Artigos Originais

Recepción: 03 Diciembre 2020
Aprobación: 01 Junio 2021
Resumo: Este é um estudo descritivo, retrospectivo, transversal e quantitativo, realizado em 2019 através da análise dos prontuários das pessoas privadas de liberdade no município de Caçador–SC, com objetivo de analisar as condições de saúde da população carcerária. Coletaram-se dados sociodemográficos, histórico de hábitos e vícios, doenças, uso de medicamentos, realização de teste rápido e consultas médicas. A análise se deu por estatística descritiva e ocorreu através do teste de Qui-quadrado. Considerou-se prontuários de 266 detentos (com superlotação), sendo: maioria do sexo masculino (96,24%); 20 a 39 anos (72,26%); pardos (48,04%) e brancos (44,53%); desempregados (45,7%); solteiros (61,57%), baixa escolaridade (52,94% até fundamental); uso de benzodiazepínicos (28,38%), uso de antidepressivos (18,02%) e de antipsicóticos (14,44%); consumo de tabaco (58,2%), seguido da maconha (44,53%); 95,31% dos homens e todas mulheres realizaram testes rápidos para hepatite B, sífilis e HIV no momento da admissão, e em dias subsequentes à entrada, tanto homens quanto mulheres, duas consultas médicas. O consumo de álcool, maconha e crack mostrou correlação com depressão. O contexto apresentado, mostra a necessidade de investimentos em políticas públicas para melhoria na prevenção de doenças e promoção da saúde de pessoas com privação de liberdade.
Palavras-chave: Prisioneiros, Perfil de saúde, Promoção da saúde, Controle de doenças transmissíveis.
Abstract: This is a descriptive, retrospective, cross-sectional and quantitative study, carried out in 2019 through the analysis of the medical records of incarcerated people in the city of Caçador, in the state of Santa Catarina, Brazil. It aimed to analyze health conditions of inmates. Sociodemographic data, history of habits and addictions, diseases, use of medications, rapid diagnostic test and medical consultations were collected. The analysis was performed using descriptive statistics and using the chi-square test. The records of 266 inmates (overcrowded) were considered, being: the majority were male (96.24%); 20 to 39 years (72.26%); brown (48.04%) and white (44.53%); unemployed (45.7%); single (61.57%), with low educational level (52.94% had up to elementary education); use of benzodiazepines (28.38%), use of antidepressants (18.02%) and antipsychotics (14.44%); tobacco use (58.2%), followed by marijuana (44.53%); 95.31% of men and all women underwent rapid diagnostic tests for hepatitis B, syphilis and HIV at time of admission, and on days following entry, both men and women had two medical appointments. Alcohol, marijuana and crack use presented correlation with depression. The context presented shows the need for investments in public policies to improve disease prevention and health promotion for people with deprivation of liberty.
Keywords: Prisoners, Health profile, Health promotion, Communicable disease control.
Resumen: Este es un estudio descriptivo, retrospectivo, transversal y cuantitativo, realizado en 2019 mediante el análisis de las historias clínicas de las personas privadas de libertad en el municipio de Caçador-SC, Brasil, con el objetivo de analizar las condiciones de salud de la población penitenciaria. Se recogieron datos sociodemográficos, antecedentes de hábitos y adicciones, enfermedades, uso de medicamentos, pruebas rápidas y consultas médicas. El análisis se realizó mediante estadística descriptiva y se produjo a través de la prueba de Chi-cuadrado. Se consideraron las historias clínicas de 266 presos (con hacinamiento), siendo mayoría de sexo masculino (96,24%); de 20 a 39 años (72,26%); pardos (48,04%) y blancos (44,53%); desempleados (45,7%); solteros (61,57%), bajo nivel de estudios (52,94% hasta primaria); uso de benzodiacepinas (28,38%), uso de antidepresivos (18,02%) y antipsicóticos (14,44%); el consumo de tabaco (58,2%), seguido de la marihuana (44,53%); el 95,31% de los hombres y todas las mujeres se sometieron a pruebas rápidas de hepatitis B, sífilis y VIH en el momento del ingreso, y en los días posteriores al ingreso, tanto los hombres como las mujeres tuvieron dos consultas médicas. El consumo de alcohol, marihuana y crack mostró correlación con la depresión. El contexto presentado muestra la necesidad de invertir en políticas públicas para mejorar la prevención de enfermedades y la promoción de la salud de las personas privadas de libertad.
Palabras clave: Prisioneros, Perfil de salud, Promoción de la salud, Control de enfermedades transmisibles.
INTRODUÇÃO
A população carcerária cresce desordenadamente a cada ano, ocasionando grandes aglomerações de pessoas em prisões. Dessa forma, o modelo prisional, no Brasil, gera inúmeros obstáculos aos governos para manter indivíduos privados de liberdade em celas, que são precárias e superlotadas, além da existência de outros fatores ligados à estrutura das prisões. Esse fato, na maioria das penitenciárias, pode ser favorável à propagação de doenças favorecendo a instalação de epidemias e à contaminação01.
O atendimento a pessoas reclusas em unidades prisionais está previsto desde o ano de 1984, mas somente no ano de 2003 uma portaria ministerial organizou as ações e os serviços de saúde no sistema penitenciário com base em princípios e em diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS)01. Isso pois, as pessoas privadas de liberdade tem direitos aos cuidados de saúde02. Muito se discutiu pelos poderes públicos sobre a maneira organizativa dos sistemas de saúde e do processo de regionalização da atenção em saúde nas penitenciárias para que se pudessem oferecer serviços de saúde à população carcerária baseados na universalidade, equidade, integralidade e resolutividade da assistência na carência do atendimento à saúde03.
O sistema prisional deve ter uma infraestrutura adequada para oferecer os direitos como: saúde, educação, trabalho e outras necessidades04. No Brasil, estudos mostram que as prisões são marcadas por diversas condições adversas como espaço físico inadequado, ócio, falta de profissionais dedicados à saúde, ao serviço social e à educação para atuarem nos ambientes insalubres, nas quais se potencializam iniquidades e enfermidades4-6.
A precariedade do sistema prisional brasileiro favorece a proliferação de endemias nas prisões, sendo as principais doenças que culminam entre os presos as desordens relacionadas às drogas, como as mentais, ocorridas devido ao tempo de abstinência, as infecções sexualmente transmissíveis (IST) como vírus da imunodeficiência adquirida (HIV), hepatites B e C, herpes e sífilis6-8. A tuberculose é outra condição de saúde incidente nas prisões brasileiras devido, à superlotação09.
Também, há precariedade na identificação das doenças transmissíveis no momento de admissão, pela falta de profissionais da saúde capacitados no ambiente prisional, causando, assim, deficiência na promoção da saúde e na prevenção de doenças05.
Apesar de estudos nacionais10-12 e internacionais13-17 destacarem a preocupação com as condições de saúde da população carcerária, visto que estes ambientes são potencialmente favoráveis a disseminação de algumas doenças em especial as IST, ainda são escassas as pesquisas que demonstram quais são as reais condições de saúde desta população no momento de sua admissão. Ainda, os estudos existentes, em geral são realizados em grandes presídios situados em metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo7,9-10,18.
No caso de Santa Catarina, verifica-se contradição com a Lei de Execução Penal, a qual garante a saúde das pessoas privadas de liberdade, no entanto, muitos presos podem entrar infectados por diversas doenças e disseminarem doenças a outros detentos, além de que, quando absolvidos, há grande probabilidade de passarem esses agravos a seus familiares. Assim, este estudo tem como objetivo analisar as condições de saúde da população carcerária.
MÉTODO
Este é um estudo descritivo, com um delineamento retrospectivo transversal e abordagem quantitativa, através da análise dos prontuários das pessoas privadas de liberdade no município de Caçador–SC.
A cidade de Caçador localiza-se a 412,2 km da capital Florianópolis e apresenta uma população de 79.313 mil habitantes, segundo estimativa de 202019. A cidade desempenha papel de centro regional por agregar os municípios da região do Contestado. O presídio de Caçador agrega diversos municípios de Santa Catarina: Fraiburgo, Videira, Joaçaba, Água Doce, Rio das Antas, Santa Cecília, Lebon Régis, Timbó Grande e outros municípios em seu entorno que tenham uma parceria.
A população de estudo foi composta indivíduos privados de liberdade, que foram admitidos no período de janeiro a dezembro de 2019, e que ainda se encontravam detidos no momento da coleta de dados, que ocorreu de janeiro a dezembro de 2019.
A busca ocorreu por meio do sistema da instituição, o qual liberou os prontuários das pessoas privadas de liberdade dessa penitenciária para que pudessem ser analisados de acordo com as variáveis definidas e selecionadas.
As variáveis contempladas foram: a) Dados sociodemográficos: idade, sexo, cor da pele, situação conjugal, escolaridade, cidade de origem e profissão; b) Histórico de hábitos e vícios - uso de drogas lícitas e ilícitas; c) Histórico de doenças crônicas não transmissíveis e de doenças infectocontagiosas - diabetes, hipertensão, depressão, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids/HIV), hepatite B, sífilis, e outras; d) Uso de medicamentos com acompanhamento médico de saúde; e) Histórico de realização de teste rápido - HIV, hepatite B e sífilis. Todas as informações obtidas com a coleta de dados foram repassadas ao banco de dados do programa Microsoft Excel 2010.
A partir do banco de dados, analisaram-se as informações por meio de técnicas de estatística descritiva. Confeccionaram-se as tabelas, utilizando a síntese das informações obtidas, em número absoluto e percentagem. Para verificar a associação entre as doenças que constavam nos prontuários médicos (Hipertensão, Diabetes e Depressão) com a utilização de drogas (Álcool, Tabaco, Maconha, Crack e Cocaína), utilizou-se o teste de Qui-Quadrado. Considerou-se intervalo de confiança de 95%, com significância de p<0,05, utilizando-se o software IBM SPSS Statistics 22.0.
Esta pesquisa foi desenvolvida de acordo com a Resolução CNS 466/2012 do Ministério da Saúde e submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa - CEP da Universidade Alto Vale do Rio do Peixe - UNIARP, aprovada mediante parecer de número 3.619.569. Antes do início da pesquisa, enviou-se uma cópia do projeto juntamente com uma solicitação por escrito ao presídio do município de Caçador para autorização do desenvolvimento do estudo na instituição. Mediante aprovação, iniciou-se a coleta dos dados nos prontuários, caracterizando-se uso de dados secundários, sem acesso aos detentos.
RESULTADOS
O presídio de Caçador – SC possui vaga para 96 pessoas (20 na ala feminina e 76 na masculina), no entanto essa unidade prisional está operando com cerca de 200% acima da capacidade. No momento da coleta de dados, encontraram-se 266 pessoas; desses 256 homens e 10 mulheres (Tabela 1).
O perfil dos homens mostrou que a maioria tinha idade entre 20 a 39 anos, de cor branca ou parda, solteiros, com ensino fundamental completo e desempregados. O perfil das mulheres evidenciou que a maioria tinha idade entre 20 a 39 anos, cor branca ou parda, casadas, com ensino médio incompleto e desempregadas (Tabela 1).
Aproximadamente, 55% residiam no município de Caçador e 7,03% na cidade de Lebon Régis; e, os demais eram de diversas cidades do estado de Santa Catarina, incluindo um menor número de presos do Estado do Paraná (12 pessoas), Rio Grande do Sul (3 pessoas) e Pará (2 pessoas).
Quanto a realização de testes rápidos e de consultas médicas por esta população verificou-se que 95,31% dos homens e todas mulheres realizaram os testes rápidos para hepatite B, sífilis e HIV no momento da admissão, em dias subsequentes à entrada, tanto homens quanto mulheres, realizaram, aproximadamente, duas consultas.

As doenças mentais foram as que aparecem com maior frequência, destacando-se a depressão em 19,53% nos homens e em 30% das mulheres, seguida das psicoses em homens e dos distúrbios do sono tanto em homens quanto em mulheres. Uma parcela da população masculina apresentava a sífilis (Tabela 2).
Quanto ao consumo medicamentoso, a classe mais usada foi a dos benzodiazepínicos em 50% das mulheres e 28,38% dos homens, seguida dos antidepressivos (Tabela 3).
No consumo de drogas, destacou-se o tabaco tanto por homens (58,20%) quanto por mulheres (90%); seguida de maconha (Tabela 4).
Os dados apresentados na tabela 5 mostram que o consumo de drogas como álcool, maconha e crack predispunham o desenvolvimento de depressão, evidenciado pelo valor de p ≤ 0,05. O desenvolvimento de hipertensão e diabetes não mostrou correlação com o consumo de drogas sejam lícitas ou ilícitas (dados não apresentados).




DISCUSSÃO
O presídio de Caçador – SC vem operando com superlotação há algum tempo. Dado a isto, em 2018 ocorreu interdição do Ministério da Justiça, estipulando-se que o limite de presos deveria ser de 240 pessoas. No entanto, no momento da coleta de dados, encontraram-se 266 pessoas, isto é, 26 pessoas além do estipulado. Tais dados mostram a continuidade de uma superlotação mesmo após intervenção. A superlotação é um fator comum aos presídios brasileiros o que favorece o desenvolvimento e proliferação de várias patologias, em especial as doenças transmissíveis.
As pessoas privadas de liberdade no presidio de Caçador – SC, no momento da pesquisa são jovens, do sexo masculino, solteiros e com baixo nível de escolaridade, perfil este encontrado por outros trabalhos5-6,10,18. Estes relatam uma população com idade entre 29 a 49 anos, de cor branca ou parda e com baixo nível de escolaridade, além de estarem desempregados no momento da prisão5-6,10,18. Dados apresentados pelo Ministério da Justiça20 também mostram que mais da metade dessa população é de jovens de 18 a 29 anos.
No estado de Santa Catarina, segundo dados fornecidos pelo Ministério da Justiça20, 62,04% das pessoas privadas de liberdade são brancas e 36,76% negras. Em Caçador, existe uma peculiaridade da região sul do estado de Santa Catarina, onde o perfil da população privada de liberdade é, na sua grande maioria, da cor branca seguida da cor parda.
As prisões em países de baixa renda frequentemente não têm a infraestrutura de laboratório necessária para processar testes sorológicos convencionais em detentos, pois os laboratórios são externos, sendo necessário financiamento, transporte de amostras e o acompanhamento dos resultados, que pode envolver uma logística complicada, dificultando a realização rotineira de triagem para IST4,13.
A realização dos testes rápidos é utilizada no mundo todo e mostra vantagens significativas se comparada ao método laboratorial, sendo introduzida no sistema prisional pela Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade04. Considera-se como um método simples e não requer profissionais especializados, o que permite o conhecimento dos resultados e o atendimento imediato04.
Segundo o DEPEN21, os testes rápidos no sistema prisional visam prevenir a disseminação de doenças infectocontagiosas como a detecção de HIV, sífilis e hepatites B e C. Muitas são as vantagens da aplicação dos testes rápidos no sistema prisional, como a realização de diagnósticos precoces para o controle interno e a prevenção das doenças infectocontagiosas entre as pessoas privadas de liberdade, e pode servir como um apoio à equipe de saúde mental para auxiliar na terapia desse grupo16.
Os testes rápidos são obrigatórios na penitenciária de Caçador, oferecidos quando as pessoas entram para a instituição prisional e na realização de consulta de rotina. Essa prática é inserida pelo estado de Santa Catarina baseada na Política Nacional de Atenção Integral às pessoas privadas de liberdade para incentivar o cuidado de saúde para todos os indivíduos com doenças infectocontagiosas e, ainda, para detectar novos casos de doenças naqueles que estão adentrando ao sistema prisional03.
A implementação dos testes rápidos no contexto das penitenciárias brasileiras para a realização de diagnóstico de IST, HIV e Hepatites Virais representa um avanço na área da atenção prisional, melhorando o monitoramento das doenças infectocontagiosas e o perfil epidemiológico22.
Uma das grandes preocupações da aplicação dos testes rápidos nas penitenciárias de todo o Brasil é a garantia do sigilo e da confidencialidade. Para tanto, é importante que se assegure a todas as pessoas privadas de liberdade a testagem sempre associada ao aconselhamento03. As prisões são ambientes chave para o controle de IST, não apenas para a prevenção de complicações graves em pacientes já infectados, mas também para a prevenção da transmissão na comunidade12-15.
Quando se oferta o teste rápido de exames como o HIV, ou demais testes rápidos, é importante que todos os profissionais de saúde no sistema prisional lembrem-se do aconselhamento pré e pós-teste, atentando ao sigilo e a associações, muitas vezes, de práticas sexuais, situações de violência, uso de drogas injetáveis que possam favorecer exposição de risco a IST/HIV/Aids.
Pessoas positivadas para o HIV terão o direito à assistência ambulatorial especializada, dentro ou fora do sistema prisional23. Assim, o uso de testes rápidos para detecção de IST deve ser implementado no sistema prisional através de procedimento padrão para se obter desempenho diagnóstico ideal, e por profissional da saúde treinado e habilitado, evitando-se falsos positivos ou negativos.
Quanto à prevalência de hepatite C na população carcerária do Brasil, estudos realizados nas prisões brasileiras mostram que, em São Paulo, ocorre uma alta incidência, enquanto no sistema prisional de Florianópolis – SC se alcança 5%8,23.
Quando se avaliou as morbidades de saúde no sistema prisional brasileiro entre os anos de 2007 e 2014, o número de casos de AIDS e hepatites virais diminuíram, enquanto, os casos de sífilis aumentaram mais de 200%11. Esses dados reforçam a importância da realização dos testes rápidos na população carcerária como forma de prevenção na disseminação das infecções sexualmente transmissíveis.
Muitas foram as patologias encontradas nos prontuários da população carcerária de Caçador-SC, algumas prévias como: diabetes, hipertensão e hipercolesterolemia, embora haja casos em que o ambiente prisional desencadeia ou descompensa uma patologia, além do que, a precariedade da unidade prisional pode colaborar com o aumento de patologias entre as pessoas privadas de liberdade. Em pesquisas14,16-17verifica-se que as penitenciárias podem oferecer riscos de propagação de doenças, mas também prevenção para infecções. Nesse sentido, é preciso tratar de questões importantes quanto à organização dos serviços de saúde nas penitenciárias para ampliar-se para toda a população carcerária, estejam doentes ou não, visando a prevenção e promoção da saúde.
Os dados apresentados neste trabalho corroboram com outros estudos que avaliaram a saúde mental da população carcerária brasileira, os quais mostram uma prevalência preocupante de depressão e de psicoses nessa população6-7,18. A depressão entre homens se mostrou associada à falta de disciplina no presídio, o que favorece o aumento de conflitos interpessoais e atividades de risco, enquanto as mulheres manifestam através de alterações psicológicas e cognitivas, apresentando uma postura negativa sobre as situações e o futuro18.
Estudos revelam que a prevalência de transtornos psiquiátricos em prisioneiros aumentou em comparação com a população em geral. Os resultados de uma revisão sistemática e meta-análise de estudos feitos em prisões no período de 1966-2010 em 33.588 prisioneiros mostra aumento de psicoses e depressão grave em comparação com a população em geral24. No sexo masculino os distúrbios psicóticos foram observados em 3,6% dos presos e no sexo feminino 3,9%, sendo a depressão grave encontrada em 10,2% das mulheres e 14,1% dos homens. Entre os transtornos psicóticos, a maioria eram casos de esquizofrenia subsequente ao uso de drogas ilícitas.
O consumo de drogas como álcool, maconha e crack predispõe o desenvolvimento de depressão25. Em Santa Catarina e, mais especificamente o presídio de Caçador, percebe-se que, frente aos transtornos mentais, há dificuldades no tratamento adequado, visto que os agentes prisionais não estão capacitados para identificar e agir frente a um transtorno mental individual, fato esse que pode prejudicar ainda mais a pessoa privada de liberdade acometida, prejudicando também o ambiente prisional.
Os resultados mostraram alto consumo de medicamentos psicotrópicos. Houve aumento do consumo de medicamentos psicotrópicos na população de adolescentes, de 18 anos e em adultos jovens que possuem entre 18 a 40 anos, contexto que pode estar relacionado a uma série de fatores, entre eles: os aspectos sociodemográficos, tais como idade, sexo, fatores psicossociais, além da influência de amigos e a família26. Também, o consumo de medicamentos psicotrópicos pela população carcerária de Caçador pode estar associado ao consumo de drogas ilícitas como maconha, haja vista que, aproximadamente, 45% dos homens e 90% das mulheres relatam consumi-la. Como não é permitido o consumo de drogas ilícitas, estes podem ter buscado substituir esse uso pelo de drogas lícitas.
O abuso de drogas é uma realidade no sistema prisional, podendo estar associado à criminalidade. As pessoas privadas de liberdade raramente recebem atenção necessária para ajudá-las a superar esse problema. Os transtornos psíquicos são comuns nas prisões, havendo grande dificuldade no manejo dos casos mais severos27.
O consumo de drogas por grande maioria das pessoas privadas de liberdade demonstra problemas sociais e de saúde pública na população do sistema penal brasileiro. Muitos dos que aludiram à utilização de algum tipo de drogas poderão apresentar e/ou desenvolver algum transtorno mental durante a sua detenção27.
Estudos mostram que 20,3% dos dependentes de álcool apresentam diagnóstico de depressão ou de ansiedade, e cerca de 10% de dependentes de cocaína/crack tiveram sintomas depressivos graves28.
O consumo de álcool e de cocaína agrava a depressão, aumenta o risco de comorbidades, o risco de suicídio e interfere na eficácia de tratamentos para a depressão14,29-30. Por outro lado, a dependência química é um dos fatores de risco para depressão, especialmente no sexo feminino, idade acima de 60 anos, baixa renda e escolaridade, desemprego e pouco contato familiar30.
Embora normalmente espere-se que presídios de pequeno porte não apresentem problemas comuns aos de grande porte como a precariedade nas condições de saúde, esta pesquisa mostrou que os problemas apresentados pela população privada de liberdade no presídio de Caçador-SC, assemelham-se ao de outras instituições carcerárias brasileiras, fato que merece atenção e investimento em programas de políticas públicas para melhoria na prevenção de doenças e promoção da saúde desta população.
CONCLUSÃO
O presente estudo mostrou que no presídio de Caçador-SC metade dos carcerários são do próprio município, adultos jovens, sexo masculino, baixa escolaridade, desempregados e solteiros, quase todos realizam testes no momento da admissão ou no máximo em duas semanas após a entrada no presídio.
A depressão apresentou-se como principal doença, com associação ao consumo de drogas como o tabaco, maconha e crack. Também observou-se alto consumo de medicamentos psicotrópicos em especial os benzodiazepínicos e antidepressivos, o qual pode estar associado ao consumo de drogas ilícitas que são de difícil acesso no presídio, ou mesmo pelo alto número de indivíduos com depressão e distúrbios do sono.
Apesar dos avanços na garantia da integridade física das pessoas privadas de liberdade, pode-se perceber que muito ainda precisa ser realizado para mudar a atual situação de saúde nos sistemas penitenciários. Urge o aumento de ações integradas nas unidades do sistema penitenciário brasileiro e no estado de Santa Catarina, visando à melhoria contínua de serviços de saúde. Para que essas ações ocorram, faz-se necessário iniciar uma discussão ampla de diversos setores e órgãos estaduais e federais que busquem reconhecer o problema e desenvolver ações eficazes para inserir novos serviços de saúde em todo esse sistema penitenciário, propiciando uma saúde de qualidade e melhores condições de vida às pessoas privadas de liberdade.
Esta pesquisa se mostra importante para o contexto social, pois, mostra a necessidade de readequação do número de pessoas privadas de liberdade nesse presídio. Isso solucionaria vários outros problemas, como a transmissão de doenças, higiene e qualidade da assistência em saúde, trazendo a dignidade para essa população. Assim, novos estudos se fazem necessários na busca pela compreensão de como é possível solucionar tamanhas questões de saúde dessa população nos sistemas penitenciários.
Como limitações, destaca-se a pesquisa num único presídio do Estado de Santa Catarina, o que permitiu a análise de um pequeno grupo de presidiários e não do conjunto estadual, acrescentando-se a isto a incompletude de dados e, a não realização dos testes rápidos no momento de admissão. Por sua vez, o estudo possibilita a avaliação e a possível organização de ações de saúde neste presídio.
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