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A emergência da Biologia Molecular no estado de São Paulo, 1952-1970
The emergence of molecular biology in the state of São Paulo, 1952-1970
Revista Tecnologia e Sociedade, vol. 14, núm. 31, pp. 1-27, 2018
Universidade Tecnológica Federal do Paraná


Recepção: 17 Maio 2017

Aprovação: 29 Agosto 2017

DOI: https://doi.org/10.3895/rts.v14n31.5914

Resumo: O campo científico conhecido como Biologia Molecular tem sido objeto de pesquisa recorrente por parte dos historiadores da ciência e sociólogos nos países desenvolvidos. No entanto, pouco se avançou nessa discussão em países em desenvolvimento como o Brasil – que trilharam trajetórias específicas sobre o assunto, em seus diferentes contextos regionais e locais. O presente artigo aborda o processo de emergência da Biologia Molecular no Brasil, com destaque para o histórico de sua organização e desenvolvimento no estado de São Paulo (1952-1970). O artigo apresenta resultados de pesquisa documental e revisão bibliográfica, complementados pela aplicação de entrevistas “pré-campo” com membros da comunidade científica e dirigentes da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP. Verificou-se que a promoção do campo científico da Biologia Molecular foi resultado de uma atividade explícita de negociação e construção de alianças políticas entre a comunidade científica e a FAPESP. Com isso, buscou-se avançar na compreensão de como um conjunto de fatores sociais é capaz de interferir na organização e no desenvolvimento de um campo científico no contexto brasileiro.

Palavras-chave: Sociologia da Ciência e da Tecnologia, Pesquisa biomédica, Biologia Molecular, São Paulo.

Abstract: The scientific field known as Molecular Biology has been the subject of research by historians of science and sociologists in developed countries. However, little progress has been made about this topic in developing countries such as Brazil - which have traced specific pathways on the subject in their different regional and local contexts. This article addresses the emergence of Molecular Biology in Brazil, highlighting the history of its organization and development in the state of São Paulo between 1952 and1970. The article presents results of documental research and bibliographical review, complemented by the application of ex-ante-fieldwork interviews with members of the scientific community and leaders of the São Paulo Research Foundation, FAPESP. It was verified that the promotion of Molecular Biology in regional context was the result of an explicit activity of negotiation and construction of political alliances between the scientific community and FAPESP. Thus, we sought to advance the understanding of how a set of social factors is capable of interfering on organization and development of a scientific field in Brazilian context.

Keywords: Sociology of Science and Technology, Biomedical Research, Molecular Biology, São Paulo.

INTRODUÇÃO

A segunda metade do século XX inaugurou uma conjuntura sem precedentes na história do desenvolvimento científico e tecnológico dos países industrializados. Em grande medida, o momento pós-segunda guerra mundial reestabeleceu novas áreas do conhecimento, baseadas no uso intensivo de tecnologias e em um amparo inédito garantido pelos governos nacionais democráticos no ocidente.

Essa aproximação das políticas públicas com a promoção da ciência estreitou a relação entre democracia e produção de conhecimento, que se viu fortalecida pelo discurso da ciência como útil ao projeto de modernização e bem-estar social. Esse movimento de aproximação entre Estado e Ciência garantiu uma rápida e gradual evolução de algumas áreas do conhecimento. Esse foi o caso das chamadas “Ciências da vida”, ancoradas na promoção da pesquisa biológica nos países centrais (PORTOCARRERO, 2013).

Dentre as áreas que tiveram destaque nesse período estava a Biologia Molecular – um campo interdisciplinar da pesquisa biotecnológica, cujo histórico de evolução reflete a reorganização da política científica e tecnológica no pós-guerra e sua associação com as áreas aplicadas à saúde humana (CHADAREVIAN, 2002).

Todavia, esse debate não recebeu a atenção merecida no Brasil – país com um Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia (SNC&T) recente, mas que já nos anos cinquenta iniciou alguns movimentos de promoção da Biologia Molecular no plano das instituições de pesquisa do estado de São Paulo. Nos interessa, portanto, avançar nessa discussão.

O artigo pretende evidenciar que, apesar do vazio institucional que caracterizava a Política Científica e Tecnológica (PCT) brasileira, pôde-se verificar a emergência de um campo científico regional dinâmico, com respaldo na ciência internacional, que foi capaz de se apropriar dos instrumentos de política de C&T estaduais para lograr avanços em suas agendas de pesquisa. Com isso, o estudo da emergência da Biologia Molecular no estado de São Paulo, assim como em outros países, demonstra que o desenvolvimento de uma agenda de pesquisa depende, em grande medida, da capacidade dos cientistas em organizar suas instituições políticas e de construir alianças sólidas com os instrumentos de governo (nacionais ou regionais). Em outras palavras, o artigo chama atenção para a natureza política da ciência, no que diz respeito aos fatores que levam campos científicos a prosperarem ou a serem abandonados (HESS, 2016).

Este artigo está dividido em duas partes, além dessa introdução e das considerações finais. Inicialmente, esboça-se uma breve apresentação sobre o campo científico da Biologia Molecular, cujas características remetem ao contexto de sua emergência na Europa e nos EUA. Isso deve contribuir para a análise das especificidades do campo e sobre como ele foi estruturado nos países desenvolvidos. Em seguida, o artigo expõe algumas trajetórias desse campo interdisciplinar no estado de São Paulo, analisando o papel da política pública universitária na promoção da pesquisa regional em Biologia Molecular. Com isso, o trabalho pretende estimular trabalhos que verifiquem o papel das políticas públicas na promoção do desenvolvimento científico e tecnológico do país.

METODOLOGIA

Este artigo apresenta resultados de pesquisa documental e revisão bibliográfica situada, em que foram levantados: documentos oficiais das instituições de pesquisa, consulta no acervo digital na Universidade de São Paulo, consulta presencial no Museu Histórico da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, análise de trabalhos e base de dados secundárias (já documentados por outros pesquisadores) e, por fim, trechos de entrevistas com membros da comunidade científica regional e dirigentes da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). A busca de imagens e documentação histórica foi feita junto ao serviço “Memória USP”, no período de janeiro a fevereiro de 2015.

DESENVOLVIMENTO (RESULTADOS E DISCUSSÕES)

O campo científico da Biologia Molecular

Nos últimos trinta anos, houve um esforço significativo do campo da História e da Sociologia da Ciência em estudar a emergência e institucionalização da Biologia Molecular nos países desenvolvidos. Os trabalhos produzidos sugerem que a nova área transformou a maneira como pesquisadores entendiam a evidência biológica, o que os levou a sistematizar modelos explicativos da “vida” desde meados do século XX (FUERST, 1984; CHADAREVIAN; KAMMINGA, 1998; CHADAREVIAN, 2002; STRASSER, 2002; MORANGE; COBB, 2000; KELLER, 1990).

Entretanto, a identidade disciplinar da Biologia Molecular possui um histórico relativamente complexo. A própria origem do termo divide historiadores no mundo todo, sobretudo por ser um campo que rompeu com as fronteiras disciplinares das Ciências Naturais predominantes no fim do século XIX (Abir-am, 1982). Esse rompimento está expresso na própria identidade dessa área, o que nos leva a perguntar, afinal, o que é Biologia Molecular.

Segundo Keller (1990), a Biologia Molecular é o campo que estuda a organização, a estrutura e o funcionamento do DNA de organismos vivos, assim como os processos de ativação da informação genética que residem em tal estrutura e regulam o desenvolvimento e a reprodução celular (Keller, 2002). Para Chadarevian (2002), o campo surgiu como resultado de uma convergência da atividade de pesquisa de bioquímicos, biofísicos e geneticistas, num contexto específico pelo qual atravessou a ciência na Europa nos anos quarenta. Os pesquisadores estavam preocupados em avançar na compreensão de um problema de pesquisa comum: entender os mecanismos de transmissão e expressão da hereditariedade, assim como a organização das proteínas no nível da estrutura molecular das células de seres vivos1 (CHADAREVIAN, 2002, p. 2).


Figura 1
Composição interdisciplinar do campo de pesquisa em Biologia Molecular.
elaboração própria, baseado em Chadarevian (2002).

A primeira vez que o termo “Biologia Molecular” (a partir daqui, BM) apareceu em um documento oficial foi no ano de 1938, no Relatório Anual da Fundação Rockefeller, escrito pelo diretor da divisão de “Ciências Naturais” da fundação Dr. Warren Weaver. O relatório foi produzido para informar os dirigentes daquela instituição sobre o potencial da BM como novo campo científico. A área possuía espaço privilegiado no plano de investimentos da fundação para as próximas décadas. Por demandar um moderno parque de equipamentos para se fazer pesquisa, a BM tinha o potencial de estudar diversos processos biológicos com um maior nível de precisão e aplicação da indústria (KAY, 1993; YOXEN, 1984).

Até a primeira metade do século XX, a Fundação Rockefeller teve um papel de destaque para a evolução da BM nos EUA e na Europa. A fundação financiou pesquisas sobre os mecanismos de funcionamento e regulação genética em seres vivos anos antes da BM ser reconhecida como disciplina científica, principalmente no período entre guerras (que vai da década de vinte até meados dos anos quarenta) (YOXEN, 1982).

Em meados dos anos quarenta, outras instituições predominaram como principais financiadoras desse tipo de pesquisa. Foi o caso dos Institutos Nacionais de Saúde nos EUA (National Institutes of Health, NIH) e do Conselho de Pesquisa Médica no Reino Unido (Medical Research Council, MRC). Essas agências destinaram um montante significativo de recursos para a construção de laboratórios e financiamento de novas pesquisas (STRASSER, 2002, p. 518).

A maior participação dessas agências governamentais no fomento à pesquisa em BM fez a Fundação Rockefeller reduzir os recursos para a área, direcionando financiamento e resultados da pesquisa para outros temas, como a agricultura, por exemplo2. Ancorada em um maior volume de financiamento estatal nos países industrializados, a BM atingiu grande visibilidade na comunidade científica mundial nos anos cinquenta (YOXEN, 1984).

O evento mais significativo realizado nesse campo foi a idealização do modelo de “Dupla Hélice” da estrutura do DNA, proposta pelo biólogo norte-americano James Watson e pelo físico inglês Francis Crick, com resultados publicados na revista Nature em 1953 (WATSON; CRICK, 1953). O trabalho foi produzido no Laboratório de Biologia Molecular da Universidade de Cambridge3, tornando-se o mais importante trabalho das Ciências Biológicas desde então4.

A história desse laboratório, localizado na cidade britânica de Cambridge, confunde-se com a própria história da BM. Esse centro, mais conhecido como “Laboratório Cavendish”, foi construído com recursos do MRC em 1947. Ele era essencialmente dedicado ao estudo de cristalografia de proteínas, e, rapidamente, o local foi considerado “ponto de passagem obrigatório” para estudar a moderna área da BM (CHADAREVIAN, 2002, p. 5). A partir desse centro, a comunidade científica viu crescer substancialmente o número de trabalhos sobre sistemas de codificação de proteínas no nível genético e molecular, assim como vários trabalhos sobre suas implicações no metabolismo e na reprodução celular (AUYANG, 2011).

Contudo, a visibilidade dessa área no plano internacional não se restringiu apenas aos trabalhos de Watson e Crick. Outra pesquisa de sucesso marcou a pujança científica do Laboratório Cavendish nos anos cinquenta, algo que favoreceu o reconhecimento dessa área. Trata-se do estudo que propôs o modelo da estrutura molecular da Hemoglobina, empreendido pelo grupo de biofísicos instalados no laboratório de John Kendrew, com resultados publicados na revista Nature em 1958 (KENDREW et al., 1958).

Nesse trabalho, os pesquisadores utilizaram uma tecnologia específica da Física nuclear (a Cristalografia de raios-X) para visualizar a disposição das macromoléculas que formam a Hemoglobina humana. A utilização de instrumentos e técnicas provindas da Física representou um traço marcante da BM em sua etapa de afirmação como campo científico, introduzindo o uso de isótopos radioativos e, também, ferramentas como a microscopia de elétrons para a idealização de modelos biológicos (STRASSER, 2002, p. 538).

No mesmo laboratório, um grupo de bioquímicos orientado pelo professor Dr. Frederick Sanger contribuíram com o avanço da BM propondo métodos e ferramentas para estudar a estrutura molecular pela ótica da Bioquímica e suas interações com a Biologia Celular. Em 1955, a equipe de Sanger propôs o modelo da estrutura macromolecular da Insulina, o que lhe rendeu o Prêmio Nobel de Química em 1958 (NOBEL LAUREATES, 1958).

Como resultado das pesquisas em andamento, naquele mesmo ano, Crick propôs o chamado “Dogma Central da Biologia Molecular” – uma “teoria geral” da vida biológica que sugere a hipótese de que as características dos seres vivos são definidas pelo que Crick denominou de “mecanismo geral de transmissão de informação no nível do DNA”. O Dogma central se constituiu como o um Paradigma da ciência, nas bases do conceito desenvolvido por Kuhn (1998).

O Dogma Central esbarrou de frente com as correntes mais tracionais da genética e da evolução das espécies, até então soberanas na pesquisa biológica desde o início do século XX. Até os anos quarenta, o paradigma que regia as chamadas “Ciências da vida” inferiam que o desenvolvimento dos seres vivos estava ancorado na transmissão das informações genéticas no nível da atividade intracelular, que determinariam sua capacidade de adaptação ao meio ambiente. A célula era, até então, era a unidade biológica essencial da “vida”.

O dogma central da Biologia Molecular rompeu com essa abordagem, por sugerir que a “regulação da vida” era um processo resultante de ações no nível da estrutura do DNA dos organismos, capazes de transmitir sinais de hereditariedade e outras reações no nível genético. A célula, portanto, deixou de ser a unidade elementar da vida, e passou a ser vista como um ecossistema resultado dos processos moleculares no DNA (CHADAREVIAN, 2002).

Diferente do que se defendia até então, a compreensão da vida passou a ser entendida como um reflexo de processos de natureza inerentemente bioquímica. Esses processos ocorrem desde a síntese proteica que origina a própria célula, e que, portanto, repassam tais informações para outras células. Esse mecanismo forma um sistema complexo, definido por uma cadeia de eventos biológicos estudados no nível molecular (MORANGE; COBB, 2000, p. 12).

Tal paradigma foi amplamente reproduzido pela comunidade científica europeia, já que representou uma ruptura com a ciência normal praticada pelas vertentes da genética de populações. Este campo inferia que as alterações fenotípicas (ou seja, a manifestação das características ambientais de um ser vivo) decorriam de uma adaptação da espécie adquirida através da troca de informações genéticas como resultado da reprodução. A BM apresentava uma alternativa a essa abordagem, por ir mais a fundo no estudo do funcionamento do DNA e como este era mais determinante para a conformação das características dos seres vivos. Nesse contexto, o laboratório Cavendish já possuía grande dinamismo em pesquisas na área, mas foi apenas no início dos anos sessenta que o centro ficou mundialmente conhecido5.

O uso das tecnologias da Física era bastante recorrente na etapa de emergência da BM. Houve a disseminação de tecnologias que buscavam modernizar as técnicas de análise dos sistemas biológicos e produzir modelos e imagens tridimensionais de moléculas. O período foi marcado pela formação de novas redes científicas internacionais, se utilizando das arenas da política científica para impulsionar essa nova área (Idem, p. 16).

Até o início da década de setenta, a BM se caracterizou por uma atividade de investigação exaustiva, com estratégias e alianças entre pesquisadores para estabelecer um espaço viável para o campo. O início dos anos setenta, portanto, ficou conhecido como o momento de institucionalização da BM como disciplina científica na Europa (principalmente no Reino Unido) e nos Estados Unidos6 (STRASSER, 2002).

Com mais ênfase a partir dos anos sessenta, a área se tornou um espaço privilegiado para se produzir ciência, além de ter sido capaz de interferir na PCT de vários países industrializados e em desenvolvimento no ocidente – como foi o caso do Brasil. É curioso verificar que o país presenciou algumas incursões importantes da BM já nos anos cinquenta e sessenta, ainda pouco organizadas, mas presente como área de destaque nas instituições de pesquisa do estado de São Paulo.

A Biologia Molecular em São Paulo: algumas trajetórias nos anos cinquenta e sessenta

Pode-se afirmar que dois atores tiveram papel destacado no processo de emergência da BM em São Paulo. Trata-se da Universidade de São Paulo (USP), que empreendeu o principal projeto de instalação da Biologia Molecular na capital e no interior a partir dos anos cinquenta; e a Escola Paulista de Medicina (atual unidade da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP), que inaugurou o primeiro programa de pós-graduação formal em Biologia Molecular do país. Esses atores tiveram relativo sucesso na criação de uma rede regional de pesquisa, mantendo-se articulados ao longo das duas décadas analisadas.

Os ensaios de biofísica na capital: do laboratório de “radioisótopos” ao “Instituto de Biologia e Medicina Nuclear” (1952-1968).

Nos anos cinquenta, falar de ciência no Brasil e no mundo era quase um sinônimo de se falar de Física. Após a segunda guerra mundial, o uso da Física para fins pacíficos permitiu a essa área adquirir um enorme prestígio perante a comunidade científica internacional. Sua estreita relação com os governos e com a política de defesa nacional em vários países industrializados garantiu a esse campo um volume expressivo de recursos para o desenvolvimento de pesquisa básica e aplicada (STRASSER, 2002, p. 541).

No Brasil, os poucos espaços para a pesquisa básica ou experimental estavam dispersos nas Escolas de Medicina. Estes centros produziam conhecimento científico ainda de forma muito rudimentar, sem rotinas de investigação experimental permanentes. A atividade de pesquisa era vista como auxiliar ao currículo médico, não uma atividade institucionalizada na rotina das instituições7. Em São Paulo, a pesquisa básica era uma atividade ligada a um reduzido grupo de intelectuais das cátedras universitárias de Ciências Naturais e Exatas, ou de outros poucos pesquisadores ligados aos Institutos de pesquisa em Saúde Pública presentes da capital8 (MARINHO, 2003).

Nesses espaços, algumas áreas como a Química e a Biologia possuíam pesquisa básica já instalada na capital paulista, cuja prática experimental era útil em áreas aplicadas da Imunologia, Bacteriologia e Microbiologia para o currículo médico. No entanto, era a Física que possuía uma orientação “modernizante” de ciência: voltada para a atividade rotineira de incorporação de novas tecnologias nos laboratórios, buscando romper com os paradigmas do conhecimento vigentes através de uma incorporação massiva de tecnologia como forma privilegiada de produzir ciência (SILVA, 2003)

Antes dos anos cinquenta, os poucos físicos atuantes em pesquisa experimental no Brasil estavam em alguns poucos centros, com destaque para a antiga Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro (atual UFRJ) e a antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Paulo (FFCL-USP, a partir daqui). Outro grupo de cientistas da capital encontravam-se na antiga Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, na antiga Escola Paulista de Medicina (atualmente vinculada à Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP) e nos institutos de Saúde mantidos pelo governo estadual.

Segundo Ana Maria Ribeiro de Andrade (2013), no contexto da cidade de São Paulo dos anos cinquenta, tanto os físicos quanto os médicos possuíam uma estreita relação com os governos federais e estaduais (ANDRADE, 2013, p. 129). A articulação política desses grupos estava relacionada ao próprio estabelecimento das universidades estaduais paulistas, dada a relevância dessas áreas para a política de ensino superior e para a recém-implantada PCT brasileira dos anos cinquenta (conforme será abordado ao longo desse artigo).

Nessa conjuntura, ainda é possível afirmar que o fortalecimento da Ciência no plano nacional foi viabilizado e coordenado pelo movimento político dos físicos. Eles atuaram de maneira decisiva na criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), na criação das agências de fomento federais (CNPq e CAPES) e, também, na implementação da FAPESP – todas idealizadas na passagem para os anos cinquenta9.

Nos países industrializados, as incursões da Física Nuclear na pesquisa biológica eram vistas como sinônimo de modernidade científica (MORANGE; COBB, 2000). Nos anos cinquenta, tornou-se uma via de implementação da BM também no contexto do Estado de São Paulo, que foi empreendida de forma pioneira por alguns biofísicos atuantes na capital paulista. Nessa época, houve um importante movimento de interação entre físicos e biólogos no âmbito da USP em São Paulo (BELARMINO, 2012, p. 267).

Um evento marcante foi a introdução da chamada “tecnologia de Radioisótopos” na pesquisa biológica da capital, empreendida pelos cientistas Verônica Rapp de Easton (a primeira mulher a receber o título de Livre Docente naquela instituição, em 1954) e por Tede de Easton, ambos atuantes na FMUSP. Em 1949, o casal de biofísicos instalou o chamado “Laboratório de Radioisótopos”, vinculado à cátedra de Química Fisiológica da USP, sob responsabilidade de Jayme A. Cavalcanti, disciplina que era ministrada nas dependências da FMUSP). Os pesquisadores contaram com a parceria de outros dois conhecidos cientistas da capital: os físicos Oscar Sala (chefe do Laboratório Van der Graaff, do Departamento de Física Nuclear da FFCL-USP) e Philip Smith10 (MOTOYAMA; GORDON, 2010).

Muito embora tenha sido criado em 1949, o Laboratório de Radioisótopos entrou em funcionamento apenas em 1954. Ele era utilizado para introduzir jovens cientistas às novas tecnologias na área da biologia e da medicina nuclear. Foi o primeiro laboratório de “física nuclear aplicada à processos biológicos” da América do Sul e um dos poucos que foram representados na primeira Conferência Internacional de Energia Atômica em Genebra, ocorrida no ano de 1955. Na ocasião, o representante brasileiro do Laboratório de Radioisótopos garantiu, logo após a conferência, o primeiro reator atômico para uso universitário – único do mundo instalado fora dos EUA11 (BELARMINO, 2012, p. 271).

Os avanços obtidos pelo laboratório o levaram a inaugurar, em 1959, o chamado “Centro de Medicina Nuclear”, CMN, que uniu o Laboratório de Radioisótopos ao setor de aplicações clínicas da FMUSP “Laboratório Rafael Penteado de Barros”, construídos em prédio anexo à FMUSP. O CMN adquiriu, em 1961, status de Instituto de Pesquisa do Estado de São Paulo. Nesse mesmo ano, o centro foi nomeado pela Agência Internacional de Energia Atômica e pela Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos como “instituição modelo para laboratórios de radioisótopos”, dando ao centro reconhecimento internacional (Idem, p. 272)

A iniciativa fez do Brasil um dos primeiros países da América do Sul a produzir ciência no moderno campo da BM (Biofísica) de forma competitiva com os países desenvolvidos. Nesse mesmo ano, foi criada a Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear, SBMN, que teve Tede de Easton como seu primeiro presidente. Em 1962, o CMN se tornou o Instituto de Biologia e Medicina Nuclear, IBMN, um Instituto Universitário Independente da USP, mas vinculado à atividade de ensino na FMUSP e à pesquisa no Departamento de Física da USP (Ibidem).


Figura 2
O casal de biofísicos Ted de Easton e Verônica de Easton no laboratório de Radioisótopos
HCNET (2014)

Essa trajetória fez do IBMN o primeiro instituto de pesquisa voltado à produção científica em Biologia Molecular (com foco em Biofísica) da cidade de São Paulo. No início dos anos sessenta, a FAPESP teve como primeiro presidente do conselho superior, o então reitor da USP Antônio de Barros Ulhôa Cintra, que ficou no cargo entre 1962 a 1973. Cintra era professor da cadeira de Clínica Médica na FMUSP, onde se destacou como pesquisador da área de Bioquímica aplicada a Endocrinologia, tendo sido um dos fundadores da FAPESP em 1960 (MOTA; MARINHO, 2012, p. 140).

No mesmo ano em que a FAPESP começou a funcionar, em 1962, a reitoria da USP já houvera iniciado uma mudança importante no regimento interno da instituição, que ia de encontro com a legislação estadual que acabara de aprovar um conjunto de medidas para reorganizar a estrutura da universidade pública estadual. Essas medidas ficaram conhecidas como os “Estatutos de 1962”12 (Ibidem)

Em conjunto com Cintra, o primeiro a ocupar o cargo de diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP foi o professor Jayme A. Cavalcanti, líder da Cátedra de Química Fisiológica, com a qual os biofísicos Easton colaboravam por meio de ensino e pesquisa. Em 1969, o físico Oscar Sala (mencionado pela parceria com o Laboratório de Radioisótopos) se tornou o primeiro Diretor-Científico da FAPESP, ficando no cargo até 1975 (FAPESP, 2014).

Quadro 1
Composição do quadro de dirigentes da FAPESP em 1962

elaboração própria, com base em pesquisa documental.

A década de sessenta foi encerrada com outros dois eventos importantes que vinculam, pela primeira vez, uma plataforma científica da Biologia Molecular (Biofísica) aplicada à produção de conhecimento sobre câncer em São Paulo. Um deles foi a criação do Centro de Oncologia, CEON, em 1968, introduzindo a Radiologia na produção de diagnósticos e de rádio-fármacos, e o serviço de Radioterapia - ambos incorporados ao sistema Hospital das Clínicas da FMUSP.

O outro evento foi o acontecimento do “Primeiro Seminário Internacional sobre os efeitos biológicos das radiações”, organizado em comemoração aos 20 anos de criação do Laboratório de radioisótopos. Na ocasião, foi discutida a importância da Radiologia para o tratamento de novas doenças como o câncer. Foi também o ano de criação do Departamento de Radiologia na FMUSP, que institucionalizou a disciplina de Radiologia para o curso médico (BELARMINO, 2012, p. 273).

Sem dúvida, essa é uma trajetória relevante na história da Biologia Molecular paulista. Já em suas primeiras manifestações, a área logrou avanços pontuais no sentido de promover uma maior interação entre os físicos e os biólogos no contexto local da cidade de São Paulo, possibilitando alguns avanços no campo da Biofísica, aliados ao projeto da Medicina Nuclear, que se mostrou uma importante via da Biologia Molecular no plano científico local. No entanto, essa área ganhou dimensão e excelência não apenas restrita aos movimentos na capital.

O projeto biomédico para a Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto (1954).

Em meados dos anos cinquenta, outro centro de ensino superior no interior do Estado de São Paulo se destacou pela experiência com as vertentes mais modernas da pesquisa biológica, a FMRP-USP. Por ter sido fundada em 1954, é considerada uma instituição “nova” e “não-reformada” dentre o conjunto de universidades paulistas (SCHWARTZMAN, 2001).

Até o ano de 1964, a FMRP-USP teve como seu diretor o cientista Zeferino Vaz (professor catedrático de Parasitologia da FMUSP desde 1935 e ex-pesquisador do Instituto Biológico entre 1929-1937)13. Sua experiência em um dos poucos centros de pesquisa em ciências biológicas aplicadas à saúde humana existentes no país permitiu ao dirigente uma percepção distinta sobre o papel ocupado pela ciência no projeto de instalação da universidade no interior14.

Segundo Schwartzman (2001), a FMRP-USP era um projeto de escola médica distinto daqueles encontrados na capital, voltados para a incorporação da antiga Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo à USP e da antiga Escola Paulista de Medicina à estrutura federal de ensino superior (atual UNIFESP). Para o autor, ela fez parte das “universidades de elite” criadas no pós-guerra, pensadas para constituir uma base científica sólida para as ciências biológicas em áreas da saúde, e que serviram de modelo para reformas mais amplas nos anos seguintes (Idem, p. 10).


Figura 3
Fachada do prédio da FMRP-USP, 1955
Associação atlética Rocha Lima, AARL (2015)

Esse projeto dizia respeito à restruturação da universidade, que deveria ser capaz de “modernizar” o modelo de ensino médico que estava em vigor na época. Para isso, era necessário redirecionar o sistema de ensino superior para uma nova estrutura curricular de base científica, com uma maior atenção à pesquisa experimental.

Schwartzman (2001) ressalta que o então diretor da unidade, Zeferino Vaz, estava convicto de que o ensino médico na região estava “atrasado” e carecia de uma verdadeira “revolução”, como, por exemplo, vincular e aplicar os avanços da Física moderna no estudo de fenômenos biológicos.

(...) naqueles dias, os físicos tinham criado instrumentos muito sofisticados para analisar fenômenos biológicos. Essa revolução, contudo, ainda não havia sido incorporada ao ensino de medicina, que permanecia quase que totalmente morfológica e estática, e baseada num curso de anatomia com a duração de três anos. Era o “culto do cadáver” (Idem, p. 11).

Já na instalação dos primeiros pesquisadores na FMRP-USP, o então dirigente (assentado nas possibilidades adquiridas perante a estrutura administrativa e a reitoria da USP) direcionou suas ações para implantar um novo parque cientifico para a BM. Na época, a disseminação desse novo paradigma da pesquisa biológica em São Paulo era um dos objetivos principais do dirigente, que mantinha proximidade com os debates sobre o avanço dessa nova área fora do país diante de seu cargo no Instituto Biológico15.

Em meados dos anos cinquenta, as ações voltadas para implementar a pesquisa em BM na FMRP-USP estavam direcionadas para: (1) conferir nova ênfase à Bioquímica, Imunologia, Fisiologia e Farmacologia; (2) reorganizar as disciplinas em novos departamentos e (3) recrutar pesquisadores nacionais e estrangeiros para compor o quadro de Ciências na instituição, de forte orientação para aplicações em saúde (MARINHO, 2012).

Porém, é importante lembrar que o interior de São Paulo possuía uma realidade bastante rudimentar para a atividade científica nesse período. A FMRP-USP (primeira universidade do interior do estado) teve sua infraestrutura instalada concomitantemente à primeira década de funcionamento da CAPES e do CNPq. Essa é uma trajetória que deve ser lida com atenção. Afinal, o que explica uma instituição surgir numa unidade no interior do estado de São Paulo (FMRP-USP, 2004) e, anos depois, entrar para o pequeno grupo de instituições de pesquisa em BM do país?

A resposta está na incorporação da pesquisa científica integrada ao próprio projeto da instituição. Desde 1955, alguns laboratórios foram organizados no prédio dessa unidade, com recursos provenientes não apenas do governo Estadual, mas também da Fundação Rockefeller e de outros órgãos filantrópicos estrangeiros, como a Fundação Ford (MARINHO, 2012, p. 4).

Outro elemento importante é que, nessa instituição, as disciplinas foram organizadas em departamentos desde a origem da unidade, o que permitiu aos pesquisadores criar novas linhas de pesquisa e pensar uma estrutura própria para uma futura agenda de pós-graduação em Ciências, principalmente nas áreas de Farmacologia, Bioquímica e Imunologia. Estas já se organizavam em dois departamentos distintos em 1956: o de “Farmacologia” e o de “Bioquímica e Imunologia”, considerados “prematuros” se comparados aos da capital, que, por sua vez, se esbarravam no tradicionalismo das cátedras, no caso da FMUSP, ou com a falta de recursos, no caso da Escola Paulista de Medicina, atual UNIFESP (SCHWARTZMAN, 2001, p. 9).

A pesquisa em BM na FMRP-USP avançou e, em 1964 (ano do golpe militar), Zeferino Vaz deixou a direção da unidade para assumir o cargo de Secretário de Estado de Saúde de São Paulo. No entanto, devido ao prestígio acadêmico que possuía na época, aliado à uma posição conservadora favorável, Vaz foi convidado pelo presidente Castelo Branco para ser reitor da Universidade de Brasília (UnB). No ano seguinte, o grande número de demissões ocorrido na UnB fez a instituição perder mais de 200 professores e pesquisadores. Foi uma crise que levou o então dirigente a retornar para o estado de São Paulo e implantar, em 1965, uma outra instituição, a Universidade Estadual de Campinas (GOMES, 2007, p. 38).

Apesar de ter contado com uma conjuntura política favorável para a criação e implementação das disciplinas de Ciências na FMRP-USP, Zeferino Vaz teve papel crucial no fortalecimento da pesquisa em BM no Estado de São Paulo. Seu papel, nos anos cinquenta, foi fundamental para reorganizar os currículos de formação médica do interior e aliar o projeto científico como parte desse empreendimento.

Em 1970, a FMRP-USP oficializou seus cursos de Mestrado e Doutorado em Bioquímica e em Farmacologia – os primeiros programas de pós-graduação do país inaugurados fora de uma capital de estado (BRAGA E AZEVEDO, 2002). A iniciativa foi pioneira, fruto do amadurecimento de uma infraestrutura científica instalada havia quase vinte anos naquela instituição.

O programa de pós-graduação em Bioquímica era mantido pelo Departamento de Bioquímica e Imunologia da FMRP-USP, enquanto o programa de Pós-graduação em Farmacologia era mantido pelo Departamento de Farmacologia, sendo que seus pesquisadores possuíam vínculo com a docência. Os programas eram vistos como novos ambientes para se fazerem pesquisas em BM no Estado de São Paulo, sobretudo quando eram ligadas à saúde humana.

O centro se tornou um ator importante para o parque científico da BM no estado. Desde os anos cinquenta, a FMRP-USP já se destacava como polo produtor de pesquisa em biologia molecular, com ênfase em Bioquímica e Farmacologia de toxinas de origem animal. As principais linhas de pesquisa em BM desses programas de pós-graduação relacionavam-se a três temas, já em desenvolvimento desde o início dos anos cinquenta.

O primeiro refere-se aos estudos sobre as propriedades farmacológicas da Bradicinina em seres humanos (um hormônio vasodilatador extraído de serpentes com ação anti-inflamatória em mamíferos). A área garantiu uma grande projeção nacional e internacional das pesquisas em Biologia Molecular (Farmacologia) na instituição desde o início dos anos sessenta, alcançando um grau relevante de desenvolvimento científico já no fim daquela década (OLIVEIRA, 2000).

Um segundo eixo-temático relaciona-se ao estudo de toxinas de animais peçonhentos e do vetor Trypanosoma Cruzi (causador do Mal de Chagas) – fruto de parcerias entre os departamentos de Bioquímica e Imunologia, Parasitologia e Microbiologia. É também chamada de “Imunologia molecular de doenças parasitárias”, linha em que a instituição manteve destaque desde os anos cinquenta16.

Uma terceira linha diz respeito às áreas de terapia celular e regulação da resposta imune, ou seja, um desdobramento dos estudos sobre a relação parasita-hospedeiro do Mal de Chagas, direcionadas para as áreas da Morfologia e Imunologia nos anos sessenta (Idem).

As pesquisas praticadas nos programas de pós-graduação da FMRP-USP revelaram uma densa atividade científica em BM na instituição, com foco interdisciplinar para as áreas da Bioquímica, Imunologia e Farmacologia. Suas linhas de pesquisa adquiriram grande projeção na comunidade científica nacional e internacional, dado o impacto dos trabalhos científicos publicados pelos pesquisadores dessas unidades desde os anos sessenta.

A ascensão da Bioquímica: do “Conjunto das químicas” ao Instituto de Química da USP (1965-1970)

A década de sessenta foi um período importante para a reorganização da infraestrutura de pesquisa em “Ciências” na principal universidade da capital paulista. A pesquisa biológica na USP estava dispersa em várias faculdades e institutos, cujo ensino de ciências químicas e biológicas eram promovidos em condições bastante distintas entre si. De modo a organizar o parque científico da instituição, em 1960, iniciou-se um planejamento na reitoria da USP para atender uma demanda constante dos pesquisadores de ciência da USP: unificar todas as áreas de docência em um só conjunto de prédios a ser construído no campus universitário do Butantã17 (SENISE, 2006, p. 37).

O projeto foi elaborado por um grupo de professores e pesquisadores dos chamados “setores de química básica e bioquímica”, em meio a vários movimentos por mudanças na administração interna da USP. Em 1961, após aprovação no conselho universitário, foi iniciada a construção do chamado “Conjunto das Químicas” na cidade universitária, junto com a construção de outros prédios no campus.

O objetivo mais urgente da construção do conjunto de prédios era reunir os acervos das bibliotecas da “Faculdade de Farmácia e Bioquímica” e da “Faculdade de Odontologia”. Segundo a “Divisão de Biblioteca e documentação do conjunto das químicas” da USP (2014), transferir as bibliotecas das outras unidades para a cidade universitária era uma prioridade, já que, quando finalizada a construção do “Conjunto das Químicas”, haveria uma grande demanda pelo acesso aos acervos e outros materiais didáticos.

O grupo de prédios foi concluído em 1966, contando com uma infraestrutura centralizada de salas para novos laboratórios, biblioteca (já em instalação desde 1965) e novas salas de aula. O novo conjunto de prédios possuía capacidade para alojar a maioria dos laboratórios de pesquisa em Química fundamental e Bioquímica existentes nas unidades da USP na cidade de São Paulo (MEMORIA USP, 2014).


Figura 4
Laboratório do Conjunto das químicas, 1968*
Memória USP (2015)

A partir da sua inauguração em 1966, o Conjunto das Químicas começou a receber todos os departamentos, cadeiras (cátedras) e disciplinas de Química e Bioquímica pertencentes a seis Faculdades distintas. Esse processo permitiu ao local se tornar um centro de pesquisa promissor para a Biologia Molecular em São Paulo. A quantidade de pesquisadores e acadêmicos envolvidos com a produção de conhecimento nessa área foi amplamente favorecida a partir de então.

Como resultado da reforma universitária de 1968, essa estrutura se tornou formalmente Instituto de Química da USP (IQ-USP). O instituto se constituiu em dois departamentos: “Química Fundamental” (composto por 71 docentes das áreas de Química, Engenharia, Física e Farmácia) e “Bioquímica” (composto por 52 docentes, principalmente, das áreas da medicina, química, biologia, farmácia e odontologia).

Os laboratórios e a biblioteca do “Conjunto das químicas”, que já estava instalado desde 1965, foram transferidos aos poucos para os novos blocos de prédios do IQ-USP, assim como os serviços de administração. Um ano após a sua inauguração, o IQ-USP lançou seu Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Ciências Biológicas (Bioquímica)18 (Ibidem).


Figura 5
Vista panorâmica do Instituto de Química, 1969*
Memória USP (2015)

No início dos anos setenta, o Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas (Bioquímica) do IQ-USP logrou importantes avanços para o desenvolvimento da BM, reunindo uma quantidade expressiva de pesquisadores para a época (mais de 120 docentes cadastrados na pós-graduação).

Segundo Rogério Meneghini (2009), a proximidade entre os pesquisadores do IQ-USP e os dirigentes da FAPESP viabilizou um importante programa para a Bioquímica na cidade de São Paulo (o primeiro programa especial da agência de fomento), que foi implantado já em 1971. Isso se deu a partir da entrada de importantes pesquisadores para compor a burocracia decisória da FAPESP. Foi um projeto pensado em, aproximadamente, dois anos pelo bioquímico Francisco Jeronymo Salles Lara (Prof. Titular em Bioquímica no IQ-USP, entre 1969-1989) e pelo físico Oscar Sala (Meneghini, 2009). Esta iniciativa está apresentada a seguir.

O programa de pós-graduação em Biologia Molecular da Escola Paulista de Medicina (1963-1970)

Para além dos movimentos ocorridos nas unidades da USP (seja na capital ou no interior), outra instituição de pesquisa se destacou no parque científico da BM paulista: a Escola Paulista de Medicina (EPM-UNIFESP, a partir daqui), localizada na cidade de São Paulo desde 1933. No início dos anos sessenta, a primeira das duas instituições já era uma escola de formação médica bastante conhecida na capital19. Naquela década, a instituição promoveu a institucionalização de novos espaços para a produção científica em BM, com a reforma de laboratórios de pesquisa e uma estrutura departamental para suprir tal atividade.

Nessa instituição, o processo se deu a partir da reorganização do ensino de Ciências em uma nova estrutura de departamentos. Essa mudança ocorreu por demanda do Ministério da Educação e Cultura, que fez a faculdade introduzir esse novo regime no ano de 1963, quando foi viabilizada a criação das disciplinas de Físico-Química, Bioquímica, Biofísica, Farmacologia e Fisiologia (BORGES et al, 2008, p. 31).

Tal cenário criou as condições necessárias para uma “mudança de status” da pesquisa biológica naquela instituição. Em 1966, como resultado das novas disciplinas, foi criado mais um curso de graduação naquela instituição, o de Ciências Biomédicas. Ele se tornou o primeiro a incorporar uma dimensão interdisciplinar desde o ensino superior e era visto como uma ótima forma de recrutar jovens interessados na carreira científica, já que o foco da formação médica foi, historicamente, formar profissionais para atuar na assistência à saúde, grande possuidora de demanda por novos profissionais.

Menos de dez anos depois da criação dos departamentos, a instituição esteve dentre as pioneiras na criação de um Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Biologia Molecular no país, adquirindo esse nome pela primeira vez. O programa foi implementado por um grupo de docentes de três departamentos da EPM-UNIFESP (Fisiologia, Bioquímica e Biofísica), buscando institucionalizar a pesquisa nessa área também naquela instituição.

No começo dos anos setenta, essa composição disciplinar permitiu a instalação de novos cientistas e outros pesquisadores no prédio. Entretanto, o programa de pós-graduação em Biologia Molecular da EPM-UNIFESP possuía algumas peculiaridades que o distingue dos demais programas encontrados nos institutos da USP na capital. Pelo menos três características ajudam a entender os motivos da diferença.

Primeiramente, é importante ressaltar a continuidade do vínculo entre a pesquisa em BM e a docência em cursos da área de Saúde. No início dos anos setenta, os pesquisadores foram de grande importância para consolidar o curso de Ciências Biomédicas - um instrumento necessário para captar jovens para o mestrado e doutorado. Nesse sentido, esse curso preparava os alunos com um direcionamento interdisciplinar, buscando estimular o diálogo entre ciências e as áreas da saúde.

Outro aspecto refere-se à contribuição da EPM-UNIFESP com o desenvolvimento de uma “Biologia Molecular aplicada à célula humana” - resultado do intercâmbio entre pesquisas sobre gênese e reprodução celular em mamíferos e na área de Bioquímica, focada no estudo da estrutura e função do DNA e seu impacto para a regulação da atividade metabólica (Idem, p. 32).

Por fim, a instituição se destacou por viabilizar a criação de um programa de pós-graduação interdisciplinar e interdepartamental para a BM desde a sua origem – algo que permanece até os dias atuais. A estrutura do programa e sua organização favoreceu um tipo de pesquisa dinâmica, para áreas aplicadas da Farmacologia e Imunologia, reconhecida pela comunidade científica nacional e internacional.

Dentre eles, destacou-se a continuidade das pesquisas sobre estrutura molecular, função e propriedades farmacológicas da Heparina (um anticoagulante usado na prevenção de tromboses, infarto do miocárdio, embolia pulmonar, entre outras patologias) e da Angiotensina (peptídeo gerado pela quebra molecular na reação entre uma enzima hepática e uma proteína, com potencial regulador de pressão arterial em órgãos do sistema circulatório e suprarrenal) – linhas de pesquisa coordenadas respectivamente pelos pesquisadores Carl Peter von Dietrich e Antônio C. Mattos de Paiva, que tiveram papel destacado no âmbito da FAPESP (UNIFESP, 2014)

A EPM-UNIFESP empreendeu um projeto de pós-graduação em Biologia Molecular sensível aos novos temas de pesquisa biomédica no plano internacional. Contudo, a área ainda estava sendo implementada no país, em um ambiente bastante rudimentar para a ciência. Havia enormes desafios para superar em termos de infraestrutura de laboratórios, oferta de financiamento estável, formação de novos pesquisadores, etc.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As primeiras experiências da BM no contexto paulista demonstram um relativo pioneirismo por parte das instituições de pesquisa investigadas e do amparo garantido pelo governo estadual ao seu desenvolvimento e expansão. Ao longo dos anos sessenta, ficou evidente que a promoção do campo científico da BM foi resultado de uma atividade explícita de negociação e construção de alianças políticas no plano da principal agência de fomento regional, a FAPESP.

Essa articulação permitiu avanços significativos em termos de desenvolvimento da agenda de pesquisa regional em BM. Além do fomento aos projetos de pesquisa em andamento em instituições como a EPM-UNIFESP e a FMUSP, verificou-se o auxílio a instalação de um novo parque tecnológico no IQ-USP e a elucidação de um programa especial para a Bioquímica na década seguinte. Vale ressaltar que todo esse processo coexistiu com a construção das próprias universidades estaduais paulistas.

Pode-se dizer que, a partir de então, a agenda de pesquisa em BM deixou de estar restrita a avanços particulares oriundos de cada instituição de pesquisa, de maneira individualizada. Esse déficit foi aos poucos sendo suplantado por iniciativas conjuntas entre a comunidade de pesquisa regional, que foi capaz de articular novos instrumentos de política de C&T da FAPESP para desenvolver novos centros de pesquisa sobre o assunto – principalmente na capital paulista.

Os primeiros programas de pós-graduação em BM criados em tais instituições do estado de São Paulo representaram uma contribuição essencial para o desenvolvimento dessa área. Em grande medida, a infraestrutura humana e material instalada entre os anos sessenta e setenta sustenta, até hoje, uma importante parcela do parque científico estadual, complementada por outros programas propostos nas décadas seguintes.

O estudo da emergência da BM no estado de São Paulo deve servir como um incentivo para novos trabalhos em CTS, já que as mediações políticas e a construção de alianças na ciência ocorrem ficam mais explícitas quando analisadas em perspectiva histórica e situadas no plano cultural (regional ou local). O artigo deve servir para auxiliar na compreensão de que existem alguns elementos, de natureza social e política, que são críticos para o sucesso ou fracasso de novos empreendimentos científicos e tecnológicos, sobretudo em países em desenvolvimento – que possuem maior escassez de recursos financeiros e de capital humano, o que tornam as lutas políticas mais intensas no interior da comunidade científica.

Em suma, as trajetórias analisadas servem também para resgatar o debate sobre o papel das políticas públicas na promoção da ciência. Novas áreas do conhecimento interdisciplinar demandam uma organização específica entre a comunidade científica, dos governos e outros atores interessados. Sem dúvida, a agenda científica da BM no Brasil ainda é pouco estudada, e merece uma investigação mais ampla no plano das instituições de pesquisa em todo país.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP, pelo suporte financeiro garantido ao projeto de doutorado (Proc. n. 2013/05368-6). O artigo é resultado da tese de doutorado intitulada: “A agenda de pesquisa em Oncologia Molecular no Estado de São Paulo (1970-2013)”, defendida em agosto de 2015 no Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas, DPCT/IG/UNICAMP. Agradecemos a revisão empreendida pela banca de doutorado, composta pelas pesquisadoras doutoras Vera Schattan R. P. Coelho, Elisabeth Balbachevsky, Janaína Pamplona da Costa e Lea Strinni Velho. Agradecemos também a revisão cuidadosa feita pelo parecerista da Revista Tecnologia & Sociedade. As críticas presentes no manuscrito são de responsabilidade dos autores e não necessariamente refletem as opiniões da instituição sede do projeto ou do financiador.

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Notas

[1] Outra definição possível é que a Biologia Molecular “(...) estuda macromoléculas e os mecanismos macromoleculares encontrados em coisas vivas (...) [a Biologia Molecular] estuda a natureza molecular do gene e seus mecanismos de replicação genética, mutação e expressão, que interferem na linha de novas células (AUYANG, 2011).
2 A Fundação Rockefeller não atuou apenas em países desenvolvidos. A instituição foi responsável pela instalação de uma infraestrutura para a pesquisa em saúde no Brasil, como é o caso da antiga Faculdade de Medicina e Cirurgia da cidade de São Paulo, e também pela disseminação do modelo de Revolução Verde, especialmente na Índia, conforme discute os trabalhos de Marinho (2007) e Vandana Shiva (1991), respectivamente.
3 O laboratório era formalmente denominado “Medical Research Council Unit for the Study of Molecular Structure of Biological Systems” (CHADAREVIAN, 2002, p. 4).
4 Segundo Noorden et al. (2014), é o trabalho que registra o maior número de citações dentre todas as publicações científicas existentes no mundo (NOORDEN, et al., 2014).
5 No início dos anos sessenta foi aprovado o projeto de expansão do laboratório, passando a se chamar “Laboratório de Biologia Molecular”. Segundo a historiadora Soraya de Chadarevian (2002), no fim da década de cinquenta, além do Laboratório de Biologia Molecular da Universidade de Cambridge, existiam outros dois centros de pesquisa em Biologia Molecular amplamente reconhecidos no mundo: um localizado no Instituto Pasteur, na França, e outro na Divisão de Biologia do Instituto de Tecnologia da Universidade da Califórnia, nos EUA.
6 Pode-se dizer que apenas no início dos anos setenta a BM se tornou, de maneira mais clara, uma disciplina propriamente dita (CHADAREVIAN; KAMMINGA, 1998).
7 “Pesquisa básica” é um conceito flexível, sujeito a distintas interpretações. Segundo Calvert (2006) “Pesquisa básica” é o exercício de conhecimento exploratório, imprevisível e generalizante: é um tipo de pesquisa que não se propõe a aplicação, baseada em rotinas e direcionada principalmente a romper com a fronteira do conhecimento e instituir um novo “paradigma científico”. É um conceito útil à comunidade de pesquisa, já que serve como elemento estratégico no planejamento da política científica e, portanto, do que é sujeito ao financiamento estatal (CALVERT, 2006, p. 204).
8 Nesse período, os poucos laboratórios de pesquisa biológica que existiam estavam submetidos a coordenação do Serviço Sanitário Paulista, que era composto pelo Instituto Bacteriológico, Instituto Vacinogênico, Laboratório de Análises Químicas e pelo Instituto Butantã (ALMEIDA, 2003, p. 87).
9 Para mais detalhes sobre o contexto de institucionalização da PCT, e o papel do CNPq e da CAPES no Brasil, ver Dias (2009).
10 O nome do laboratório remete ao físico americano Robert J. Van de Graaff, que originalmente inventou a máquina eletrostática de aceleração de partículas, na Universidade de Princeton, no fim dos anos 1920. No Brasil, o acelerador foi montado no período de 1951 a 1954, nas dependências da FFCL da USP. Entretanto, ele só entra em atividade no fim dos anos 1960, graças ao auxílio financeiro da Fundação Rockefeller e da Força Aérea norte-americana (MOTOYAMA; GORDON, 2010, p. 19).
11 Segundo Bueno (2012) “Com o objetivo de direcionar o potencial científico dos países para o uso pacífico das tecnologias nucleares, temendo a multiplicação de armamentos atômicos em sua área de influência, os Estados Unidos criaram em 1953 o programa “Átomos para a Paz” que previa a cooperação entre as nações na disseminação do uso dos isótopos radioativos para a geração de energia e produção de insumos médicos. Criado o projeto, o país que dominava a tecnologia de construção de reatores nucleares [EUA] lançou um desafio: a nação que desenvolvesse as condições estruturais e de recursos humanos necessárias para a instalação de um centro nuclear para fins pacíficos receberia um reator para fabricação de rádio fármacos e condução de pesquisas científicas. O Brasil resolveu participar da disputa, graças principalmente ao entusiasta da energia nuclear e representante do Brasil na Comissão de Energia Atômica da ONU, almirante Álvaro Alberto da Mota e Silva (que hoje dá nome à usina Angra) (...) O Brasil acabou ganhando a disputa e o reator, graças a uma parceria entre o então recém-criado Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (coordenado por Mota e Silva até 1955) e a USP, que juntos fundaram o Instituto de Pesquisas Atômicas (IEA), que passou a chamar-se Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) a partir de 1979 (ANDRADE, 2013).
12 Cintra foi um importante ator no processo de implementação dos regulamentos propostos pelos chamados “Estatutos de 1962”, aprovados no âmbito do governo estadual para promover mudanças nas universidades estaduais paulistas. Para Marinho e Mota (2012) “em linhas gerais, os estatutos de 1962 redefiniram formas de contratação e efetivação do quadro docente e administrativo, além de estabelecer normas para indicação e ocupação dos cargos de direção, nas respectivas faculdades, e no comando da reitoria. Porém, o aspecto mais relevante, e o mais delicado, referia-se à introdução da estrutura departamental no ambiente da universidade (MARINHO; MOTA, 2012, p. 141).
13 Zeferino Vaz (1908-1981) se graduou em Medicina pela Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo e seguiu carreira científica na antiga área da História Natural (Biologia Geral e Genética), com foco em Parasitologia, Genética e Zoologia (GOMES, 2007).
14 Nos anos cinquenta, além do Instituto Biológico, existiam outros poucos centros de pesquisa em ciências biológicas voltadas para aplicação em saúde. Era o caso do Instituto Butantã, em São Paulo, e o Instituto Manguinhos-Fiocruz, no Rio de Janeiro (Idem).
15 Para Zeferino Vaz, as ciências biológicas, que eram principalmente descritivas, estavam se tornando parecidas com as ciências exatas, o que demandava mudanças para desenvolver pesquisas sobre essa nova área no estado de São Paulo (Idem, p. 11).
16 Em 1952, foram instituídos o Departamentos de Parasitologia e o Departamento de Microbiologia. Em 1970, por demanda da reforma universitária, os departamentos se fundiram em um só, com o nome de “Departamento de Parasitologia, Microbiologia e Imunologia” (FMRP-USP, 2014).
17 “(...) antes de 1970, Química e Bioquímica eram disciplinas dispersas em várias Faculdades e Escolas (...) Na área da Bioquímica, cada uma das Faculdades que a ministravam em seus cursos possuía um Departamento ou Cátedra, normalmente designada como Química Biológica ou Química Fisiológica” (MEMORIA USP, 2014).
18 A Bioquímica é a área da Biologia que estuda os processos químicos que ocorrem em organismos vivos. A área consiste no estudo da estrutura molecular e da função metabólica de componentes celulares e virais, como proteínas, enzimas, carboidratos, ácidos nucléicos, entre outros. É a ciência responsável pelo estudo das estruturas, da organização e das transformações moleculares que ocorrem na célula (NELSON; COX, 2014, p. 05).
19 A EPM-UNIFESP foi inaugurada em 1933 na cidade de São Paulo, como uma instituição privada de formação médica. Em 1936, ela se transferiu para o bairro Vila clementino. No entanto, desde 1957 a faculdade é uma instituição federal de ensino superior, quando ampliou os cursos para outras áreas da saúde (SILVA, 2003).

Informação adicional

Como citar: SILVA, R., G., L., da; COSTA, M., C. da. A emergência da Biologia Molecular no estado de São Paulo, 1952-1970. R. Tecnol. Soc. v. 14, n. 31, p. 1-27, mai./ago. 2018. Disponível em: <https://periodicos.utfpr.edu.br/rts/article/view/5914> . Acesso em: XXX.

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