Artigo Original
PUNÇÃO VENOSA PERIFÉRICA GUIADA POR ULTRASSONOGRAFIA: PREVALÊNCIA DE SUCESSO E FATORES ASSOCIADOS*
PUNCIÓN VENOSA PERIFÉRICA GUIADA POR ULTRASONOGRAFÍA: PREVALENCIA DE ÉXITO Y FACTORES ASOCIADOS
PUNÇÃO VENOSA PERIFÉRICA GUIADA POR ULTRASSONOGRAFIA: PREVALÊNCIA DE SUCESSO E FATORES ASSOCIADOS*
Cogitare Enfermagem, vol. 22, núm. 3, e49599, 2017
Universidade Federal do Paraná
Recepção: 06 Dezembro 2016
Aprovação: 14 Agosto 2017
RESUMO: O objetivo deste estudo foi analisar os fatores associados ao sucesso na primeira tentativa de punção venosa periférica guiada por ultrassonografia em adultos. Estudo transversal analítico em uma unidade de pronto atendimento na região sul do Brasil, entre 1° e 30 de abril de 2015. Os participantes foram submetidos à punção venosa periférica guiada por ultrassonografia. Foram incluídos 97 participantes. A razão de prevalência de sucesso foi 43% maior nas veias visíveis e 128% maior nas veias retilíneas. Não foi encontrada relação significativa entre as variáveis analisadas e a diminuição da prevalência de sucesso na primeira tentativa. A presença de veia retilínea e visível foi o principal fator associado ao sucesso na primeira tentativa.
DESCRITORES: Enfermagem baseada em evidências, Tecnologia biomédica, Pesquisa em enfermagem clínica, Cateterismo periférico, Ultrassonografia.
RESUMEN: El objetivo de este estudio fue el de analizar los factores asociados al éxito en el primer intento de punción venosa periférica guiada por ultrasonografía en adultos. Estudio transversal analítico, realizado en unidad de pronta atención de la región sur de Brasil, entre el 1 y el 30 de abril de 2015. Los participantes fueron sometidos a punción venosa periférica guiada por ultrasonografía. Fueron incluidos 97 participantes. La razón de prevalencia de éxito fue 43% mayor en las venas visibles y 128% mayor en las venas rectilíneas. No se encontró diferencia significativa entre las variables analizadas y la disminución de la prevalencia de éxito en el primer intento. La presencia de vena rectilínea y visible fue el principal factor asociado al éxito en el primero intento.
DESCRIPTORES: Enfermería Basada en la Evidencia, Tecnología Biomédica, Investigación en Enfermería Clínica, Cateterismo Periférico, Ultrasonografía.
INTRODUÇÃO
O procedimento de punção venosa periférica (PVP) destaca-se como o mais frequente nos ambientes de cuidados prestados pela enfermagem e consiste na introdução de um cateter no interior de uma veia. De acordo com as estatísticas, foram vendidos 330 milhões de cateteres intravenosos periféricos (CIP) nos Estados Unidos em 2012(1), e registros reforçam que 70% dos pacientes são submetidos a esse procedimento em algum momento da internação(2). No Brasil estes dados são escassos.
A PVP tem como finalidade condutas diagnósticas (coleta de exames laboratoriais) e terapêuticas (infusão de medicamentos e outras soluções por via intravenosa)(3). Por meio de novos dispositivos e tecnologias adjuvantes, a terapia intravenosa é utilizada há mais de 350 anos e tem expandido seus limites em números e em possibilidades terapêuticas(4).
No entanto, o sucesso na inserção de um CIP comumente se apresenta como um desafio para o profissional que a executa, além de somar desconforto e ansiedade à experiência vivenciada pelo paciente(5). Com base na literatura, as taxas de sucesso na primeira tentativa de inserção dos CIP podem variar de 10% a 55%, quando realizada com o procedimento tradicional(6-7), e ser beneficiada por tecnologias que facilitem sua execução, a exemplo da ultrassonografia, com a qual as mesmas taxas podem variar de 20% a 81,6%(7-8).
A ultrassonografia é tecnologia inovadora para terapia intravenosa, pois auxilia os profissionais na punção de veias difíceis. Estudos apontam diversos benefícios, dentre os quais: aumento no sucesso da punção, redução do tempo de duração do procedimento e do número de tentativas. Tem-se ainda redução de complicações, tais como o hematoma e a flebite, e melhoria para o conforto e satisfação do paciente(9-10).
Recomendada como nível “A” de evidência pela Associação Americana de Enfermagem de Emergência, a ultrassonografia constitui procedimento não invasivo, que não utiliza radiação ionizante e pode visualizar vasos mais profundos, difíceis de serem acessados pela palpação às cegas ou mesmo por alguns procedimentos que utilizam raios próximos do infravermelho(11). Destaca-se que em situações de urgência e emergência o estabelecimento de acesso venoso, de forma rápida e efetiva, pode ser essencial para melhora do quadro clínico do paciente.
O uso da ultrassonografia para punção venosa é regulamentado no Brasil pelos conselhos regionais de enfermagem de alguns estados. A utilização desta tecnologia é exclusiva do enfermeiro(12). Quanto ao aparelho de ultrassonografia, há uma diversidade de modelos disponíveis no mercado, entretanto para punção vascular é necessário que o equipamento possua um transdutor linear de alta resolução, e que opere em uma frequência entre 5 e 11MHz(13). Há equipamentos mais compactos e programados para punção vascular, o que facilita seu manuseio.
A despeito das dificuldades da rede venosa, e com vistas a suprir as demandas terapêuticas do paciente sob seus cuidados, o profissional de enfermagem necessita estabelecer o acesso venoso com habilidade e eficiência. Para tanto, faz-se necessário avaliar as tecnologias disponíveis a fim de decidir por aquelas que mais agreguem benefícios à sua prática.
Destaca-se que as pesquisas desenvolvidas pela enfermagem, em relação à punção guiada por ultrassonografia, têm foco principal a punção de cateteres venosos centrais de inserção periférica, e que há necessidade de ampliar a produção de evidências relativas ao cateterismo periférico. Assim, a presente pesquisa buscou responder a seguinte questão norteadora: “Quais os fatores associados ao sucesso da punção venosa periférica guiada por ultrassonografia em adultos?”. E teve-se como objetivo analisar os fatores associados ao sucesso na primeira tentativa de punção venosa periférica guiada por ultrassonografia (PVP-US) em adultos.
MÉTODO
Estudo transversal analítico, realizado em uma Unidade de Pronto Atendimento da região metropolitana de Curitiba, entre 1° e 30 de abril de 2015. A pesquisa foi realizada com aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, sob o parecer n° 1.015.232, em acordo com a legislação vigente. Foram incluídos, uma única vez, pacientes maiores de 18 anos, em atendimento na sala de terapia intravenosa, com necessidade de PVP em situações não emergenciais. Os participantes foram submetidos à PVP-US. Não houve critérios de exclusão.
Um grupo de seis enfermeiras, com experiência na área hospitalar e disponibilidade exclusiva para a pesquisa, foi capacitado para a PVP-US, por não possuírem esta habilidade previamente, enquanto o procedimento tradicional de punção venosa já estava incorporado à sua prática. A capacitação abordou conteúdos de anatomia e fisiologia vascular e princípios de ultrassonografia, foi ministrada por enfermeiro habilitado e consistiu em aula expositiva dialogada durante 60 minutos, seguida de prática que possibilitou, durante quatro horas, a punção em simulador específico para esta finalidade. Foi estabelecido protocolo para realização do procedimento para que houvesse homogeneidade entre as enfermeiras que o executaram.
Utilizaram-se cateteres curtos, flexíveis, de calibres 18 Gauge (G), 20G ou 22G; e equipamento portátil de ultrassonografia, com operância em modo B, frequências de 5-10 Megahertz (MHz) e focalização de imagens de 1,5-6 centímetros (cm) de profundidade.
Cada paciente teve sua rede venosa avaliada por um enfermeiro capacitado, sem interferência do pesquisador, previamente à realização do procedimento. A coleta de dados ocorreu por observação direta do procedimento de punção pelos pesquisadores, complementada com dados do prontuário.
Por variável de desfecho, tomou-se o sucesso na primeira tentativa de punção venosa, definido pela presença de refluxo de sangue e infusão de 2mL de solução fisiológica sem queixa de dor ou sinais de infiltração à infusão. O instrumento de coleta de dados conteve: variáveis sociodemográficas (sexo, idade e cor da pele); avaliação clínica das enfermeiras sobre as características da rede venosa; e o número de tentativas de punção.
A tabulação dos dados foi realizada com auxílio do programa Microsoft Excel® e as análises estatísticas por meio dos programas Bioestat® e Comprehensive R Archive Network (CRAN)®. Para a caracterização da amostra, procedeu-se análise descritiva com medidas de distribuição de frequências absolutas e relativas para as variáveis qualitativas, medidas de tendência central e dispersão para as variáveis quantitativas. Para a verificação de associação das variáveis com significância estatística para o desfecho, adotou-se a estatística Qp e o cálculo da Razão de Prevalência (RP).
RESULTADOS
Foram incluídos 97 participantes, dentre os quais foi observada maior frequência para o sexo feminino (60,82%, n=59), idade de 31 a 60 anos (40,21%, n=39) e predomínio da cor da pele branca (52,57%, n=51). Do total de participantes analisados, n=63 (64,95%) apresentaram sucesso na primeira tentativa de punção. Neste grupo não foram encontradas evidências de associação do desfecho com variáveis sociodemográficas ou do cateter (Tabela 1). Da mesma forma, não foi encontrada associação entre o motivo de atendimento na unidade, a presença de comorbidades (p=0,9552) e o sucesso na primeira tentativa de punção.
Variável | Sucesso na 1a tentativa | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Sim (63) | Não (34) | |||||
f | % | f | % | p-valor | ||
Faixa etária | 0,252 | |||||
18-30 | 23 | 36,5 | 7 | 20,59 | ||
31-60 | 24 | 38,1 | 15 | 44,12 | ||
> 60 | 16 | 25,4 | 12 | 35,29 | ||
Sexo | 0,060 | |||||
Masculino | 29 | 46,03 | 9 | 26,47 | ||
Feminino | 34 | 53,97 | 25 | 73,53 | ||
Cor da pele | 0,444 | |||||
Branca | 38 | 60,32 | 13 | 38,24 | ||
Parda | 21 | 33,33 | 17 | 50 | ||
Negra | 4 | 6,35 | 3 | 8,82 | ||
Amarela | – | – | 1 | 2,94 | ||
Região de inserção | 0,312 | |||||
Membro superior direito | 36 | 57,14 | 23 | 67,65 | ||
Membro superior esquerdo | 27 | 42,86 | 11 | 32,35 | ||
Calibre do cateter | 0,148 | |||||
> 22 Gauge | 41 | 65,08 | 17 | 50 | ||
22 Gauge | 22 | 34,92 | 17 | 50 |
De acordo com a distribuição das características da rede venosa, considerando os 97 participantes, observou-se predominância de veias visíveis (61,86%, n=60), palpáveis (57,73%, n=56), superficiais (70,10%, n=68), retilíneas (86,60%, n=84), não endurecidas (84,54%, n=82), sem mobilidade (90,72%, n=88), não nodulares (93,81%, n=91) e não frágeis (88,66%, n=86).
As características da rede venosa que apresentaram associação com o sucesso na primeira tentativa de punção foram a visibilidade (p=0,02752) e o trajeto retilíneo (p=0,006). Deste modo, a razão de prevalência de sucesso foi 43% maior nas veias visíveis e 128% maior nas veias retilíneas. Não foi evidenciada associação entre as características da rede venosa e o insucesso na PVP-US (Tabela 2).
Característica da rede venosa | Sucesso na 1a tentativa | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Sim (63) | Não (34) | |||||||
f | % | f | % | RP | IC (95%) | P - valor (Qp) | ||
Visibilidade | ||||||||
Visível | 44 | 69,84 | 16 | 47,06 | 1,43 | (1,01 : 2,02) | 0,028 | |
Não visualizável | 19 | 30,16 | 18 | 52,94 | ||||
Palpabilidade | 1,19 | (0,87 : 1,62) | 0,257 | |||||
Palpável | 39 | 61,9 | 17 | 50 | ||||
Não palpável | 24 | 38,1 | 17 | 50 | ||||
Profundidade | 1,36 | (0,93 : 2) | 0,075 | |||||
Superficial | 48 | 76,19 | 20 | 58,82 | ||||
Profunda | 15 | 23,81 | 14 | 41,18 | ||||
Trajeto | ||||||||
Retilínea | 59 | 93,65 | 25 | 73,53 | 2,28 | (1 : 5,22) | 0,006 | |
Tortuosa | 4 | 6,35 | 9 | 26,47 | ||||
Endurecimento | 1,16 | (0,82 : 1,64) | 0,451 | |||||
Endurecida | 11 | 17,46 | 4 | 11,76 | ||||
Não endurecida | 52 | 82,54 | 30 | 88,24 | ||||
Mobilidade | 0,66 | (0,31:1,40) | 0,187 | |||||
Móvel | 4 | 6,35 | 5 | 14,71 | ||||
Sem mobilidade | 59 | 93,65 | 29 | 85,29 | ||||
Nódulo | 1,03 | (0,57:1,85) | 0,927 | |||||
Nodular | 4 | 6,35 | 2 | 5,88 | ||||
Não nodular | 59 | 93,65 | 32 | 94,12 | ||||
Fragilidade | 0,82 | (0,47:1,44) | 0,450 | |||||
Frágil | 6 | 9,52 | 5 | 14,71 | ||||
Não frágil | 57 | 90,48 | 29 | 85,29 |
Avaliou-se a associação entre características da pele na região a ser puncionada e o desfecho, não sendo evidenciada associação com relação à friabilidade (p=0,6027), tensão da pele (p=0,6027), brilho (p=0,258), transudação (p=0,6618) e edema (p=0,6618).
DISCUSSÃO
Os resultados apontam predominância de participantes do sexo feminino e da cor da pele branca na amostra pesquisa, o que vai ao encontro de outros estudos(6,14). A baixa procura dos serviços de saúde por pacientes do sexo masculino está presente em diversos estudos, o que justifica os achados de predominância feminina(15-16). Ademais, observa-se que a composição demográfica do município em que se desenvolveu esta pesquisa é de maioria feminina, e que 72,61% da população é caucasoide, em decorrência da colonização europeia na região(17).
Os participantes desta pesquisa, em sua maioria, tinham entre 31 e 60 anos de idade (40,21%). Estudos realizados em serviços brasileiros de emergência demonstram idade média de 44 ± 20 anos(18) e 41,6 ± 34,6 anos(19), corroborando com os dados encontrados na presente pesquisa.
O cateter mais utilizado nas punções com sucesso, observadas durante esta investigação, foi o de calibre 20 G, agrupado em uma categoria denominada “>22G” nesta análise. Resultados semelhantes, com o mesmo calibre, foram encontrados em estudos anteriores, destacando-se que cateteres mais calibrosos possuem comprimentos ligeiramente maiores, favorecendo o alcance de veias mais profundas(7,14,20).
Destaca-se que as melhores profundidades para PVP-US estão entre 0,5 e 1,5 cm. Para correta canulação do cateter e manutenção do fluxo/perfusão do vaso, o cateter adequado necessita ter comprimento suficiente para estar, ao menos, a metade inserido no vaso (o que contribui para maior tempo de permanência) e ter um diâmetro de, no máximo, um terço do diâmetro do vaso(7,14,20). A partir do que fica demonstrado que cateteres menos calibrosos não são indicados para esta prática.
A escolha do local de punção consiste em outro aspecto importante a ser considerado no planejamento da terapia intravenosa. Para tanto, faz-se necessária a avaliação de circunstâncias clínicas como as condições do membro a ser puncionado, tipo de solução intravenosa e duração do tratamento. A região antecubital é mais indicada para os atendimentos de emergência, pois apresenta como vantagem a infusão rápida de grandes volumes, embora como desvantagem a localização em articulação e, consequentemente, maior risco de deslocamento do cateter(21).
Cabe ao enfermeiro buscar as melhores evidências disponíveis para a tomada de decisão clínica que conduza aos melhores desfechos terapêuticos. Assim, no processo de punção venosa, deve atentar para escolhas como a veia a ser puncionada, tecnologias adjuvantes (tipo e material do cateter, ultrassonografia, infravermelho, dentre outras) e as preferências do paciente, ofertando cuidado mais assertivo e seguro.
A taxa de sucesso na primeira tentativa de punção encontrada nesta pesquisa foi de 64,95% (n=63). Embora não tenha sido este o foco da presente pesquisa, estudo sugere que o uso da ultrassonografia na PVP pode conduzir a melhores desfechos terapêuticos(7). Revisão sistemática, com metanálise, realizada a partir de seis ensaios clínicos e um estudo observacional constatou superioridade do procedimento ultrassonográfico em relação à punção tradicional, com aumento nas taxas de sucesso para os pacientes com rede venosa difícil [OR=3,96, IC 95%: 1,75-8,94], embora sem diferenças no número de tentativas e no tempo gasto com a punção entre os dois tipos de abordagem(22).
Ensaio clínico randomizado, realizado com 60 pacientes adultos, detectou maiores taxas de sucesso na PVP-US (84%) em relação ao método tradicional (50%, p=0,006), a considerar todas as tentativas observadas. Para estes autores, melhores resultados para o número de tentativas e para o sucesso na primeira tentativa de PVP, guiada por ultrassonografia, também não ficaram demonstradas(23).
Autores apontam que o sucesso na primeira tentativa de PVP decorre de múltiplos fatores, dentre os quais: idade, cor da pele, presença de comorbidades, características da pele e da rede venosa e a habilidade do profissional que executa este procedimento(7,24).
As características da pele na região a ser puncionada não foram fatores determinantes para o sucesso ou insucesso da punção nesta pesquisa, apesar de autores apontarem o edema como um importante fator que dificulta a PVP. Ensaio clínico desenvolvido com pacientes críticos verificou edema em 80% dos indivíduos(25). No entanto, quando foram avaliados pacientes em tratamento ambulatorial, apenas 6,5% da amostra apresentou edema(26). Nesta pesquisa, a frequência de edema mostrou-se baixa, compatível com o perfil ambulatorial dos pacientes atendidos no serviço de pronto atendimento.
Diante do exposto, verifica-se que o sucesso na primeira tentativa de punção venosa, mesmo com o uso da ultrassonografia, requer as escolhas certas, a considerar os fatores que permeiam sua realização e os aspectos que o influenciam, a fim de se alcançar o desfecho terapêutico pretendido. No mais, o uso da ultrassonografia para punção venosa pelo enfermeiro requer capacitação prévia para o uso da tecnologia, devido à necessidade de desenvolver destreza manual para manipular o probe, ou seja, o transdutor e percepção visual das imagens geradas pelo equipamento.
Tendo em vista as características encontradas na rede venosa dos participantes em estudo, verificou-se predominância de veias visíveis, palpáveis, superficiais, retilíneas, sem mobilidade e sem fragilidade capilar. Ressalta-se que a inspeção visual constitui a etapa de avaliação da rede venosa, para a escolha da veia a ser puncionada, apenas para o procedimento tradicional de punção, enquanto para a PVP-US esta decisão clínica é tomada com base na varredura ultrassonográfica, realizada com o transdutor do equipamento e a visualização no monitor(6).
Estudo exploratório realizado com 20 pacientes adultos encontrou frequências de 100% de visibilidade, 80% de veias retilíneas e 70% de veias sem mobilidade(21). Nesta pesquisa, encontraram-se frequências globais de 85% para veias retilíneas e 91,5% para veias sem mobilidade, com associação estatística significativa do sucesso na primeira tentativa com o trajeto retilíneo e veias visíveis. Em estudo de 20 punções venosas periféricas, realizadas em 15 pacientes oncológicos ambulatoriais, detectou-se 45% de veias com trajeto retilíneo, e 10% de veias simultaneamente não visualizáveis e não palpáveis, para as quais a frequência de sucesso na primeira tentativa foi igual a 90%(27).
Por ter segmento tátil e/ou visível, a veia de trajeto retilíneo apresenta-se regular e com maior facilidade de punção, ao passo que a veia tortuosa se configura em desafio para o sucesso na punção até mesmo com tecnologias adjuvantes com a ultrassonografia(28). Apesar de não se caracterizar como um fator significativo para o sucesso, veias frágeis estão associadas a condições crônicas como diabetes, distúrbios vasculares ou hematológicos; são mais frequentes em idosos e mais suscetíveis à formação de hematomas decorrentes das tentativas de punção, o que pode dificultar a canulação(8).
Em que pese a maioria das veias puncionadas com sucesso na presente pesquisa fosse superficial, de acordo com as diretrizes do American Institute of Ultrasound in Medicine (AIUM), veias com profundidade em torno de 5-15 mm são ideais para a PVP-US. Em razão de sua profundidade, estas veias podem ser menos acessadas durante a punção periférica com o procedimento tradicional, que prioriza usualmente as veias superficiais. Isto porque a ultrassonografia pode visualizar veias mais profundas, indetectáveis pela palpação(29). Ressalta-se que a punção de veias superficiais pode ter relação com as características da população pesquisada, uma vez que pacientes em estado agudo da doença e que não se encontram hospitalizados possuem a rede venosa íntegra, em sua maioria, o que permite a punção de veias mais superficiais em detrimento das profundas.
Sobre a veia visível, ensaio clínico demonstrou que as etnias afroamericana e asiática, bem como a obesidade e a infância, estão associadas à visibilidade venosa diminuída; a etnia caucasoide apresenta maior percentual de veias visíveis (p<0,05)(24). Investigação realizada com mulheres com câncer ginecológico em quimioterapia apresentou, ao final do tratamento: 60% de veias visíveis, 70% de veias palpáveis, 20% de veias móveis, 80% de veias retilíneas e 90% de veias não endurecidas(21).
Conhecer os elementos contribuintes para o sucesso na PVP cumpre subsidiar o raciocínio clínico e a tomada de decisão do enfermeiro, ao identificar aspectos que se relacionam direta e indiretamente aos resultados pretendidos com a terapia intravenosa. Embasadas neste conhecimento como tecnologia leve e por tecnologias duras que facilitem a punção venosa, encontram-se as condições necessárias às boas práticas de uma terapia intravenosa mais assertiva e segura.
Destaca-se que a ultrassonografia configurou uma tecnologia em desenvolvimento de habilidades e competência pelo grupo de enfermeiras durante a realização da pesquisa, com possível interferência na ocorrência do desfecho. Estudo observacional aponta que a inserção de quatro cateteres guiados por ultrassonografia é suficiente para uma assertividade de 70%, e que são necessárias entre 15 e 26 inserções para que a taxa de sucesso suba para 88%(30). Ou seja, quanto maior a habilidade do enfermeiro em manusear a tecnologia, maior a taxa de sucesso do procedimento.
Recomenda-se a participação ativa do enfermeiro na indicação dos acessos venosos, a partir do planejamento da terapia infusional, por meio da sua inserção nos times de acessos vasculares como elementos-chave na tomada de decisão interdisciplinar, de modo a identificar potenciais beneficiários da PVP-US.
Ressalta-se que não há estudos de custo-efetividade ou de custo-benefício desta tecnologia para punção periférica para realidade brasileira até o momento. Contudo, acredita-se que pacientes com rede venosa periférica difícil possam ser beneficiados com o uso desta tecnologia, tais quais pacientes críticos, oncológicos e em centros cirúrgicos.
Cabe aos gestores das instituições de saúde avaliar em que medida esta tecnologia pode atender sua população, considerando a satisfação do paciente, dos familiares e da equipe e a qualidade do atendimento prestado; e ainda capacitar os profissionais para que tenham habilidades e competências suficientes para a promoção da qualidade do cuidado e da segurança do paciente, mediante o uso da tecnologia.
CONCLUSÃO
A taxa de sucesso na primeira tentativa de PVP-US foi de 64,95%. Os fatores associados ao sucesso na PVP foram características da rede venosa, com destaque para a veia de trajeto retilíneo e visível. Assim, destaca-se a necessidade de incorporar a ultrassonografia na prática clínica dos enfermeiros, contudo para que isso ocorra se faz necessária a mudança na forma de executar o procedimento, em que a visibilidade seja alcançada com auxílio da tecnologia, permitindo assim a punção de veias mais profundas e de maior calibre.
Conhecer os fatores de sucesso e de insucesso para punção na primeira tentativa pode contribuir para melhoria da qualidade do cuidado ao paciente que necessita de terapia intravenosa, uma vez que servirão de subsídio para que o enfermeiro selecione a veia que apresenta maiores chances de ser puncionada com sucesso.
Frente aos resultados aqui apresentados, sugere-se a realização de ensaios clínicos randomizados, que tenham como objetivo avaliar a efetividade da tecnologia de ultrassonografia e sua taxa de sucesso na primeira tentativa de punção, em relação à punção venosa tradicionalmente realizada nas instituições hospitalares.
A limitação da presente pesquisa foi o pouco tempo que o aparelho foi disponibilizado pelo fabricante, fator que estabeleceu o numero de dias para a coleta de dados.
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Notas
Autor notes
Autor Correspondente: Edivane Pedrolo, Universidade Federal do Paraná, Av. Prefeito Lothário Meissner, 632 – 80210-170 - Curitiba, PR, Brasil. E-mail: edivanepedrolo@gmail.com