A universidade e os processos de geração, transmissão e disseminação do conhecimento: um estudo sobre os determinantes das interações com atores externos
The university and the processes of generation, transmission and dissemination of knowledge: a study on the determinants of interactions with external actors
A universidade e os processos de geração, transmissão e disseminação do conhecimento: um estudo sobre os determinantes das interações com atores externos
Revista Tecnologia e Sociedade, vol. 14, núm. 33, pp. 31-51, 2018
Universidade Tecnológica Federal do Paraná
Recepção: 05 Setembro 2017
Aprovação: 10 Janeiro 2018
Resumo: O presente trabalho apresenta uma reflexão sobre as interações da comunidade acadêmica com públicos externos, especialmente sobre os modos produção, transferência e disseminação do conhecimento. A problemática que norteou a presente pesquisa procurou elucidar os elementos que concorrem para as decisões dos pesquisadores acadêmicos em estabelecerem (ou não) relações com a indústria e com outros atores, bem como os impactos do patenteamento, sobre outras formas de transferência de conhecimento, como as publicações. O método utilizado foi o da pesquisa bibliográfica para apurar o estado da arte da literatura especializada nesta temática e em estudos realizados em universidades dos Estados Unidos, da Europa, da Ásia, da África e da América do Sul. As principais conclusões são que existem determinantes individuais, organizacionais e institucionais que influenciam a decisão do pesquisador sobre o tipo de relacionamento ou atividade que considera prioritária (publicações, patenteamento etc.), e também, que os impactos do patenteamento sobre outras formas de transferência do conhecimento, como as publicações, por exemplo, podem ser tanto negativos (efeito substitutivo), quanto positivos (efeito complementar).
Palavras-chave: Universidade, Missões, Produção Científica, Transferência de conhecimento.
Abstract: This paper presents a reflection on the issues related to the interactions of the academic community with external audiences, especially regarding the modes of production, dissemination and transfer of knowledge. The problem that guided the present research sought to elucidate the elements that contribute to the decisions of the academic researchers in establishing (or not) relations with the industry and with other actors, as well as on the impacts of the patenting, and on other forms of knowledge transfer, such as publications. The method used was literature review to determine the state of the art literature on this topic and studies conducted mainly in universities in the United States, Europe, Asia, Africa and South America. The main conclusions are that there are individual, organizational and institutional determinants that influence the decision of the investigator on the type of relationship or activity that is considered to be a priority (publications, patenting, etc.), and also that the impacts of patenting on other forms of knowledge transfer such as publications, for example, may be either negative (substitution effect) or positive (complementary effect).
Keywords: University, Missions, Scientific Production, Knowledge transfer.
INTRODUÇÃO
A combinação ensino-pesquisa, característica da universidade moderna surgiu no início do século XIX, na Alemanha (Prússia), com a criação da Universidade de Berlim, em 1810. Wilhelm von Humboldt, o idealizador desse novo modelo, percebia a importância da universidade e da ciência no mundo moderno como elementos essenciais para o desenvolvimento industrial das nações (NYBOM, 2003). A proposta de universidade contou com o apoio estatal, pois fazia parte de um plano de reformas mais amplo que envolvia questões políticas, econômicas e culturais, e foi concebida durante o período em que Humbold ocupou o cargo de chefe do departamento de educação e artes no Ministério do Interior (em Berlim, entre 1809 e 1810). As reformas permitiram a estruturação de um sistema educacional de acesso universal (HUMBOLDT-UNIVERSITÄT ZU BERLIN, 2013) e prepararam o caminho para a industrialização da Alemanha, ao formar recursos humanos especializados (cientistas e engenheiros) para sustentá-la (RIBEIRO, 1982). Diz-se que essa mudança paradigmática constituiu o que se tem chamado de Primeira Revolução Acadêmica1.
A Segunda Revolução Acadêmica, por sua vez, ocorreu durante o século XX quando muitas instituições de ensino superior passaram a reconhecer a importante função social do ensino e da pesquisa, vistos como meios para promover a formação de recursos humanos, geração e fluxo de conhecimento, empreendedorismo e inovação (ETZKOWITZ; LEYDESDORFF, 1997). Assim, sustenta-se que as revoluções acadêmicas introduziram novas missões e, consequentemente, novas formas da universidade se relacionar com a sociedade, mas também novas demandas e cobranças. Desse modo, a universidade tem sido reconhecida como uma importante instituição de apoio à inovação no século XXI, em tempos de uma economia cada vez mais baseada no conhecimento. Devido ao papel central do conhecimento na sociedade e da sua grande demanda, a universidade assume uma importância capital no processo de produção e disseminação, pois, “como produtora, atacadista e varejista do conhecimento, não pode escapar do serviço. O conhecimento, hoje, é para o bem de todos” (KERR, 2005, p. 113).
A partir do século XX, com o aumento das atividades científicas e do volume de recursos direcionados a essas atividades, o apoio público à pesquisa universitária passou a depender cada vez mais da relevância do “contrato social” firmado entre a ciência e a sociedade (ou entre a academia e a sociedade). Sendo assim, afirma-se que a identidade da ciência acadêmica (o seu “o quê) está relacionada com a condução de pesquisas que produzam resultados relevantes à sociedade (o “por quê?”). A relevância refere-se tanto às possíveis aplicações práticas dos resultados das pesquisas, como às promessas de contribuições à competitividade econômica, ao enriquecimento sociocultural, entre outras (HESSELS, VAN LENTE; SMITS, 2009). Logo, essa evolução no modo de encarar a ciência expressa uma profunda mudança na relação entre a ciência acadêmica, o Estado, o mercado e a sociedade civil.
Também, é importante considerar que as mudanças operadas nos processos tradicionais de produção de conhecimento, preconizadas por Gibbons et al. (1994) e Gibbons (1998), categorizadas como “Modo 1” e “Modo 2”2, provocaram, e continuarão provocando, alterações nas formas como o conhecimento é produzido e disseminado na sociedade, nos locais de produção (novos centros produtores surgiram e a universidade já não é mais o único centro produtor), no número dos envolvidos, nas diferentes disciplinas e especialidades necessárias à solução de problemas emergentes, e consequentemente, nas formas como a universidade se insere na sociedade.
Em face dessas novas realidades, a terceira missão tem sido entendida como a interface que liga a universidade mais diretamente ao seu entorno, ou em termos mais amplos, à sociedade. Os mecanismos são fornecidos por dois tipos de potencialidades: as instalações físicas; e as capacidades de conhecimento, ou seja, não somente por meio da estrutura instalada (prédios, laboratórios, quadras esportivas, museus e outras instalações), mas também pelo acervo ou estoque do conhecimento e das expertises da comunidade acadêmica (GIMENEZ, 2017).
Em vista dessas evidências, o objetivo do trabalho é realizar uma reflexão sobre as interações da comunidade acadêmica com públicos externos, especialmente sobre os modos produção, transferência e disseminação do conhecimento. A problemática estabelecida está relacionada com os elementos que concorrem para a decisão dos pesquisadores acadêmicos de se envolverem (ou não) com parceiros da indústria e com outros atores externos, como também, com os impactos do patenteamento acadêmico sobre outras formas de transmissão do conhecimento, como as publicações. Os termos “acadêmico” e “academia” foram utilizados de maneira genérica, tanto para representar os pesquisadores das universidades, mas também de outros tipos de instituições de educação superior, bem como de institutos e centros públicos de pesquisa, por exemplo.
O artigo está estruturado em cinco seções, quais sejam: introdução; referencial teórico; metodologia; discussão dos resultados; e considerações finais. Os resultados permitiram concluir, primeiramente, que existem determinantes individuais, organizacionais e institucionais que influenciam a decisão do pesquisador sobre o tipo de relacionamento ou atividades que considera prioritária (publicações, patenteamento, outras) e que os impactos do patenteamento sobre outras formas de transferência do conhecimento, como as publicações, por exemplo, podem ser tanto negativos (efeito substitutivo), quanto positivos (efeito complementar) dependendo da área, da instituição, da experiência do pesquisador, entre outros fatores.
REFERENCIAL TEÓRICO
APONTAMENTOS SOBRE A EVOLUÇÃO DA TERCEIRA MISSÃO DA UNIVERSIDADE
A percepção das funções do ensino superior, especialmente da universidade, evoluiu consideravelmente desde o seu surgimento, como uma instituição voltada exclusivamente ao ensino, na Idade Média (a partir do século XI, em Bolonha - Itália). No entanto, ainda “não havia a ideia de um ‘papel’ da universidade diante da sociedade, de ‘serviços’ a serem prestados à comunidade extramuros” (CASTANHO, 2000, p. 24). Conforme apresentado na introdução, muitos séculos transcorreram até a assimilação de uma segunda missão, pois foi somente no século no século XIX (na Alemanha) que a pesquisa passou a ser entendida como indispensável e indissociável do ensino. Neste mesmo século, surgiu também a preocupação com o desenvolvimento de uma terceira missão, especialmente para estender os benefícios dos saberes universitários a um número mais amplo de pessoas.
Nota-se que o entendimento acerca da importância e abrangência da terceira missão evoluiu consideravelmente nas duas últimas décadas devido, especialmente, ao crescente reconhecimento da necessidade de se reequilibrar a sua atuação e as possibilidades de contribuições à sociedade (GIMENEZ, 2017). Segundo Montesinos et al. (2008), as interações e a transferência de conhecimento podem acontecer de diferentes formas, pois a terceira missão apresenta pelo menos três dimensões: a social; a empresarial; e a inovadora. A dimensão social envolve os serviços prestados pela universidade ao público em geral, tais como, as atividades artísticas e culturais, os cursos, as atividades de voluntariado, entre outras. A dimensão empreendedora engloba as atividades de consultoria, patenteamento, comercialização da propriedade intelectual e congêneres. Finalmente, a dimensão inovadora diz respeito à busca por capital de risco para a formação de empresas, criação de redes de negócios, estruturação de parques científicos e tecnológicos, entre outros (MONTESINOS et al., 2008).
Gimenez (2017) realizou uma extensa pesquisa sobre evolução da relação universidade-sociedade, com ênfase na terceira missão, e concebeu uma linha evolutiva dessa relação, apresentada na Figura 1, a seguir.

A terceira missão teve o seu início na Inglaterra (em Oxford e Cambridge) - a partir de 1850 -, com as primeiras experiências extramuros voltadas à educação de adultos. Welch (1973) explica que o termo “Universidade Peripatética” designa o movimento iniciado no século XIX com os primeiros cursos e palestras de extensão universitária proferidos por docentes dessas duas tradicionais universidades inglesas, em localidades que não tinham acesso aos conhecimentos universitários. A organização de cursos e palestras para serem levados a institutos de mecânica, cooperativas, escolas, e outras agremiações, especialmente no norte da Inglaterra, criou as bases para futuras escolas ou departamentos de extensão universitária e de educação de adultos, não somente na Grã-Bretanha, mas no mundo todo (WELCH, 1973).
Nos Estados Unidos, a extensão universitária - na modalidade prestação de serviços - desenvolveu-se a partir de meados do século XIX, nos Land Grant Colleges (instituições de concessão de terras)5 (STALEY, 2013, KERR, 2005), dando origem à universidade de serviços (GIMENEZ, 2017). Kerr (2005, p. 25) explica que o movimento de concessão de terras “abriu as portas das universidades aos filhos dos agricultores e trabalhadores, que se somaram aos filhos das classes média e alta; introduziu estações de experimentação agrícola e escritórios de serviços”.
As universidades cívicas, também chamadas de redbricks3, surgiram nas cidades industrias inglesas, devido às crescentes demandas provocadas pela Revolução Industrial, e são entendidas como a uma ponte que liga o ensino superior à sociedade, especialmente, em nível local e regional (GIMENEZ, 2017). Foram vistas como uma alternativa ao modelo Oxbridge4, tradicional, elitista e fechado (BARNES, 1996). As principais conexões que as universidades cívicas estabeleceram com o entorno estão: formação de mão de obra qualificada para a indústria; apoio a atividades industriais (aconselhamento científico, treinamento de trabalhadores); ou ainda, oferta de serviços à população, na área da saúde pública (GODDARD; VALLANCE, 2011).
A partir do século XX, cobranças de um papel mais ativo no desenvolvimento científico e tecnológico, aliadas a visões mais abrangentes do papel da universidade na sociedade, introduziram novas atividades tais como: empreendedorismo, inovação e transferência de tecnologia, sendo que, na atualidade, o seu papel regional tem despertado um crescente interesse (GIMENEZ, 2017).
Guerrero e Urbano (2012) sustentam que o termo “universidade empreendedora” foi mencionado pela primeira vez por Burton Clark, no estudo intitulado: Creating Entrepreneurial Universities: Organisational Pathways of Transformation. Clark (1998a; 1998b) propôs uma tipologia de universidade empreendedora que identifica como foco central o desenvolvimento de laços relevantes com a sociedade em geral e, em particular, com o setor empresarial, tanto em nível local como em nível nacional e global. O desenvolvimento dessa nova missão dentro da universidade está fortemente vinculado ao desenvolvimento de uma periferia institucional constituída por centros de pesquisa, escritórios, laboratórios e outras estruturas e instituições. Também nos anos 1990, outra conhecida abordagem, a da Hélice Tripla, passou a entender a universidade como um ator central da sociedade baseada em conhecimento. Essa abordagem preocupa-se com os arranjos institucionais modelados para a interação entre universidade-indústria-governo, buscando compreender as redes de relacionamentos e comunicação que são criadas, bem como a sua evolução ao longo do tempo (ETZKOWITZ; LEYDESDORFF, 2000).
A Universidade “Glocal”, por seu turno, é aquela que promove “a interação entre a visão global e os impactos locais das suas atividades” (GRAU, 2014, p. 2), pois entende-se que o papel nacional da universidade, especialmente o regional/local, não pode ser menosprezado em função das cobranças atuais em prol da intensificação de um papel global, pelo contrário, os dois papéis devem caminhar juntos. Para Goddard, Kempton e Vallance (2012, p. 44), isso envolve “a combinação entre ser globalmente competitivo e localmente enraizado”.
Finalmente, a universidade engajada é aquela que fomenta relacionamentos e interações com o seu entorno, envolve-se com diferentes comunidades (empresas, organizações sem fins, lucrativos, e com outros segmentos da sociedade), especialmente porque, no século XXI, espera-se que ela se engaje mais intensamente com as suas comunidades, desenvolvendo e aprimorando a sua missão regional (ARBO; BENNNEWHORT, 2007). A universidade engajada difere dos outros tipos de universidades (extensionista, prestadora de serviços, empreendedora...) porque o nível de imersão na sociedade e o reconhecimento do seu papel regional é muito mais amplo e intenso. A academia engajada ou “modelo engajado de academia” interage e colabora com a sociedade estabelecendo formalmente relacionamentos de longo prazo, permitindo que a comunidade alcance a instituição (GAFFIKIN; PERRY, 2008; GAFFIKIN; MORRISSEY, 2008).
METODOLOGIA
A abordagem utilizada nesta pesquisa foi a qualitativa e o procedimento metodológico adotado foi o da pesquisa bibliográfica. O trabalho aborda questões teórico-conceituais e empíricas, pois o referencial selecionado envolve estudos bibliométricos e estudos de natureza qualitativa. Na primeira parte do artigo foi delineado o referencial teórico que fundamenta a evolução da terceira missão da universidade. Na segunda parte, foram apresentados alguns dos achados de estudos que investigaram o comportamento e/ou pontos de vistas de pesquisadores acadêmicos dos Estados Unidos, da Europa, da Ásia, da África e da América do Sul. Os estudos foram selecionados por serem aderentes à problemática estabelecida para esta pesquisa.
A Tabela 1, a seguir, traz a lista dos estudos que fundamentam a segunda parte do artigo:
| Autor/Ano | Título | Periódico/Repositório |
| Perkmann et al. (2013) | Academic engagement and commercialisation: A review of the literature on university–industry relations | Research Policy |
| Crespi (2011) | The impact of academic patenting on university research and its transfer | Research Policy |
| Oliveira (2011) | Proteção e comercialização da pesquisa acadêmica no Brasil: motivações e percepções dos inventores | Repositório da Produção Científica e Intelectual da Unicamp |
| Giuliani et al. (2010) | Who are the researchers that are collaborating with industry? An analysis of the wine sectors in Chile, South Africa and Italy. | Research Policy |
| Azoulay, Ding e Stuart (2009) | The impact of academic patenting on the rate, quality and direction of (public) research output | The Journal of Industrial Economics |
| Baldini (2008) | Negative effects of university patenting: Myths and grounded evidence | Scientometrics |
| Geuna e Nesta (2006) | University patenting and its effects on academic research: The emerging European evidence | Research Policy |
| Carayol e Matt (2004) | Does research organization influence academic production?: Laboratory level evidence from a large European university | Research Policy |
| Zucker e Darby (1998) | Entrepreneurs, star scientists, and biotechnology | National Bureau of Economic Research (NBER) |
Os estudos supra foram selecionados a partir de buscas realizadas on-line, primeiramente, no Google Acadêmico e depois, nas seguintes bases: (i) ScienceDirect; (ii) Springer Link; e (iii) repositório institucional (Unicamp). Para a busca de trabalhos escritos em língua inglesa foram definidos os seguintes termos de busca: academic engagement; university patenting, academic patenting. Para a busca de textos de autores brasileiros (escritos em português) foram utilizados os mesmos termos, porém vertidos para a língua portuguesa: envolvimento/compromisso acadêmico; patentes universitárias; patentes acadêmicas. Após a leitura dos abstracts/resumos (em alguns casos, também das introduções) de, aproximadamente 30 artigos, foram selecionados os 9 listados na Tabela 1.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
APONTAMENTOS SOBRE O ENGAJAMENTO ACADÊMICO
Engagement é o termo utilizado em diversos estudos para representar (i) o envolvimento/compromisso/aliança das Instituições de Educação Superior (IES) com a sociedade/comunidade/entorno, e isso envolve toda a comunidade acadêmica - o corpo administrativo, os docentes e pesquisadores, a direção central; (ii) o envolvimento/compromisso dos estudantes com o curso e com a IES (sua adesão, participação na vida acadêmica); o (iii) envolvimento/compromisso de professores e pesquisadores com atividades de transmissão e disseminação de conhecimento, atuação em redes de relacionamento, pesquisas colaborativas, patenteamento, empreendedorismo e outros. Engajar-se, portanto, significa envolver-se em alguma ação, comprometer-se, ocupar-se, incumbir-se etc.
Existe um número significativo de autores estrangeiros que discorrem sobre community engagement; civic engagment; public engagement; academic engagement, e isso está relacionado com as discussões crescentes acerca das missões universitárias, especialmente no que diz respeito à construção de novos entendimentos sobre o papel do ensino superior no século XXI. Interessou a esta pesquisa o engajamento da comunidade acadêmica (docentes/pesquisadores) com atividades de produção, transferência e disseminação do conhecimento via patentes ou publicações, ou com interações com atores externos à academia, como a indústria.
PESQUISADORES ACADÊMICOS: OS DETERMINANTES DAS INTERAÇÕES
Este tópico foi estruturado a partir dos resultados parciais de dois estudos: (i) Perkmann et al. (2013) - Academic engagement and commercialisation: A review of the literature on university–industry relations; e (ii) Giuliani et al. (2010) - Who are the researchers that are collaborating with industry? An analysis of the wine sectors in Chile, South Africa and Italy, pois nos dois estudos houve uma preocupação em estabelecer os fatores que concorrem para as interações dos pesquisadores acadêmicos com a indústria ou com outros parceiros. A principal diferença entre a pesquisa conduzida por Giuliani et al. (2010) e a conduzida por Perkmann et al. (2013) é que, na primeira, foram utilizadas tanto fontes primárias (entrevistas e questionários), quanto secundárias (documentos institucionais, legislação e outros). No segundo caso, no entanto, o estudo encorou-se exclusivamente em fontes secundárias - artigos científicos publicados em periódicos de renome (Research Policy, Journal of Technology Transfer, Technovation, The Journal of Higher Education e outros).
Realizadas as devidas considerações, passamos à apresentação dos principais achados:
Perkmann et al. (2013) rastrearam artigos científicos publicados entre os anos de 1980 e 2011, em periódicos especializados. Os autores selecionaram 36 trabalhos (de um total de 413) para análise, na tentativa de elaborar um conceito para o termo “engajamento acadêmico”; estabelecer diferenças e/ou semelhanças entre as atividades de engajamento e as de comercialização; e apurar se esses dois fenômenos eram impulsionados (ou não), pelos mesmos motivos. Os artigos são provenientes dos seguintes países ou regiões: Estados Unidos (5), Reino Unido (18), outros países europeus (11), Ásia (1); outros países (1).
A seguir, passa-se a apresentação dos principais resultados:
a) Comercialização e engajamento acadêmico: diferenciação
Quando se trata da comercialização dos resultados de pesquisas acadêmicas, a transferência do conhecimento se dá por meio de licenciamentos de direitos, podendo envolver também o empreendedorismo para comercialização de tecnologias licenciadas. Essas ações geralmente são antecedidas por atividades inventivas geradoras de direitos transferíveis ao mercado. Portanto, neste âmbito, os objetivos financeiros são explícitos e, em regra, desejados.
No engajamento acadêmico, por outro lado, os objetivos são mais amplos, pois interessam tanto as interações formais e diretas entre o pesquisador (ou grupo de pesquisadores) com atores externos à academia (pessoa-pessoa), como as informais, não envolvendo necessariamente objetivos, ou retornos financeiros. Essas interações podem envolver pesquisas colaborativas, consultorias, palestras, reuniões, redes de comunicação, participação em eventos científicos, entre outras formas de relacionamentos. É importante notar, no entanto, que também é possível encontrar pontos de contato e importantes sobreposições entre os dois grupos de atividades (comercialização e engajamento), pois, em muitos casos, a comercialização poderá resultar do engajamento acadêmico, este, por seu turno, poderá lançar as bases para comercializações futuras (PERKMANN et al., 2013).
b) Determinantes do engajamento e da comercialização: o engajamento acadêmico e a comercialização podem ser afetados por determinantes individuais, organizacionais e institucionais.
Os determinantes individuais estão relacionados com características pessoais do pesquisador, quais sejam:
· Sexo: os dados demonstraram que acadêmicos do sexo masculino estavam mais propensos a se envolverem com a indústria;
· Idade: o fator idade apresentou resultados ambíguos, pois foram encontrados tanto aspectos positivos, como negativos. Os aspectos positivos indicaram que pesquisadores mais experientes realizavam mais contatos e estavam integrados a redes mais amplas, tinham acesso a um maior volume de recursos financeiros e a oportunidades para localizarem potenciais parceiros fora da academia. No entanto, no que se refere à comercialização, a força desses fatores não foi comprovada. Notou-se também, que os pesquisadores mais jovens estavam mais predispostos a se envolverem com a comercialização, quando socializados neste contexto. Entretanto, pesquisadores treinados em períodos anteriores, ou seja, antes do início das relações da universidade com a indústria, costumavam encarar esses relacionamentos como menos relevantes, ou até mesmo incompatíveis com o ensino e a pesquisa.
· Experiências anteriores com a comercialização e o patenteamento: percebeu-se que as possibilidades de envolvimento em atividades colaborativas com a indústria eram maiores quando o pesquisador já havia vivenciado essa experiência.
· Produtividade e sucesso: notou-se que cientistas bem-sucedidos e mais produtivos estavam mais predispostos a se envolverem em projetos colaborativos com parceiros industriais, como também em atividades do engajamento. Entende-se que isso ocorre porque o sucesso do cientista geralmente serve como um sinal tanto para as empresas, como para outros parceiros (dentro e fora da academia), que identificam nestes indivíduos potenciais colaboradores. Este sucesso também pode facilitar a obtenção de recursos junto às agências de fomento.
Notou-se, entretanto, que determinantes organizacionais podem afetar o interesse e a motivação do indivíduo em envolver-se com a comercialização e o engajamento. Entre os determinantes organizacionais identificados destacam-se os seguintes: o sistema de incentivos; a existência de estruturas de apoio (escritórios de transferência de tecnologia, por exemplo); a influência do grupo (membros da faculdade, do departamento). Constatou-se que o sistema de incentivos e a existência de estruturas de apoio exerciam influência decisiva na comercialização, mas não necessariamente no engajamento. A influência dos pares, especialmente quando estes se envolviam rotineiramente com a comercialização, impactava positivamente a decisão do pesquisador nesse sentido (PERKMANN et al., 2013).
Finalmente, os fatores institucionais também podem influenciar o comportamento dos pesquisadores. São considerados fatores institucionais: as características específicas de cada área do saber; a legislação; e as regras que regulamentam as profissionais (leis e outros atos normativos); as políticas púbicas.
Em algumas áreas, como no caso das ciências sociais, por exemplo, notou-se que a transferência do conhecimento ocorria por meio de contatos pessoais. Em outras, as interações com a indústria, os patenteamentos e os licenciamentos, podem ter sido favorecidos em decorrência das agendas de pesquisa, como nas engenharias (cujas agendas podem ter uma forte ênfase em pesquisas aplicadas). Nesse campo, a colaboração e a participação em atividades empreendedoras teriam mais chances de acontecer. Para os cientistas da computação, por outro lado, patentes e licenciamentos não foram considerados mecanismos relevantes para a transferência do conhecimento, ao contrário dos cientistas de materiais, que os consideraram relevantes. Portanto, nota-se que o campo de atuação do pesquisador também é um dado importante quando se pretende identificar as formas de transferência do conhecimento: se por meio de patentes, licenciamentos, papers, contratos de pesquisa, contatos pessoais - relações formais (consultorias, estágios de alunos, contratação de egressos da universidade), ou informais (interações em eventos, palestras, reuniões) (PERKMANN et al., 2013).
As políticas públicas podem favorecer ou mesmo criar oportunidades para a comercialização, em determinadas áreas. Um exemplo bastante citado é a Lei Bayh-Dole, nos Estados Unidos, que provocou o crescimento do patenteamento universitário nos anos subsequentes à sua edição. Entende-se que isso ocorreu, em parte, devido às oportunidades criadas em campos específicos, como o da biomedicina, entre outros. No entanto, é importante destacar que ainda não existem evidências sobre o engajamento acadêmico e se este é afetado pelo ambiente institucional, especialmente pelas políticas públicas (PERKMANN et al., 2013).
O estudo conduzido por Giuliani et al. (2010) está embasado em entrevistas realizadas entre outubro de 2005 e outubro de 2006, com 135 pesquisadores: 53 da Itália; 40 do Chile; e 42 da África do Sul. Convém ressaltar que o estudo elegeu pesquisadores de universidades, mas também de institutos e outros centros públicos de pesquisa, cujas áreas e linhas de pesquisa envolviam estudos relacionados com o vinho, especialmente: viticultura; enologia; agronomia; microbiologia; genética; química; e engenharia.
Buscou-se identificar os fatores determinantes do estabelecimento de vínculos com a indústria, levando-se em consideração, tanto (i) as características individuais dos pesquisadores, tais como: gênero, idade; área de formação, reputação acadêmica; e também, como (ii) as características dos contextos organizacionais, ou seja: tipo de organização (universidade, institutos, centros de pesquisa), tamanho do departamento, o impacto da presença de colegas que se relacionavam com a indústria; e (iii) as especificidades institucionais (políticas nacionais, por exemplo) (GIULIANI et al., 2010). A seguir, são apresentados alguns desses resultados.
A idade pode influenciar a decisão do pesquisador em relacionar-se ou não com a indústria, pois os dados indicaram que pesquisadores mais jovens estavam mais predispostos a esse tipo de interação. Uma das mais significativas descobertas foi que as mulheres, especialmente as mais jovens, estavam mais predispostas às interações com a indústria, que os homens. Esse resultado é diametralmente oposto ao de outros estudos do mesmo gênero. Perkmann et al. (2013) concluíram de maneira parecida no que se refere à idade. Entretanto, no que diz respeito ao sexo, o resultado foi diferente, pois foram os pesquisadores do sexo masculino que se mostram mais predispostos às interações com a indústria.
Giuliani et al. (2010) consideraram que a influência positiva do departamento poderia ser uma possível explicação para o envolvimento das pesquisadoras com a indústria. Portanto, entram em cena os determinantes organizacionais, abordados anteriormente. Os resultados demostraram que embora diversos estudos apontem a existência de um fosso entre as oportunidades oferecidas aos homens e às mulheres, o contexto organizacional pode ser decisivo para a valorização das pesquisadoras, potencialização das suas habilidades, e também, para minimização ou superação das assimetrias.
A centralidade do pesquisador no sistema de pesquisa acadêmica também pode ser um elemento decisivo para a sua interação com a indústria. A centralidade diz respeito à reputação do pesquisador e envolve tanto a quantidade e a qualidade das publicações, como o número de vínculos estabelecidos com outros pesquisadores (inclusive de outras instituições), o envolvimento em projetos de pesquisa, entre outros. A centralidade reflete a importância, o poder e o prestígio que determinados pesquisadores conquistam, o que também pode contribuir para o prestígio de determinado campo de pesquisa, bem como da instituição à qual está vinculado. Assim, os pesquisadores que são mais importantes no sistema de pesquisa acadêmica, em geral, também podem estar mais conectados à indústria, influenciando positivamente os seus pares. Esses indivíduos desempenham um papel central na redução da distância entre a academia e a indústria (GIULIANI et al., 2010).
Especificidades institucionais podem favorecer ou restringir as interações com a indústria, e isso está relacionado com o quadro normativo e com as políticas nacionais. Na África do Sul, por exemplo, promoveu-se um quadro institucional favorável à inovação e às relações universidade-indústria a partir do estabelecimento de fundos públicos para a promoção, coordenação e financiamento de pesquisas voltadas ao setor vitivinícola, característica não identificada nos outros dois países investigados (Itália e Chile) (GIULIANI et al., 2010).
PATENTEAMENTO VERSUS PUBLICAÇÕES: DECISÕES EXCLUDENTES?
Baldini (2008) sustenta que são três as principais preocupações que cercam o debate sobre as atividades de patenteamento nas universidades, a saber: (a) ameaças ao progresso científico, devido às crescentes restrições à divulgação; (b) alterações nas características das pesquisas, ou seja, declínio da quantidade e qualidade das publicações, alterações das agendas de pesquisa para atendimento de prioridades comerciais, substituição das publicações pelas patentes; (c) ameaças às atividades de ensino devido à possibilidade de priorização do patenteamento em detrimento das atividades docentes. Está última, segundo autor, é a que menos tem recebido atenção dos estudiosos. O autor também observa que se levarmos em consideração que entre as missões da universidade está a formação de recursos humanos capacitados, somos forçados a concluir que quando os estudantes universitários, especialmente os da pós-graduação, entram em contato com atividades de patenteamento, suas oportunidades no mercado de trabalho podem aumentar, e isso é um fato extremamente positivo. Entretanto, o impacto do patenteamento sobre a aprendizagem e a formação dos estudantes ainda carece de pesquisas adicionais.
Azoulay, Ding e Stuart (2009) analisaram dados referentes a 3.862 cientistas acadêmicos da área biomédica, dos Estados Unidos (cientistas empregados em universidades ou em centros públicos de pesquisa), para averiguar se o patenteamento exerceu efeitos positivos ou negativos, ao longo do tempo, sobre a produção de artigos científicos (o recorte temporal compreendeu os anos de 1968 a 1999). Em termos gerais, a pesquisa demonstrou que o patenteamento não havia exercido efeitos negativos sobre as publicações, pelo contrário, pois os cientistas que detinham patentes costumavam ser mais produtivos, quando comparados aos que não detinham. Nesses casos, publicações e patenteamento foram consideradas atividades complementares, e não concorrentes. Além disso, notou-se que as taxas de publicação não diminuíram em decorrência do patenteamento, provavelmente porque a reputação de um pesquisador é a sua moeda de troca. Logo, altos números de citações e a visibilidade de suas pesquisas, por exemplo, poderiam influenciar as oportunidades de comercialização das tecnologias patenteadas. Razão pela qual a produção de artigos científicos manteve-se constante.
Em pesquisa realizada no Reino Unido, com 4.337 pesquisadores britânicos das Ciências Físicas e da Engenharia, contatou-se, em termos gerais, que os pesquisadores que se envolviam com alguma atividade de patenteamento, também estabeleciam algum tipo de relacionamento com a indústria. Foram identificados pesquisadores que obtinham sucesso tanto com o patenteamento, quanto com outras formas de transmissão de conhecimento, como as publicações. No entanto, alguns dados indicaram que alguns pesquisadores, que haviam se especializado no patenteamento, passaram a dedicar menos atenção a outras atividades de intercâmbio de conhecimentos, como as publicações ou a interagirem menos com empresas e com os seus pares (CRESPI et al., 2011).
Carayol e Matt (2004) conduziram um estudo em diversos laboratórios da Universidade Louis Pasteur, em Estrasburgo, na França, que na época da pesquisa contava com cerca de 2000 pesquisadores permanentes e cerca de 100 laboratórios (pertencentes a várias disciplinas científicas). Os autores não concentraram as análises nas características individuais dos pesquisadores, mas na dinâmica do grupo, ou seja, o foco foi o laboratório e não o pesquisador. Não foi notado nenhum efeito substitutivo entre publicações e patenteamento, pelo contrário, contatou-se que as duas atividades ocorriam concomitantemente. Os laboratórios mais produtivos, em termos de publicações, também mantinham intensas atividades de patenteamento.
Zucker e Darby (1998), por sua vez, realizaram um estudo sobre os stars scientists da área da biotecnologia, nos Estados Unidos e no Japão e concluíram que estes indivíduos conseguem ser bem-sucedidos no desempenho de múltiplos papéis. Constatou-se que eles são altamente produtivos, tanto na geração de patentes, como na divulgação de suas descobertas por meio de artigos científicos. O que permitiu concluir que estes indivíduos ocupam posição central, tanto para o avanço da ciência, quanto para a comercialização dos resultados de suas pesquisas, pois são responsáveis pela criação de círculos virtuosos que aceleram o avanço do conhecimento, como também alavancam o valor das empresas nas quais atuam.
No Brasil, um estudo realizado com 14 pesquisadores dos campos da física, química e engenharia, da Unicamp, UFSCar, UNESP, UNIFESP, USP, também concluiu que as atividades de patenteamento e de publicação não são substitutivas, mas sim complementares. O alegado conflito - publicação versus patenteamento - não foi identificado. Como se sabe, a necessidade de sigilo até a elaboração e depósito do pedido da patente exige que as publicações sejam postergadas, mas os pesquisadores não entendiam essa limitação temporária como uma barreira. Além disso, foram relatados diversos impactos positivos das atividades de patenteamento, entre eles: (i) o ganho de experiência, que foi considerado bastante relevante; (ii) o patenteamento pode servir de exemplo e de fator motivacional para os estudantes; (iii) a possibilidade de aplicação prática dos resultados das pesquisas, ente outros (OLIVEIRA, 2011).
Para Geuna e Nesta (2006), diversos estudos têm apresentado evidências robustas de complementaridade entre patenteamento e publicação. No entanto, existem aspectos que ainda precisam ser elucidados, tais como: (i) os impactos do patenteamento nas atividades de ensino (tempo de dedicação, qualidade do ensino), no longo prazo; (ii) a possibilidade de alteração das agendas de pesquisa; (iii) direcionamento de recursos físicos e financeiros para as atividades de patenteamento, em detrimento de outras formas de transmissão e disseminação do conhecimento.
É importante destacar que em todos os estudos analisados chamou-se atenção para as limitações desses tipos de pesquisas, especialmente no que se refere às particularidades dos contextos econômicos, sociais, organizacionais e institucionais que influenciam a organização da pesquisa em diferentes países.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Contata-se, cada vez mais, que os papéis da universidade e a compreensão da sua função social têm sido repensados, o que segundo alguns estudiosos, é uma decorrência das novas cláusulas e condições do contrato ou pacto firmado entre a ciência acadêmica e a sociedade. Se antes esperava-se que realizasse ensino e pesquisa de excelência, no século XXI cobra-se um envolvimento mais intenso com o seu entorno; que interaja com diferentes públicos; que coproduza, compartilhe e difunda conhecimento; que contribua para o desenvolvimento social e econômico, especialmente o local; que promova inclusão social; que se autofinancie, entre outros.
Dados internacionais apontam que está em curso um movimento internacional em prol do envolvimento mais amplo, intenso e duradouro do ensino superior com os diversos setores da sociedade. Isso envolve desde o fomento ao avanço científico e tecnológico, como também, a promoção de contribuições mais efetivas ao desenvolvimento econômico e social das regiões às quais pertencem, sendo que o engajamento da comunidade acadêmica nesses propósitos é de importância fundamental. No entanto, é possível afirmar que a condução de atividades criativas e empreendedoras, mesmo em países mais experientes e com maior tradição, ainda suscita pontos de vistas antagônicos, especialmente quando se trata da privatização do conhecimento produzido com recursos públicos.
Os desafios também dizem respeito às formas de produção e disseminação do conhecimento e à necessidade de interação, conexão, coprodução e compartilhamento com outros centros produtores, conforme apontado por Gibbons et al. (1994; 1998), pois a universidade já não são mais os únicos centros produtores. Logo, esses envolvimentos e interações têm sido considerados cada vez mais necessários devido ao surgimento de novas disciplinas e de novos campos de pesquisa, e vistos como imprescindíveis para a geração de conhecimentos de fronteira e para o avanço da própria ciência, em termos mais amplos.
Sendo assim, a universidade tem sido desafiada a realizar múltiplas funções, algumas delas ainda não consensuais, como é o caso do patenteamento e da comercialização dos resultados das pesquisas acadêmicas. Nota-se, portanto, que a evolução do papel e da posição da universidade, no contexto mais amplo dos sistemas de inovação, tem suscitado preocupações crescentes sobre a viabilidade da realização concomitante de atividades educacionais, científicas e empreendedoras.
Para Perkmann et. al. (2013), a comercialização e o engajamento diferem quanto ao propósito e a abrangência. Enquanto a comercialização é ditada por fins econômicos, envolvendo, em regra, a transferência do conhecimento patenteamentos e licenciamentos de direitos, o engajamento, por outro lado, não envolve necessariamente interesses econômicos e o conjunto de atividades é mais amplo (participação em redes, em eventos científicos, realização de palestras, publicações, pesquisas colaborativas, entre outras). É importante lembrar que as interações em quaisquer dos casos, são influenciadas por determinantes organizacionais e institucionais, conforme apontando tanto por Perkmann et al. (2013), como por Giuliani et al. (2010).
O conjunto de estudos que investigaram o alegado conflito entre o patenteamento e outras formas de transferência do conhecimento identificaram tanto impactos positivos, como negativos, sendo que os positivos preponderaram. Na maioria dos casos constatou-se que patentes e publicações ocorriam concomitantemente, gerando círculos virtuosos de disseminação do conhecimento e de excelência acadêmico-científica. Portanto, os resultados indicaram que o patenteamento foi, em termos gerais, complementar e não substitutivo. Notou-se também, que existe uma preocupação recorrente com os impactos do patenteamento, sobre as agendas de pesquisa e sobre o ensino, sendo que a questão do ensino tem sido a menos explorada, segundo o entendimento de diversos estudiosos.
Finalmente, a universidade concretiza a terceira missão quando coloca a serviço da sociedade as suas capacidades físicas e de conhecimento. No entanto, o envolvimento mais intenso com atividades da terceira missão requer um (re)posicionamento da universidade frente à sociedade, e essa postura não depende apenas do contexto institucional (legislativo, econômico, político), mas também do interesse da comunidade acadêmica (docentes, pesquisadores) e, especialmente da direção central, que deve fomentar uma cultura favorável, premiando e incentivando o engajamento da comunidade acadêmica. O engajamento é uma ação volitiva que pressupõe interação, intercâmbio, partilha, reciprocidade e não somente entrega de conhecimento, serviços ou tecnologia.
Agradecimentos
As autoras agradecem aos avaliadores pelos comentários e sugestões relevantes, que possibilitaram o aperfeiçoamento do trabalho.
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Notas
Informação adicional
Como citar: GIMENEZ, A.
M. N.; BONACELLI, M. B. M. A universidade e os processos de geração,
transmissão e disseminação do conhecimento: um estudo sobre os determinantes
das interações com atores externos. R.
Tecnol. Soc., Curitiba, v. 14, n. 33, p. 31-51, jul./set. 2018.
Disponível em: <https://periodicos.utfpr.edu.br/rts/article/view/6891>.
Acesso em: XXX.
Ligação alternative