Artigos Originais
Maus-tratos infantis: conhecimentos e condutas dos cirurgiões-dentistas da Estratégia Saúde da Família de Guarabira-PB, Brasil
Child abuse: knowledge and actions undertaken by dentists of the Family Health Strategy in Guarabira– PB, Brazil
Maltrato infantil: conocimientos y conductas de los cirujanos dentistas de la Estrategia Salud de la Familia de Guarabira-PB, Brasil
Maus-tratos infantis: conhecimentos e condutas dos cirurgiões-dentistas da Estratégia Saúde da Família de Guarabira-PB, Brasil
Revista Família, Ciclos de Vida e Saúde no Contexto Social, vol. 5, pp. 108-117, 2017
Universidade Federal do Triângulo Mineiro
Resumo: O objetivo deste estudo foi identificar o conhecimento e a conduta dos cirurgiões-dentistas de Guarabira-PB frente a situações de maus-tratos infantis. Realizou-se um estudo transversal, no qual foram entrevistados 18 profissionais e os resultados foram apresentados por meio da estatística descritiva. Ao longo da atividade laboral, doze cirurgiões-dentistas relataram ter atendido pacientes vítimas de violência, com 91,7% dos casos originados no próprio núcleo familiar. O sexo feminino (50,0%) foi o mais acometido e a cabeça (27,3%) a região mais envolvida. Diante dos casos de maus-tratos, a principal conduta adotada foi a conversa com os pais/responsáveis (83,3%). Apesar de reconhecer a obrigatoriedade da denúncia dos casos, a principal conduta adotada foi apenas o diálogo com os pais ou responsáveis.
Palavras-chave: Maus-tratos infantis, Conhecimentos, atitudes e prática em saúde, Odontólogos.
Abstract: The aim of this study was to identify the knowledge and the course of action undertook by dental surgeons in Guarabira-PB, Brazil, regarding cases of child abuse. A cross-sectional study was conducted, in which 18 professionals were interviewed, and the results were presented through descriptive statistics. 12 dental surgeons related to have attended patients who were victims of violence, being that in 91.7% of cases the aggressor was a member of the family of the victim. Most victims were female (50.0%) and the head (27.3%) was the most affected region. Considering the cases of abuse, the main course of action taken by the participants was the dialog with parents/guardians (83.3%). Although they recognize that denouncing such cases is mandatory, most of them did nothing apart from such a conversation.
Keywords: Child abuse, Health knowledge, attitudes, practice, Dentists.
Resumen: El objetivo de este estudio fue identificar el conocimiento y la conducta de los cirujanos dentistas de Guarabira-PB, Brasil, frente a situaciones de maltrato infantil. Se realizó un estudio transversal en el cual fueron entrevistados 18 profesionales y los resultados fueron presentados por medio de la estadística descriptiva. A lo largo de la actividad laboral, doce cirujanos dentistas relataron haber atendido pacientes víctimas de violencia, con 91,7% de los casos originados en el propio núcleo familiar. El sexo femenino (50,0%) fue el más afectado y la cabeza (27,3%) la región más envuelta. Delante de los casos de maltrato, la principal conducta adoptada fue la conversación con los padres/responsables (83,3%). A pesar de reconocer la obligatoriedad de la denuncia de los casos, la principal conducta adoptada fue solo el diálogo con los padres o responsables.
Palabras clave: Maltrato a los niños, Conocimientos, actitudes y práctica en Salud, Odontólogos.
INTRODUÇÃO
Maus-tratos à criança, por vezes referidos como abuso infantil e negligência, incluem todas as formas de maus-tratos físicos e emocionais, abuso sexual, negligência e exploração, que resultam em dano real ou potencial para a saúde, desenvolvimento ou dignidade da criança1.
No Brasil, os maus-tratos contra crianças e adolescentes constituem um grave problema de saúde pública2,3, sendo assim um assunto bastante relevante em razão das consequências negativas na qualidade de vida das vítimas, como também pelo expressivo impacto nos índices de morbimortalidade4.
Os episódios de maus-tratos têm sido retirados do contexto de invisibilidade e silenciamento desde a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (1990), o qual em seu artigo 13, afirma que os casos suspeitos ou confirmados devem ser obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da localidade de moradia da vítima5.
Nesse sentido, sublinha-se a importância da rede de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez que esses espaços são propícios para o enfrentamento da problemática da violência contra crianças, por meio da identificação, acolhimento, atendimento, notificação, orientação às famílias, acompanhamento e proteção das vítimas que se encontram em situação de violência. Para tanto, os profissionais devem ser sensibilizados quanto às vulnerabilidades e possibilidades de prevenção e proteção6.
Os profissionais atuantes na Estratégia Saúde da Família (ESF), pelo contato direto e vínculo com as famílias, emergem como elementos-chave na prevenção, detecção, intervenção e encaminhamento aos órgãos competentes7, sobretudo, o Cirurgião-Dentista (CD), pois as estatísticas têm mostrado que mais de 50% dos casos de abuso infantil incluem trauma na região de boca, face e cabeça8,9.
Face ao exposto, o objetivo desse estudo foi identificar os conhecimentos e condutas dos cirurgiões-dentistas da cidade de Guarabira/PB quanto a maus-tratos infantis.
MÉTODO
Realizou-se um estudo de corte transversal nas Unidades Básicas de Saúde da Família (UBSF) do município de Guarabira, Paraíba, situado a 98 quilômetros da capital João Pessoa. A população estimada para o ano de 2015 foi de 58.162 habitantes, tornando-a uma das mais populosas do estado10. Com relação aos serviços de saúde da rede de atenção básica, há no município 21 estabelecimentos com atendimento odontológico, sendo 17 desses localizados na zona urbana e quatro situados na zona rural11.
A população do estudo foi composta, portanto, por 21 cirurgiões-dentistas atuantes nos serviços de atenção primária à saúde; no entanto, concordaram em participar e compuseram a amostra apenas 18 profissionais (85,7%).
A coleta dos dados foi realizada, por uma única pesquisadora, em cada uma das UBSF, no período de julho a agosto de 2015. O instrumento de coleta foi representado por um formulário semiestruturado adaptado de investigações prévias12,13. Foi realizado um estudo piloto com cinco profissionais vinculados à ESF de Campina Grande-PB, para testar e adequar o instrumento de coleta de dados, não sendo esses sujeitos incluídos no estudo.
Foram analisadas a seguintes variáveis: gênero, faixa etária e formação dos cirurgiões-dentistas, área de atuação (serviço público ou privado) e tempo de inserção na ESF (em anos). Investigou-se ainda se houve aquisição de informações sobre maus-tratos infantis durante a graduação; o conhecimento dos profissionais sobre os tipos de maus-tratos, a legislação associada a esse tema e a denúncia/notificação dos casos; a conduta dos pesquisados frente à ocorrência de maus-tratos e a caracterização desses episódios no que se refere à região do corpo acometida e à repercussão no complexo maxilo-mandibular.
Os dados foram inseridos em um banco de dados no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 18.0, e analisados pela técnica de estatística descritiva, por meio de frequências absolutas e percentuais.
O estudo foi registrado na Plataforma Brasil e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba (44267715.8.0000.5187). Seguindo os preceitos estabelecidos pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, todos os participantes assinaram e receberam uma cópia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
RESULTADOS
Dentre os dezoito entrevistados, a maioria era do sexo feminino (83,3%) com idade variando de 27 a 57 anos (37,78±9,95), sendo que 61,1% dos profissionais tinham entre 27 e 37 anos. A formação acadêmica ocorreu majoritariamente em uma universidade pública (88,9%). Metade dos cirurgiões-dentistas estavam formados há até 10 anos e apenas 11,1% não tinham o título de especialista. O exercício profissional exclusivamente no setor público foi reportado por 61,1% dos respondentes e 72,2% atuavam há seis anos ou mais na Estratégia Saúde da Família (ESF) (Tabela 1).

Quanto ao tema maus-tratos infantis, 66,7% informaram que esse conteúdo não foi apresentado durante a sua graduação. Sobre os tipos de abuso, as categorias mais citadas foram os maus-tratos físicos (94,4%) e a negligência (89,9%). Para 83,3% dos profissionais, a ocorrência de maus-tratos infantis e a baixa condição socioeconômica das vítimas estão diretamente relacionadas. A maioria dos respondentes (72,2%) afirmou ser de caráter obrigatório a notificação dos casos de maus-tratos infantis por um profissional da odontologia, sendo que 23,1% não souberam afirmar qual legislação brasileira faz menção a tal obrigatoriedade. A maior parte dos entrevistados desconhece a ficha de notificação de casos de maus-tratos (83,3%) e 33,3% mencionaram que o tema maus-tratos infantil é discutido na unidade de saúde em que atuam (Tabela 2).

Ao longo da sua atividade laboral, doze cirurgiões-dentistas (66,6%) relataram ter atendido crianças/adolescentes vítimas de violência, sendo 91,7% dos casos originados no próprio núcleo familiar. Dentre os nove casos em que gênero foi identificado, 66,6% eram vítimas do sexo feminino e a região da cabeça foi a área mais acometida (27,3%), com envolvimento de lesões intra-orais e repercussão em tecido dentário de 16,7% a 66,7%, respectivamente. Diante dos casos de maus-tratos infantis a principal conduta adotada pelos cirurgiões dentistas foi a conversa com os pais ou responsáveis pela criança/adolescente (83,3%) (Tabela 3).

DISCUSSÃO
As equipes multiprofissionais atuantes na rede de atenção primária, considerada como a porta de entrada para o sistema de saúde, tem grande relevância no processo de identificação, diagnóstico, notificação e encaminhamento dos casos de maus-tratos contra crianças e adolescentes14. Nesse contexto, o cirurgião-dentista possui uma importância inquestionável, posto que grande parte das lesões ocorra na região de cabeça e face9.
Verificou-se que os profissionais eram predominantemente mulheres. Esta evidência de feminização assemelha-se a outros estudos conduzidos no Nordeste brasileiro13,15. Morita, Haddad e Araújo16 constataram que especificamente no estado da Paraíba há o maior percentual de mulheres na profissão.
No que se refere à idade, observou-se que a maioria dos cirurgiões-dentistas tinham entre 27 e 37 anos, corroborando os achados de Luna et al.13 e Lima et al.17, os quais observaram um maior quantitativo de profissionais jovens na ESF.
Quanto ao perfil dos profissionais, verificou-se que sua graduação foi concluída de 3 a 10 anos atrás, em universidades públicas, e que quase todos os entrevistados possuíam o título de especialista. Essas informações ratificam os dados de Rolim et al.18, visto que em seu estudo os cirurgiões-dentistas interrogados estavam formados há cinco anos ou mais (57,7%) e 73,9% também cursaram pós-graduação latu sensu.
Em termos gerais, a proporção de cirurgiões-dentistas especialistas é mais elevada no Brasil do que em países como os Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Alemanha e França19. É importante destacar que muito embora o aperfeiçoamento da competência profissional seja um passo de grande valia, para atuação na ESF o cirurgião dentista deve reunir habilidades de um profissional generalista.
Verificou-se na presente investigação que a maioria dos profissionais atua há mais de cinco anos na ESF, enquanto na pesquisa conduzida por Moreira et al.20 o tempo de trabalho na ESF da maior parte dos dentistas, médicos e enfermeiros foi de até 10 anos. Supõe-se que tais constatações evidenciam uma maior fixação dos profissionais nos seus postos de serviço, o que é essencial para a longitude do cuidado e a identificação de casos de maus-tratos contra crianças e adolescentes.
O profissional da odontologia deve saber avaliar sinais e sintomas que indiquem um caso de maus-tratos, entretanto, esse assunto não é suficientemente abordado nas Instituições de Ensino Superior21. No presente trabalho, dois terços dos pesquisados mencionaram que esse tema não foi abordado no período de sua formação, corroborando os achados de Al-Buhairan et al.22 e Al-Dabaan et al.23.
Sobre a tipologia de maus-tratos, alguns autores24 apontam que há uma variação de acordo com a idade da vítima, de forma que a negligência e agressão física estão mais associadas a crianças menores de um ano, enquanto entre aquelas com idade entre um ano e nove anos, as outras formas de violência ganham destaque, em especial a física, a psicológica e a sexual. Nesse contexto, na presente investigação houve menção a todas essas modalidades de maus-tratos, com destaque para violência física e negligência.
É importante destacar ainda que fatores sociológicos, psicológicos e econômicos podem contribuir para o acontecimento do problema25,26. Grande parcela dos profissionais afirmou haver uma relação direta entre as variáveis maus-tratos e condição socioeconômica. Da mesma maneira, segundo Andrade et al.27, a ocorrência da violência doméstica é favorecida pela escassez de recursos básicos e pelas condições sociais da comunidade, trazendo além dos maus-tratos, um desequilíbrio intrafamiliar. Porém, reveste-se de considerável importância a diferenciação entre negligência e pobreza, na medida em que, na prática, num país como o Brasil, as duas situações muitas vezes se confundem28.
Diante de um caso de abuso contra crianças e adolescentes é indispensável, por parte dos profissionais de saúde, incluindo o cirurgião dentista, a denúncia, visto que são situações que, quando tornadas públicas, exigem que providências cabíveis sejam tomadas. Assim sendo, quando os dentistas atuantes no município de Guarabira foram indagados sobre a obrigatoriedade da denúncia, uma considerável parcela admite o seu dever de relatar suspeitas de maus-tratos infantis.
De acordo Pereira et al.14 a notificação dos casos é uma iniciativa eficaz que deve ser utilizada por todos os profissionais de saúde, na medida em que ajuda a diagnosticar a violência intrafamiliar e angariar investimentos para os núcleos de vigilância e assistência. Nos Estados Unidos, todos os profissionais de saúde têm o dever de revelar abuso e negligência de crianças em todos os 50 estados29.
No âmbito nacional o principal instrumento que evidencia a necessidade da denúncia é o ECA, o qual foi mencionado pela maior parcela dos profissionais. Essa lei explicita em seu artigo 13 que casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra a criança ou o adolescente deverão ser obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais30. Na investigação conduzida por Barbosa et al.15 a maioria dos profissionais entrevistados também se mostraram conhecedores do ECA.
No conhecimento da ficha de notificação, o dado obtido é preocupante, posto que mais de 80% dos cirurgiões dentistas desconheciam o instrumento, o que vai de encontro aos achados de Barbosa et al.15, pois 57,1% dos profissionais da saúde do município de Pacajus – CE afirmaram conhecer a ficha de notificação. Notificar implica em dividir e partilhar com os vários setores da sociedade a responsabilidade de proteger crianças e adolescentes. O desconhecimento do instrumento de notificação, portanto, possivelmente comprometerá a garantia de direitos e de proteção social desses indivíduos31.
Nos resultados descritos por Rolim et al.18 e Assis et al.24, a identificação e notificação de maus-tratos não são prática rotineira na ESF, devido ao desconhecimento da ficha e à falta dela nas unidades de saúde, duplicando a chance de subnotificação; por este motivo a discussão sobre esse tema nas unidades, enfatizando a necessidade de tê-la e esclarecendo seu uso, minimiza essa fragilidade ainda existente no âmbito da atenção primária à saúde.
Além disso, os trabalhadores desses serviços não costumam levar o tema para as discussões de equipe4, constatação essa também observada no presente estudo.
Fica claro, portanto, que há um distanciamento entre o procedimento de suspeita/identificação dos casos de maus-tratos contra crianças e adolescentes e a consequente notificação dos casos. Desse modo, esses dados chamam a atenção, pois uma notável parcela dos profissionais possui conhecimento sobre a obrigação da delação de ocorrências de maus-tratos, porém não estão cientes sobre todos os dispositivos legais que podem ser utilizados eficazmente nesses casos.
A maior parte dos entrevistados relatou que na sua prática profissional já se deparou com situações em que possivelmente ocorreu violência contra crianças e adolescentes, sendo verificado ainda, que prevaleceu a figura dos familiares como agressores. Esse achado é ratificado por um estudo de Lima et al.17, em que a violência contra crianças e adolescentes aconteceu em ambiente domiciliar, sendo o responsável um membro da família. Rangel et al.32 advertiram que o agressor é usualmente um parente mais próximo, contando também com a possível tolerância e cumplicidade de familiares.
Não obstante, observou-se uma maior vitimização de crianças e adolescentes do sexo feminino, concordando com os resultados de Lima et al.17 e Apostólico et al.33, que verificaram que o sexo feminino aparece, especificamente, como o que mais sofreu violência sexual. Esse acontecimento pode ser elucidado nos estudos de Fajman e Wright34 e Stoltenborgh et al.35, os quais verificaram que de forma geral, os meninos tiveram maior hesitação e não relataram os fatos com tanta facilidade, assim fazendo com que o problema pareça menor por meio de mecanismos de negação. Por esse motivo, a sociedade nem sempre considera a ocorrência de maus-tratos em meninos, acreditando que são menos afetados.
As injúrias acometidas nas vítimas de maus-tratos aconteceram predominantemente na cabeça, na face e no pescoço23,36-38. Neste estudo, várias regiões foram citadas, porém a cabeça, os membros superiores e a face sobressaíram-se entre as demais localizações. Deve-se pontuar que usualmente os cirurgiões dentistas priorizam as atenções para lesões na região de sua competência, o que leva a outra consideração pertinente: a estatura da criança em relação ao adulto torna essa área uma localização mais propícia para as agressões.
A presença de ferimentos orofaciais não acidentais remete a casos de abuso contra crianças e adolescentes, de modo que essas lesões podem envolver tecidos duros e moles na região da face, especialmente as estruturas bucais12,39. Neste estudo, dos 12 eventos relatados, em apenas 16,7% houve lesões intra-orais, com maior acometimento de tecidos duros. Na pesquisa feita por Cavalcanti9, as lesões orofaciais foram diagnosticadas em 56,3% dos casos. Dessas lesões a maioria envolvia maxila e mandíbula; sendo que do total dos ferimentos intra-orais, as lacerações em tecidos moles foram mais prevalentes em relação as lesões dentárias. As divergências nos resultados podem ser explicadas em função do tipo de estudo realizado, posto que Cavalcanti9 analisou os laudos periciais do Instituto de Medicina Legal.
No tocante à conduta adotada nos casos de maus-tratos, verificou-se a ocorrência de diálogo com os pais ou responsáveis. Francon et al.40, também constataram que essa foi a conduta adotada por boa parte dos cirurgiões-dentistas incluídos no seu estudo. Contrapondo-se aos achados, Silva et al.41 evidenciaram que 63,2% dos entrevistados citaram não saber como proceder em tais situações e 44,2% desconheciam as autoridades competentes de proteção.
Os participantes desta pesquisa podem ter optado por uma conduta errônea tanto por medo, como por não querer envolvimento com tais situações, esquivando-se de proceder da forma correta por meio da devida notificação. Dessa forma, percebe-se que na prática os serviços que deveriam ser oferecidos pela equipe da ESF, como por exemplo, identificação, notificação e proteção das vítimas que se encontram em situação de violência não são concretizados.
Diante do exposto, tornou-se evidente que o cirurgião-dentista pode ser visto como um dos profissionais de saúde que teria maior possibilidade de diagnosticar ferimentos causados por situações de violência, por causa das regiões comumente envolvidas. Logo, deve ser dada importância à abordagem do tema maus-tratos infantis durante a graduação, e incentivos governamentais devem ser fortalecidos para a qualificação dos profissionais atuantes nos serviços de atenção primária à saúde, de forma a tornar o diagnóstico e a denúncia cada vez mais efetivos e constantes.
Sendo assim, considerando as limitações inerentes a um estudo transversal, sobretudo no que se refere ao fato de que a maior parte das respostas dadas estiveram condicionadas à memória do entrevistado, outras investigações deverão ser conduzidas, pois os maus-tratos contra crianças e adolescentes são uma realidade no país e um problema de saúde pública, exigindo medidas preventivas e solucionadoras para que desta forma ocorra uma melhoria no diagnóstico e na conduta dos profissionais, com consequente avanço nos serviços ofertados pelo setor público.
CONCLUSÃO
Os cirurgiões-dentistas, da rede de atenção básica da cidade de Guarabira – PB, identificaram em grande parte dos casos de maus-tratos, situações de origem intrafamiliar, cujas principais vítimas foram do sexo feminino, sendo os sinais físicos da violência observados, sobretudo, na região da cabeça, porém com poucas lesões intra-orais.
Ainda que a maior parte dos interrogados não tenham estudado o tema na graduação e desconheça a ficha de notificação, a maioria reconheceu a obrigatoriedade da denúncia dos casos suspeitos. A principal conduta adotada, contudo, foi apenas o diálogo com os pais ou responsáveis.
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