Artigo original

COMPETÊNCIA EM COMUNICAÇÃO E ESTRATÉGIAS DE ENSINOAPRENDIZAGEM: PERCEPÇÃO DOS ESTUDANTES DE ENFERMAGEM*

COMPETENCIA EN COMUNICACIÓN Y ESTRATEGIAS DE ENSEÑANZA Y APRENDIZAJE: PERCEPCIÓN DE ESTUDIANTES DE ENFERMERÍA

Camila Dalcól
Universidade Estadual de Londrina, Brasil
Mara Lúcia Garanhani
Universidade Estadual de Londrina, Brasil
Lígia Fahl Fonseca
Universidade Estadual de Londrina, Brasil
Brígida Gimenez Carvalho
Universidade Estadual de Londrina, Brasil

COMPETÊNCIA EM COMUNICAÇÃO E ESTRATÉGIAS DE ENSINOAPRENDIZAGEM: PERCEPÇÃO DOS ESTUDANTES DE ENFERMAGEM*

Cogitare Enfermagem, vol. 23, núm. 3, e53743, 2018

Universidade Federal do Paraná

Recepção: 06 Julho 2017

Aprovação: 23 Março 2018

RESUMO

Objetivo: compreender as percepções dos estudantes de enfermagem sobre as estratégias de ensino-aprendizagem para o desenvolvimento da competência em comunicação, em um Currículo Integrado.

Método: estudo qualitativo-compreensivo, do tipo estudo de caso, realizado com 55 estudantes do curso de graduação em enfermagem de uma universidade pública do sul do Brasil, em outubro de 2014 e agosto de 2015, por meio de 6 grupos focais, gravados, transcritos na íntegra e submetidos à análise de conteúdo de Bardin. Os resultados foram discutidos de acordo com os pressupostos do Pensamento Complexo de Edgar Morin.

Resultados: As estratégias que colaboraram com o desenvolvimento da comunicação foram as aulas teóricas, o tutorial, o seminário, a avaliação escrita, o portfólio, o estágio, as Práticas Interdisciplinares e Multiprofissional, o internato e o feedback.

Conclusão: O currículo em estudo favoreceu o desenvolvimento da competência de comunicação por meio das metodologias ativas utilizadas e da estruturação modular.

DESCRITORES: Comunicação+ Educação em enfermagem+ Currículo.

RESUMEN

Objetivo: comprender las percepciones de los estudiantes de enfermería acerca de las estrategias de enseñanza y aprendizaje para el desarrollo de la competencia en comunicación, en un Currículo Integrado.

Método: estudio cualitativo comprensivo, del tipo estudio de caso, realizado con 55 estudiantes del curso de graduación en enfermería de una universidad pública del sur de Brasil, en octubre de 2014 y agosto de 2015, por medio de 6 grupos focales, grabados, transcriptos integralmente y sometidos al análisis de contenido de Bardin. Se discutieron los resultados según los presupuestos del Pensamiento Complejo de Edgar Morin.

Resultados: Las estrategias que contribuyeron con el desarrollo de la comunicación fueron las clases teóricas, el tutorial, el seminario, la evaluación escrita, el repertorio, las prácticas, las Prácticas Interdisciplinario y Multiprofesional, el internado y el feedback

Conclusión: El currículo en estudio favoreció el desarrollo de la competencia de comunicación por medio de las metodologías activas utilizadas y de la estructuración modular.

DESCRITOPRES: Comunicación, Educación en enfermería, Currículo.

INTRODUÇÃO

Caminhos inovadores estão sendo trilhados no que diz respeito à formação de profissionais da área da saúde, adotando novas organizações curriculares e metodologias de ensino-aprendizagem. Estas últimas buscam integrar teoria e prática, ensino e serviço, formar indivíduos reflexivos e criativos, capazes de transformar a realidade social, atendendo ao novo perfil delineado para os profissionais dessa área.(1-2)

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Enfermagem preconizam o desenvolvimento de cinco competências e habilidades gerais para a formação do enfermeiro: tomada de decisão, liderança, administração e gerenciamento, educação permanente e comunicação.(3)

A comunicação é primordial no cuidado da enfermagem, destacando que o processo de comunicação entre o enfermeiro e o cliente deve buscar desenvolver a assistência de maneira humanizada e empática. Assim, a comunicação, além de um instrumento básico, deve ser desenvolvida e alcançada como competência para o profissional enfermeiro.(4-5)

Almejando alcançar esta competência, diferentes alternativas devem ser utilizadas para estimular o aprendizado, uma vez que apenas uma única estratégia não é capaz de formar um indivíduo com pensamento complexo e comprometido com suas ações. Estratégia significa a arte de explorar condições favoráveis e disponíveis, a fim de atingir determinados objetivos específicos. Para isto, o professor deve ser um verdadeiro estrategista, selecionando e aplicando as melhores ferramentas que facilitem o aprendizado do estudante.(6)

Assim, optamos por estudar um curso que utiliza uma proposta pedagógica diferenciada, o Currículo Integrado. Este busca inovar diversos aspectos do processo de ensino-aprendizagem, como a relação entre professores e alunos, a relação entre teoria e prática, a utilização de metodologias ativas, organização curricular em módulos, objetivando a atuação multiprofissional, a interdisciplinaridade e a formação do enfermeiro por meio de competências.(7)

O Currículo Integrado do curso de graduação de enfermagem em estudo possui sua estrutura em forma de espiral, organizando-se do geral para o específico, de complexidade crescente ao longo do curso, proporcionando sucessivas aproximações entre os temas que se somam e se interligam entre si, totalizando 18 módulos ao longo de quatro anos. Foram incluídos neste currículo doze temas transversais essenciais para a formação do enfermeiro, entre eles a comunicação.(7)

Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi compreender as percepções dos estudantes de enfermagem sobre as estratégias de ensino-aprendizagem, para o desenvolvimento da competência em comunicação em um Currículo Integrado.

METODOLOGIA

Pesquisa qualitativa, compreensiva, do tipo estudo de caso, realizada por meio de seis grupos focais, composta pela amostra de 55 estudantes, das quatro séries do curso de enfermagem.

O local do estudo foi em um curso de enfermagem de uma universidade pública do sul do Brasil que utiliza o Currículo Integrado há 15 anos, que adota temas transversais em seu processo de ensino-aprendizagem, sendo a comunicação um deles, com 60 vagas anuais, com duração de quatro anos em período integral.(7-8)

A matriz curricular do curso é composta por 18 módulos. No primeiro e segundo anos, os estudantes possuem um módulo de Práticas Interdisciplinares e Multiprofissional (PIN) que desenvolvem juntamente com o curso de Medicina e de Farmácia. No quarto ano, vivenciam o Internato em Enfermagem subdividido em área hospitalar e saúde coletiva.(7)

Os estudantes foram convidados pessoalmente pela pesquisadora principal, em sala de aula, quem apresentou o objetivo do estudo, e posteriormente, foram confirmados a data e local da realização da pesquisa por meio de mensagens eletrônicas. Foram critérios de inclusão: estudante regularmente matriculado no curso de graduação de enfermagem e que aceitasse participar livre e espontaneamente da pesquisa. E foram excluídos os estudantes que realizaram parte do curso em outras instituições de ensino.

A coleta de dados ocorreu em outubro de 2014 e agosto de 2015. A pesquisadora principal desta pesquisa foi coordenadora dos grupos focais, contando com a colaboração de duas observadoras e da docente orientadora.

Para aproximação com a temática, foi reproduzido um vídeo intitulado como “Enfermagem – Nós fazemos a diferença!”(9), que aborda o cotidiano do enfermeiro, envolvendo os diferentes tipos de comunicação. Na sequência, foram realizadas as seguintes interrogações: Como a comunicação está sendo desenvolvida no curso de enfermagem? Gostariam de falar sobre alguma experiência relacionada com a comunicação? Como a comunicação é avaliada durante o curso? Quais dificuldades vocês percebem no ensino sobre a comunicação? Vocês têm alguma sugestão para melhorar o ensino da comunicação?

Os grupos focais foram audiogravados, transcritos na íntegra e submetidos à análise de conteúdo proposta por Bardin,(10) seguindo três etapas: pré-análise, exploração do material e o tratamento dos resultados que englobam a codificação e a inferência.

Durante a análise de conteúdo buscaram-se temas que se referissem às estratégias de ensino-aprendizagem que envolve a comunicação, as vivências significativas para o seu aprendizado e as fragilidades e sugestões no desenvolvimento da comunicação durante a sua formação. Os resultados foram discutidos de acordo com o pensamento complexo de Edgar Morin, por meio de dois princípios operadores: hologramático e recursivo.

Os participantes foram informados quanto aos objetivos da pesquisa, a audiogravação, o anonimato, e, por fim, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para preservar o anonimato dos entrevistados, os grupos focais estão representados pelas letras GF, seguido do número da série. Foram utilizadas as letras “a” e “b”, quando houve a realização de mais de um grupo focal da mesma série, e, para se referir aos estudantes, optou-se pela letra E, seguida do número do aluno dentro do grupo focal.

O estudo contemplou a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de ensino à qual está vinculada a autora principal, conforme Resolução 466/12, com aprovação do CEP/UEL com n.º 200/2013, em 15 de novembro de 2013.

RESULTADOS

Foram realizados seis grupos focais com os estudantes do curso de graduação em enfermagem, separados por série, sendo dois com a primeira série (nove + nove); dois com a segunda (10+9); um com a terceira (11) e um com estudantes da quarta série (sete), totalizando 55 participantes. Buscando cumprir o rigor metodológico do grupo focal, que sugere intervalo de seis a quinze participantes, justifica-se a realização de dois grupos focais com a primeira e segunda série, devido ao grande número de interessados a participar da pesquisa.

Os encontros para os grupos focais ocorreram nos meses de outubro de 2014 e agosto de 2015, no intervalo do horário de almoço dos estudantes, na própria instituição de ensino em estudo, com intervalo de duração de 1 hora a 1 hora e meia.

As estratégias de ensino-aprendizagem, descritas pelos estudantes das quatro séries de um curso de enfermagem que visam o desenvolvimento da competência em comunicação, estão ilustradas na Figura1.

Estratégias de ensino-aprendizagem que envolvem a comunicação, de acordo com os estudantes das quatro séries do curso de enfermagem da UEL, Londrina, Brasil, 2015
Figura 1
Estratégias de ensino-aprendizagem que envolvem a comunicação, de acordo com os estudantes das quatro séries do curso de enfermagem da UEL, Londrina, Brasil, 2015

As estratégias que mais colaboraram para o desenvolvimento da competência em comunicação, na percepção dos alunos, foram: aulas teóricas, tutoriais, seminários, estágios, Práticas Interdisciplinares e Multiprofissional (PIN) I e II, Internato de Enfermagem, portfólios, avaliações escritas e feedbacks. Na percepção dos alunos, estas estratégias colaboraram para o desenvolvimento da competência em comunicação durante a sua formação.

Aulas Teóricas

As aulas teóricas de comunicação terapêutica e relacionamento interpessoal, comunicação visual e as orientações dadas pelos professores sobre o tema em diferentes momentos foram citadas como base teórica para o conhecimento da comunicação verbal e não verbal.

O módulo que mais abordou a comunicação com o paciente foi Saúde Mental, você ver o paciente com outros olhos, tentar compreender, empatia, se colocar no lugar dele.

(GF1aE10)

Em relação à comunicação escrita, relataram a necessidade de avaliar a escrita do aluno ao ingressar na faculdade, e fornecer aulas teóricas de português no currículo, a fim de melhorar a comunicação verbal.

A gente vê recém-formados ou enfermeiros no próprio campo trabalhando com muitos erros ortográficos e falta de comunicação. Eu acho que deveriam avaliar isso quando o aluno chega, avaliar como escreve, e ver a necessidade de introduzir isso no começo.

(GF4E1)

A aproximação com alguns temas foi percebida como tardia para os discentes do quarto ano, como o trabalho científico e a evolução de enfermagem, sugerindo que essas temáticas sejam abordadas anteriormente aos estágios.

Tutoriais

O tutorial busca o desenvolvimento do raciocínio crítico e da aprendizagem significativa, a partir de estudos de caso realizados em grupos de 8 a 12 alunos e um tutor responsável. A estratégia do tutorial foi mencionada como uma ferramenta que possibilita o desenvolvimento da comunicação oral, uma vez que são estimulados a falar. Enfatizaram que desenvolveram um melhor aprendizado com os tutoriais do que com aulas expositivas.

Eu, particularmente, aprendo mais com tutorial do que com uma aula das oito ao meio dia, porque ele envolve a escrita e envolve a verbal.

(GF1aE5)

Eu acho que o tutorial ajuda a gente a se comunicar, porque a gente é obrigado a falar. O professor fala assim: se você não se comunicar, não falar, você vai ficar retido.

(GF2bE7)

Seminários

Durante os seminários, os estudantes citaram que foram avaliados em suas habilidades escrita, oral, postura, expressão, tom de voz e formalidade.

Acho que agora mais para o final, no segundo, terceiro e quarto ano que a gente foi cobrado, postura, tom de voz, que eles estavam avaliando mesmo, no começo era bem informal. [Seminário

(GF4E4)

Estágios Práticos

Os estágios são aulas práticas para o desenvolvimento de técnicas, procedimentos e assistência de enfermagem em áreas de atuação profissional. Por mais que a comunicação seja abordada teoricamente, foi durante os estágios que os estudantes conseguiram desenvolver habilidades de comunicação escrita, oral e não verbal.

O que a gente vai aprendendo é mais na parte prática mesmo, principalmente a comunicação: como se portar dentro do setor, como você fala e se dirige a outras pessoas, seu tom de voz, sua personalidade, sua gesticulação.

(GF2bE3)

Nos estágios relatam que são avaliados em relação à apresentação pessoal e comunicação escrita. Referiram que desde o primeiro ano foram cobrados a fazer “cara de paisagem”, manter a calma, o foco e a postura, e, nos estágios do último ano, os professores cobravam ainda mais a comunicação escrita.

Salientaram ainda que a comunicação é algo que aprendem desde pequenos, e durante a graduação desenvolvem esta habilidade geralmente sozinhos, uma vez que o professor não consegue estar presente em todos os momentos durante as práticas.

No estágio nós somos três duplas e é uma professora. Então, ela não consegue estar o tempo inteiro lá. Então, acaba muito a gente tendo que se virar, tendo que aprender sozinha como que se comunicar.

(GF1aE9)

Algumas fragilidades no processo de comunicação com os pacientes e familiares também foram relatadas pelos acadêmicos, como a dificuldade de abordar e se comunicar com o paciente, de controlar a comunicação não verbal, e a falta de preparo para atuarem em situações adversas, como em casos de óbitos, informação sobre estado de saúde e educação em saúde.

Módulos PIN I e II

Nos módulos PIN I e II estudantes dos cursos de medicina, enfermagem e farmácia realizam atividades interdisciplinares nas unidades básicas de saúde, acompanhados por docentes de diferentes áreas. Diferentes estratégias nestes módulos propiciam o desenvolvimento da comunicação, como visitas domiciliares, narrativas, tutorial, dramatizações, problematização, textos e síntese.

As visitas domiciliares promoveram o desenvolvimento da comunicação oral por meio da interação com as famílias, e o desenvolvimento da habilidade escrita foi percebido ao elaborar narrativas. Em alguns momentos, relataram a falta de orientação para se aproximar do paciente.

A gente ia visitar umas famílias. Tinha uma senhora que falava, trazia café, e eu não queria conversar com ela porque morria de vergonha, e com o tempo eu fui sendo obrigada a falar, porque eu tinha que entregar narrativa.

(GF2aE2)

No meu PIN faltou um pouco a orientação de como me aproximar do paciente, porque a gente ia para UBS e o professor falava: hoje tem visita, colham essas informações. Tinha o paciente que era extremamente aberto, mas tinha paciente que não queria conversar, e o professor não falou como eu devia agir nesse momento.

(GF1aE5)

Uma fragilidade apontada foi a existência de conflitos e a falta de integração entre os estudantes dos diferentes cursos do PIN. Os discentes propõem que o professor elabore algumas estratégias de integração durante este módulo, a fim de melhorar a comunicação e a relação interpessoal.

Uma sugestão é preparar uma aula ou algo do gênero para mostrar que cada um está ali para fazer a sua parte [...] talvez uma palestra, um jogo, um choque de realidades por meio do PIN.

(GF2aE2)

Internato de Enfermagem

O internato de enfermagem constituiu o estágio supervisionado que ocorre no último ano do curso, com encontros teóricos semanais que abordam temas sobre gerenciamento, aproximando o futuro enfermeiro do cotidiano e dos desafios da vida profissional.

Ao vivenciar o internato, os discentes da quarta série relataram que conseguiram relacionar a teoria com a prática, desenvolver a comunicação escrita por meio das evoluções de enfermagem e amadureceram a sua comunicação verbal.

No primeiro ano a gente escreve de uma forma que a gente acha, mas fica bem mais coerente agora no internato, que a gente faz síntese assimilando teoria e prática. e então, a gente cita autor, cita algumas coisas de pensamento seu, mas tudo relacionado teoria e prática. Nós viemos crescendo do primeiro ano para cá, mas fica mais forte no quarto ano.

(GF4E5)

Avaliações escritas e Portfólios

As provas escritas e o portfólio, também conhecido como pasta temática, foram percebidos como métodos de avaliação. Em relação às avaliações escritas, os estudantes relataram a falta de clareza quanto aos objetivos almejados, falta de atividades com exemplos antes da prova, e a exigência de cada professor.

A gente teve prova agora de Saúde Mental, e caiu: faça uma evolução, e foi horrível fazer uma evolução sem ter nenhum roteiro, nenhum exemplo, sabe? Então, eu acho que a gente deveria ter mais atividades assim.

(GF3E4)

A gente tem que entender como que a professora quer que a gente responda e tem que saber a personalidade dela, fazer do jeito que ela quer.

(GF2bE2)

A gente se comunica através de portfólio [...] E elas cobram mais essa parte da escrita gerencial. Você não pode escrever de qualquer jeito igual a gente estava acostumado. Não é igual mandar um e-mail para um amigo, então, elas cobram mais.

(GF4E4)

Feedback

O fornecimento de feedbacks pelos professores foi uma estratégia de avaliação que auxiliou os alunos a desenvolverem a comunicação verbal e não verbal. Entretanto, ressaltaram que nem todos os professores utilizam este recurso.

Os professores dão um feedback para gente: “Vocês têm que usar uma linguagem mais formal, vocês têm que conversar mais entre si”. Então, o que a gente vai aprendendo dos módulos é mais na parte prática, principalmente esta parte de comunicação, que daí a gente depende também do feedback do professor. Tem professor que é mais favorável a dar feedback, tem professor que deixa a gente lá.

(GF2bE7)

DISCUSSÃO

Diante do exposto, a discussão dos resultados deu-se sob a ótica de dois princípios operadores: o hologramático e o recursivo. O princípio hologramático reforça a interação entre o todo e as partes, defendendo a ideia de que não somente as partes estão no todo, mas também o todo está nas partes.(11-12)

Nesta perspectiva, compreendemos que o todo neste estudo pode ser representado pela competência em comunicação a ser alcançada ao longo da formação do enfermeiro, e as partes pelas diferentes estratégias de ensino-aprendizagem propostas e desenvolvidas no Currículo Integrado.

De acordo com a diversidade de estratégias citadas, podemos inferir que a comunicação permeia de forma direta e/ou indireta as estratégias de ensino-aprendizagem, desenvolvidas no curso de enfermagem em estudo. Em outras palavras, está sendo ensinada e estimulada em todas as suas partes, contribuindo para o desenvolvimento do todo – a competência em comunicação.

Apoiada no princípio hologramático, sabemos que a soma das partes pode resultar de maneira diferente do todo, uma vez que a totalidade pode ser maior ou menor do que a soma das partes.(13) Assim, cada estratégia é vivenciada e percebida de maneira diferente por cada estudante, refletindo no desenvolvimento singular e subjetivo da competência como um todo.

O princípio recursivo relaciona a causa e o efeito de um acontecimento, uma vez que os produtos e os efeitos, observados por outros ângulos, podem ser causas e produtores. Desta forma, o ensino e a aprendizagem da comunicação possuem essa recursividade, no qual professor e aluno interagem e atuam ora como causa, ora como produto.(14) Sendo assim, podemos observar que as percepções e sugestões dos estudantes contribuem para o aprimoramento do processo ensino-aprendizagem no desenvolvimento da competência comunicativa.

Podemos perceber que o estudante ainda vive dilemas entre as metodologias ativas e passivas, pois ainda destacam as aulas teóricas como importantes no desenvolvimento da comunicação, mas relatam a falta das mesmas em alguns momentos. Se analisarmos este dilema sob a ótica hologramática(13), podemos compreender que tantos as aulas passivas quanto as metodologias ativas são as partes do processo de ensino-aprendizado que juntas resultam no desenvolvimento da competência em comunicação dos estudantes.

Outro ponto merecedor de reflexão é a solicitação de uma disciplina de língua portuguesa, uma vez que uma das ferramentas da enfermagem é a comunicação escrita, por meio da documentação de suas ações.(15) Porém, a organização modular integrada não prevê disciplinas isoladas e sim conteúdos integrados, contínuos e gradativos. Assim, aprender e utilizar a língua portuguesa de maneira correta é uma parte que integra o todo da competência da comunicação.

Cabe salientar, que nos tutoriais, professores e estudantes interajam de forma mais abrangente e recursiva(14), sendo necessário falar e ouvir, perceber e analisar, a fim de promover um espaço de criação compartilhada do aprendizado. Estudo realizado com estudantes de enfermagem, a respeito do trabalho em equipe, destacou a importância da comunicação durante a realização dos tutoriais, ressaltando o aprender a ouvir, falar, esperar e respeitar a opinião do outro.(16)

O portfólio foi percebido como produtivo no desenvolvimento da habilidade escrita. Em outra pesquisa também realizada com estudantes de um Currículo Integrado, o portfólio auxiliou o aluno na construção do seu próprio conhecimento, por meio da aprendizagem significativa, relacionando a teoria com a prática, teorizando suas ações, ligando suas experiências prévias com as adquiridas.(17)

Podemos inferir que a construção do portfólio utiliza do princípio hologramático(13) ao agregar diversas partes do conhecimento, fontes e experiências, a fim de construir o conhecimento como um todo. Também é percebida a relação entre teoria e prática neste contexto, uma vez que se somam e se integram na construção de um conhecimento mais sólido.

Cumpre destacar que os estudantes desenvolveram a competência em comunicação de maneira mais autônoma durante as práticas, uma vez que a comunicação ocorre pelo encontro ou reencontro entre as pessoas, e a prática possibilita interação do aluno e professor, identificando as fragilidades a serem melhoradas no que diz respeito à comunicação.(14,18) Durante as práticas é possível perceber a recursividade(14) no processo de comunicação, uma vez que se relacionam com o professor, pacientes, profissionais de saúde e os demais estudantes, percebendo em si e nos demais, as fragilidades comunicativas que devem ser melhoradas.

Situações desafiadoras que envolvem a comunicação fazem parte do cotidiano do enfermeiro. Um estudo aponta que 91,6% dos profissionais de saúde não tiveram preparo para lidar com situações adversas como a notícia de morte durante a sua formação acadêmica.(19)

O controle sobre a comunicação não verbal foi outra dificuldade encontrada durante os estágios, uma vez que os alunos se depararam com situações delicadas que exigiram a habilidade de tornar conscientes suas expressões não verbais. A comunicação não verbal envolve a expressão dos sentimentos e traz qualidade ao relacionamento humano, permitindo a compreensão que vai além das palavras,(5) representando 80% dos sinais não verbais.(20)

De acordo com autores, os feedbacks fornecidos pelos professores explicitam o desenvolvimento da comunicação verbal e não verbal do estudante, possibilitando que os mesmos façam uma autoavaliação de suas interações.(21)

Na relação entre docentes e estudantes deve fazer-se presente a recursividade, a fim de aprimorar o processo ensino-aprendizagem, principalmente no que tange ao desenvolvimento da comunicação. Tanto o estudante quanto o professor devem ter um único objetivo, que é o de adquirir e construir o conhecimento, o que exige interesse, motivação, persistência e esforços dos dois lados.(22)

As estratégias de ensino-aprendizagem, citadas ao longo deste estudo, possibilitaram o desenvolvimento da competência em comunicação. Porém, de acordo com o princípio hologramático(14), os estudantes podem ter alcançado resultados não idênticos, uma vez que a comunicação não é uma equação ou objeto real, e sim uma habilidade subjetiva e não quantificável.

O princípio recursivo(14) se faz presente durante a comunicação, uma vez que somos emissor e receptor da mensagem ao mesmo tempo, sendo produzida e consumida no mesmo espaço de tempo. Sendo assim, a comunicação é recursiva por si só, uma vez que ocorre a troca e a reciprocidade.

Tanto o principio hologramático quanto o recursivo se fizeram presentes em diferentes momentos do desenvolvimento da competência em comunicação, sendo possível estabelecer uma relação entre os dois, fazendo também estes princípios parte de um todo que é o pensamento complexo, que não significa possui ou alcançar o conhecimento completo, mas sim o saber integrado que se relaciona e se integra.(13-14)

O desenvolvimento da competência em comunicação, durante a formação do enfermeiro, não denota o alcance do conhecimento completo, mas sim um ponto de partida a ser desenvolvido e aperfeiçoado nos processos comunicacionais e nas relações com o próximo, sendo um processo de aprendizado contínuo que perdurará para toda a vida.

Os limites deste estudo situam-se na necessidade de ouvir os docentes e de pensar formas de implementação de temas transversais em outras propostas curriculares, além de estender esta questão aos outros cursos de formação na área da saúde. Refletir sobre a comunicação na formação e na atuação dos profissionais de saúde ainda é um grande desafio e deve continuar a ser estudado.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, constatamos que o processo de ensino-aprendizagem do tema transversal comunicação na percepção dos estudantes no Currículo Integrado em estudo está ocorrendo de maneira transversal, por meio de estratégias e metodologias ativas. Sendo a recursividade um tesouro desvelado, devemos considerar as sugestões dos acadêmicos, para o melhor desenvolvimento da competência comunicativa para o futuro enfermeiro.

Analisar os resultados sob a ótica dos princípios operadores de Morin permitiu compreender a complexidade do desenvolvimento da competência em comunicação, em que cada indivíduo vivencia as estratégias de maneira ímpar, consonando em diferentes resultados no todo. Considerando a comunicação como integrante do ser humano, sendo parte de seu conhecimento adquirido desde o nascimento e em constante aprimoramento, torna-se um desafio para as instituições de ensino superior criar circunstâncias para desenvolver habilidades comunicativas em seus estudantes.

Esperamos contribuir com o aperfeiçoamento do desenvolvimento da competência em comunicação durante a formação do enfermeiro do Currículo Integrado em estudo, bem como estimular outras instituições de ensino de enfermagem a refletirem sobre essa temática.

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Notas

* Artigo extraído da dissertação intitulada: “Comunicação na formação do enfermeiro: reflexões na perspectiva dos estudantes e do pensamento complexo” apresentado ao Programa de Mestrado da Universidade Estadual de Londrina, 2016.

Autor notes

Autor Correspondente:Camila Dalcól. Universidade Estadual de Londrina. R. Amador Bueno, nº 250, CEP 86010-620. Londrina, Paraná, Brasil. E-mail: kamila_dalcol@hotmail.com

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