ARTIGOS ORIGINAIS
Percepção de professores de alunos com transtorno do espectro autista acerca da inclusão educacional
Perception of teachers of students with autism spectrum disorder about educational inclusion
Percepción de docentes de estudiantes con trastorno del espectro autista sobre inclusión educativa
Percepção de professores de alunos com transtorno do espectro autista acerca da inclusão educacional
Revista Família, Ciclos de Vida e Saúde no Contexto Social, vol. 8, 1, pp. 537-548, 2020
Universidade Federal do Triângulo Mineiro
Recepção: 28 Outubro 2019
Aprovação: 15 Março 2020
Resumo: Este estudo teve como objetivo conhecer a percepção de professores do Ensino Fundamental privado acerca da inclusão educacional de alunos com o Transtorno do Espectro Autista. Trata-se de um estudo qualitativo com referencial psicanalítico, realizado a partir de entrevista com roteiro norteador,com nove professoresda região de Ribeirão Preto-SP no primeiro semestre de 2018. Três categorias emergiram: Conhecer o diferente: o inquietante estranho;Preparar-se para o desafio: a formação e o apoio no âmbito escolar; e, Um olhar que amplia: a percepção do papel da família. Destacaram-se a busca de conhecimento dos docentes diante do transtorno, o preparo técnico e apoio da escola; e, apercepção do papel da família. Mas pondera-sea impotência vivida em muitas situações que envolvem a inclusão educacional. Mencionou-sea orientação aos familiares como fundamental para que os professores pudessem desempenhar sua função educativa, buscando apoiarem-se mutuamente no desafio da inclusão no contexto escolar. Quanto ao preparo técnico, avaliaram-se não preparados devido à falta de especialização,indicando a supervisão junto à equipe capacitada como recurso, como modo de enfrentamento para a melhor inserção destes alunos.
Palavras-chave: Docentes, Inclusão educacional, Psicanálise, Transtorno do espectro autista.
Abstract: This study aimed to understand the perception of private elementary school teachers about the educational inclusion of students with Autism Spectrum Disorder. This is a qualitative study with a psychoanalytical framework, conducted from an interview with a guiding script, with nine teachers from the RibeirãoPreto-SP, Brazil, region in the first half of 2018. Three categories emerged: Knowing the different: the disturbing stranger; Prepare for the challenge: training and support at school; and, A look that expands: the perception of the role of the family. The search for knowledge of teachers in the face of the disorder, technical preparation and support from the school; the perception of the role of the family stood out. However, the impotence experienced in many situations involving educational inclusion is considered. Guidance to family members was mentioned as essential so that teachers could perform their educational role, seeking to support each other in the challenge of inclusion in the school context. As for technical preparation, they were assessed as not prepared due to the lack of specialization, indicating supervision with the trained team as a resource as a means of coping for the better insertion of these students.
Keywords: Faculty, Mainstreaming (Education), Psychoanalisis, Autism spectrum disorder.
Resumen: Este estudio tuvo como objetivo comprender la percepción de los maestros de la Educación Primaria de escuelas privadas sobre la inclusión educativa de los estudiantes con Trastorno del Espectro Autista. Este es un estudio cualitativo con un marco psicoanalítico, realizado a partir de una guía de entrevista, con nueve maestros de la región de RibeirãoPreto-SP, Brasil, en la primera mitad de 2018. Surgieron tres categorías: Conocer lo diferente: lo extraño inquietante; Prepararse para el desafío: capacitación y el apoyo en entorno escolar; y, Una mirada que se expande: la percepción del rol de la familia. Se destacó la búsqueda de conocimiento de los docentes ante el trastorno, la preparación técnica y el apoyo de la escuela; lapercepción del papel de la familia. Sin embargo, se considera la impotencia experimentada en muchas situaciones que involucran inclusión educativa. La orientación para los miembros de la familia se mencionó como esencial para que los maestros puedan desempeñar su función educativa, buscando apoyarse mutuamente en el desafío de la inclusión en el contexto escolar. En cuanto a la preparación técnica, los profesores se evaluaron como inaptos debido a la falta de especialización, indicando la supervisión con el equipo capacitado como un recurso, como un medio para hacer frente a la mejor inserción de estos estudiantes.
Palabras clave: Docentes, Propensión (Educación), Psicoanálisis, Transtorno del espectro autista..
INTRODUÇÃO
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) foi classificado recentemente como um Transtorno do Neurodesenvolvimento, sendo que as crianças acometidas apresentam déficits na comunicação e interação social, manifestam padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades01. Além disso, o transtorno aparece precocemente na infância, causa prejuízo significativo no funcionamento social e em áreas importantes da vida, sendo que a deficiência intelectual se apresenta como comorbidade na maioria dos casos.
A versão mais recente do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) procedeu a uma fusão do transtorno autista, transtorno de Asperger e transtorno global do desenvolvimento no quadro do TEA01.
Os níveis de gravidade para o TEA variam desde uma criança que exige apoio muito substancial, quando se encontram graves déficits nas habilidades de comunicação verbal e não verbal, dentre outros, até crianças que exigem apoio leve, que apresentam dificuldades para iniciar interações sociais. Devido às manifestações do transtorno que variam muito, dependendo da gravidade desta condição, do nível de desenvolvimento e da idade, escolheu-se adotar o termo “espectro”. Levando em conta a característica pervasiva e difusa deste transtorno, acometendo o desenvolvimento como um todo, nos seus aspectos da comunicação, comportamento e interação social, pode-se considerá-lo a psicopatologia mais severa da infância01.
A palavra “autismo”surgiu primeiramente como característica do quadro esquizofrênico02. Em seguida, surgiu no caso Dickapresentado por Melanie Klein como um garoto com características muito peculiares, que sugeriam traços do que hoje é conhecido como TEA03. Kanner relatou o estudo de onzecrianças com uma combinação de características que envolviam o extremo isolamento desde muito pequenas, uma incapacidade para usar a linguagem de maneira compreensível e uma insistência em atitudes repetitivas04, diferenciando o autismo infantil precoce da deficiência intelectual. A começar da descrição de Kanner, em 1943, da síndrome do autismo infantil precoce, estudos têm sido conduzidos entremeados por diversidades quanto à questão etiológica05-09.
Desde os anos 1970, considerava-se fundamental distinguir as psicoses iniciadas na infância daquelas que sobressaíam mais tarde10. Do ponto de vista médico, o autismo é diagnosticado com base em sintomas clinicamente observados relativos à falta de sinais bioquímicos e neurológicos quantificáveis11. Trata-se de uma visão organicista, a qual não considera os aspectos psicológicos como possíveis fatores que contribuem para o quadro.
Na clínica do autismo, os profissionais que consideram o dinamismo dos fatos e fenômenos psicológicos reconhecem que tais transtornos não podem ser atribuídos a causas puramente psicogênicas08,09. Torna-se difícil separar fatores orgânicos, metabólicos e psicogênicos, sendo lamentável que psicodinamicistas e organicistas estejam em lados opostos. Reconhece-se que registros detalhados de trabalho psicoterapêutico com essas crianças podem auxiliar organicistas na direção de seus esforços, e, da mesma forma, estes últimos com seu conhecimento poderiam ajudar os psicoterapeutas a serem mais cautelosos em suas conclusões08.
A frequência de casos de TEAem anos recentes alcançou 1% da população nos EUA e em outros países01. Embora as taxas mais altas possam refletir a própria expansão dos critérios diagnósticos do DSM-V, alerta-se que essa correlação ainda não está descrita, pois incluem casos subliminares do transtorno. Outros fatores como a maior conscientização concernente ao TEA, as diferenças na metodologia dos estudos e o aumento na frequência real do transtorno podem ocorrer01.
Um estudo recente verificou que pais e mães de crianças com TEA apresentaram tendência à superproteção12e as incertezas com relação ao futuro do filho são reportadas desde publicaçõesbrasileiras mais antigas até atuais12-14. A criação de crianças com TEA traz muitos desafios aos pais, dentre eles, aqueles concernentes aos comportamentos de auto e heterogressividadee as dúvidas quanto à escolarização13,14 além de exigir dedicação total aos cuidados que o filho necessita12, especialmente vivenciado por parte das mães13,14.
Tem sido crescente a preocupação com a inserção das crianças com TEA em contextos sociais e educacionais. Estudo recente15indica que o autismo é uma condição pouco conhecida pelos professores que se sentem despreparados para educar as crianças com TEA, mostrando a importância daformação continuada para melhor preparar os professores na atuação em classes inclusivas. As crianças com TEA têm chegado às escolas e precisam de um lugar e de um sistema escolarque possa acolhê-las em suas necessidades educacionais.
Tornou-se grande a demanda de crianças com TEA matriculadas nas redes de ensino regulares, assim como a necessidade de ajuda aos professores que assumem a educação de uma criança com TEA na sala de aula, considerando a amplitude do espectro em termos de gravidade dos casos. Há inexistência de regras ou fórmulas para lidar com educandos com TEA, visto a diversidade no transtorno15,16.
Estudo reporta a defesa da clínica de orientação psicanalítica em ciências da educação17. Um balanço fundamental foi tecido em um trabalho das equipes no Brasil e França a propósito da inclusão de alunos com problemas psíquicos graves, da formação dos professores e do desejo de saber dos alunos nessa condição. Tal debate inscreveu-se no campo de pesquisa das intersecções entre a psicanálise e a educação, defendendo-se o uso da expressão antiga “problemas psíquicos” ao invés de “crianças com necessidades educativas especiais” para sinalizar oposição à presença massiva do discurso médico na área da educação18.
No que concerne ao campo de cuidado dirigido aos profissionais envolvidos no processo da inclusão escolar, ressalta-se a identificação das condições que preservem o educador da depressão profissional face ao pesado e complexo trabalho da inclusão escolar. Este tema quase não é tratado na área que é referente ao lugar do desejo de saber na escolarização de crianças com problemas psíquicos graves, como pode-se pensar no caso do TEA, em especiala importância de se olhar a partir da ótica do próprio aluno e seu desejo naquele contexto18.
Um estudo a partir do olhar psicanalítico19buscouconhecer a percepção do professor e do tutor frente à inclusão escolar de crianças com TEA refletindo-se sobre a intencionalidade dos discursos pedagógicos, considerando-se a tendência à produção de repetições como possível defesa diante da angústia provocada pelo diferente, de modo que, as percepções enunciadas evidenciaram o sentimento de angústia das entrevistadas com relação à inclusão escolar de crianças com autismo no ensino regular19.
Considerando-se a realidade do profissional da educação e as dificuldades enfrentadas, o objetivo deste estudo foiconhecer a percepção de professores do ensino fundamental privado acerca da inclusão educacional de alunos com Transtorno do Espectro Autista.
MÉTODO
Trata-se de um estudo qualitativo realizado durante o primeiro semestre de 2018 com professores do Ensino Fundamental da rede particular de ensino de três cidades da região de Ribeirão Preto-SP, escolas escolhidas por proximidade geográfica de cada um dos alunos-pesquisadores envolvidos. O contato inicial foi realizado com os diretores das escolas via telefone ou e-mail. A seguir, eram agendados encontros com os mesmos quando era apresentado o projeto de pesquisa.
Com a anuência do diretor, este indicava o professor disponível para a entrevista. O critério para inclusão do docente foi ter tido experiência com o processo de inclusão educacional de criança com TEA ou estar nesse processo no presente momento. Além disso, o docente que aceitasse participar demonstrava sua anuência mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas individuais colhidas pessoalmente, gravadas em áudio e transcritas na íntegra posteriormente. As entrevistas foram agendadas a partir da disponibilidade do participante e tiveram duração média de trinta minutos.
Elaborou-se um roteiro norteador da entrevista semiestruturada, com a caracterização dos participantes quanto ao tempo de formação e de atuação na docência, e questões que versavam sobre: a informação dos docentes concernente ao TEA acerca de sinais característicos; a inclusão destas crianças na sala de aula e as atitudes dos docentes; como o docente analisava a inclusão a partir da aprendizagem daquele aluno, do relacionamento com pares e da dinâmica em sala de aula; como o docente pensava o papel da família no processo educacional da criança com TEA; se o docente sentia-se preparado para trabalhar com uma criança com TEA; como avaliava o suporte ofertado pela escola.
O presente estudo foi orientado por uma perspectiva clínica tomando o olhar psicanalíticona análise e interpretação dos dados das entrevistas com os professores referentes à inclusão educacional de crianças com TEA. Seguiu-se, neste estudo, o método qualitativo de pesquisa, de abordagem investigativa clínico-psicológica. Essa metodologia permitiu conhecer o significado de dado fenômeno para esse grupo de docentes, um indivíduo ou coletividade que estejam envolvidos nas diversas situações ligadas ao evento20.
Investigaram-se as dificuldades envolvidas no processo de inclusão educacional de crianças com TEA a partir da escuta dos relatos dos docentes. Mais especificamente, utilizou-se o método clínico-qualitativo voltado aos diferentes settings, dentre eles o contexto educacional, almejando interpretar os significados trazidos por indivíduos acerca dos múltiplos fenômenos pertinentes ao campo dos problemas da educação. Para fazer face ao material coletado, utilizou-se a psicanálise, no interesse pelo processo e não simplesmente pelos resultados e pelo produto21.
A abordagem qualitativa de pesquisa constitui-se de um sólido suporte para a realização de pesquisas que tenham como objetivo a análise em profundidade de fenômenos sociais e psicológicos22. Devido à complexidade dos processos intersubjetivos, os sentidos, as relações e a subjetividade são fatores importantes para a produção de conhecimento. Buscou-se, com isso, a escuta e a valorização dos aspectos psicodinâmicos mobilizados, sobretudo na relação afetiva e direta com os sujeitos sob estudo 20. A partir de tal delimitação, o controle de variáveis inexistiu e o pesquisador, com seus sentidos, foi o instrumento empregado para apreender o objeto de estudo em seguida interpretado.
RESULTADOS
A pesquisa foi realizada com nove professores da rede particular do Ensino Fundamentalde três municípios da região de Ribeirão Preto-SP. Os participantes dessa pesquisapossuíam entre 28 e 43 anos de idade, oito mulheres e um homem, com tempo de docência variando de um ano e seis meses até 22 anos, sendo a média de nove anos e meio na docência.
Do conteúdo levantado emergiram três categorias, a saber: Conhecer o diferente: o inquietante estranho;Preparar-se para o desafio: a formação e o apoio no âmbito escolar; e,Um olhar que amplia: a percepção do papel da família.
Conhecer o diferente: o inquietante estranho
Ter um aluno com TEA coloca o professor diante de desafios e tarefas difíceis de serem enfrentadas. O impacto diante do novo e diferente, que não segue os padrões que se está acostumado, provoca diversos sentimentos ambivalentes. Esse estranhamento é amplificado ao se considerar a heterogeneidade do TEA, em que diferem muito os sintomas de uma criança para outra. Essa característica foi salientada pelos entrevistados:
É o transtorno de sociabilização mesmo. Em relação a esse aluno a gente pode perceber de interação mesmo com o outro (...) o autismo é um diferente do outro, não é como o (a criança com síndrome de) Down (...) o J. é inteligente na parte do inglês, a gente tem um outro aluno que fica com uma outra tia, que ele já não fala, ele é totalmente diferente. E eu tenho uma, que fica comigo hoje à tarde, que ela tem traços de autismo, mas ainda não fechou diagnóstico com ela, ela tem alguns traços totalmente diferentes também, então tem três casos, que é um diferente do outro, um é verbal, outro não é, e a outra já é agressiva. Então ali são três que eu acho que pra se preparar pra tratar do autismo precisa estudar muito(P1);
Pode-se observar o acompanhamento da professora diante do drama familiar quando ela menciona que o diagnóstico ainda não foi fechado. Nota-se no discurso da participante o impacto descrito diante da diversidade dos sintomas: admira-se da inteligência de uma criança ao mesmo tempo observa a outra que não consegue comunicar-se verbalmente, enquanto a outra criança manifesta agressividade.
Essa diversidade provoca no profissional o sentimento de impotência diante do desconhecimento sobre o transtorno. A vivência escolar constante com essa criança solicita o enfrentamento diante da impotência vivida pela criança e também pelo docente e demais funcionários da escola envolvidos com a criança. Um dos recursos diante dessa situação foi a busca de conhecimento do tema que surgiu como uma alternativa para lidar com essa impotência:
Na minha percepção de autismo a criança tem um pouquinho de dificuldade de se comunicar, ao meu entendimento, tem graus de autismo, que a gente lê e estuda, então depende da criança. Elas têm dificuldade de socialização com outras crianças, a gente já observa com um olhar diferente, com um olhar mais especial para esta criança. E a criança também tem um pouco mais de dificuldade na sala de aula, na parte de alfabetização, geralmente aparece bastante (P4)
Observou-se o fato de o transtorno acometer diversos âmbitos da vida da criança:
Varia, nem todos os alunos apresentam as mesmas características (P7);
Tenho a opinião que para a convivência e bom desempenho das crianças com autismo necessitam de professores especiais como eles(P8);
Assim, preparada nós nunca estamos. Nós temos sempre que buscar novos conhecimentos, sempre, porque nenhuma criança é igual à outra, nem o autismo, cada um é um traço(P9).
A docente mencionou o “pouquinho” de dificuldade que pode revelar que o aluno sob sua tutela teria um grau mais leve do TEA. Contudo, logo mencionou os graus diferentes de autismo dentro do espectro. A mesma entrevistada mencionou as dificuldades de socialização e de alfabetização.
Preparar-se para o desafio: a formação e o apoio no âmbito escolar
Quando questionados sobre se sentirem preparados para trabalhar com crianças com TEA, observou-se que os professores salientaram vários aspectos importantes para se considerar na avaliação do próprio desempenho, dentre eles o suporte da escola.
Neste ponto, P3 ampliou a questão do preparo para além do TEA, comparando com os quadros de síndrome de Down. Ela atentou-se para aquilo que a criança “gosta” como uma possível saída frente aos desafios de chamar a atenção de uma criança que muitas vezes se encontra ensimesmada, enclausurada. Esse caminho pelo que a criança “gosta” pode deixa-la no mesmo lugar se isso for sentido como algo que se encerra nesse ponto de interesse da criança, favorecendo a manutenção de seu autismo, ou então pode ser uma via de encontro para o mundo mental dessa criança diante dos muitos desencontros cotidianamente vividos:
Bem difícil responder isso porque depende do nível do TEA, depende da escola onde você trabalha, se você tem o apoio, um respaldo, da família, são N fatores que vão te ajudar ou não, eu quando tenho uma criança de inclusão seja ela com TEA, com Síndrome de Down, outra qualquer tipo de deficiência, eu pesquiso muito sabe, e uma coisa que deu certo com uma criança talvez não dê certo com a outra, então eu pesquiso, vou a fundo, eu vejo a família, vejo o que a criança gosta para partir daquele ponto para eu poder trabalhar com aprendizagem (P3)
Outro recurso encontrado foi a busca do conhecimento e da troca de informações e conversas com outros docentes.O acesso a informações foi notado como fundamental. Soma-se a isso a necessidade que o docente mostrou de pesquisar as questões que enfrenta em seu cotidiano, o que impulsiona esse profissional em constante busca de estudos e recursos para aprofundamento do tema, ou paralisa-o diante do não saber. O contato com profissionais da área da saúde foi notado como saída importante por P5:
Eu penso que nós estamos muito despreparadas pra essas crianças que estão vindo, mesmo por conta dessa diversidade que a gente está tendo, não é uma receita de bolo, então a gente tem que procurar muita literatura mesmo, tem que ler, tem que buscar ajuda de outros profissionais, tem que ter uma ajuda do psicopedagogo, do psicólogo, do fonoaudiólogo, do neurologista, é um conjunto de profissionais pra ajudar, porque não é fácil, dentro da sala de aula (P5)
Ainda, o tempo de experiência em docência foi indicado com fator de ajuda:
Se eu falasse que eu estou preparada, vamos dizer assim que meia parte é mentira, não estou totalmente. Eu falo assim que os anos vem nos ensinando, as várias experiências nos ensinam (P6)
A formação do professor durante sua graduação também foi mencionada como fator de falha na preparação para o trabalho com a inclusão educacional, especialmente de crianças com TEA. No relato abaixo, salienta-se a necessidade de ampliar a formação do educador desde a graduação:
Eu acredito que todas as faculdades de licenciatura deveriam se preocupar em preparar os alunos para este tipo de, receber este tipo de aluno (P2)
A maioria dos profissionais envolvidos com a questão da inclusão educacional tem buscado formação intensiva e específica, visto que não se sentem preparados suficientemente para encarregar-se de seus trabalhos. Um fator que veio para contrabalançar essas falhas na formação foi o oferecimento pela instituição escolar de uma estrutura adequada e de receptividade às dificuldades do docente.
Esse fator de maior suporte e apoio por parte da equipe escolar auxiliou o trabalho da inclusão dos alunos em sala a ter maior êxito. Quando o apoio foi insuficiente, o professor sentiu-se sozinho nesse desafio. Também, foi salientado, dois pontos observados nos relatos de forma oposta, de um lado a sensação de apoio e de outro uma apreensão. Além disto, depreende-se do discurso de P2 que os profissionais têm buscado formações complementares para o auxílio de seu trabalho.
Este participante, o único do sexo masculino, pareceu demonstrar descrença frente aos recursos que foram oferecidos no âmbito escolar. O apoio principal mencionado foi aquele do profissional psicólogo presente no cotidiano da escola, demostrando a importância do psicólogo escolar e sua função de aproximação dos conhecimentos do mundo mental com o exercício diário de estar presente no contato com a escola, os educadores, os funcionários, o sistema escolar como um todo.
No relato de P4, é possível atentar-se para a singularidade que ela oferece ao aluno, a observação das necessidades de cada criança, o encaminhamento dado aos pais no sentido de ajudá-los no direcionamento das buscas de ajuda ao filho. P5 salientou as reuniões periódicas, os encontros em que podem ser discutidas as questões específicas daquela criança, suas dificuldades particulares:
É um suporte total que eles procuram sempre se atualizar pra trazer novas técnicas, novos recursos, novos auxílios pra gente tá lidando diretamente com eles pra poder tá auxiliando (P1);
Limita-se a isso, a informar o que a criança tem, mas não de dizer a melhor maneira como nós devemos trabalhar. O pouco que eu aprendi, eu estudei por fora (P2);
Na Escola X é grupo de atendimento, é um grupo de apoio, então a professora nunca tá sozinha, a gente tem a coordenação que tá aqui todo dia, a gente tem a tia E que é a psicóloga e é ela que conversa com os pais porque é difícil para um pai aceitar que seu filho é diferente (P3).
Então, nós vamos tomar nota de todos os momentos que a criança passa, um diferente do outro. E depois vamos conversar com a psicóloga da escola, chamamos ela, mostramos, ela fica na sala por um período, e faz uma observação mais apurada que a nossa. E então chamamos os pais para fazer um encaminhamento mais adequado... tudo o que a gente precisa a escola dá o suporte realmente. Como eu te falei, a gente avalia as necessidades da criança, observa, toma nota. Depois a gente procura a psicóloga da escola, e a coordenadora da parte pedagógica e elas nos dão todo o apoio que precisamos pra trabalhar com a criança, nos dão dicas de leitura, dicas de materiais (P4)
Aqui onde eu trabalho eu tenho total apoio, a gente faz várias reuniões periódicas pra gente lidar com essa situação, tenho muito apoio de quando essa criança precisa de uma ajuda que vai além do que eu possa, então a gente tem a psicóloga na escola, a coordenadora que ajuda, a gente está sempre trabalhando em equipe e fazendo reuniões com os profissionais que atendem essas crianças pra traçar um plano de ação de com a gente vai lidar com as dificuldades, então esses profissionais vem na escola, a gente conversa (P5).
Além de o professor poder contar com seus pares, como na fala de P6, o relato de P1 mostrou o quanto as próprias crianças buscam auxiliar aquela com TEA, quando menciona que os colegas “acolhem cem por cento”. Se o professor pode observar o que está acontecendo no entorno da criança com TEA, se ele percebe que as outras crianças ajudam, pode fomentar um movimento de inclusão escolar e social, estimulando o respeito e a compreensão pela diferença do outro. E o ponto a ser percebido, nesse sentido, é a sua capacidade, a do educador, de aprender através das suas experiências cotidianas, aprender com o brincar e a imaginação das crianças que acreditam que o colega conseguirá através de outro caminho, que não aquele sugerido pelo docente:
Em relacionamentos com os colegas é gradativamente, tem colegas que são super carinhosos, que gostam, que acolhem. Outros não. Então é um trabalho que a gente faz diário, para que todos tenham contato, para que todos sejam amigos (P6)
Aqui a gente até admira muito as crianças, por que elas acolhem cem por cento, mas é cem por cento, assim mesmo, de ajudar, de falar assim “vem aqui que eu te ajudo, te explico”, “gente, ele não ta entendendo, calma!”às vezes, até tomam à frente (outras crianças) pra tentar ensinar do jeito que eles entendem, por que criança entende de um jeito diferente, que às vezes você ta explicando ali, e vem a criança entende, e ele super compreende (P1)
Um olhar que amplia: a percepção do papel da família
A família diante de um nascimento encontra-se em mudança. Papeis novos são atribuídos, mudanças ocorrem desde os níveis mais concretos, os cômodos da casa são ocupados de forma diferente, o cotidiano daquele lugar e daquelas pessoas muda, os horários, os gastos. Desde esses aspectos até os mais abstratos em termos de significados das funções de cada um, tornam-se novos com um nascimento.
Quando a família se encontra inserida em uma condição especial de sobrevivência, como é o caso de os pais receberem um diagnóstico do filho, a dinâmica familiar sofre mobilizações que abrangem desde aspectos financeiros até aqueles relacionados à qualidade de vida física, psíquica e social dos membros que a compõem. As famílias que tem uma criança com TEA vivenciam situações muito especiais devido às peculiaridades da criança e à maneira como cada um dos pais e os dois como casal parental vivenciam a criação desta criança com TEA.
Segundo P6, sua postura, ao se colocar no lugar dos pais de crianças com TEA, foi a de encarar a situação sem negar as dificuldades da criança, buscando recursos para ajudar no trabalho com o filho. Relataram a percepção de que havia dificuldade em algumas famílias em aceitar a condição do filho. Assim, estabeleceram relação entre essa aceitação e o envolvimento da família com a busca de recursos no atendimento às demandas da criança:
Acho que a primeira coisa é a aceitação, nós temos casos de pais que não aceitam. Aí fica mais difícil, que a partir do momento que não aceito que meu filho é uma criança especial, que precisa de um atendimento especializado, eu não vou atrás, né? “Não, ele não tem nada”. A aceitação dos pais é a primeira coisa, quando ele aceita, quando eu sei do problema do meu filho, eu vou correr atrás, eu vou ajudar, vou pesquisar, eu vou procurar um grupo de mães que também tem crianças no mesmo diagnóstico que o meu, então a aceitação é a primeira coisa, quando eu aceito, eu corro atrás e busco (P6).
Percebeu-se também que houve melhora nos sintomas e nas condições para aprendizagem, sentindo a família como aliados da escola. P3 observou a angústia da família quando a criança com TEA não acompanha o mesmo ritmo dos outros alunos. Mencionou sua percepção de que o trabalho do psicólogo nesse âmbito ajuda a família a ter maior tolerância com o tempo que a criança precisa para se desenvolver:
Fundamental, porque ele faz numa clínica especializada, ele tem T.O., fono, psico, pedagogo, ele tem a psicóloga, ele faz natação fora aqui, que indicaram pra ele, então o desenvolvimento dele é junto com tudo isso. Graças ao empenho da família, por que, no caso, têm outros que a família não é assim focada, tão empenhada e o desenvolvimento acaba atrasando bastante (P1)
É, precisa desse tripé que eu falo, que é a escola, família e a medicina, então os médicos que vão diagnosticar, a família tem que ter o apoio e a gente tem também que ter o apoio, um ajuda o outro (...) a psicóloga é muito importante porque ela chama a família pra conversar, pra entender que não só porque o filho é diferente que ele não vai aprender, ele vai aprender só que de uma outra forma, um outro tempo, às vezes o tempo dele não é o mesmo tempo da sala de aula, mas não é que ele não aprende, ele aprende (P3)
Afirmam que a família precisa oferecer o suporte necessário através da procura de profissionais especializados:
A família precisa dar apoio e suporte, tanto na questão de procurar o profissional certo pra ajudar quanto na educação e ajudar as tarefas em casa (P4);
Essencial, não tem como trabalhar, não tem como os profissionais fazerem todo um trabalho e a família não colaborar de alguma forma, a gente não vê sucesso na situação, porque eles são inteligentes, eles sabem diferenciar, então eu percebo que quando a gente não tem apoio da família todo o trabalho que foi feito aqui, ou foi feito com profissionais fora, se chega em casa não tem uma continuação disso vai tudo por água abaixo, regride tudo (P5)
Todavia, não houve a percepção de que a própria família precisa ser ajudada diante da sobrecarga emocional vivida. Por outro lado, concordaram que pode ser difícil para os pais conseguirem recursos, sejam externos ou internos, para auxiliar a criança. Nesse sentido, surgiu a necessidade de outros profissionais novamente no relato dos docentes:
Eu sei que não deve ser fácil ter uma criança com transtorno, mas infelizmente não são vários profissionais, não é um só, tem que ter uma fono, tem que ter um neuro, tem que ter o psicopedagogo, tem que ter uma psicóloga, porque são todos esses profissionais que vão auxiliar essa criança nas questões que ela precisa, então tem que ter muita disponibilidade mesmo. Emocionalmente falando, financeiramente falando, o apoio mesmo, é uma equipe (P5)
Acrescenta-se à questão de ter outros profissionais envolvidos como ajuda à criança com TEA, uma comunicação aberta entre os pais e os professores. Esse fator foi percebido como preponderante para ajudar a criança. Na fala de P5, apontou-se como essencial o espaço aberto da escola na recepção dos pais como um lugar de troca de informações, de conversas onde pode surgir apoio mútuo frente às adversidades. P7 citou a inclusão “com outras pessoas” considerando a escola como lugar de inclusão social das crianças com TEA que possam aproveitar da oportunidade de estar nesse contexto:
A gente conversa, a gente faz uma reunião, chama os pais também, pra participar, então a gente tem tanto a reunião da escola com os profissionais e com a família, pode acontecer tudo junto e isso ajuda bastante(P5)
Fazer sua inclusão com outras pessoas e sempre buscando melhorias (P7)
São a extensão do trabalho do professor (P8)
DISCUSSÃO
Estudos18,19,23recentes revelam que alguns dispositivos têm auxiliado na inclusão educacional de crianças com TEA. Otrabalho de inclusão escolar precisa ser realizado com a inclusão dos professores, pois eles são uma das ferramentas mais importantes na sustentação desse lugar social buscado para criança com TEA, o lugar de aluno24. O uso de visitas periódicas às escolas, reuniões abertas à participação de educadores interessados em discutir as questões da inclusão escolar criaum espaço de interlocução entre profissionais que se engajam no processo de escolarização das crianças com TEA24. O emprego do conhecimento psicanalítico tem auxiliado as intervenções dos docentes no âmbito escolar25.
Foi verificada a necessidade por parte dos professores de se conversar sobre o tema e de relatar que não se consideravam preparados para a tarefa de auxiliar a aprendizagem de uma criança com TEA. Um dos caminhos encontrados pelos docentesfoi a busca de conhecimento sobre o quadro do TEA. A heterogeneidade do quadro culminou em um impacto no trabalho dosprofessores com essas crianças e seus colegas em sala de aula.
Características como a agressividade, a comorbidade do TEA com a deficiência intelectual e a ausência de comunicação verbal foram mencionadas como obstáculos ao aprendizado da criança bem como ao contato do professor com a mesma. Por outro lado, a capacidade intelectual preservada em algumas crianças também surpreendeu os professores que se mostravam“encantados” com essa habilidade.
O apoio da estrutura escolar, seja em termos materiais concretos seja no oferecimento de supervisão da equipe foi mencionado como fator que colaborou no preparo do docente para o trabalho com crianças com TEA. Outro fator salientado como auxiliar no trabalho com crianças com TEA foi a troca de informações e conversas com os outros professores, quando era possível receber apoio e solidariedade dos colegas no preparo de atividades dirigidas às crianças.
Notou-se que alguns professores mencionaram o fato de as crianças da inclusão serem “especiais” necessitando, portanto, de professores especiais. Do ponto de vista positivo, estimula a atenção que precisam e os esforços dos professores para ajudarem essas crianças no contexto escolar. Do lado negativo, pode-se esperar que algo muito especial precise ser feito para que essa criança sobreviva no contexto escolar, demonstrando, com isso, um alto nível de exigência que retira do professor sua criatividade no encontro com a alteridade do outro.
Foi reconhecido pelos participantes o papel do professor como um colaborador principal dessa possibilidade da criança com TEA encontrar seu lugar na escola através do processo de socialização, sendo respeitada na sua diferença. Verificou-se, através das entrevistas, que não se sentiam capacitados para atuar com as crianças com TEA, o que corrobora com outro estudo15, fator esse atribuído principalmente à falta de investigações relacionadas à temática tanto na parte da graduação quanto através de cursos de atualização.
Adequar e atualizar metodologias, conhecer as características do transtorno, detectar as dificuldades de cada criança foram caminhos mencionados pelos professores. Abrir espaço para o encontro com a singularidade dessas crianças também foi salientado em estudo18.Quando houve o apoio da escola, o fornecimento de recursos, a concepção de uma equipe que atende a criança e não apenas o docente isolado nas suas dificuldades, percebeu-se seu trabalho mais valorizado e, consequentemente, puderam observar os avanços da criança. No entanto, não se pode deixar de mencionar a impotência frente ao isolamento da criança e as resistências que essa condição provoca no que tange à aproximação do aluno com TEA.
O aprender em grupo foi pouco mencionado, a não ser quando observado pelas professoras que alguns alunos não aceitavam a criança com TEA enquanto outros se esforçavam por encontrar maneiras de ajudá-la. Sabe-se que, quando o grupo a acolhe, o sujeito tem mais possibilidades de se desenvolver. No entanto, esse recurso do dispositivo grupal pareceu pouco utilizado pelos docentes entrevistados.
O aprender em grupo possibilita maior vínculo entre os alunos e dos mesmos com o professor. Avaliou-se que os participantes buscaram conhecimentos para auxiliá-los a diminuir as dificuldades das crianças com TEA, mas não mencionaram deixar-se conduzir, ao menos um pouco, por suas associações e intuição acerca do que aquela criança e aquele grupo precisavam. As resistências dificultam a busca de recursos internos para lidar com as dificuldades cotidianas, não só com os alunos com TEA, mas com todos os outros alunos.
A confiança no trabalho pode, com o tempo, propiciar alguns insights que surgemdessa busca de contato com a criança. Tentar identificar os temores trazidos por aquela criança com TEA na sala de aula, nos colegas, no professor, na coordenação da escola pode auxiliar na exploração de modelos de ação com esse sujeito. Espera-se que a escola possa continuar fazer crescer e formar o cidadão, a partir daquilo que essa criança porta como bagagem das vivências familiares.
A criança com TEA provoca um desafio que pode trazer a sensação de fracasso se não forem compreendidos os limites e as possibilidades de cada um dos envolvidos no processo dentro desse contexto institucional específico que é o campo educacional. A identificação e a tomada de consciência das expectativas relacionadas àquela criança podem ajudar a diminuir o nível de exigência com ela, com o próprio professor e, por extensão, com a família. Assim, cabe refletir sobre a relação do docentecom o saber ensinado, uma relação que vem da história pessoal de cada ume de sua formação25.
Mencionou-se a necessidade de formação profissional continuada. Todavia, acrescenta-se a isso,sobretudo a importância da reflexão acerca do próprio trabalho, de o docente descobrir seus próprios recursos. A troca com outros docentes pode ser muito valiosa, além da troca com outros profissionais, conforme foi mencionado por alguns entrevistados.
Num paralelo relacionado a se opor a opiniões organicistas e psicodinamicistas08, 09para uma questão tão importante como a inclusão educacional de crianças com TEA, não se pode colocar em polos opostos professores, escola, equipe de coordenação e família. Um problema tão complexo quanto o da inclusão educacional de crianças com TEA precisa de todos esses âmbitos coordenados para melhor adaptação da criança neste contexto.
Quanto ao papel da família no processo de inclusão educacional, os professores indicaram os principais pontos: a aceitação do diagnóstico pela família ea investigação de recursos variados para ajudar a criança com a consulta a outros profissionais. Os participantes observaram que alguns pais tenderam a negar a condição do filho, enquanto outros buscavam encontrar formas de propiciar o desenvolvimento do filho. Sugeriram que a família possa complementar o trabalho do professor, realizando em casa a continuidade do trabalho escolar. Vale salientar a sobrecarga emocional vivenciada pela família da criança com TEA, especialmente o cuidador direto que, na maioria das vezes é a mãe13,14.
CONCLUSÃO
Notou-se a necessidade que os docentes encontramde espaços de conversa sobre as dificuldades enfrentadas cotidianamente no exercício de sua profissão. Deve-se salientar que a maioria dos educadores encontrou apoio na instituição escolar como um todo para o acompanhamento da criança. Tal suporte esteve muito ligado à presença do psicólogo nesse contexto, mostrando que o trabalho com as crianças com TEA na escola é complexo e requer a participação de um profissional que apresente também um conhecimento do mundo mental não só da criança, mas de todos os envolvidos.
A atenção do profissional psicólogo pode auxiliar na compreensão dos efeitos dos impasses e fracassos enfrentados na recepção e acompanhamento da criança com TEA. O dispositivo do trabalho em grupo, das atividades em conjunto não foi citado pelos docentes, indicando que não tem sido aproveitado esse recurso.
Um ponto adicional desse estudo foi a apresentação do olhar do docente sobre a questão familiar, mostrando que os participantes se encontraram sensíveis à vivenciada família com uma criança com TEA. Alguns participantes enfatizaram, no entanto, que as famílias deveriam continuar em casa o trabalho que começa na escola. Embora esse possa ser um fator que ajude, sabe-se das dificuldades das famílias no cotidiano com as crianças com TEA, sendo que nos casos em que existe maior comprometimento, as atividades de vida prática e diária precisam ser realizadas com auxílio completo dos pais, sobrecarregando-os tanto física quanto emocionalmente.
Como limitação do presente estudotem-se a complexidade do tema e o fato do trabalho ser desenvolvido com professores da rede particular no Ensino Fundamental, não sendo possível estabelecer uma comparação com professores da rede municipal ou estadual, o que pode ser sugerido para pesquisas futuras.
Demais pesquisas poderiam, também, avaliar a percepção dos professores levando em consideração o grau de comprometimento do TEA, por exemplo, segundo os níveis de gravidade para TEA do DSM-V quanto ao tipo de apoio utilizado, desde muito substancial até um apoio mais leve.
Pode-se considerar que mesmo uma criança mais comprometida possa ter um encontro interessante com um educador que a ajude de maneira significativa, com o apoio e a confiança da família, enquanto que um educador mais rigoroso, ou uma família mais exigente, possam ter dificuldade em valorizar a qualidade do desenvolvimento de uma criança que exija menos apoio.
São diversas as inquietações que se impõem a esse campo do saber fazendo-se necessários estudos que se proponham a investigar e compreender os diferentes processos da inclusão educacional considerando o mundo mental das pessoas envolvidas nesse contexto, especialmente ponderando sobre os cuidados e os benefícios e prejuízos dos processos referidos para as crianças com TEA.
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