Revisão

A não vacinação dos filhos e a literacia para a saúde

Non-vaccination of children and health literacy

La no vacunación de los hijos y la alfabetización en salud

Kéllen Campos Castro Moreira 1
Secretaria Municipal de Saúde de Uberaba, Brasil
Rosane Aparecida de Sousa Martins 2
Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Brasil

A não vacinação dos filhos e a literacia para a saúde

Revista Família, Ciclos de Vida e Saúde no Contexto Social, vol. 3, pp. 1055-1063, 2020

Universidade Federal do Triângulo Mineiro

Recepción: 25 Mayo 2020

Aprobación: 08 Diciembre 2020

Resumo: Este é um estudo de revisão integrativa, realizado no segundo semestre de 2019, na base de dados da Biblioteca Virtual em Saúde com os descritores: não vacinação, letramento, alfabetização, health literacy AND vaccination e literacia, considerando o período de 2009 a 2019, com o objetivo de conhecer as publicações acerca da não vacinação em crianças e adolescentes. Apenas o primeiro descritor retornou resultado (35.002 artigos) e, após utilizar os critérios de inclusão, considerou-se quatro trabalhos para análise. Nestes verificou-se enfoque na dimensão Acesso como fator mais apontado entre os motivos para não vacinação dos filhos, apesar disto, apenas disponibilizar e acessar informações não garantem aumento do nível de Literacia para a Saúde. Esta ampliação, e consequentemente, a escolha pela vacinação dos filhos faz-se necessário para que a população adquira competências e habilidades também para Compreensão, Avaliação e Investimento rumo à melhoria da saúde. Sugere-se mais estudos para se compreender os elementos culturais envolvidos na não vacinação, bem como a mensuração da Literacia em Saúde e que, o aumento desta ocorra com a implantação de ações de educação em saúde, com promoção de espaços de diálogo, reflexão, desenvolvimento de competência, habilidades e troca de conhecimento.

Palavras-chave: Recusa de vacinação, Letramento em saúde, Promoção da saúde, Educação em saúde, Comunicação em saúde.

Abstract: This is an integrative review study, conducted in the second half of 2019, in the database of the Biblioteca Virtual em Saúde with the descriptors: não vacinação (non vaccination), letramento (literacy), alfabetização (alphabetization), health literacy AND vaccination and literacia (literacy), considering the period between 2009 and 2019, in order to get to know the publications about non-vaccination in children and adolescents. Only the first descriptor returned a result (35,002 articles) and, after using the inclusion criteria, four studies were considered for analysis. In these, there was a focus on the Access dimension as the most pointed factor among the reasons for the non-vaccination of children, despite this, only making available and accessing information does not guarantee an increase in the level of Health Literacy. This expansion, and consequently, the choice for vaccination of the children it is necessary for the population to acquire skills and abilities also for Understanding, Evaluation and Investment towards the improvement of health. Further studies are suggested to understand the cultural elements involved in non-vaccination, as well as the measurement of Health Literacy and that, the increase of this occurs with the implementation of health education actions, with promotion of spaces for dialogue, reflection, development of competence, skills and knowledge exchange.

Keywords: Vaccination refusal, Health literacy, Heatlh promotion, Health education, Health communication.

Resumen: Este es un estudio de revisión integradora, realizado en el segundo semestre de 2019, en la base de datos de la Biblioteca Virtual en Salud con los descriptores: não vacinação (no vacunación), letramento (literacidad), alfabetização (alfabetización), health literacy AND vaccination y literacia (alfabetización), considerando el período comprendido entre 2009 y 2019, a fin de conocer las publicaciones acerca de la no vacunación en niños y adolescentes. Sólo el primer descriptor retornó resultados (35.002 artículos) y después de utilizar los criterios de inclusión se consideraron cuatro trabajos para análisis. En ellos, se centró la atención en la dimensión Acceso como el factor más señalado entre las razones de la no vacunación de los hijos, aunque el mero hecho de proporcionar y acceder a la información no garantiza un aumento del nivel de Alfabetización en Salud. Esta expansión y, por consiguiente, la elección de la vacunación de los hijos es necesaria para que la población adquiera habilidades y destrezas también para la Comprensión, Evaluación e Inversión hacia la mejora de la salud. Se sugiere que se realicen más estudios para comprender los elementos culturales involucrados en la no vacunación, así como la medición de la Alfabetización en Salud, y que el aumento de esta se produzca con la aplicación de acciones de educación en salud, con la promoción de espacios de diálogo, reflexión, desarrollo de competencias, habilidades e intercambio de conocimientos.

Palabras clave: Negativa a la vacunación, Alfabetización en salud, Promoción de la salud, Educación en salud, Comunicación en salud.

INTRODUÇÃO

A promoção integral à saúde da criança e prevenção de agravos reduz as taxas de morbimortalidade infantil e garante o crescimento, desenvolvimento e qualidade de vida das crianças, sendo a imunização um dos principais aspectos. Esta foi legalmente instituída no Brasil pela política pública denominada Programa Nacional de Imunizações (PNI)01, e oferece todas as vacinas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o combate de mais de 19 doenças através da rede pública de saúde. A vacinação tem caráter obrigatório, com referência mundial pelos resultados promissores. As várias vacinas foram implementadas de forma gradativa para atender necessidades e fatores individual, epidemiológico, econômico e desenvolvimento científico1-3.

Em 1930, 45,7% dos óbitos no Brasil eram decorrentes de doenças infecciosas e parasitárias, com queda para 4,3% em 2010. Ainda na década de 1980, foram 5,5 mil óbitos em crianças de até cinco anos no Brasil por sarampo, poliomielite, rubéola, síndrome da rubéola congênita, meningite, tétano, coqueluche e difteria; contrastando com 50 óbitos em 200903.

Apesar dos benefícios decorrentes da vacinação de modo internacional (com reflexo nacional), há um movimento antivacinas, cujos adeptos optam pela (não) vacinação, inclusive de crianças. Entre as consequências tem-se o possível retorno de doenças consideradas erradicadas, como a poliomielite e o sarampo03. Devido ao risco de reverter o progresso alcançado no combate a doenças evitáveis por vacinação, a OMS incluiu em 2019 o movimento antivacinas entre as dez maiores ameaças à saúde global, nas quais os vírus da imunodeficiência humana adquirida (HIV) e do ebola também se configuram04.

A (não) vacinação de crianças e o consequente desenvolvimento de doenças pode acarretar prejuízos individuais ao afetar funções biológicas, existenciais (como questão social de não frequentar a escola), o lazer e o esporte, e coletivas (pela transmissão de patógenos e possíveis surtos de doenças). Um aspecto preocupante se refere aos dados disponíveis no Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI), no qual consta a baixa cobertura vacinal (79,05%) no Brasil-MG contra sarampo, por exemplo05.

A reversão deste processo decisório, de não vacinação ou seleção das vacinas, implica em ampliar os níveis de Literacia para a Saúde (LS), já que, para prevenir agravos no cotidiano, é necessário o desenvolvimento de habilidades e competências no âmbito da comunicação em saúde e educação para a saúde. Aumentar a LS envolve o acesso a informações seguras e confiáveis, a compreensão destas informações pelos familiares, a avaliação deste aprendizado, a gestão do conhecimento e o investimento para aplicar tal sapiência em estilos de vida mais saudáveis e, neste caso, na decisão por vacinar os filhos segundo o preconizado pelo Ministério da Saúde06.

O nível de LS no qual um indivíduo se encontra pode ser verificado através de instrumentos que avaliam competências e habilidades em saúde quanto à cura e cuidados, prevenção de doença e promoção da saúde, bem como quanto às suas dimensões - acesso a informação, compreensão da informação, avaliação, capacidade de gerir e aplicar os conhecimentos para aumentar o controle sobre a saúde06.

Estudos apontam que baixos níveis de LS indicam fracos resultados em saúde, por exemplo, em pacientes crônicos que desenvolvem menor capacidade de autocuidado e maiores usos de serviços de saúde6-8. Deste modo, tanto a mensuração como o desenvolvimento da LS podem ser relevantes para reduzir o percentual de não vacinação, consequente à conscientização da sua relevância e eficácia.

No Brasil, a expressão literacia para a saúde (LS) ainda é pouco utilizada e, ocasionalmente, é traduzida para letramento em saúde ou alfabetização em saúde; porém estes termos vinculam-se a uma perspectiva de apropriação de informações, enquanto o conceito de LS acentua o aspecto dinâmico, progressivo e reflexivo que a apropriação de conhecimento gera sobre a saúde06.

A LS se apresenta como um campo das ciências sociais, e envolve um processo continuo de aprendizagem que capacita a pessoa no alcançar de suas metas, desenvolver o seu potencial e seu conhecimento, de modo a poder usufruir do seu máximo potencial de qualidade e bem estar. É relevante para promover saúde, prevenir agravos, melhorar o nível de qualidade de vida, bem como auxiliar na capacidade e motivação para escolhas mais saudáveis09.

Considerando a importância da vacinação, a baixa cobertura vacinal nacional, o surto de sarampo no ano de 2019, a necessidade em compreender o conhecimento e motivações relacionados à vacinação/não vacinação em crianças e adolescentes, este trabalho tem como objetivo conhecer as publicações acerca da não vacinação em crianças e adolescentes.

MÉTODO

Este trabalho consiste em uma revisão integrativa, que possibilita identificar o estado atual de boa parte dos conhecimentos produzidos no Brasil sobre não vacinação de crianças em interface com a Literacia para a Saúde e suas lacunas. Para a realização da revisão, foram desenvolvidas seis (6) etapas: identificação do tema; estabelecimento dos critérios para inclusão e exclusão dos estudos na busca em base de dados; definição das informações para categorização dos trabalhos; avaliação dos estudos incluídos; interpretação dos resultados e apresentação da síntese do conhecimento10.

A pesquisa ocorreu no segundo semestre de 2019, na base de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Para o levantamento na base, foram utilizados os descritores: não vacinação, letramento, alfabetização, health literacy AND vaccination, literacia. Apenas o primeiro descritor retornou resultado.

Na segunda etapa da revisão integrativa, foram adotados os seguintes critérios de inclusão para análise e discussão: texto completo; assunto principal conhecimentos, atitudes e prática em saúde; idioma espanhol, português e inglês; intervalo dos últimos 10 anos (2009 a 2019); e país de afiliação, o Brasil. Ainda, foi realizado leitura dos títulos e resumos dos trabalhos restante e incluídos apenas os que abordavam a vacinação ou a não vacinação de crianças.

RESULTADOS

A busca na base de dados da BVS apresentou como resultado inicial 35.002 artigos, apenas no descritor não vacinação. Verificou-se na busca: texto completo (16.925), assunto principal conhecimentos, atitudes e prática em saúde (804), idioma espanhol, português e inglês (791), intervalo últimos 10 anos (779), país de afiliação Brasil (11).

Após o levantamento preliminar na base de dados, foram selecionados 11 artigos que atenderam os critérios de inclusão e realizada a leitura dos títulos e resumos, quatro deles foram considerados.

A partir do referencial teórico da LS, obteve-se: artigo 1 - Conhecimento do adolescente sobre vacina no ambiente da Estratégia Saúde da Família11, artigo 2 - Conhecimento e atitude de usuários do SUS sobre o HPV e as vacinas disponíveis no Brasil12, artigo 3 - Factors related to non-compliance to HPV vaccination in Roraima-Brazil: a region with a high incidence of cervical cancer13; e, artigo 4 - Conhecimento e aceitabilidade da vacina para o HPV entre adolescentes, pais e profissionais de saúde: elaboração de constructo para coleta e composição de banco de dados14.

A terceira etapa da revisão consistiu em categorizar os termos apresentados nas publicações a partir das dimensões da LS: Acesso, Compreensão, Avaliação e Investimento.

O artigo 1 utilizou como dimensão Acesso: acesso à informação; educação em saúde; capacitação dos sujeitos. No artigo 2 tem-se: intervenções educativas; prover informação adequada; não apenas selecionar e transmitir informações cientificamente corretas; e educação em saúde. O artigo 3 apresentou: Informar e o 4: Conhecimento.

Na dimensão Compreensão, tem-se no artigo 1: diálogo; encontro entre sujeitos; construções que impliquem compartilhar ações e compromissos. Para o artigo 2: integralidade da atenção; dificuldades de interpretação. E, para o 3: percepção da importância... foi fator de proteção.

Na dimensão Avaliação, tem-se apenas o artigo 1: avaliação individual dos riscos e, em investimento: tomada de decisão; garantir a melhoria das condições de vida e saúde da população.

A dimensão da LS mais apontada para adesão a vacinação de forma adequada foi o Acesso à informação. Para descrever o acesso, foram utilizadas diferentes terminologias em todos os artigos estudados. Em seguida, tem-se a Compreensão mencionada em três estudos. Já as demais dimensões, Avaliação e Investimento foram abordadas apenas em um dos estudos.

O principal motivo encontrado para não vacinar crianças e adolescentes, segundo os pais, foi necessidade de maiores informações, mencionado em três artigos. Seguido de receio dos efeitos colaterais, e o medo por parte dos filhes da agulha e da dor durante a vacinação.

DISCUSSÃO

Os motivos alegados pelas crianças e pais, nos trabalhos, para não vacinar crianças e adolescentes foram: temor à agulha e à dor11; necessidade de maiores informações sobre a vacina e estudo. Motivos para não vacinar um filho adolescente foi que a decisão caberia ao filho, somente se houvesse indicação médica12; receio dos efeitos colaterais, esquecimento, falta de tempo devido à vida ocupada e falta de conhecimento sobre vacinas - não havendo diferença significativa nestas razões entre escolas públicas e privadas13; medo de experimentar dor durante a aplicação, receio de desaprovação familiar, incerteza sobre a eficácia da vacina e segurança, e medo de possíveis efeitos colaterais14.

Aumentar a LS envolve o acesso a informações, compreensão destas informações, avaliação deste aprendizado e investimento em estilos de vida mais saudáveis. Nos artigos analisados, a LS apareceu como necessária através de termos nas dimensões Acesso como:

...acesso a informação que permitisse avaliação individual dos riscos de adquirir uma doença imunoprevenível, educação em saúde11, intervenções educativas, não apenas selecionar e transmitir informações cientificamente corretas12, informar13, conhecimento14; na dimensão Compreensão por diálogo, encontro entre sujeito, compartilhar11, dificuldades de interpretação12, percepção da importância13; em Avaliação como avaliação individual dos riscos11, e em Investimento por tomada de decisão, garantir a melhoria das condições de vida e saúde da população11.

Quando se analisa a dimensão da LS mais recorrente para adesão a vacinação de forma adequada, tem-se o Acesso à informação, como: ...necessário à escolha pela vacinação dos filhos, seguido pela Compreensão. Os artigos apresentam que informar a população, através de intervenções educativas, garante melhoria das condições de vida e saúde11-12, e que é necessário para obter maior cobertura vacinal13-14. Assim, o Acesso a informação é referido como garantidor da escolha de vacinação dos filhos, pelos pais11-14. A mídia, a escola e comunidade são apontadas como fontes de acesso a informação, fácil e de baixo custo15-17.

Apesar da ampla disponibilidade de informações em saúde, há apontamentos de que esta per si não é capaz de melhorar o nível de saúde e qualidade de vida da população11-14. Infere-se que há dificuldade na Compreensão . Avaliação destas informações e investimento em comportamento favorável a saúde. Ratifica-se que a dimensão da LS predominante para adesão à vacinação dos filhos foi Acesso a informação, sendo essas informações disponibilizadas por diversos veículos11-17. Contraditoriamente, o motivo mais apontado para não vacinação dos filhos foi a necessidade de maiores informações12-14. Portanto, para que as ações educativas ampliem a cobertura vacinal de crianças e adolescentes, é necessário explorar e usar as demais dimensões da LS.

Pesquisas apontam para a relação entre os baixos níveis de LS e a menor qualidade de vida, aumento dos custos de tratamento, maior frequência de internação, menor adesão ao tratamento dentre outros6-8. Ao abordar a saúde integral da criança e do adolescente tem-se desafios, tais como a abordagem da temática saúde em uma perspectiva positiva (salutôgenica) pelos profissionais de saúde, nas ações educativas, e cumprimento adequado do calendário nacional de imunização das crianças e adolescentes como resultado.

O diferencial dentre os fatores encontrados nesta revisão e em estudos fora do Brasil se refere ao alto custo, ausência de memória da gravidade de epidemias anteriores, crença na imunização de rebanho, crença em teorias conspiratórias, ideologias religiosas e filosóficas15-16. Em relação ao alto custo, apontado como um motivo para não vacinação em outros países não foi encontrado nesta revisão de pesquisas nacionais. Isso talvez se deva ao fato de todas as vacinas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) serem oferecidas gratuitamente pelo PNI01.

Quanto ao fator crenças, tanto a exacerbação da vacinação (na imunização de rebanho, eximindo os próprios filhos da vacinação) quanto a rejeição (por crenças conspiratórias e ideológicas) colocam em risco os próprios filhos e a comunidade, já que se tornam susceptíveis e vulneráveis a doenças imunopreviníveis.

Assim, por não haver mudança de atitude favorável a saúde (a prevenção de doenças por meio da vacinação) à partir do acesso a informações, os pais e seus filhos podem ser inclusos como pessoas com LS inadequada. Isto porque as atitudes destes sujeitos ratificam a dificuldade em articular as dimensões: Acesso a informação, Compreensão, Avaliação e Investimento à saúde, assim como o Receio dos efeitos colaterais13-14.

O aspecto de não vacinação caso não haja indicação do médico12 revela o modelo hegemônico médico na comunidade pesquisada. Porém, uma pesquisa exploratória em uma escola particular de medicina no Brasil relatou que 43,4% dos estudantes de medicina e 41% dos médicos tiveram contato com pacientes que recusavam a vacinação dos filhos e 54,7% e 59%, respectivamente, com pacientes que se recusavam a receber vacinas, independente da indicação médica. Também foi constatado que médicos e estudantes de medicina apresentavam cartão de vacina incompleto, dúvidas sobre o calendário vacinal, insegurança nas vacinas, e acreditavam em proteção de rebanho e aspectos éticos da recusa16.

Os fatores Esquecimento e Falta de tempo13 também foram apresentados em outro estudo, como um realizado em Barbacena – MG que avaliou as vacinas com maior atraso vacinal em 112 crianças com idades entre zero a cinco anos incompletos. O número de vacinas em atraso foi 196, prevalecendo atraso da DTP (vacina contra difteria, tétano e coqueluche) aos quatro anos (2º reforço) e da vacina tríplice viral (vacina contra sarampo, caxumba e rubéola) aos 15 meses (D2). Os motivos alegados para o atraso foram: sintomas pós vacinal, desconhecimento e esquecimento, orientação profissional e falta de vacina. A conclusão foi a necessidade de expandir a pesquisa em outros municípios18.

O fator Pais que acreditam que a decisão cabe ao adolescente12 é apontado em muitas investigações que questionam o equilíbrio entre a autonomia dos responsáveis em decidir sobre a vacinação de seus filhos e os benefícios para a saúde pública em fazer campanhas de vacinação15-16. Há países que não exigem a vacinação como caráter obrigatório e legal. No estado alemão de Brandemburgo, por exemplo, após aumento de 300% de sarampo em 2018, foi ordenado vacinação obrigatória para as crianças que frequentam a escola19.

Nos Estados Unidos, há uma grande preocupação ética sobre a vacinação pediátrica. Exacerbou-se tal inquietação após o surto de sarampo de dezembro de 2014, cujo foco inicial foi em um parque de diversões na Califórnia e se espalhou para o Canadá e o México. O resultado foi a remoção legal da opção de não vacinação justificada por crenças pessoais na Califórnia, após um estudo a ausência de indivíduos vacinados15,17,19-20 como provável causa do surto.

No Brasil, a vacinação foi instituída como política pública em 1975, com o PNI, estabelecendo normas técnicas, e regulamentação pelo Decreto nº 78.231 de 1976, que apresentou a vacinação como caráter obrigatório1,2. A obrigatoriedade vacinal em menores foi reforçada pela Lei nº 8.069 de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em seu Art. 14, Parágrafo Único, consta: “É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias21.

E, apesar de a vacinação ser obrigatória e estar disponível nas unidades de saúde de forma gratuita, o Brasil tem vivenciado um surto do sarampo, com 1.680 casos confirmados entre as semanas epidemiológicas 1 (30/12/2018) e 33 (10/08/2019) em 11 estados brasileiros22.

A imunização é uma das ações estratégicas para a saúde integral das crianças, cuja meta a partir de 2018 do Programa de Qualificação das Ações de Vigilância em Saúde (PQA-VS/ 2018) consiste em 100% das vacinas e 95% das crianças com cobertura vacinal no caso da Pentavalente (3ª dose), Pneumocócica 10-valente (2ª dose) e Poliomielite (3ª dose) para as crianças menores de 1 ano de vida, assim como a Tríplice viral (1ª dose) para as crianças de 1 ano de vida23.

A vacinação protege o indivíduo e sua comunidade, desde que pelo menos 95% desta população esteja vacinada. Nos casos em que a vacina é contraindicada devido a faixa etária, imunossupressão ou alergia, um indivíduo que pertença aos 5% dos não vacinados encontra-se protegido indiretamente, já que a probabilidade de um patógeno adentrar na comunidade e infectar o não vacinado é pequena. Mas, para que esta imunização de rebanho ou comunitária ocorra, é de extrema importância que a cobertura vacinal esteja adequada04,15.

No Brasil, é cada vez mais evidente que a vacina é o único meio para interromper a cadeia de transmissão de algumas doenças imunopreveníveis. O controle das doenças só será obtido se as coberturas alcançarem índices homogêneos para todos os subgrupos da população e em níveis considerados suficientes para reduzir a morbimortalidade por essas doenças01. A cobertura vacinal em crianças e adolescentes, no Brasil, não atinge as metas desde 2015 e, ressalva que 90% das vacinas obrigatórias até um ano de vida encontram-se com cobertura abaixo do recomendado OMS24.

Há um movimento que surgiu simultâneo à própria criação da vacina, denominado antivacina17. Atualmente, este movimento constitui-se como um fenômeno social mundial, cujos reflexos se estendem ao Brasil. O movimento antivacina, a indecisão e o retardo na vacinação induzem atitudes arriscadas individual e coletivamente, a exemplo das epidemias de sarampo que causam sofrimento evitável e aumento de gastos públicos15-16,25.

Há estudos que captam atitudes ou comportamentos, mas não ambos, findando em fornecer um retrato incompleto do cenário de vacinação15. As razões pelas quais crianças e adultos deixem de se vacinar em decorrência do movimento antivacinas ou indecisão quanto às vacinas ainda não estão adequadamente avaliadas e identificadas no Brasil, assim como instrumentos para avaliar a confiança nas vacinas e a recusa vacinal ainda não estão esclarecidos16.

É imprescindível que pesquisas sejam desenvolvidas no âmbito da compreensão dos comportamentos favoráveis à saúde pelos familiares no entendimento dos elementos culturais envolvidos neste processo e na mensuração e desenvolvimento da LS. Pois, percebe-se a pequena produção científica referente à esta temática e suas vertentes.

Ademais, os programas educativos direcionados à melhoria da saúde se restringem a fornecer informações de modo que sejam compreendidas, porém as demais dimensões necessárias para aumentar o nível de LS (Avaliação . Investimento) são ignoradas.

Deste modo, a estratégia educativa não se apresenta efetiva para atingir a cobertura vacinal no Brasil, uma vez que os familiares não se sentem habilitados e capacitados para avaliar e investir na escolha salutogênica de vacinar os filhos à partir das informações e compreensão das informações.

CONCLUSÃO

Para aumentar o nível de LS e, consequentemente, refletir na escolha por vacinar os filhos, faz-se necessário o Acesso a informações compreensíveis. Também, as dimensões Avaliação e Investimento devem ser melhor exploradas nas práticas educativas.

Como limitações verificou-se que há pequena quantidade de publicações acerca dos motivos da não vacinação de crianças, da compreensão dos elementos envolvidos, da relação entre LS e vacinação. São necessários estudos para compreender os elementos culturais envolvidos neste processo, através da escuta dos familiares que optaram pela não vacinação, bem como na mensuração de sua LS.

Acredita-se que a implantação de atividades educativas nos diversos segmentos e serviços da sociedade poderá promover espaços de diálogo, reflexão, troca de conhecimento e desenvolvimento de competências e habilidades. Desta forma, salienta-se que não basta que as informações estejam disponíveis nos vários meios de comunicação e mídias sociais. Faz se necessário que estas informações possam ser acessadas, compreendidas, discutidas e articuladas à realidade social da população atendida.

Com isso, será possível avançar de um contexto na qual parcela da população apresenta nível de LS inadequada para LS regular, LS suficiente e no futuro almejar que a maior parte da população possa alcançar nível de LS excelente com capacidade de acessar, compreender, avaliar e gerir as informações transformando as em conhecimentos que lhes permitam tomar decisões favoráveis à sua saúde e de sua comunidade.

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Notas de autor

1 Enfermeira. Especialista em Docência no Ensino Superior. Especialista em Saúde Coletiva. Mestre em Psicologia. Enfermeira na Secretaria Municipal de Saúde de Uberaba, MG, Brasil. ORCID: 0000-0002-5288-4667
2 Assistente Social. Mestre, Doutora e Pós Doutora em Serviço Social. Professora Associada na Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil. ORCID: 0000-0002-5943-4175
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