Resumo: Este trabalho teve o objetivo de analisar a inserção da temática Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) nos cursos de graduação, em uma Universidade Pública Federal no Estado do Paraná - Brasil. Para cumprir com este objetivo efetuamos uma pesquisa descritiva, de caráter quantitativa, mediante análise documental dos cursos, sob a perspectiva do material disponível no website da Instituição. Por conseguinte, complementamos a pesquisa com um levantamento de campo junto aos docentes por meio da aplicação de um questionário eletrônico. O que foi constatado, na instituição, é que institucionalmente a temática CTS não é considerada como algo relevante dentro da educação tecnológica, em nível de graduação, sendo um assunto optativo entre um rol de alternativas dispostas aos alunos. Apesar da maioria dos docentes conhecerem o assunto e terem ciência da importância da temática, este fato não provocou uma mudança efetiva nas propostas dos cursos.
Palavras-chave:Temática CTSTemática CTS,Ensino TecnológicoEnsino Tecnológico,Curso SuperiorCurso Superior.
Abstract: This study had the objective of analysing the insertion of Science, Technology and Society (STS) in undergraduate courses at a Federal Public University in the State of Paraná - Brazil. In order, to comply with this objective, we conducted a descriptive, quantitative research, through documentary analysis of the courses, from the perspective of the material available on the Institution's website. Therefore, we complement the research with a field survey with the teachers through the application of an electronic questionnaire. What has been verified, in the institution, is that institutionally the STS theme is not considered as relevant in technological education at undergraduate level, being an optional subject among a list of alternatives available to students. Although most of the teachers know the subject and are aware of the importance of the subject, this fact did not provoke an effective change in the courses proposals.
Keywords: STS, Technological Teaching, Superior Course.
A temática CTS na educação tecnológica
The CTS theme in technological education
Recepção: 20 Julho 2017
Aprovação: 27 Fevereiro 2018
A Ciência e a Tecnologia de longa data têm servido ao desenvolvimento da humanidade. No entanto, no contexto contemporâneo a busca por sua compreensão tem se intensificado colocando em evidência o papel da educação tecnológica.
Não se trata de mostrar as maravilhas da ciência, como a mídia já o faz, mas de disponibilizar as representações que permitam ao cidadão agir, tomar decisões e compreender o que está em jogo no discurso dos especialistas (FOUREZ, 1995). Essa tem sido a principal proposição dos currículos com ênfase em Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS).
Os estudos sobre a temática CTS têm atribuído um papel importante para os aspectos históricos e epistemológicos da ciência e a interdisciplinaridade na alfabetização em ciência e tecnologia, contrastando as visões oficiais presentes nos sistemas de ensino e buscando constituir uma fonte de visões alternativas (ANGOTTI; AUTH, 2001).
Com o intuito de delinear o processo científico e tecnológico a CTS, iniciada primeiramente na Europa, Estados Unidos, Canadá e Austrália, foi inserida no Brasil, somente na década de 70, no intuito de contribuir para a formação de atores sociais a partir de uma compreensão crítica do papel da ciência e tecnologia no contexto social (VAZ; FAGUNDES, PINHEIRO, 2009).
Há de se destacar que os estudos de CTS apresentam papel fundamental para o desenvolvimento econômico-produtivo social, pois podem auxiliar na formação de profissionais, docentes pesquisadores capacitados para formular estratégias, criar programas e projetos com ações voltadas para as políticas tecnocientíficas mediante percepção na busca da inclusão sócio produtiva.
Contudo, a realização deste papel implica em uma educação tecnológica significativa, que levem os alunos a uma postura crítica acerca do desenvolvimento tecnológico, em sua interação entre a Ciência e a Tecnologia e sua implicação para Sociedade. Para isto, é preciso repensar os conteúdos curriculares, superando uma educação funcionalista que tende a supervalorização da ciência e da tecnologia, como algo auto justificável.
Diante do exposto, dado a importância da temática CTS no Ensino de Tecnologia e o ensejo de conhecer a realidade educacional foi definida a seguinte questão de pesquisa: Como a Universidade Tecnológica tem inserido a temática CTS em seus cursos e como os professores do ensino tecnológico viabilizam esta?
Em busca da resposta, ou parte dela, foi realizada uma pesquisa em uma Universidade Federal Tecnológica. Esta constituiu um estudo de caráter descritivo, com emprego da estratégia de campo, mediante emprego de questionário e análise documental.
Este artigo está estruturado em 5 seções. A primeira, composta por esta introdução; a segunda, os aspectos metodológicos da pesquisa; a terceira o referencial teórico sobre a temática CTS em uma seção intitulada os estudos CTS e a educação tecnológica; a quarta, os resultados e discussões obtidos; a quinta, as considerações finais do estudo e por fim as referências.
O presente artigo é resultado de uma pesquisa realizada que se configura como estudo descritivo, que visou descrever diversos aspectos envolvidos na problemática do tratamento dado à temática CTS na educação tecnológica no ensino superior. Para tanto, foi empregada como estratégia a análise documental e o levantamento de campo, conforme descrição de cada etapa nos parágrafos seguintes.
Quanto à abordagem foi empregada a de caráter quantitativa, mediante análise documental dos cursos (Projeto Pedagógico), por meio do material disponível no website da Instituição, com vistas a mensuração do emprego da temática junto aos cursos, assim como, do conhecimento por parte dos professores por meio do estudo de campo. Estas classificações estão apoiadas em Lakatos e Marconi (2003).
A coleta de dados para solidificar a pesquisa foi realizada em duas etapas, na primeira foi feita uma pesquisa documental realizada no website de uma Universidade Tecnológica Federal brasileira, a qual por uma questão ética, não será identificada, apenas referenciada como ‘Universidade’. Nesta etapa da coleta de dados realizamos a leitura dos Projetos Pedagógicos dos Cursos - PPCs, documentação disponível no website da Instituição.
Na primeira etapa da pesquisa, o objetivo foi aferir os cursos e disciplinas relevantes para a temática aqui preconizada. A Universidade oferece cursos de nível Técnico, cursos em nível de graduação como Bacharéis, Tecnologias, Licenciaturas, e cursos em nível de especialização tais como Mestrado e Doutorado.
Nesta pesquisa analisamos os cursos de graduação, em específico os de Tecnologia e Bacharel sendo eles: Bacharelado em Engenharia de Software; Engenharia de Computação; Engenharia de Controle e Automação; Engenharia Elétrica; Engenharia Eletrônica; Engenharia Mecânica e Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas. Com a leitura do PPC de cada curso identificamos disciplinas relacionadas à temática CTS e a partir desta identificação realizamos as análises pertinentes.
Em uma segunda etapa, para aferir o conhecimento dos professores da Instituição com relação à temática CTS, e complementar o que foi identificado na primeira etapa com a pesquisa documental, efetuamos uma pesquisa de campo entre os professores dos cursos objeto desta pesquisa, por meio de questionário eletrônico enviado a estes por e-mail.
Desta forma, com os dados coletados em ambas as etapas realizamos a análise quantitativa que gerou informações para cumprir com o objetivo inicialmente proposto.
Na próxima seção, apresentamos o referencial teórico utilizado nesta pesquisa.
Este referencial foi desenvolvido com base na teoria sobre os estudos Ciência, Tecnologia e Sociedade e visa esclarecer os leitores a respeito do posicionamento dos autores acerca do problema de pesquisa.
São inúmeras as definições para o termo ciência, entre estas de ser um “[...] conjunto de conhecimentos organizados sobre os mecanismos de causalidade dos fatos observáveis, obtidos através do estudo objetivo dos fenômenos empíricos e está intimamente ligada ao conhecimento dos fenômenos, à comprovação de teorias” (REIS, 2004).
Ainda, de acordo com Bazzo et al. (2003) a ciência deriva do latim scientia, que quer dizer ‘saber, conhecimento’ e é uma concepção herdada, como um empreendimento autônomo, objetivo, neutro e baseado na aplicação de um código de racionalidade alheio de qualquer tipo de interferência externa.
Estudo objetivo, neutro, autônomo e sem interferência são alguns dos termos que caracterizam uma visão ingênua ou utópica da ciência. Idealização verdadeira que só ocorreria de fato se fosse possível haver ciência sem a manipulação humana, o que não ocorre.
Por sua vez, a tecnologia pode ser compreendida como o conhecimento que nos permite controlar e modificar o mundo (VARGAS, 1994 apud VAZ; FAGUNDES; PINHEIRO, 2009). Atualmente, esta está associada diretamente ao conhecimento científico, em um processo de retroalimentação, decorrente de um constante revezamento de insights de ambos os lados, ampliando os seus campos. Apesar de tratar de termos distintos, estão de tal modo imbricado que os termos tecnologia e ciência são empregados como ‘processos indissociáveis’.
Contudo, esta compreensão nem sempre foi válida; a “[...] crença de que os progressos científicos são convertidos por meio de um fluxo dinâmico que vai da ciência à tecnologia [...]” (STOKES, 2005, p. 27), denominada ‘modelo linear’, tem influenciado ainda hoje pesquisadores e cientistas. Este modelo baseia-se em uma visão linear do progresso científico tecnológico, iniciando com a pesquisa básica, que mapeia o curso da aplicação prática do conhecimento, dando origem a pesquisa aplicada, e sua posterior apropriação pelas organizações, em seus materiais, dispositivos ou processos, explica Stokes (2005).
Nesta crença, também está o entendimento de que o processo científico e tecnológico é neutro, constituindo-se em um meio ou uma ferramenta da qual a sociedade busca satisfazer suas necessidades, e os benefícios ou malefícios gerados por estes são causados em função do uso dados aos mesmos (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004).
A fé na neutralidade leva a uma postura acrítica e permissiva acerca da política de ciência e tecnologia orientada por uma demanda de mercado que tende a valorização dos avanços tecnológicos, independente dos problemas gerados por estes ou pelos interesses por trás.
No intuito de desvelar a falácia do ‘modelo linear’, os Estudos sobre Ciência, Tecnologia e Sociedade (ECTS) tem se posicionado criticamente “[...] à concepção linear que enxergava a ciência como processo de desocultamento dos aspectos essenciais da realidade, de desvelamento de leis que a governam em cada parte do mundo natural e social” (VON LINSINGEN, 2008, p. 3).
Mais conhecido como movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), tem sua origem “[...] nas primeiras décadas de 60, tendo como cenário mundial as consequências das guerras e degradação ambiental [...] Surge então, para problematizar as interações da ciência e tecnologia com a sociedade” (LORENZETO; MOREIRA, 2014, p. 2).
De modo geral, busca discutir a “[...] ciência e a tecnologia tendo em vista suas relações, consequências e respostas sociais. [...] Já são amplamente abordados em vários países da Europa e nos Estados Unidos, invadindo não só discussões acadêmicas ou comunidades específicas, assim como os diversos níveis escolares” (BAZZO, 2002, p. 93).
Na América Latina o movimento CTS tem emergido “[...] da reação ao modelo hegemônico de percepção das relações sociais da ciência e da tecnologia, com penetração significativa em distintos campos do saber e nas políticas públicas, e com notória filiação a diferentes linhas de pensamento e ideologias” (VON LINSINGEN, 2008, p. 2). Assim, constitui-se de um “[...] campo de trabalho que faz interface com a investigação acadêmica e com as políticas públicas [...]” (LORENZETO; MOREIRA, 2014, p. 2).
Por meio do conhecimento e de uma postura crítica é possível interferir na esfera pública, democratizando a discussão política acerca do desenvolvimento (ciência e tecnologia) que desejamos para nossa sociedade. Para tanto, é preciso superar o posicionamento tradicional de enfrentamento entre os campos acadêmicos e políticos, para uma postura colaborativa e isto passa necessariamente por discussões fundamentadas, daí a importância do movimento CTS.

Como observado no Quadro 1, o movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade está envolvido em uma constante dinâmica; cada um de seus elementos influenciam-se mutuamente.
O entendimento destas interações nos permite por meio da “[...] reflexão sobre as especificidades de cada um desses conceitos [...] criar novas compreensões sobre suas relações e inter-relações. São essas compreensões que viabilizam a interpretação do mundo em que vivemos e possibilitam atitudes no sentido de sua transformação” (OLIVEIRA; GUIMARÃES; LORENZETTI, 2015, p. 80).
Assim, “as novas compreensões admitem os estudos científico-tecnológico como processo ou produto inerentemente social, onde os elementos não epistêmicos ou técnicos [...] assumem um papel decisivo na gênese e consolidação das ideias científicas e dos artefatos tecnológicos” (VON LINSINGEN, 2006, p. 4).
Nesta nova perspectiva “[...] a tecnologia tende a ser vista mais como forma de organização social, com interações complexas, incorporando aspectos que não são comuns à concepção tradicional de engenharia, que continua zelando pela separação das ‘duas culturas’ ao promover uma formação estritamente tecnocientífica” (VON LINSINGEN, 2008, p. 9).
Cabe destacar, que a dinâmica CTS se dá em um contínuo histórico e todo progresso científico tecnológico somente pode ser compreendido mediante resgate dos acontecimentos.
Acerca disto o movimento da CTS “[...] tem atribuído um papel importante para os aspectos históricos e epistemológicos da ciência e a interdisciplinaridade na alfabetização em ciência e tecnologia [sendo necessário] [...] explorar os conhecimentos sob um caráter mais amplo, tendo uma reflexão crítica [...]” (ANGOTTI; AUTH, 2001, p. 23) sobre os acontecimentos.
Contudo, faz-se “[...] necessário produzir uma mudança na cultura epistemológica sobre a forma em que é considerado o conhecimento na área tecnológica” (BAZZO, 2002, p. 83). Haja vista, que “a educação tecnológica, ministrada no âmbito universitário e em particular nas carreiras de engenharia, encontra-se muito ligada aos enfoques eminentemente técnicos, que ignoram as influências recíprocas entre as trocas sociais e os desenvolvimentos científicos e tecnológicos” (p. 83).
Deste modo, “[...] não basta mais formar indivíduos apenas com qualificação tecnocientífica, porque as soluções tecnológicas se plasmam no contexto das relações sociais, exigindo assim mais que critérios exclusivamente tecnocientíficos e econômicos” (VON LINSINGEN, 2006, p. 6).
A proposição do CTS é que a educação tecnológica, entre outras esferas, deve enxergar a tecnologia como um processo e não simplesmente um ‘artefato’. Este consiste apenas no resultado de um longo processo que envolveu diversos interesses, atores e estruturas, e apenas uma pequena parcela de um conjunto de necessidades foi contemplada na consecução do artefato. A compreensão de todo este processo implica em uma visão holística.
A destarte, historicamente a formação dos profissionais das áreas de engenharia, e por conseguinte tecnologia, estão vinculados ao modelo linear de desenvolvimento, orientada ao atendimento das demandas tecnicocientíficas e sua atenção está voltada a busca da máxima eficiência do artefato tecnológico (VON LINSINGEN, 2015).
A educação tem o papel de libertar o indivíduo de uma visão de mundo reducionista. No entanto, “[...] uma educação que se limite ao uso de novas tecnologias e à compreensão de seu funcionamento é alienante, pois contribui para manter o processo de dominação do homem pelos ideais de lucro a qualquer preço, não contribuindo para a busca de um desenvolvimento sustentável” (SANTOS; MORTIMER, 2000, P. 9).
O que se espera de uma educação tecnológica significativa é que ela permita aos alunos uma análise crítica da temática CTS e sua relação com o progresso social. Ainda, que esta compreensão permita modificar as relações e atividades pedagógicas em sala de aula, assim como, reformular os fragmentados currículos acadêmicos (BAZZO, 2002). Esta mudança de contexto “[...] implica em incluir aspectos relacionados à relevância social como critérios nos projetos de engenharia e na atividade tecnológica, do mesmo modo que outros já naturalizados, como os econômicos associados à eficiência.” (VON LINSINGEN, 2006. p. 4)
Von Linsingen (2006) explica que o novo papel do ensino de engenharia e tecnologia:
[...] remetem ao duplo e imbricado compromisso de garantir um crescente aprimoramento da capacidade cognitiva que é posta a serviço de transformações que interferem de forma notável nas relações sociais e na natureza, e a construção de uma visão socioecossistêmica da atividade científico-tecnológica, ou seja, da construção de novos sentidos sobre os comprometimentos e referências socioculturais e ambientais da atividade científicotecnológica (p.6).
Assim, “[...] a proposta curricular de CTS corresponderia, portanto, a uma integração entre educação científica, tecnológica e social, em que os conteúdos científicos e tecnológicos são estudados juntamente com a discussão de seus aspectos históricos, éticos, políticos e sócio-econômicos” (LÓPEZ; CEREZO, 1996, p. 205).
Por sua vez, “discutir modelos de currículos de CTS significa, portanto, discutir concepções de cidadania, modelo de sociedade, de desenvolvimento tecnológico, sempre tendo em vista a situação sócio-econômica e os aspectos culturais do nosso país” (SANTOS; MORTIMER, 2000, p. 17-18).Tendo sido expostos os fundamentos teóricos que nortearam o estudo, a seguir são apresentados os procedimentos utilizados.
Para realizar uma análise efetiva da perspectiva do Ensino de CTS nos cursos da Universidade, a análise foi efetuada em dois momentos sendo: o primeiro, em relação aos cursos e suas disciplinas; e o segundo, em relação aos docentes.
Nesta primeira etapa, a coleta e análise dos dados foram realizadas de acordo com a documentação disponível no website oficial da Universidade. A Instituição possui oito cursos de graduação atualmente ofertados em seus processos de seleção, sendo eles: Engenharia de Computação; Engenharia de Controle e Automação; Engenharia Elétrica; Engenharia Eletrônica; Engenharia Mecânica; Bacharelado em Engenharia de Software; Licenciatura em Matemática e; Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas.
Esta pesquisa consistiu na análise da documentação relacionada aos cursos do ensino superior categorizado como Bacharel, Engenharia e Tecnologia. O único curso não analisado dos ofertados em nível de graduação pela Instituição foi o de Licenciatura em Matemática, partindo do pressuposto que o foco da pesquisa foi o Ensino da CTS nos cursos de Tecnologia.
Em uma primeira busca coletou-se os nomes dos cursos, nomes das disciplinas, carga horária e a ementa das disciplinas associadas à temática CTS. Tais dados podem ser visto nos quadros a seguir por curso, e as disciplinas que o mesmo oferece que se relacionam com a temática CTS:

Nos seis cursos analisados, foi possível identificar por meio da ementa das disciplinas, apenas uma disciplina obrigatória com conteúdos relacionados à temática CTS no curso de Engenharia da Computação, a disciplina de Introdução à Engenharia de Computação com carga horária de 60 horas, sendo cursada no primeiro período.
As disciplinas mais comuns apresentadas nos cursos são: Tecnologia e Sociedade e Filosofia da Ciência e da Tecnologia. Contudo, são disciplinas optativas que por sua vez, apesar da oferta ser semestral, aferimos em contato informal com a secretaria acadêmica da Instituição, que a abertura das turmas ocorre apenas mediante quantidade mínima de alunos matriculados na disciplina.
O que se evidencia nesta primeira análise é que a temática CTS não é considerada relevante para a formação dos alunos nos seis cursos analisados. No caso da disciplina obrigatória sua ementa é vaga em relação à temática, pois o tópico “conceitos de ciência e tecnologia” não implica um posicionamento crítico e nem evidencia a implicação destes conceitos com a sociedade. É possível ministrá-los a partir da crença do modelo linear o que enfatiza uma visão racional funcionalista do fenômeno tecnológico. Ainda que haja o tópico “função social do engenheiro” do mesmo modo ao tópico anterior analisado é passível de reforçar uma formação positivista.
A proposição da temática CTS em disciplinas optativas, como é o caso da instituição analisada, enfatiza uma formação que privilegia a qualificação tecnocientífica. Como destaca Von Linsingen (2006) este tipo de educação é hegemônica nos cursos tecnológicos.
Em um contexto geral, a carga horária das disciplinas relacionadas à temática CTS ou disciplinas que contenham conteúdos sobre CTS, é muito baixa com relação à carga horária dos cursos. No Gráfico 1 é apresentada esta relação.

Os dados apresentados no gráfico 1 reforçam a falta de relevância da temática nos cursos. Além de a carga horária ser pequena na maioria das vezes não é contemplada por se tratar de disciplinas optativas. Como já destacado, apenas no curso de Engenharia de Controle e Automação existe uma disciplina obrigatória de 72 horas.
As demais disciplinas identificadas com a temática em suas ementas estão descritas no Quadro 3, são disciplinas optativas para todos os cursos, não por cursos específicos, diferente das citadas no Quadro 2. Tais disciplinas concorrem com outras do grupo de disciplinas Humanas, Sociais e Cidadania como, por exemplo, Libras I e Libras II.
Apenas uma entre as cinco disciplinas ofertadas apresentou a temática completa da temática CTS em sua ementa. A carga horária das disciplinas é pequena em relação a carga horária dos cursos e é pequena comparada às disciplinas técnicas, tal informação é preocupante o que nos revela uma perspectiva ainda baixa sobre a temática apesar de sua importância para a sociedade.

Assim, podemos considerar que a temática CTS não é explorada periodicamente na interface dos cursos de graduação, da Instituição supracitada, e que esta pesquisa pode de alguma maneira contribuir para despertar o interesse e vislumbrar a necessidade da temática CTS nos cursos de tecnologia de nível superior.
Apesar da inserção da temática ser insipiente esta existe na instituição. Contudo, ocupa um espaço pequeno e de pouco destaque nos projetos pedagógicos. Por outro lado, a existência de disciplinas, mesmo que optativas, apontam oportunidades para ampliação da inserção a partir de uma conscientização dos principais responsáveis pela mudança, os docentes.
Nesta etapa a coleta dos dados foi efetuada por meio de questionário eletrônico enviado aos professores dos cursos de graduação categorizados em tecnologia, bacharéis e engenharias. Um total de 100 professores receberam a pesquisa e apenas 37 retornaram. As questões foram direcionadas a avaliar o conhecimento dos professores e coletar opiniões pessoais com relação à temática CTS. Segue abaixo os gráficos quantitativos das quatro primeiras questões:

Nesta primeira questão, tem-se um resultado positivo, pois a maioria dos professores já ouviram falar no termo CTS e apenas 25,7% desconhecem o termo.

Já na segunda questão, a maioria dos professores 31,4% (11 entrevistados) dizem desconhecer o tema. Analisando que a opção “Outros” da pergunta não teve nenhuma justificativa pela escolha, considera-se que “Outros” também desconhecem o termo, o que totaliza 45,5%, 17 entrevistados, quase 50% não deixaram explícito seu conhecimento sobre CTS.
O fato de apenas 18,9% dos docentes já terem estudado sobre a temática CTS, pode ser explicada pela formação eminentemente tecnocientífica que predomina nos cursos de engenharia e tecnologia. Contudo, é de se esperar que este quadro venha a se mudar ao longo do tempo seja pela popularização da temática, assim como, por pressões sociais que tem questionado o próprio desenvolvimento tecnológico, forçando pesquisadores e cientistas a repensar suas práticas.

Na questão número 3, as opções de respostas eram:
a) A Ciência e a Tecnologia (C&T) se orientam por enfoques de caráter técnico, com base em aspectos norteados por eficiência e racionalidade, e sua influência sobre a sociedade é tão grande que acaba por determinar o desenvolvimento econômico e social;
b) A ciência é responsável diretamente pelo desenvolvimento tecnológico e estão em uma relação linear em busca do progresso. Seu desenvolvimento (C&T) é baseado em atividades neutras, orientadas por critérios de eficiência e racionalidade. Seu resultado está baseado na valorização da tecnologia considerada mais avançada de sua época, que segue a tendência Linear;
c) A Ciência e a Tecnologia (C&T) são orientadas por valores, assim seu desenvolvimento não é neutro (baseado na eficiência e racionalidade), sofrendo múltiplas influências. Seu resultado impacta diretamente a vida em sociedade e o meio ambiente, sendo necessário um debate político a respeito de sua orientação.
As questões foram elaboradas pelos autores com base em Dagnino (2002; 2007). A resposta ‘a’ corresponde a visão determinista da C&T, a resposta ‘b’ corresponde a visão de neutralidade da C&T, e resposta ‘c’ corresponde a visão da CTS. A maioria dos respondentes (62,2%) responderam corretamente, contudo aproximadamente 1/3 desconhecem ou não tem a compreensão correta da CTS.

Na questão 4 como mostra a figura 5, fica evidente que na opinião dos professores que responderam à pesquisa, a temática CTS deve ser aplicada de maneira obrigatória, sendo 35,1% dos entrevistados. Nenhum dos entrevistados consideraram a CTS desnecessária para a educação tecnológica, o que é positivo diante da expectativa de respostas deste trabalho.
A questão 5, não era obrigatória, mas tivemos 10 respostas que contribuíram para a análise final. A pergunta foi a seguinte: Caso já tenha trabalhado o conteúdo de CTS em alguma disciplina ou a disciplina de CTS propriamente dita, relate como foi a sua experiência. Foram obtidas: 2 respostas “Não trabalhei”, 3 respostas “relacionadas a experiências no mestrado e não na graduação”, 1 professor disse que trabalhou a CTS mas em uma Instituição de Administração.
As demais respostas foram as seguintes:
“O conteúdo é essencial para cursos de engenharia e cursos técnicos. Os alunos ficam muito interessados com esse tipo de abordagem”. O comentário do professor denota o interesse dos alunos pela discussão. É preciso lembrar que o acadêmico é um indivíduo social que vive os dilemas da sociedade, sendo essencial para sua formação pensar de que modo irá participar e contribuir com este espaço. Uma aprendizagem significativa deve levar o aluno a compreender esta dinâmica, como destaca Bazzo (2002).
“Discuto o impacto da tecnologia na sociedade, e como a inovação tecnológica pode auxiliar a humanidade na resolução de grandes problemas”. É compreensível que os avanços tecnológicos encantem a “todos”, contudo é preciso ser crítico no que diz respeito ao que se considera como avanço. Qual a implicação desta inovação tecnológica? Quais os benefícios e beneficiados por ela? Quais as conseqüências desta daqui a alguns anos? O que e quem será substituído na ordem do dia por estes avanços? Estas são questões que dizem respeito ao impacto da tecnologia para sociedade e com certeza o docente permitiu aos alunos a partir da discussão de tópicos relacionados a temática CTS. Neste sentido, Von Linsingen (2006) explica a inserção de aspectos relacionados à relevância social.
“Enriquecedora, sobretudo, no que diz respeito aos impactos e afetações que a ciência e a tecnologia promovem nas vidas dos indivíduos e sociedades. Seguramente o tema ampliou meus horizontes de possibilidades de estudos, pesquisas e extensão”. A frase do professor sintetiza um dos objetivos do estudo da CTS, o aprofundamento do estudo da relação Ciência, Tecnologia e Sociedade por meio da pesquisa e da extensão, que estão diretamente relacionadas com a educação. Conhecer os limites e possibilidades do fenômeno tecnológico para a sociedade é um caminho para um desenvolvimento que seja sustentável.
“O conteúdo é essencial para cursos de engenharia e cursos técnicos. Os alunos ficam muito interessados com esse tipo de abordagem”; “Das poucas inserções sobre tal a aplicação foi extremamente positiva”. Estas respostas mostram que existe a preocupação e que alguns professores aplicam a temática sem uma obrigatoriedade, mas que faz a diferença para os alunos. Acerca disto, Bazzo (2002) destaca que a inserção da CTS permite modificar as relações pedagógicas em sala de aula, trazendo novos elementos que tornem significativo o aprendizado.
“Nas disciplinas que trabalham com projetos, analisamos, com os estudantes, o contexto sócio-econômico das demandas da sociedade na engenharia. E ao longo do desenvolvimento dos problemas de engenharia, nas fases de testes e validação das soluções, é analisado novamente no contexto inicial das demandas. Com isso, buscamos o desenvolvimento técnico e científico simultaneamente com o desenvolvimento da consciência dos desdobramentos desse desenvolvimento na sociedade”. Este comentário é um exemplo prático de como explorar um conhecimento sob um caráter mais amplo, permitindo ao aluno entender a implicação de seus atos, como destaca Angotti e Auth (2001).
Nesta etapa da pesquisa, analisamos por meio das respostas obtidas com o questionário eletrônico que, alguns professores em sua pluralidade de conhecimento, abordam a temática CTS de maneira informal por constatarem sua viabilidade na interface dos cursos mencionados, prática esta pertinente mediante às possíveis contribuições que o preciosismo da temática CTS pode oferecer aos alunos desta Instituição.
Diante do exposto, foi possível aferir que a temática CTS está presente nos cursos da instituição, contudo ocupa uma posição de pouca relevância, uma vez que em apenas um dos cursos (Engenharia da Computação) aparece na condição de obrigatória. E ainda, neste caso, a temática ocupa uma pequena parte da disciplina (Introdução à Engenharia de Computação), pois a mesma não é específica a discussão da temática CTS. Assim, institucionalmente a temática CTS não é considerada como algo relevante dentro da educação tecnológica na instituição analisada, sendo um assunto optativo entre um rol de alternativas dispostas aos alunos.
Apesar da maioria dos docentes já conhecerem a temática e uma parcela significativa (10,8% já lecionou e 24,3% já estudou) terem uma formação a respeito da temática CTS o que se percebe é que esta conscientização não se refletiu no plano material das salas de aula, conforme Projetos Políticos Pedagógicos, somente de maneira informal conforme apresentado em algumas respostas.
A tríade Ciência, Tecnologia e Sociedade, e sua dinâmica, constituem pilares para o entendimento do desenvolvimento, no pensamento crítico, e sua compreensão é essencial para a tomada de decisão na atuação dos futuros profissionais de engenharia e tecnologia.
Assim, a inserção da temática CTS pode favorecer a construção de uma sociedade mais democrática, onde os cidadãos possam se posicionar frente aos avanços da ciência e da tecnologia, especialmente, aqueles que sofrem as consequências diretas do desenvolvimento tecnocientífico descontrolado (MORENO, 2017).
Nesta pesquisa, foi possível constatar pelo estudo empírico que a realidade analisada vai ao encontro dos achados de Angotti e Auth (2001), Bazzo (2002), Bazzo (2003), Lorenzeto e Moreira (2014) e Von Lisingen (2006; 2008), de que a educação tecnológica ainda está baseada em uma visão linear da C&T (DAGNINO 2002; 2007).
Espera-se que este estudo possa contribuir com a reflexão crítica acerca dos Projetos Políticos Pedagógicos dos cursos tecnológicos de nível superior e reforçar o Movimento da Ciência, Tecnologia e Sociedade por uma formação mais humana e crítica dos nossos futuros profissionais do campo tecnológico.
Como citar: FERRI, J.;
FREITAS, C. C. G.; ROSA, S. dos S. A temática CTS na educação tecnológica. R. Tecnol. Soc., Curitiba, v. 14, n.
33, p. 270-288, jul./set. 2018. Disponível em: <https://periodicos.utfpr.edu.br/rts/article/view/6729>.
Acesso em: XXX.







