedimento cirúrgico e o diagnóstico de ISC, foi verificada maior ocorrência entre o 6° e 10° dia DPO, mas houve distribuição similar dos casos nos demais espaços de tempo, sendo que a menor porcentagem foi após o 31° DPO, resultado semelhante ao encontrado em estudo prévio(2). Esse achado justifica a recomendação da ANVISA para que se estenda a vigilância do paciente cirúrgico para 30 dias ou até um ano se houver implante de prótese(4).
Cabe mencionar como principal dificuldade no desenvolvimento deste estudo a busca de dados, pois foram encontradas informações incompletas e rasuras nos registros de prontuários de pacientes, ocasionando perda na amostra por não satisfazer critérios de inclusão estabelecidos. Contudo, pôde- se obter uma amostragem expressiva para a pesquisa, com significativos indicadores de resultado. Tais indicadores podem auxiliar na (re)definição de ações e estratégias de prevenção e controle das ISC qualificando a assistência cirúrgica. Nesse sentido, este estudo contribui para o avanço da área, por demonstrar a relevância de se instituir a vigilância pós-alta hospital nas instituições brasileiras, na perspectiva de se elevar padrões assistenciais.
CONCLUSÃO
Os resultados obtidos nesse estudo evidenciam importantes características da ocorrência de ISC no pós-alta de egressos da Cirurgia Geral, entre 2011 e 2013, em uma instituição hospitalar do Distrito Federal. Os principais achados da pesquisa mostram que pacientes adultos femininos predominaram no seguimento ambulatorial, com alta proporção média de retorno ao serviço. A incidência cumulativa de ISC foi maior no ano de 2012, e houve maior número de notificações em cirurgias limpas. Em termos proporcionais, as ISC notificadas ocorreram mais em pacientes idosos. A análise clínica foi o método diagnóstico principal das ISC, que ocorreu principalmente entre o 6° e 10° DPO do acompanhamento pós-alta.
Assim, este estudo reúne informações indispensáveis que apontam ao necessário aporte de novas medidas que levem a melhores ações de prevenção e controle das ISC, refletindo em elevada qualidade assistencial e em consonância com a meta-chave da segurança cirúrgica.
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Autor notes
Autor Correspondente: Maria Cristina Soares Rodrigues, Universidade de Brasília, Campus Universitário Darcy Ribeiro, 70.910-900, Brasília, DF, Brasil, E-mail: mcsoares@unb.br