Artigos Originais

Desmotivação acadêmica: buscando compreender a realidade

Academic demotivation: trying to understand reality

Desmotivación académica: buscando comprender la realidad

Carolina Cassiano 1
Universidade Federal Triângulo Mineiro (UFTM), Brasil
Amanda Ribeiro Gonçalves 2
UFTM, Brasil
Déborah Ribeiro Gonçalves 3
Universidade de Uberaba (UNIUBE), Brasil
Jurema Ribeiro Luiz Gonçalves 4
UFTM, Brasil

Desmotivação acadêmica: buscando compreender a realidade

Revista Família, Ciclos de Vida e Saúde no Contexto Social, vol. 9, núm. 2, pp. 417-426, 2021

Universidade Federal do Triângulo Mineiro

Recepción: 01 Junio 2020

Aprobación: 28 Octubre 2020

Resumo: Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com o objetivo de identificar e descrever os fatores que levam à desmotivação acadêmica em um grupo de estudantes em uma universidade pública, realizada em 2018, através de entrevista semiestruturada. As informações foram analisadas segundo o Discurso do Sujeito Coletivo. Participaram 11 estudantes de diversos cursos, das quais nove do sexo feminino. Construiu-se quatro categorias: Processo adaptativo, Contexto universitário, Aspectos socioeconômicos e Aspectos emocionais. Identificou-se que a desmotivação acadêmica se deu por: distanciamento da família e as especificidades da nova demanda estudantil; infraestrutura, sobrecarga de atividades e conduta docente; dependência financeira em relação aos pais; e, sentimentos de tristeza, nervosismo, estresse e irritabilidade. As instituições de ensino precisam de um olhar atento e acolhedor para com seus estudantes através de estratégias para promover saúde e prevenir agravos, além de considerar o indivíduo como um ser biopsicossocial e espiritual, possibilitando melhora no processo ensino-aprendizagem e a motivação.

Palavras-chave: Motivação, Estudantes, Saúde mental, Fracasso acadêmico, Universidades.

Abstract: This is a qualitative research, which aimed to identify and describe the factors that lead to academic demotivation in a group of students at a public university. It took place in 2018, through semi-structured interviews. The information was analyzed according to the Collective Subject Discourse. The participants were eleven students from different courses, of which nine were female. Four categories were created: Adaptive process, University context, Socioeconomic aspects and Emotional aspects. It was identified that academic demotivation was due to: distancing from the family and the specificities of the new academic demand; infrastructure, activity overload and teaching conduct; financial dependence on parents; and feelings of sadness, nervousness, stress and irritability. Educational institutions must have an attentive and welcoming look towards their students through strategies to promote health and prevent injuries, in addition to considering the individual as a biopsychosocial and spiritual being, enabling improvement in the teaching-learning process and motivation.

Keywords: Motivation, Students, Mental health, Academic failure, Universities.

Resumen: Se trata de una investigación cualitativa, cuyo objetivo es identificar y describir los factores que conducen a la desmotivación académica en un grupo de estudiantes de una universidad pública, realizada en 2018, a través de una entrevista semiestructurada. Las informaciones se analizaron según el Discurso del Sujeto Colectivo. Participaron 11 estudiantes de diferentes cursos, de los cuales nueve eran mujeres. Se construyeron cuatro categorías: Proceso adaptativo, Contexto universitario, Aspectos socioeconómicos y Aspectos emocionales. Se identificó que la desmotivación académica ocurrió por: la distancia de la familia y las especificidades de la nueva demanda estudiantil; la infraestructura, la sobrecarga de actividades y la conducta docente; la dependencia financiera en relación con los padres; y los sentimientos de tristeza, nerviosismo, estrés e irritabilidad. Las instituciones de enseñanza necesitan una mirada atenta y acogedora hacia sus alumnos a través de estrategias de promoción de la salud y prevención de enfermedades, además de considerar al individuo como un ser biopsicosocial y espiritual, permitiendo mejorar el proceso de enseñanza-aprendizaje y la motivación.

Palabras clave: Motivación, Estudiantes, Salud mental, Fracaso escolar, Universidades.

INTRODUÇÃO

A inserção na vida universitária é um período único que delineia a transição do ensino médio para o ensino superior, bem como, a saída da adolescência e o início da vida adulta. A entrada na universidade deve ser analisada a partir de um conjunto de elementos de cunho pessoal, social, econômico e histórico. O estudante se depara com novas maneiras de estudar, conviver, aprender e se integrar ao meio acadêmico01.

O ambiente universitário apresenta aos estudantes um contexto social distinto em relação ao que estavam habituados. É nesse momento que se observa a transição para a vida adulta, cujas regras requerem maturidade e adaptação, especialmente para permanecer nele02. Essa fase de transição e o processo adaptativo, em geral dolorosos para o estudante, podem desencadear impactos emocionais significativos, em virtude das novas demandas03.

Algumas dificuldades que podem impactar os estudantes no contexto acadêmico são: problemas de relacionamento, tanto entre colegas quanto com professores; diferenças entre ensino médio e superior; dificuldades financeiras; organização de tempo; infraestrutura deficitária da universidade; saudade da família; falta de apoio de familiares ou amigos04. Tais impactos podem gerar angústias e frustrações. Assim, o ambiente universitário que auxiliaria na consolidação do conhecimento, permitindo a melhor formação para o futuro profissional, é propenso a provocar adoecimentos05.

Por vezes, a desmotivação para estar na universidade ocorre por uma visão negativa sobre a conduta de professores, estrutura física deficitária e matriz curricular06. Portanto, analisar a desmotivação acadêmica permite entendê-la como determinante crítico da qualidade de aprendizagem universitária. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi identificar e descrever os fatores que levam à desmotivação acadêmica em um grupo de estudantes em uma universidade pública.

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, observacional de abordagem qualitativa realizado em uma universidade pública, no interior do estado de Minas Gerais, em 2018. Este estudo faz parte de um projeto maior intitulado “A influência da espiritualidade, religiosidade, ansiedade e depressão na motivação dos acadêmicos de uma universidade federal”.

Participaram do estudo estudantes dos diversos cursos selecionados através de uma amostragem randomizada simples. Os critérios para a seleção dos participantes foram: ter idade igual ou superior a 18 anos, estar matriculado e frequentando a universidade e permitir a gravação por meio de áudio da entrevista e ter participado anteriormente de um estudo maior.

Os dados foram coletados através de entrevista semiestruturada, do tipo narrativa, com as questões norteadoras: “Você tem se sentido desmotivado? Por que você tem se sentido desmotivado?” e “Aponte os fatores que te deixam desmotivado”. As entrevistas foram agendadas previamente e ocorreram na universidade em salas individuais e reservadas, de acordo com a disponibilidade dos universitários, tendo em média 22 a 25 minutos.

As informações extraídas das entrevistas foram analisadas segundo o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), no qual permite a organização e tabulação dos dados qualitativos obtidos por meio de entrevista, aplicada a uma determinada coletividade07. Este método encontra-se respaldado nos princípios epistemiológicos da Teoria das Representações Sociais com intuito de buscar reconstituir tais representações, preservando a sua importância individual articulada com a sua relevância coletiva, os quais são organizados para transmitir uma mensagem sobre a realidade08.

Os trechos significativos dessas mensagens são as expressões-chave (EC). A síntese do conteúdo de uma expressão-chave é designada de ideia central (IC). Através das EC e IC, compõem-se o DSC, na qual o pensamento de um grupo se apresenta como se fosse um discurso individual e as informações são agrupadas por meio dos trechos discursivos semelhantes07.

Cada gravação foi transcrita e os discursos divididos categorias temáticas. A partir das expressões-chave de cada ideia central, o Discurso do Sujeito Coletivo foi estruturado. Os entrevistados foram identificados pela letra “E” seguido de número arábico.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, sob o protocolo 3.359.887. Cada participante recebeu o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido segundo Resolução CNS 466/12, bem como o esclarecimento sobre o objetivo do estudo, garantia do anonimato e total liberdade de desistir da pesquisa a qualquer momento.

RESULTADOS

Foram selecionados 21 universitários. Destes, 11 participaram do estudo, sendo sete procedentes de outro estado. Em relação ao sexo, prevaleceu o feminino com nove entrevistadas, das quais a idade mínima foi 19 e a máxima 53 anos.

Quanto aos cursos participaram universitários de Ciências Biológicas (1), Enfermagem (1), Engenharia Ambiental (2), Engenharia de Produção (1), Fisioterapia (2), Letras - Português/Inglês (1), Química (1) e, Serviço Social (2), dispostos entre o terceiro ao décimo semestre. Os resultados sobre a percepção dos universitários em relação aos fatores oriundos de desmotivação acadêmica foram agrupados em quatro categorias, conforme apresentado na Figura 1.

Figura 1
Categorias temáticas acerca de desmotivação acadêmica, Uberaba, 2018.
Categorias temáticas acerca de desmotivação acadêmica, Uberaba, 2018.

Processo adaptativo

Para os estudantes, a inserção no ensino superior é permeada por um processo de transformação significativo, a começar pelo distanciamento da família e as especificidades da nova demanda estudantil, conforme verificado no DSC:

No início da graduação me sentia muito desmotivado. Bastante. Porque é longe dos meus pais, da minha família, tudo novo. Mas a minha tristeza maior foi afastar deles e vir pra cá ficar sozinho porque fiquei distante de tudo, eu fiquei sem chão. A mudança de cidade foi complicada, a distância influenciou bastante. Na hora que eu entrei aqui, vi a dificuldade no nível que eles cobravam, eu vim de escola pública e foi muito diferente o ensino. É um universo completamente diferente porque a gente não tem aula, literalmente. Na escola particular e no cursinho os professores se importam com você, a aula é muito produtiva e o choque da faculdade foi chegar aqui e ver que os professores não eram desse jeito, não se importam com você, dão um conteúdo que chega na prova, a média da sala é um, dois... Então isso me leva a pensar: será que eu “tô” [estou] fazendo o curso certo? Será que é realmente isso que eu quero pra mim? Eu não me identifiquei. Não sei qual área seguir, eu passo nas matérias e não sei aplicar isso. Então isso me desanima bastante. Eu pensava: o que eu “tô” [estou] fazendo aqui na faculdade? Porque eu não gostava de nada. Eu tinha expectativa em uma matéria e quando eu tive essa matéria eu odiei. Eu passei a graduação inteira sem gostar de nada do curso. Não tinha vontade de estudar, pegar o material, ver… Fiquei totalmente desinteressado. Não tinha mais vontade de ver as matérias, tudo me desmotivava. No começo eu estudava, mas depois eu larguei de mão. Eu nem ia mais nas aulas. (E2; E3; E5; E6; E8; E10)

Contexto universitário

Observa-se nos discursos que a infraestrutura, sobrecarga de atividades e conduta docente, são fatores relevantes para o desinteresse e desmotivação.

A universidade cobra muita coisa desnecessária e pouca prática. Eu pensei: vou aprender um monte de coisa legal sobre mecanismo... Mas eu só via conta o dia inteiro, conta, conta, não entendia nada, não via coisa prática. Não conseguia passar em nada, não consegui ir pra matéria nenhuma. Aí fui vendo que “tava” [estava] todo mundo do mesmo jeito. Com esse tanto de aluno entrando, a maioria só entra e não sai, então biblioteca super lotada, cantina lotada, a sala é grande mas não tem ar condicionado, os projetores dando problema, atrapalha o dia de aula. Pressão demais que leva a me questionar se é isso que eu quero pra mim. Pressão por parte da universidade, questão de muita matéria, muita coisa pra fazer... Excesso de trabalhos, fichamento, prova, seminário, cada professor se sentindo ser único. Você se vê num certo momento com muita coisa pra fazer em muito pouco tempo. Dependendo dos professores eles não ajudam, não colaboram. Tem professores que exigem muito do aluno aí ele exige muito da matéria dele e existe um número muito grande de matérias que exigem muito de você. Tem professor que você pensa: eu não vou fazer essa disciplina enquanto eu não pegar aquele outro professor porque com esse eu não faço de jeito nenhum. São ruins de explicar, a prova totalmente não condizente com o conteúdo em sala, então você tem que ser um autodidata. (E1; E10; E2; E6; E11)

Aspectos socioeconômicos

Muitos estudantes possuem dependência financeira em relação aos pais. Muitos deles se sentem entristecidos com essa situação, pois anseiam em trabalhar para adquirir a sua independência:

Eu vejo a luta dos meus pais para me darem o melhor e me manter aqui. Me desmotiva porque eu não “tô” [estou] trabalhando. Sou sustentado pelos meus pais e isso me deixa muito chateado porque antes quando eu fazia minha faculdade, eu mesma pagava, já trabalhava e tudo mais. Eu não posso trabalhar, vejo a dificuldade que eles têm em casa... Eu até pensei: “vou desistir.” Só que já tinha pagado aluguel, aí falei: “vou continuar.” E ainda tenho duas irmãs que dependem dos meus pais e isso é um peso muito grande porque quando eu trabalhava, eu ajudava em casa. (E8; E7; E5)

Com intuito de amenizar a sobrecarga financeira dos pais ou até mesmo auxiliar na sua automanutenção, os estudantes fazem uso dos auxílios oferecidos pela instituição de ensino:

Então eu dependo de auxílio e aqueles questionamentos, aqueles formulários pra preencher eu sinto uma forma de humilhação. Você precisa, mas tem que preencher formulários. São perguntas muito... Que expõe a sua vida... Não sei nem te falar... Desnecessárias. (E8; E7; E5)

Aspectos emocionais

Os sentimentos de tristeza, nervosismo, estresse e irritabilidade podem se mostrar muito evidentes nessa trajetória aliado as adversidades na vida pessoal e familiar, que afetam também a saúde mental, comprometendo o desempenho acadêmico e a aprendizagem:

Antes eu era uma pessoa extremamente calma, sempre fui uma pessoa alegre, de bem com a vida, animada. Todo mundo fala que eu tinha um astral e de repente eu comecei ficar muito triste, quieto, mais no meu canto, até minha família percebeu isso. Comecei a ficar muito estressado, nervoso, ansioso. A gente fica angustiado. Um pouco de raiva de você mesmo achando que você não foi competente de fazer aquilo que deveria ter sido feito no tempo certo. Talvez ter uma expectativa muito grande sobre mim e ver outras pessoas passando na faculdade, passando nas matérias e eu não, me deixou bem chateado. Pensava que eu não ia conseguir, que eu era inútil que eu não ia conseguir aprender. Sempre me comparo com os outros. E se assistir um filme, fazer alguma coisa de lazer você se sente culpado. Em época de semana de prova você não se alimenta direito, não dorme direito. Porque a pressão é muito grande. Se você tira seis, era pra ser uma nota boa, mas falta um ponto pra próxima prova então fica bem complicado. Abala muito, é uma tristeza muito forte. Afeta também algum problema familiar/pessoal, não ter incentivo de alguém, brincadeiras meio que subjugando as coisas. E tem a pressão da família “ah tem que cursar uma universidade, tem que formar...” Aí tentar levar tudo é bem complicado. Muita coisa nas costas, aí você quer jogar tudo pra cima e ficar em posição fetal no quarto pra esvaziar a mente. (E2; E4; E6; E8; E10)

DISCUSSÃO

A inserção na vida universitária é compreendida pelos estudantes como sendo um período permeado por transformações: a nova rotina, responsabilidades, a importância de desenvolver a proatividade, além dos desafios em virtude do distanciamento da família.. Esse período também se vincula à decisão pela carreira profissional que se constitui num embate devido às dificuldades dessa nova fase e também pela identificação do curso01.

Em estudo realizado com 423 estudantes de uma universidade pública e um Instituto Federal de Educação no interior do Rio Grande do Sul, verificou-se que a principal dificuldade acadêmica observada foi associada às diferenças entre ensino médio e superior04. No que concerne às escolas públicas, a defasagem no ensino é percebida pelos docentes, uma vez que verificam as dificuldades dos alunos em temas de nível fundamental e médio, o que impacta na realização da faculdade10.

A expectativa de ingressar na universidade e encontrar uma metodologia de ensino distinta da do ensino médio, faz com que os estudantes idealizem atitudes diferentes dos docentes para que eles possam auxiliar em suas dificuldades. Essa situação pode trazer impacto no processo adaptativo e acarretar desistências11.

Pesquisa realizada com 24 estudantes de psicologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro divididos em dois grupos (um participou de psicoterapia e outro não) mostrou que aqueles que participaram da psicoterapia tiveram um nível maior de adaptação acadêmica. Já o outro grupo não houve aumento significativo dessa dimensão investigada.

Portanto, o grupo psicoterápico pode atuar como fator de proteção, auxiliando estudantes em seu processo adaptativo, sobretudo no primeiro ano de curso. Além disso, outra dimensão analisada foi a pessoal e interpessoal. Os estudantes que participaram da psicoterapia em grupo desenvolveram características como capacidade de se colocar no lugar do outro, compreensão quanto às diferenças e sentimentos, colaboração entre pares, intensificação de vínculos, convicção sobre a escolha do curso e gosto pela universidade02.

Um estudo bibliográfico investigou as opiniões sobre metodologias ativas de ensino pelos docentes. Os resultados mostraram que houve prevalência de metodologias tradicionais no cotidiano acadêmico e os professores possuem pouco conhecimento sobre novos métodos de ensino12.

Noutro estudo realizado em três universidades do sul do Brasil com 258 estudantes de enfermagem, verificou-se que aulas mais dinâmicas, em que hajam também problematização e trabalhos em grupo, apresentaram-se como métodos de ensino facilitadores e capazes de subsidiar a prática profissional no futuro. Nesse sentido, torna-se relevante que os docentes diversifiquem as metodologias para que se tenha maior envolvimento dos alunos, mas eles também podem buscar alternativas que os auxiliem em sua aprendizagem13.

Um estudo realizado com 23 estudantes em três universidades japonesas verificou que a desmotivação estava associada ao ensino, sendo que o ambiente restritivo e abordagens de ensino desestimuladoras foram decisivos para a prevalência da desmotivação14. Desse modo, percebe-se a importância de se promover o ensino com utilização de estratégias diversificadas, favorecendo o envolvimento dos alunos, motivando-os a acompanhar as aulas e se sentirem também motivados a frequentá-las.

Na entrada de um curso superior, pode ocorrer a não identificação com o curso com o avançar dos períodos, de modo que o estudante pode vivenciar sentimento de incerteza quanto à profissão, com desmotivação no decorrer do curso e consequente desinteresse na realização das atividades acadêmicas.

Um estudo realizado com estudantes de diversos cursos de uma universidade particular de São Paulo mostrou a vida universitária com favorecedor ao estresse, sobretudo devido à sobrecarga de atividades15. A elevada carga horária, faz com que os estudantes tenham o sentimento de aprisionamento na universidade e considerem a rotina sobrecarregada.

A precariedade da infraestrutura da instituição com inexistência de espaços físicos para convivência e lazer e iluminação ineficaz, dificulta a rotina universitária, ainda mais para aqueles alunos que precisam permanecer na universidade por longos períodos do dia16. Esses resultados corroboram os resultados desta pesquisa e, assim como se mostram estressantes, também pode-se abarcá-los como aspectos desencadeadores de desmotivação.

O professor também assume papel importante no contexto da motivação. Um professor que é visto como modelo a seus estudantes possui atributos pautados em um bom relacionamento interpessoal, habilidades no ensino com ênfase para a didática, criatividade e gosto pela profissão, além do profissionalismo, pautado na ética e no conhecimento17. O docente deve agir de forma justa e evitar agravos ou sofrimentos desnecessários aos alunos 18.

Em outro estudo realizado com estudantes de enfermagem, medicina e odontologia de uma universidade pública do sul do Brasil, os melhores professores foram vistos como sendo empáticos, capazes de estabelecer vínculo e intervir diante das necessidades de aprendizagem. Além da capacidade de domínio do conteúdo e habilidade de ensino, os estudantes buscam professores com sensibilidade para auxiliá-los. Ou seja, não basta apenas ser um docente com conhecimento técnico-científico; mais do que isso, é preciso que seja um profissional empático. Isso faz com que os estudantes os registrem como melhores devido a essa dimensão subjetiva19. Por isso a relação professor-aluno é vista como elemento importante, ocasionando êxito da aprendizagem ou sendo um obstáculo na motivação20.

Em um estudo realizado com dez estudantes de uma universidade pública do extremo norte do Brasil com cursos diversos, cinco entrevistados comentaram sobre a impossibilidade de trabalhar devido ao curso ser integral, porém gostariam de ter condições para se manterem e também contribuir com a renda da família, entretanto precisavam se dedicar à universidade. Soma-se, ainda, o fato de muitos estudantes se sentirem cobrados pela família para que já estivessem inseridos no mercado de trabalho16. Infere-se que mesmo com a democratização do ensino superior nos últimos anos, haja dificuldades em possibilitar a permanência desses alunos que se encontram em vulnerabilidade econômica.

Para os estudantes em situação de fragilidade econômica, o subsídio das bolsas de auxílio estudantil serve como um complemento à renda, o que contribui para a permanência. Todavia, para muitos, os auxílios são a substancial fonte de renda, o que denota uma deficiência das políticas públicas que deveriam proporcionar condições mínimas de subsistência às pessoas21.

Quando o estudante se inclui como dependente de algum benefício, pode ser que haja um sentimento de vergonha, uma vez que depender faz com que ele esteja em uma posição desconfortável e constrangedora. A negação desse lugar conduz muitas pessoas a interpretarem os auxílios como “direito” e não “benefício”22. Em muitos casos, a inclusão desses estudantes é realizada através de processos de exclusão. Os procedimentos de avaliação ficam restritos ao contato com o estudante e a apresentação de documentação comprobatória das situações referidas, principalmente da renda familiar21.

No que concerne a autoestima, a partir do momento que o estudante ingressa na universidade, pode haver uma mudança diante da sua autopercepção23. E sua autoestima pode ser diretamente afetada, especialmente quando há sentimento de inutilidade e comparação com outros colegas que porventura se destacam no ambiente acadêmico.

Já em relação ao lazer, um estudo realizado com 134 estudantes universitários no interior de São Paulo verificou que eles têm pouco tempo para atividades de lazer como descanso, diversão, desenvolvimento pessoal e social. Ressalta-se que as dimensões de lazer na vida humana possibilitam a formação de seres mais críticos e criativos24. É possível que o excesso de atividades faça com que muitos estudantes sintam-se culpados por praticarem atividades de lazer. Esse fato está associado também à imersão no ambiente acadêmico, levando o estudante a priorizar todas as demandas estudantis em detrimento de sua qualidade de vida.

Quanto aos aspectos emocionais, um estudo realizado com 558 estudantes de faculdades públicas e privadas do interior de São Paulo de distintas áreas e períodos mostrou que houve sintomas ansiosos e depressivos significativos, os quais poderiam apresentar algum transtorno de ansiedade ou depressão25.

Os desafios da vida acadêmica pautam-se na questão cognitiva, mas, para muitos alunos, o maior desafio em enfrentar o ensino superior associa-se aos aspectos emocionais. Os problemas pessoais e familiares podem impactar diretamente na vida acadêmica, assim como na concentração e consequentemente na aprendizagem26. Uma investigação com 3706 estudantes universitários do Reino Unido e 3271 do Egito verificou que, em decorrência da vida universitária, as queixas mais frequentes dos estudantes, em ambos os países, foram: fadiga, nervosismo, dificuldade de concentração e dores de cabeça27. Em outro estudo com 749 estudantes universitários noruegueses, 17% (127) relataram sintomas graves de sofrimento psíquico, e verificando-se quatro vezes mais chances de baixa autoeficácia e duas vezes mais chances de relatarem atraso no progresso estudantil28.

O apoio nas suas diversas modalidades torna-se substancial, pois os estudantes estarão melhores emocionalmente e mais adaptados para encarar os desafios da vida acadêmica. Em diversas circunstâncias, os colegas são o apoio e fazem o papel da família, já que muitos estudantes precisam se estabelecer distantes dos familiares. Os colegas têm uma função de suporte, mesmo quando há um ambiente de competição e desunião29. Assim, é necessário identificar-se problemas de saúde mental, por parte de um sistema de atendimento aos estudantes30.

O contexto da vida acadêmica, bem como seus aspectos relacionais possuem associação direta com o sofrimento psíquico dos estudantes; e tais elementos podem ser modificados, sendo crucial ações intervencionais que visem a melhoria das condições de vida na universidade e bem-estar de seus estudantes31.

CONCLUSÃO

A desmotivação circunda a vida de muitos estudantes universitários e está relacionada a aspectos intrínsecos e extrínsecos, de modo que mais estudos que investiguem a desmotivação no ambiente acadêmico são necessários.

A universidade deve ser um espaço formador de melhores pessoas e profissionais, além de incitar a motivação e o conhecimento. Portanto, reconhecer as fragilidades passíveis de intervenção pode modificar o panorama atual de estudantes desmotivados.

As instituições de ensino precisam de um olhar atento e acolhedor para com seus estudantes através de estratégias para promover saúde e prevenir agravos, além de considerar o indivíduo como um ser biopsicossocial e espiritual, possibilitando, assim, melhorias no processo ensino-aprendizagem e a motivação.

Como limitações deste estudo, tem-se a não inclusão de todos os cursos e a possibilidade de que contextos de instituições particulares possam ter dinâmicas diferentes, aqui não investigado. Por outro lado, esta pesquisa traz uma leitura de alunos de uma instituição pública que pode refletir uma realidade de várias outras instituições, mediada aqui pela busca de compreender com profundidade o fenômeno e não quantifica-lo. Um formato de contribuição na compreensão da desmotivação acadêmica.

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Notas de autor

1 Graduanda em Enfermagem pela Universidade Federal Triângulo Mineiro (UFTM)
2 Enfermeira. Mestre em Atenção à Saúde. Doutoranda em Atenção à Saúde pela UFTM
3 Graduanda em Educação Física pela Universidade de Uberaba (UNIUBE)
4 Enfermeira. Especialista em Terapia Comunitária. Mestre e Doutora em Enfermagem Psiquiátrica. Professora Associada do curso de graduação em Enfermagem da UFTM
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