Educação na tecnologia social: análise de experiências

Education in Social Technology: analysis of experiences

Luciane Cristina Benites Pereira
Universidade Estadual do Norte do Paraná, Brasil
Carlos Cesar Garcia Freitas
Universidade Estadual do Norte do Paraná, Brasil

Educação na tecnologia social: análise de experiências

Revista Tecnologia e Sociedade, vol. 14, núm. 30, pp. 105-120, 2018

Universidade Tecnológica Federal do Paraná

Recepção: 27 Fevereiro 2017

Aprovação: 07 Agosto 2017

Resumo: Este artigo compõe-se de um estudo acerca dos fenômenos Educação e Tecnologia Social (TS). Como objetivo principal buscou-se verificar os processos de educação empregados nos projetos de TS em resposta a seguinte pergunta de pesquisa: como a educação tem sido trabalhada por meio dos projetos de Tecnologia Social? A metodologia utilizada foi revisão bibliográfica a partir de leitura e síntese para fundamentação do estudo, e análise documental de cinco projetos de TS. Os projetos foram retirados do banco de dados da Fundação Banco do Brasil. Para análise foram utilizadas as categorias: soluções adotadas, público atendido, riqueza dos recursos empregados e resultados alcançados. Constatou-se que a educação é fator central da Tecnologia Social, como caminho para a emancipação dos indivíduos e transformação social. A partir das soluções adotadas, observou-se: utilização de técnicas de arte, geração de saberes, ensino por investigação, utilização das tecnologias de informação, entre outros.

Palavras-chave: Tecnologia, Educação, Tecnologia Social.

Abstract: This article is made up of a study about the phenomena of Social Education and Technology (TS). The main objective was to verify the education processes employed in TS projects in response to the research question: how has education been worked through Social Technology projects? The methodology used was bibliographic review based on reading and synthesis, and documentary analysis of five TS projects. The projects were taken from the Banco do Brazil Foundation database. For the analysis, the following categories were used: solutions adopted, public served, wealth of resources employed and results achieved. It has been found that education is a central element of Social Technology, as a way for the emancipation of individuals and social transformation. The following solutions were adopted: art techniques, knowledge generation, research teaching, use of information technology, among others.

Keywords: Technology, Education, Social Technology.

INTRODUÇÃO

A educação é um processo essencial para a transformação social e caminho obrigatório para uma sociedade includente e sustentável. Contudo seu emprego de modo significativo se apresenta como um grande desafio para os educadores que têm buscado alternativas e recursos para o atendimento de suas demandas atuais e futuras.

Por outro lado, os avanços tecnológicos têm contribuído com uma gama de opções de recursos que têm seduzido a muitos. No entanto, o emprego discriminado baseado em uma visão meramente funcional da tecnologia tem feito com que esforços e investimentos sejam desperdiçados em ações inócuas. Assim, a decisão sobre o que deve ser empregado no processo educacional deve passar por um estudo crítico não somente dos benefícios potenciais, mas dos valores que estão por trás da tecnologia e que irão provocar modificações na realidade.

Neste sentido, foi proposto o presente estudo acerca dos fenômenos Educação e Tecnologia Social (TS). Como objetivo principal buscou-se verificar os processos de educação empregados nos projetos de TS em resposta a seguinte pergunta de pesquisa: de que modo a educação tem sido trabalhada por meio dos projetos de Tecnologia Social?

Serve este ao intuito de esclarecer a validade da Tecnologia Social como alternativa para uma educação que leve o indivíduo ao seu desenvolvimento integral.

A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica a partir de leitura de referencial acerca dos fenômenos e da análise documental de cinco experiências de TS obtidas junto ao banco de dados da Fundação Banco do Brasil.

O artigo segue a seguinte sequência: referencial teórico, materiais e métodos utilizados durante a pesquisa, resultados e discussões, conclusão e referências.

A EDUCAÇÃO

O termo educação é amplo, pois envolve todo processo da convivência humana em determinado contexto. Nas sociedades primitivas não existiam escolas formais1 nem métodos educacionais reconhecidos pela ciência, porém, a educação já estava presente na convivência dos indivíduos, uma vez que “[...] toda ação humana pode ser considerada como prática educativa, pois, ao longo do tempo o ser humano reelabora o conhecimento através da prática da imitação, dos mitos e ritos, o que colaborou com a construção cultural da sociedade” (JESUS, 2009, p. 1).

Nesse sentido, a educação “informal” era transmitida pela família. Posteriormente, passa a ser ministrada com o título de instrução pelos sacerdotes que se constituem os primeiros professores profissionais (CAMBI, 1999, apud JESUS, 2009).

Não é possível distinguir o momento em que o ser humano inventou a educação, menos ainda determinar o que veio antes: trabalho, linguagem, cultura ou educação. O homem é constituído e constituinte do processo de trabalho pela linguagem, pela cultura e pela educação (MELO, 2012).

Assim, a educação escolarizada tal qual conhecemos tem suas raízes na Grécia, tendo como precursores os filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles. Seus ideais pautavam-se na liberdade política e moral, no desenvolvimento intelectual (filosofia e arte) e na racionalidade (JESUS, 2009). Durante a Idade Média a educação ficou a cargo da Igreja, que elaborou seus métodos de ensino baseados na formação do homem de fé.

Com o passar do tempo, a educação apresentou consideráveis mudanças. Nas últimas décadas, por exemplo, é considerada como processo de formação humana em sentido global, que ocorre através da aquisição dos conhecimentos que foram acumulados pelo homem durante a história da humanidade (FREIRE et al, 1996).

Sendo a educação considerada como processo de aquisição de conhecimento, busca-se através deste, encontrar soluções para estar e viver melhor no mundo. A produção de conhecimento proporcionou conquistas revolucionárias para a humanidade; vive-se o mundo da globalização, das tecnologias digitais, das mídias e da interação, e a preocupação está em buscar conhecimentos. Neste contexto, a escola precisa alterar sua função de transmissora de informação, para geradora de conhecimento com base no mundo tangível (WEBER, 2013).

Conforme se observa, na atualidade, há a necessidade de pessoas reflexivas e críticas para atuarem em sociedade, e esta reflexão, se consegue através de um processo educacional. Não uma educação passiva como há tempos atrás, mas sim ativa, pois as mudanças da sociedade requerem pessoas com formação equivalente às mudanças nas ações e formas de pensar da sociedade. Assim, a importância da educação escolarizada está na transformação que esta faz no sujeito, elevando-o de sua condição natural a um ser reflexivo, que tenha ferramentas as quais possa utilizar na resolução de problemas da vida individual ou coletiva.

Portanto, o desafio que se coloca no início do século XXI é como fazer com que educandos se interessem pelos conteúdos escolares, visto que a escola parece ultrapassada pelos avanços da tecnologia? Esse questionamento ainda não possui uma resposta definida, pois “ser professor neste século é se deparar com dilemas para os quais as respostas do passado já não servem, e as do presente ainda não existem, [...] é preciso reinventar um sentido para a escola, tanto do ponto de vista ético quanto cultural” (NÓVOA, 2010, p. 1).

EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA

A tecnologia é considerada “[...] tudo aquilo que o ser humano inventa para tornar a sua vida mais fácil ou mais agradável. As tecnologias são ferramentas que ajudam o homem a manter-se vivo, no plano dos meios e no plano dos fins” (SOFFNER, 2014, p. 58), podendo estas ser um artefato ou um processo.

Partindo da definição da técnica como arte do saber fazer humano, pode-se destacar variadas formas desse saber fazer, no processo educativo com o emprego da tecnologia, na superação dos desafios dos educadores.

Como exemplo, a metodologia ‘passos didáticos’ do processo de ensino e aprendizagem propostos por Luckesi (2011): a) exposição: ponto de partida para aprendizagem intencional, apresentação do tema e explanação; b) assimilação: compreensão do que foi exposto, interpretação da realidade; c) exercitação: tarefas ativas realizadas por meio do movimento; e d) aplicação: uso de determinada aprendizagem em situações novas, que têm servido de referência para a proposição de sequências didáticas.

Tradicionalmente têm sido empregadas tecnologias na educação como quadro de giz, materiais impressos, livros didáticos, vídeos, ente outros. Porém, muitos outros meios têm se tornado disponíveis em função dos avanços da tecnologia. A partir da década de 1980 dispõe-se de: ambientes virtuais de aprendizagem, análise da aprendizagem através de programas, aprendizagem móvel, aprendizagem personalizada, cibercultura, dispositivos móveis, e-books, ensino adaptativo, robótica, sala de aula interativa, etc (TECEDUC, 2015).

A democratização da informação e do conhecimento faz com que um grande número de pessoas seja alcançado, o que não havia há pouco tempo atrás. Assim, é possível constatar que a tecnologia é um instrumento de promoção da educação.

No entanto, o sistema educativo, componente fundamental de qualquer sociedade, é vítima e, ao mesmo tempo, aliado do sonambulismo tecnológico, que prega o bem-estar das gerações presentes e futuras como consequência da produção de aparatos tecnológicos. Há uma ‘alienação’ entre a produção (emprego) de tecnologias e a reflexão sobre os impactos negativos ocasionados por estas, que é preciso ser superado no âmbito educacional. É preciso assumir que todos são responsáveis pelas consequências de um emprego tecnológico, seja na atual realidade como no futuro.

Linsingen (2008) afirma que não existe neutralidade no processo tecnológico, por isso os desafios em termos das implicações da Ciência e Tecnologia (C&T) extrapolam o campo da abordagem puramente técnica e grande parte das tentativas de traçar novos caminhos, ainda hoje, permanece “amarrada” na abordagem clássica da C&T dotadas de neutralidade, e as providências adotadas parecem não possuir profundidade suficiente para atacar o problema (BAZZO, 2002).

A evolução tecnológica pode ser considerada como provida de sucesso, o que falta são as considerações de causa e efeito que estas ocasionam para a sociedade. Daí a necessidade da transdisciplinaridade2 e indispensável formação de educadores sob a perspectiva do sentido social na aplicação da técnica (BAZZO, 2002).

A Nova Sociologia da Ciência e a Sociologia da Inovação argumentam que há interferência dos atores sociais na produção da C&T, e esta pode direcionar-se em uma multiplicidade de alternativas. Conclui-se, portanto que há um cunho político em cada aparato tecnológico proposto (DAGNINO, 2002).

Cientes desta realidade, os responsáveis pelos processos educacionais devem diante da diversidade tecnológica disponível, para enfrentamento dos desafios de uma educação significativa, fazer escolhas responsáveis que considerem o impacto da tecnologia na sociedade e seu potencial como instrumento de transformação social.

A tecnologia com a abrangência do sentido social contribui para que a educação perpasse os muros da escola e dê aos alunos, condição para se emanciparem e se tornarem mais ativos frente às problemáticas da prática social da atualidade (ITS, 2004).

TECNOLOGIA SOCIAL

O conceito de Tecnologia Social surgiu a partir dos pressupostos da tecnologia intermediária e, mais tarde, da tecnologia apropriada (TA), inspirado nas ideias de Mahatma Ghandi, na Índia, em meados do século XIX, ideias de empreendimentos que se diferenciavam do modelo industrial de desenvolvimento. A TA baseava-se em uma produção que oferecia condições para a inserção das pessoas ao invés da produção em massa, que privilegiava a tecnologia em detrimento do trabalho das pessoas (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004).

No ano de 1983, a TA surge no Brasil através do PTTA (Programa de Transferência de Tecnologia Apropriada) junto ao CNPQ, que foi encerrado em 1998 por questões políticas. Após três anos foi estabelecido no país o Instituto de Tecnologia Social (ITS, 2001) com a missão de “promover a geração, o desenvolvimento e o aproveitamento de tecnologias voltadas para o interesse social e reunir as condições de mobilização do conhecimento, a fim de que se atendam as demandas da população” (ITS, 2004, p.11).

Entre suas diversas ações destaca-se o envolvimento com o projeto Centro Brasileiro de Referência em Tecnologia Social, que permitiu recriar a Tecnologia Apropriada, como produto nacional denominado Tecnologia Social (ITS, 2004). O registro deste fato histórico deu-se com a publicação do Caderno de Debates, no ano 2004; graças ao: “[...] esforço conjunto de diversos atores (setores público e privado, institutos de pesquisa, representantes de universidades, e ONGs), que resultou em uma formulação organizada dos princípios, conceitos, parâmetros e implicações da TS” (FREITAS, 2012, p.104).

A Tecnologia Social já movimentou mais de 400 milhões de reais em projetos (RTS, 2011). “Nos últimos dez anos, de 2004 a 2015, mais de três milhões de pessoas tiveram suas vidas transformadas pelos quase seis mil projetos apoiados e investimentos sociais que totalizam 2,3 bilhões de reais” (FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL, 2016).

Definida como um “conjunto de técnicas e metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população e apropriadas por ela, que representam soluções para inclusão social e melhoria das condições de vida” (ITS, 2004, p. 26) a Tecnologia Social tem suas ações norteadas por quatro princípios: aprendizagem e participação são processos que caminham juntos; todo indivíduo é capaz de gerar conhecimento e aprender; a transformação social implica compreender a realidade de maneira sistêmica; e a transformação social ocorre na medida em que há respeito às identidades locais (ITS, 2004).

Percebe-se, portanto, que a Tecnologia social é um fenômeno de emancipação social, de resgate de valores e um processo educacional. Na Tecnologia Social a educação (processo de ensino e aprendizagem) é elemento central de toda ação de intervenção social. Para a TS a educação não é apenas um campo de atividade, mas uma dimensão transversal, não só à tecnologia social, mas à vida de cada cidadão (ITS, 2008).

Segundo o ITS (2007) um dos maiores problemas do Brasil está em universalizar uma educação pública de qualidade. Nesse sentido, a Tecnologia Social apresenta sua contribuição através de articulação entre os atores sociais que desejam melhorar a qualidade da educação pública.

Assim, a difusão do conhecimento seria um dos pontos chave para a emancipação social. O homem vive aprendendo, e o aprendizado gera a transformação do sujeito, que se torna mais capaz para enfrentar os problemas postos à sua frente. A educação entendida “não como absorção de conhecimentos prontos e vindos de fora, mas como a invenção e reelaboração constante do mundo, e de si mesmo, que cada um empreende durante toda a sua vida, é a mais ativa e mais presente das dimensões que constituem a tecnologia social” (PASSONI, 2008, p. 5).

Através da tecnologia social o processo de aprendizado vai além da educação formal, abrangendo a informal e a não formal por motivo de envolvimento dos variados setores da sociedade, seja pessoas que fazem parte do círculo acadêmico, ou em muitos casos, aquelas que possuem apenas ‘leitura de mundo’.

Em um esforço de demonstrar a trajetória “real-ideal” da implantação e funcionamento da TS, Garcia (2007) apresenta um esboço denominado quatro cantos da TS (Quadro 1). Neste, ganha destaque a educação como elemento chave do processo.

Quadro 1
Os quatro cantos da Tecnologia Social
Os quatro cantos da Tecnologia Social
Garcia, 2007

Percebe-se, que além da educação ocupar um dos quadrantes (Quadro 1), ela também está presente em todos os outros, sendo que, Conhecimento, Ciência, Tecnologia e Inovação são formas de aquisição de conhecimentos através da educação. Ainda, enquanto o indivíduo participa e exerce sua função de cidadão ele também está aprendendo, e, por último, a Relevância Social ocorre em uma experiência de TS quando os participantes têm oportunidades de participar e se emancipar.

Constata-se, portanto, a relação direta da educação na tecnologia social. Ainda, Passoni (2008) apresenta três aspectos que explicam a relação direta entre tecnologia social e educação, como segue: a) aprendizados gerados para todos os envolvidos – apesar de não ser uma aprendizagem formal, fornece grandes condições de emancipação para o sujeito, onde todos aprendem e desfrutam dos resultados; b) diálogo entre saberes populares e conhecimento científico – aqui há uma troca entre conhecimento de mundo e conhecimento acadêmico, onde cada envolvido dá a sua contribuição enriquecendo o aprendizado e valorizando as culturas; e c) difusão dos conhecimentos e tecnologias desenvolvidos – percebe-se a divulgação do que foi conquistado, a fim de que outras pessoas se interessem em participar aumentando o número de pessoas beneficiadas.

Tendo sido exposto neste referencial uma breve reflexão sobre a relação entre os fenômenos Educação e Tecnologia Social, nas próximas sessões serão apresentadas as análises e resultados obtidos na pesquisa, a começar pelos materiais e métodos empregados.

MATERIAIS E MÉTODOS

Os materiais utilizados na pesquisa foram livros, sites da internet, artigos e textos de autores que abordam a temática da Ciência, Tecnologia e Sociedade, e mais especificamente Tecnologia Social e Educação. Para o levantamento sobre as Tecnologias Sociais utilizou-se o site do banco de dados de TS do Banco do Brasil, disponível no endereço eletrônico: http://tecnologiasocial.fbb.org.br/tecnologiasocial/principal.htm.

Mediante o uso do recurso “busca avançada” (site) foram encontradas 283 tecnologias registradas na área da educação. Dessas, 48 foram certificadas no ano de 2015, por meio do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social, e cinco destas foram selecionadas de modo aleatório, justificadas pela riqueza da proposta adotada e seu impacto na solução dos problemas enfrentados.

Como categorias para análise das experiências foram definidas: soluções adotadas, tipo de público, riqueza do recurso para emancipação do sujeito e resultado alcançado.

Quanto ao tipo, a pesquisa foi descritiva, com função de descrever as características de determinada população ou fenômeno (GIL, 2008).

Quanto à abordagem, foi qualitativa, definida por Godoy (1995) como uma abordagem que averigua a compreensão de um fenômeno a partir do contexto em que ocorre e do qual é parte, devendo ser analisado numa perspectiva integrada. Como instrumento de coleta de dados foi empregada a análise documental, sendo representada de forma que pode se revestir de um caráter inovador, trazendo contribuições importantes no estudo do tema, pois os documentos normalmente são considerados importantes fontes de dados para outros tipos de estudos (GODOY, 1995).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesta seção são apresentados os cinco projetos de Tecnologia Social que foram objeto de estudo da pesquisa.

PROJETO ‘A ESCOLA É CIDADE & A CIDADE É ESCOLA’

Implementada em 2011 e certificada no ano de 2015, no Estado de São Paulo, essa tecnologia demonstra o que estudiosos da educação denominam de “além dos muros da escola”, pois utiliza todo o espaço da cidade como fonte e matéria prima para aprendizagem, além de enriquecer os conteúdos trabalhados em sala e colaborar para a capacitação dos professores.

Trata-se de melhoria no ambiente escolar e integração educação-cultura a partir da arte e formação de professores, através de encontros presenciais, apoio a distância e intervenção artística. A meta é fomentar o diálogo entre as diversas práticas culturais e educação formal como forma de aplicar um sentido mais social aos conteúdos que são trabalhados na escola.

Artistas da arte urbana são colocados lado a lado com os artistas mais tradicionais, como forma de estabelecer referências e identificar pontos em comum, possibilitando o estudo da disciplina prevista no currículo a partir de produções que os alunos reconheçam e se identifiquem. Nos encontros, os professores são treinados para utilização de técnicas típicas da arte urbana como o grafite, o estêncil, o lambe-lambe, o zine e o sticker, para posterior aplicação junto aos estudantes, onde cada professor elabora um projeto customizado para sua escola.

Seu público-alvo são crianças e adolescentes. Nesta tecnologia, ao fomentar o diálogo entre as diversas práticas culturais e a educação formal por meio de um sentido mais social aos conteúdos escolares, se evidencia o que Schoab, Freitas e Lara (2014) chamaram de comprometimento social, além da dimensão educacional e formativa; o que se aplica aos conteúdos se torna mais próximo das vivências reais dos estudantes.

Foi possível identificar nesta tecnologia, a riqueza que a mesma proporciona ao estudo da arte como componente do currículo, dando ao conteúdo um significado que desperta nos estudantes suas formas de expressar o mundo, seus sentimentos, e produzir conhecimento, que é a tendência da disciplina “Arte” na atualidade.

INCLUÃO DIGITAL PARA A JUVENTUDE RURAL - DE OLHO NA TERRA

O projeto trata-se da criação de um tele centro com internet banda larga, anexo ao centro comunitário do Assentamento da Reforma Agrária “Butiá”, localizado em Volta Grande, município de Rio Negrinho/SC. Implementado no ano de 2011 e certificado em 2015, conta com uma equipe de 27 jovens agentes comunitários de comunicação, capacitados para a utilização das TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação), direcionado a criar conteúdos de áudio e vídeo para manejo na produção de alimentos dos assentamentos da região.

O propósito inicial foi o de capacitar esses jovens quanto ao uso de ferramentas básicas de programas, como editor de texto e planilhas de cálculo, bancos de dados e sistemas de informações fundamentais que contribuem para a gestão, uso de câmeras para registrar a produção, organização e administração da produção e controle de fluxo financeiro e de produtos.

O outro objetivo foi criar boas condições de vida para a população deste local como via de combater o êxodo rural. O uso de TIC se apresenta como ferramenta de inclusão dos jovens rurais no mercado de trabalho, com a participação de todos os envolvidos no projeto. Foi possível desenvolver e manter espaço atrativo para os jovens do campo, inclusão digital, organização e comercialização da produção, colaboração e compartilhamento das informações e experiências, fortalecimento da política digital ampla, entretenimento, acesso a redes sociais. Buscou-se através de debate político situar a tecnologia como ferramenta e suas múltiplas possibilidades, em todos os sentidos.

Observa-se que a educação tem lugar central no desenvolvimento socioeconômico, sobretudo quando este é encarado como um caminho para o rompimento com as estruturas que perenizam as desigualdades e injustiças sociais (PASSONI, 2008).

Esta tecnologia foi reaplicada em 2012 para mais 5 municípios do Estado de Santa Catarina: Catanduvas, Matos Costa, Correia Pinto, Dionísio Cerqueira e Abelardo Luz.

ASSESSORIA TÉNICA E FORMAÇÃO EM FUNDO ROTATIVO SOLIDÁRIO

Desenvolvido no Estado da Bahia, com implantação a partir do ano de 2011 e certificação em 2015, o projeto deriva da estratégia utilizada pela sabedoria do povo brasileiro. É Fundo porque reúne recursos (financeiros mão-de-obra, sementes); é Rotativo porque os recursos circulam entre todos os participantes; é Solidário porque os indivíduos recebem o benefício, e na sequência repassam para outras pessoas.

Os fundos solidários são processos de gestão coletiva de recursos, voltados para a sustentabilidade local e territorial e para a mobilização social, constituindo-se como espaços geradores de saberes, tendo como eixo a ampliação das capacidades organizativas e promoção de autonomia aos sujeitos.

O trabalho permite troca de conhecimento e necessita de acompanhamento e articulação das iniciativas de finanças solidárias em forma de gestão coletiva de recursos. A metodologia é pautada na pedagogia da alternância, por meio de oficinas e encontros. O panorama denota duas vias iniciais de atuação, na primeira introduz entidades sem especialidade na metodologia de Fundos Rotativos; na segunda refina instrumentos de gestão já utilizados nas entidades que possuem a habilidade.

Evidencia-se nesta experiência a troca de conhecimento entre o setor educativo e a sociedade, onde o saber científico, na medida do possível, se associa ao saber popular (KLOSSOWSKI; FREITAS; FREITAS, 2016).

Direcionado ao público em geral, por meio deste projeto foi possível a transformação da realidade nos meios rural e urbano, fortalecimento das relações de gênero, protagonismo social e a construção social do desenvolvimento econômico, com foco na agricultura familiar e economia popular solidária.

Percebe-se, portanto, o cunho educativo desta tecnologia, onde a população recebe o treinamento necessário para atuar de forma autônoma no projeto, no formato auto gestionário de participação, onde cada indivíduo beneficiado transfere posteriormente o benefício para a próxima pessoa a ser ingressada no projeto.

ESTAÇÃO CIÊNCIAS

A Estação Ciências surgiu em 2006, é um espaço de educação não formal, instalado no PTI – Parque Tecnológico Itaipu. Trabalha com atividades práticas investigativas, problematizadoras, lúdicas e interativas com a finalidade de estimular o ensino de Ciências nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Foi certificada no ano de 2015.

O projeto visa o enriquecimento da prática pedagógica através de experimentos práticos, como forma de facilitar a aquisição e a ressignificação do conteúdo científico por parte dos estudantes e popularizar a experimentação por meio do ensino por investigação como ferramenta da descoberta do conhecimento e reflexão sobre sociedade e natureza.

A equipe gestora da tecnologia possui formação em Pedagogia, Educação Ambiental, Políticas Públicas e Turismo. As atividades acontecem por meio de roteiros criados a partir de um tema central que tem como objetivo trabalhar cientificamente assuntos do cotidiano do estudante para que ele estabeleça relação entre o que está aprendendo na Estação Ciências com o que vivencia na escola e em seu dia a dia, os roteiros distribuídos entre as estações abordam conteúdos de Meio Ambiente, Biologia, Física, Ciências Biológicas e Matemática.

A Estação Ciência também trabalha com formação de professores por meio de oficinas, promove a Feira de Inovação das Ciências e Engenharias (FICIENCIAS), espaço voltado para estudantes apresentarem ideias criativas e inovadoras contribuindo com o conhecimento e a evolução no mundo das ciências e promove a cultura científica, a disseminação e a popularização do método científico e investigativo como ferramenta do conhecimento.

Assim, a educação não é entendida apenas como absorção de conhecimentos prontos e vindos de fora, mas como a invenção e reelaboração constante do mundo através do enriquecimento das práticas pedagógicas por experimentos que facilitam a aquisição e a ressignificação do conteúdo científico (PASSONI, 2008).

Percebe-se nesta tecnologia a opção de enriquecimento cultural e aprofundamento de conhecimentos, onde através de agendamento prévio os estudantes têm a possibilidade de participar de atividades que dão significado aos seus conhecimentos em articulação com aqueles aprendidos no ambiente escolar. As experiências práticas subsidiam o melhor aprimoramento na aprendizagem, facilitando a aquisição do conhecimento através de atividades práticas ligadas à teoria.

JOVENS COMUNICADORES DA AMAZÔNIA

Implementado na capital do Estado do Pará, no ano de 2013 e certificado em 2015, o projeto visa desenvolver ações de protagonismo com adolescentes e jovens, a partir da compreensão e apropriação da complexidade dos processos comunicacionais e das ferramentas de TIC – Tecnologia da Informação e Comunicação, fortalecendo ações individuais e coletivas pela garantia de direitos dos cidadãos.

Trata-se da oferta de um curso de comunicação popular com metodologia participativa através de três estratégias: 1) fortalecer a ação sociopolítica utilizando-se da TIC como ferramenta de estudo e mobilização; 2) atuação em espaços de incidência política; e 3) construção de materiais de comunicação alternativa por meio de encontros temáticos.

O reconhecimento das ações desenvolvidas com e pelos jovens participantes do projeto, como instrumento positivo no enfrentamento a situações de vulnerabilidade e combate à violência é uma das tentativas de resolução das problemáticas dessa região. São vivências teóricas e práticas, onde se produz ferramentas de comunicação alternativa utilizando-se de tecnologias da informação e comunicação a fim de informar, mobilizar e articular a comunidade para um diálogo mais crítico diante dos problemas sociais.

Algumas ações do projeto: roda da conversa sobre direitos humanos, ato contra o extermínio da juventude negra, combate ao abuso e exploração sexual de criança e adolescente, problema do lixo, etc. Foi possível observar que esta formação aos jovens da Amazônia lhes forneceu o empoderamento na utilização das TIC, ampliação de participação em espaços sociais e ascensão da escolaridade. Assim é possível identificar que o aprendizado gerou o protagonismo social entre os jovens da região e a Tecnologia Social, por meio da educação, cumpriu seu papel de atuar na superação das desigualdades sociais, levando o sujeito à emancipação (SCHOAB; FREITAS; LARA, 2014).

CONCLUSÃO

Foi possível constatar por meio do estudo que a Educação consistiu em elemento essencial às Tecnologias Sociais analisadas; resultado que vai ao encontro das argumentações de Garcia (2007), Passoni (2008) e Schwab e Freitas (2016).

Cabe destacar, que antes de um artefato ou produto a TS é um processo de apropriação tecnológica, que se efetiva pelo domínio da tecnologia pelo usuário, o que implica por sua vez, além da posse, a obtenção do conhecimento tecnológico.

Nisto reside o processo de ensino e aprendizagem, que permite efetivar a apropriação e caracteriza alguns dos princípios da Tecnologia Social (ITS, 2004) como: aprendizagem e participação são processos que caminham juntos e todo indivíduo é capaz de gerar conhecimento e aprender. Sua proposta tecnológica carrega em si o dever de emancipar o indivíduo por meio do emprego da tecnologia, não sendo possível se não quando este passa da condição de usuário para desenvolvedor ou conhecedor da tecnologia.

Entre os casos analisados o processo educacional se dá de forma diferenciada, o que demonstra a riqueza de soluções que a Tecnologia Social propicia. Em cada projeto se tem não uma, mas diversas soluções possíveis para se alcançar uma educação significativa, conforme demonstra o Quadro 2.

Quadro 2
Soluções adotadas pelos Projetos de Tecnologia Social
4.1 4.2 4.3 4.4 4.5
Utilização de técnicas da arte. Capacitação de jovens do campo. Produção de conhecimento/atuação em projeto. Atividades práticas. Ações de protagonismo social.
Diálogo entre as práticas culturais. Ações para melhores condições de vida. Gestão coletiva de recursos. Ensino por investigação. Combate à violência.
Capacitação de professores. Combate ao êxodo rural. Geração de saberes. Promoção da cultura científica. Utilização das TICs.
autores (2017)

A tecnologia social contribui para a inovação da educação à medida que favorece a melhor apropriação do conhecimento por parte do sujeito. Ainda, percebe-se que em todas elas há a possibilidade de avanços, pois contribui diretamente para a inovação no setor educativo e emancipação do indivíduo, onde o próprio aprendizado adquirido servirá de fonte para consequente reaplicação dos projetos de tecnologia social.

Referências

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Notas

1 Caracteriza-se por ser altamente estruturada. Desenvolve-se no seio de instituições próprias — escolas e universidades — onde o aluno deve seguir um programa pré-determinado, semelhante ao dos outros alunos que frequentam a mesma instituição (ÉVORA, 2012).
2 Enfoque pluralista do conhecimento que tem como objetivo, através da articulação entre as inúmeras faces de compreensão do mundo, alcançar a unificação do saber (Infoescola, 2016).

Informação adicional

Como citar: PEREIRA, L. C. B.; FREITAS, C. C. G. Educação na tecnologia social: análise de experiências. R. Tecnol. Soc. v. 14, n. 30, p. 105-120, jan./abr. 2018. Disponível em: <https://periodicos.utfpr.edu.br/rts/article/view/5609>. Acesso em: XXX.

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