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Projeção territorial e pontos de interesse em destinos turísticos da região Sul (Brasil): Análise a partir do Mapa do Turismo 2019-2021

Proyección territorial y puntos de interés en destinos turísticos de la región Sur (Brasil): Análisis a partir del Mapa del Turismo 2019-2021

Territorial projection and points of interest in tourist destinations in the South region (Brazil): Analysis from the Tourism Map 2019-2021

Marcelo Chemin
Universidade Federal do Paraná, Brasil
Marcos Luiz Filippim
Universidade Federal do Paraná, Brasil
Cinthia Maria de Sena Abrahão
Universidade Federal do Paraná, Brasil

Projeção territorial e pontos de interesse em destinos turísticos da região Sul (Brasil): Análise a partir do Mapa do Turismo 2019-2021

Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, vol. 15, núm. 3, e-2156, 2021

Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Turismo

Recepção: 30 Julho 2020

Aprovação: 16 Outubro 2020

Resumo: O objetivo a que se propõe este artigo é apresentar os municípios da região Sul que se destacam em termos de expressividade turística, bem como analisar aspectos da configuração do acervo de Pontos de Interesse (P.I.s). Tomou-se como ponto de partida, os dados consolidados no Mapa do turismo 2019-2021. Trata-se de um estudo exploratório de abordagem quali-quantitativa e delineamento documental. A interseção dos indicadores: i) estabelecimentos e ii) visitas nacionais do referido mapa resultou em 38 municípios, correspondente a 3,2% da região, que representam 71,34% da visitação doméstica, mais de 54% dos estabelecimentos de hospedagem e cerca de 46% das ACTS. A expressividade do conjunto extrapola a dimensão do turismo, é pluritemática, como demonstrou análise da REGIC (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2016, 2020). Foram levantados 872 P.I.s. O acervo revelou distribuição e configuração irregular e desigual. Destinos enquadrados no sistema costeiro-marinho e próximos da costa se destacam no conjunto. Os costeiros na categoria Natural, enquanto os não costeiros na Cultura e Serviços e Equipamentos de Lazer. Entende-se que estes resultados podem subsidiar o planejamento e a gestão da região e dos destinos.

Palavras-chave: Tourism, Territory, Tourist destination, User-generated content, Southern Brazil.

Resumen: El objetivo a que se propone este artículo es presentar los municipios de la región Sur que se destacan en términos de expresividad turística, además analizar aspectos de la configuración del acervo de Puntos de Interés (P.I.s). Se ha tomado como punto de partida los datos consolidados en el Mapa del turismo 2019-2021. Es estudio exploratorio de abordaje cuali-cuantitativo y delineamiento documental. La intersección de los indicadores: i) establecimientos y ii) visitas nacionales del referido mapa resultó en 38 municipios, o sea, 3,2% de la región, que representan 71,34% de la visitación doméstica, más de 54% de los establecimientos de hospedaje y aproximadamente 46% de las ACTS. Tal expresividad extrapola la dimensión del turismo, es pluritemática, como demostró el análisis de la REGIC (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2016, 2020). Fueron levantados 872 P.I.s. El acervo evidenció distribución y configuración irregular y desigual. Destinos encuadrados en el sistema costero marino y próximos de la costa se destacan. Los costeros en la categoría Natural, mientras los no costeros en la Cultura y Servicios y Equipos de ocio. Esos resultados pueden subsidiar el planeamiento y la gestión de la región y de los destinos.

Palabras clave: Turismo, Territorio, Destino turístico, Contenido generado por el usuario, Sur de Brasil.

Abstract: The objective of this article is to present the municipalities of the South region that stand out in terms of tourist expressiveness, as well as to analyze aspects of the configuration of the collection of Points of Interest (P.I.s). The starting point was the data consolidated in the Tourism Map 2019-2021. It is an exploratory study of qualitative and quantitative approach and document design. The intersection of the indicators: i) establishments and ii) national visits of the mentioned map resulted in 38 municipalities, corresponding to 3.2% of the region, which represent 71.34% of domestic visits, more than 54% of lodging establishments and about 46% of the activities related to tourism. The expressiveness of the set goes beyond the dimension of tourism, it is pluritematic, as demonstrated by analysis of REGIC (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2016, 2020). A result of 872 P.I.s was raised. The collection revealed irregular and unequal distribution and configuration. Destinations within the coastal marine system and close to the coast stand out as a whole. The coastal ones in the Natural category, while the noncoastal ones in Culture and Leisure Services and Equipment. It is understood that these results can subsidize the planning and management of the region and destinations.

Keywords: Turismo, Território, Destino turístico, Conteúdo gerado pelo usuário, Sul do Brasil.

1 INTRODUÇÃO

O artigo apresenta uma investigação realizada no âmbito de um grupo de pesquisa dedicado ao estudo das relações entre turismo, território e desenvolvimento. A região Sul do Brasil foi definida como área de estudo pois é área de atuação prioritária e de maior familiaridade acadêmica da equipe e a posição geográfica é estratégica no âmbito do Mercosul, em razão da proximidade e relação de fronteira com os Estados-Parte do Bloco: Argentina, Paraguai, Uruguai. Uma interseção das variáveis Estabelecimentos de Hospedagem e Quantidade Estimada de Visitantes Domésticos, da base de dados do Mapa do Turismo 2019-2021 (MINTUR), motivada pela teorização sobre o espaço turístico de Lozato-Giotard (1990), constituiu o início da trajetória da pesquisa.

O Mapa do Turismo 2019-2021 (MINTUR) é instrumento do Programa de Regionalização do Turismo que possibilita uma leitura da distribuição espacial do turismo no Brasil. O arranjo orienta prioridades, distribuição de recursos, especificidades no desenvolvimento de políticas públicas. São cinco as variáveis cartografadas: Quantidade de Estabelecimentos de Hospedagem; Quantidade de Empregos em Estabelecimentos de Hospedagem; Quantidade Estimada de Visitantes Domésticos; Quantidade Estimada de Visitantes Internacionais; Arrecadação de Impostos Federais a partir dos Meios de Hospedagem. Entre as cinco macrorregiões brasileiras, o Sul possui desempenho intermediário em quatro das cinco variáveis mencionadas. Em Visitas Internacionais, posiciona-se atrás apenas do Sudeste.

A base de dados do Mapa possibilita observar o desempenho do turismo em diferentes dimensões: municipal, regiões turísticas, estadual e macrorregional. Esta pesquisa abordou o nível macrorregional e municipal. A divisão político-administrativa do Sul abrange 3 estados e 1.191 municípios, assim distribuídos: Paraná (399), Santa Catarina (295) e Rio Grande do Sul (497). No Mapa do Turismo 2019-2021 (MINTUR) constam 739 municípios, assim categorizados: A = 10; B = 54; C = 94; D = 436; E = 145. As cinco categorias (A, B, C, D, E) resultam de uma análise de cluster 1 .

Compreende-se que a base de dados do Mapa do Turismo resguarda um importante retrato territorial do turismo brasileiro e sua constituição histórica, uma vez que a categoria dos municípios presentes no Mapa espelha materialidade e lastro 2 . As hierarquias alcançadas representam diferentes processos e níveis de intensidade do turismo ocorridos ao longo do tempo. Em que pese tal compreensão, a investigação interpretou essa mesma base sob a lente da teoria de Lozato-Giotard (1990), iniciativa que demarcou um panorama alternativo da condição de liderança e influência socioeconômica e turística que um reduzido grupo de municípios (3,2% do total) exerce na macrorregião.

Em análise territorial complementar, dedicada a este grupo de municípios, procurou-se conhecer o acervo e configuração de Pontos de Interesse (P.I.s). Segundo Padrón-Ávila e Hernández-Martín (2017) os P.I.s correspondem a locais específicos de um destino turístico para os quais se dirigem visitantes interessados em usufruir os recursos que o integram e possibilitam suporte às suas práticas. Podem coincidir com atrativos e recursos, desde que se atendam a característica de tratar-se de local físico acessível à visitação. Uma das maneiras de identificar e conhecer P.I.s é mediante investigação de mídias sociais, plataformas e portais web, a partir de informações registradas pelos próprios usuários, ao que se denomina Conteúdo Gerado pelo Usuário (CGU) (Corrêa & Hansen, 2014; Souza & Machado, 2017; Silva et al., 2017; Mayer et al., 2017; Boaria & Frantz dos Santos, 2018).

Por esse caminho, o conhecimento espacial de destinos turísticos, habitualmente presente em processos de planejamento e gestão, passa pela identificação de informações relevantes do mundo on line, informações produzidas diretamente por usuários, utilizadas como referência no planejamento de viagens, programação de mobilidades, rotinas de fruição e consumo, dessa forma, com interferência direta na imagem e nas dinâmicas efetivas do destino.

O percurso metodológico delineado para investigação do acervo e configuração de P.I.s é flexível na execução e pode ser realizado com a articulação de um conjunto de estratégias cuja operação é de reduzida complexidade técnica, o manejo é possível com recursos tecnológicos simples, acessíveis e majoritariamente franqueados aos usuários. Por isso, guarda potencial de uso e replicação por atores públicos e privados, em diferentes escalas e recortes, com vistas a reforçar o encadeamento entre conhecimento territorial e ações de planejamento e gestão de destinos (Lozato-Giotard, 1990; Pearce, 2003Longley et al., 2013; Ferreira, 2016; Fonseca, 2016).  

Nesse contexto, o problema de pesquisa que se enfrentou aqui ficou assim construído: de que forma a espacialização turística delineável a partir de indicadores do Mapa do Turismo 2019-2021, repositórios e bases de dados, aliada ao levantamento e descrição de Pontos de Interesse (P.I.s) pode ser operacionalizada para expressar a relevância e magnitude do turismo em municípios da Região Sul do Brasil, de forma a subsidiar processos de gestão desses destinos?

Diante desse problema, o objetivo do trabalho consiste em identificar, a partir dos indicadores do Mapa do Turismo 2019-2021, municípios do Sul que apresentam maior expressividade territorial no turismo, e nestes destinos, levantar e analisar aspectos da configuração do acervo de Pontos de Interesse (P.I.s). Intenta-se, desta forma, aportar elementos capazes de contribuir para a compreensão do contexto espacial da região Sul e fornecer subsídios para a gestão dos destinos (Barrado Timón, 2004; Valls, 2006; Mazaro, 2010, Longjit & Pearce, 2013; Flores & Mendes, 2014; Pearce, 2016; Coutinho & Nóbrega, 2019).

Na próxima seção serão detalhadas as estratégias metodológicas adotadas para a consecução dos objetivos, seguidas da apresentação e discussão dos resultados, que sinalizam grande relevância da atividade turística nos municípios que compõem o conjunto derivado da interseção das variáveis selecionadas, na região contemplada. Ao final, são apresentadas considerações dos autores e apostas as referências nas quais se assentou a análise.

2 METODOLOGIA E ANCORAGEM TEÓRICA

Este trabalho comunica resultados de um estudo exploratório de abordagem quali-quantitativa e delineamento documental. Para Severino (2016), a pesquisa exploratória propõe-se a levantar dados e informações acerca de um objeto de estudo, de forma a delimitar um campo de trabalho e aproximar o pesquisador das características da manifestação desse objeto. Veal (2011) assinala que a composição das abordagens tem sido amplamente aceita na atualidade, no âmbito das pesquisas da área do lazer e turismo, vez que são entendidas como complementares.

Em sentido semelhante, Goldenberg (2004), sustenta que “a integração da pesquisa quantitativa e qualitativa permite que o pesquisador faça um cruzamento de suas conclusões de modo a ter maior confiança que seus dados não são produto de um procedimento específico ou de alguma situação particular” (p. 62). Assim, partilha-se aqui do pressuposto da autora, que considera que os aspectos quantificáveis e a vivência da realidade objetiva são interdependentes.

No que tange ao delineamento, a investigação pautou-se no conceito de Godoy (1995), que define pesquisa documental como: “o exame de materiais de natureza diversa, que ainda não receberam um tratamento analítico, ou que podem ser reexaminados, buscando-se novas e/ou interpretações complementares” (p. 21). As principais fontes de consulta foram bases de dados disponibilizadas no Mapa do Turismo, plataforma mantida pelo Ministério do Turismo; além de relatórios, pesquisas e publicações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, em particular acerca das Atividades Características do Turismo; a ferramenta SIDRA (Sistema IBGE de Recuperação Automática) e a pesquisa Regiões de Influência das Cidades - REGIC, ambas mantidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Não obstante, também foram consultadas publicações complementares.  As estratégias para extração e tratamento dessas fontes documentais serão adiante detalhadas.

Como se mencionou anteriormente a macrorregião Sul foi definida como área de pesquisa e instituiu um primeiro recorte. O segundo recorte foi estabelecido a partir da teorização do espaço turístico de Lozato-Giotard (1990), autor que avalia existir um quadro de espaços turísticos bastante diferenciado, razão pela qual busca demarcação de classificações e tipologias territoriais. Para isso, propõe e articula dois critérios geográficos: presença espacial do turismo (intensidade de fluxos de frequentação, divisão e coexistência com outras formas de ocupação) e formas espaciais (instalações turísticas, bem como impactos no meio). Estes dois critérios de Lozato-Giotard, aplicados à base de dados do Mapa de Turismo, conduzem à observação inicial e mais direta de duas variáveis: i) quantidade estimada de visitas nacionais e ii) número de estabelecimentos de hospedagem.

Isoladas, cada variável da base de dados do Mapa do Turismo proporciona rankings com configurações distintas nas posições dos municípios. Um corte das cinquenta primeiras posições, nas duas variáveis (visitas nacionais e estabelecimentos de hospedagem), explicitou uma interseção (aqui entendida como o conjunto de municípios classificados entre os primeiros cinquenta, em ambas as variáveis) de 38 municípios, definindo-se com esta medida o grupo de municípios-alvo da investigação para os passos seguintes. Na sequência, foi realizada uma busca exploratória: (i) no SIDRA-IBGE sobre dados demográficos (população estimada para o ano de 2019) e econômicos (Produto Interno Bruto por município, contabilizado para o ano de 2017); ii) sobre Atividades Características do Turismo – ACT’s na Base IPEA. Isso permitiu estabelecer um quadro mais ampliado de dados socioeconômicos e de desempenho turístico para este conjunto de 38 municípios.

Nesta fase intermediária, foi possível analisar este grupo de municípios à luz do mapeamento de Regiões de Influências das Cidades, conhecido como REGIC. Para tanto, foram utilizadas duas versões mais atuais publicadas em 2016 e 2018 (IBGE, 2016, 2020). Em ambas, tornou-se possível colocar em prova a relevância territorial demonstrada anteriormente. Além disso, pretendia-se observar o alcance dos 38 municípios destacados e de que forma estão hierarquizados no mapeamento REGIC, bem como o conjunto de outros municípios que se articulam aos identificados, conformando diversas áreas populacionais com explícito papel irradiador no âmbito da região Sul brasileira.

Com um panorama socioeconômico e de desempenho turístico estabelecido, abriu-se a etapa final da investigação, dedicada ao levantamento de Pontos de Interesse (P.I.s) dos 38 municípios. Em termos conceituais, seguindo-se a proposta de Padrón-Ávila & Hernández-Martín (2017), P.I.s correspondem a locais específicos para os quais visitantes costumam esquadrinhar e se dirigir porque apresentam características que lhes interessam para desfrute do que ali está instalado ou o que se pode realizar a partir deles. Junto a recursos e atrativos, algumas vezes imbricados, podem ser considerados componentes comuns em conceitos e modelos de gestão de destinos, pois são elementos fundantes e dinamizadores de espaços e destinos turísticos (Urry, 2001; Valls, 2006; Framke, 2014; Pearce, 2003, 2014, 2016).

Os P.I.s possuem localização, são delimitáveis e acessíveis, o uso não é restrito a moradores e costumam interessar visitantes que os identificam em pesquisas em diferentes fontes de informação (Padrón-Ávila & Hernández-Martín, 2017), destaque mais recente são aplicativos para smartphones e outros dispositivos (apps), websites, redes sociais, recursos com crescente popularização no planejamento de viagens para busca de informação, como também interação e manifestação (p. ex. comentários, fotografias, vídeos, avaliações), caracterizando Conteúdo Gerado pelos Usuários (CGU) (Corrêa & Hansen, 2014; Souza & Machado, 2017; Silva et al., 2017; Mayer et al., 2017; Boaria & Frantz dos Santos, 2018).

Dessa maneira, P.I.s representam a interação espacial efetiva entre pessoas e lugares, com potencial de “criação” a partir de poucos cliques em um dispositivo móvel ou equipamento de informática conectado à web. Uma simples e rápida vinculação de qualquer local ao universo virtual é suficiente para sua exposição e circulação digital como elemento de CGU, o que acarreta a ativação de um processo ilimitado de abastecimento de imagens, avaliações e resenhas, que ora desempenha papel como depósito virtual de informações, ora como vitrine para quem planeja viagens. O conhecimento de P.I.s assume relevância estratégica na compreensão da lógica espacial do turismo, na interpretação enquanto fenômeno com desdobramentos territoriais como em igual importância para processos de gestão de destinos turísticos.

Esta etapa foi então caracterizada pela produção, em software Excel 2016, de uma matriz de dados sobre o acervo de P.I.s dos 38 municípios, coletados com ferramenta de Web Scrapers no portal Google (Figura 1). A opção pelo portal Google como fonte de dados sustenta-se a partir da possibilidade de emular o comportamento de busca mais frequentemente utilizado, posto que se trata de recurso popular de informação digital e, além disso, as informações de interesse da pesquisa resultam, como já comentado, de Conteúdo Gerado pelo Usuário (CGU) (Souza & Machado, 2017). Nesse sentido, a escolha dialoga com pressupostos teóricos da pesquisa e referenciais centrais como Urry (2001), Framke (2014), Lipovetski e Serroy (2015) e Rudzewicz (2018), referenciada em estudos de Stock (2005) e Èquipe MIT (2011).

Processo de extração de dados
Figura 1
Processo de extração de dados
Fonte: Autores.

Nesta proposta de análise territorial do turismo três pontos concorrem em destaque:

A extração de conteúdo, entre 13/05/2020 e 22/05/2020, seguiu procedimento demonstrado por Oliveira e Porto (2016), ocasião em que pesquisaram a Plataforma TripAdvisor. As 38 URLs correspondentes aos links “Planeje sua Viagem” e ou “Pontos de Interesse” dos municípios no portal Google foi manejada na ferramenta Import.io, que identifica, extrai e transforma dados, muitas vezes volumosos e em formato HTML, em dados estruturados. Os seguintes elementos foram arbitrados para extração: ponto de interesse e classificação; nota; número de avaliações. Este último é entendido como um potencial indicativo de frequentação, popularidade e densidade virtual, corresponde tão somente a comunicação complementar da pesquisa (Tabelas 2 e 3).

Tabela 2
Pontos de Interesse distribuídos conforme pertencimento aos sistemas Costeiro-Marinho e Não costeiro (IBGE, 2019), municípios, categorias e número de avaliações
Pontos de Interesse distribuídos conforme pertencimento aos sistemas Costeiro-Marinho e Não costeiro (IBGE, 2019), municípios, categorias e número de avaliações
Nota. Número de avaliações (nº av.). Fonte: Autores
Tabela 3
Pontos de Interesse - conforme pertencimento ao sistema Costeiro-Marinho (IBGE, 2019), categoria, subtipo e número de Avaliações
Pontos de Interesse - conforme pertencimento ao sistema Costeiro-Marinho (IBGE, 2019), categoria, subtipo e número de Avaliações
Nota. Número de avaliações (nº av.). Fonte: Dados da pesquisa. Organização: Autores.

A primeira matriz de P.I.s exigiu uma análise individual dos municípios e itens presentes com finalidade de eliminação dos registros correspondentes às adjacências (P.I.s de municípios vizinhos) e, sobretudo, duplicações, comuns em conurbação virtual dos destinos, verificada, por exemplo, em Itajaí - Balneário Camboriú - Itapema, Blumenau - Gaspar, Gramado - Canela, Guaratuba - Matinhos, Paranaguá - Pontal do Paraná. Após a eliminação desses itens, o passo seguinte exigiu nova investigação documental a respeito de cada um dos elementos da matriz, disponíveis em sítios eletrônicos próprios, Google (Portal web e Maps).

Na sequência, os itens foram classificados a partir de uma combinação entre técnicas de codificação (Yin, 2016) e inventariação da oferta turística (Lima, 2011; Fratucci & Moraes, 2020; Almeida Moraes et al., 2020). Este procedimento permitiu distinguir os itens da matriz conforme categoria (p. ex. natural, cultural, serviços e equipamentos de lazer, outros) e subtipo (p. ex. praia, museu, monumento, praça, parque, outros). Foi objeto de classificação também a condição de cada município/item sobre integração ou não ao sistema costeiro-marinho (IBGE, 2019), em razão da posição geográfica de parcela considerável dos 38 municípios e da relevância do litoral na conformação da região Sul. A matriz final viabilizou dois produtos: (1) espacialização no software MyMaps3 e (2) panorama do acervo P.I.s da região Sul.

A análise sobre configuração buscou refletir sobre a natureza e especificidades de ordem geográfica dos P.I.s, a partir de Pearce (2003) e, marcadamente, Lozato-Giotard (1990). Os aspectos relativos à gestão desses destinos abordaram características da configuração identificadas como proeminentes em processos de planejamento e gestão dos locais. Apoio maior foi obtido na literatura sobre destinos turísticos nos seguintes referenciais: Barrado Timón (2004), Valls (2006), Mazaro (2010), Longjit e Pearce (2013), Flores e Mendes (2014), Pearce (2016), Coutinho e Nóbrega (2019).

Os pressupostos teórico-metodológicos aqui explanados tornaram possível a consecução dos propósitos da pesquisa, manifestos nos resultados a seguir delineados.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 A interseção e destinos da Região Sul

Os dados da Tabela 1 apresentam a interseção de 38 municípios resultante do cruzamento de duas variáveis da base de dados do Mapa do Turismo (2019-2021), visitações domésticas e estabelecimentos de hospedagem, bem como dados de população, PIB e relativos aos estabelecimentos dedicados às atividades econômicas características do turismo (ACTs). Esse conjunto corresponde a 3,2% do contingente de 1.191 municípios da região Sul, mas representa 71,34% da visitação na referida região, mais de 54% dos estabelecimentos de hospedagem e cerca de 46% das ACTS, o que evidencia a vitalidade do setor turístico e a efetividade dos filtros utilizados na composição da interseção para os efeitos desta análise, vez que proporcionam elementos de concisão ao conjunto observado e de distintividade em relação aos demais, em que pese a capilaridade de sua distribuição geográfica, como se observa na Figura 2.

Região Sul e grupo de 38 municípios
Figura 2
Região Sul e grupo de 38 municípios
Fonte: Elaboração própria, baseada nos dados da pesquisa.

Além desses aspectos, também é acentuada a concentração demográfica nos municípios filtrados pela interseção proposta, que somados, chegam a um contingente de 10.429.346 habitantes, o que representa 34,79% do total da região Sul (Tabela 1). De forma análoga, também se observa alta relevância econômica, vez que o conjunto é responsável por 39,54% do PIB da região.

Tabela 1
Municípios da região Sul integrantes da interseção
Municípios da região Sul integrantes da interseção
Nota:[1] Adaptado de “Mapa do turismo brasileiro 2019-2021”, por Ministério do Turismo, Brasília, DF, 2019a;[2] Adaptado “Sistema de Recuperação Automática – SIDRA”, by Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, n.d. (https://sidra.ibge.gov.br/territorio);[3] Adaptado “Extrator de Dados”, por Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, n.d. (https://www.ipea.gov.br/extrator/) Fonte: Autores.

O resultado desse processo de cruzamentos explicitou pontos nodais de uma rede de influência urbana da Região Sul (Figura 2). Ao cruzar esse resultado com os dados da REGIC (Regiões de Influência das Cidades), produzida pelo IBGE (2016, 2020), foi possível confirmar a relevância territorial desse conjunto, além de prospectar sua influência sobre um conjunto ainda maior. A maior parte desse conjunto de cidades está articulada a outras em função dos movimentos pendulares de população, bem como por processos de conurbação, constituindo Arranjos Populacionais, o que torna ainda mais relevante o grupo de municípios identificados por meio do procedimento adotado na pesquisa.

Os maiores Arranjos Populacionais, que revelam a liderança da rede de cidades da região Sul, estão articulados às três capitais, Curitiba (PR), Florianópolis (SC) e Porto Alegre (RS). Importante destacar que Florianópolis figura entre as metrópoles brasileiras menos populosas (com menos de 1 milhão de habitantes). Curitiba e Porto Alegre, de outro lado, representam os arranjos mais populosos da região.

Projetam-se também, outros dois tipos de arranjos populacionais evidenciáveis na lista dos 38 municípios identificados. Um deles é o Arranjo Fronteiriço, no qual se destacam na região e em nível nacional, o papel de Foz do Iguaçu (PR), articulada a Ciudad Del Este no Paraguai, além de Santana do Livramento (RS), articulada a Rivera no Uruguai. O segundo arranjo de característica particular retrata a situação de alguns dos municípios balneários do litoral e são caracterizados como Arranjos Populacionais Turísticos e de Veraneio no Litoral, dentre os quais estão Itajaí-Balneário Camboriú (SC), Itapema (SC), Matinhos-Pontal do Paraná (PR), Torres (RS), dentre outros. Adicionalmente, com características particulares, estão os municípios portuários, como Paranaguá (PR) e Rio Grande (RS) que, considerados isolados, mas com relevância derivada dessa atividade econômica geradora de muitos fluxos (IBGE, 2016, 2020).

Ao se observar que esses 38 municípios compõem arranjos populacionais, exercendo centralidade que envolvem deslocamento para diversas finalidades, tanto para o trabalho, como o consumo de serviços de saúde, lazer e esporte, conforme se depreende da análise da REGIC, percebe-se não apenas a ratificação da relevância, mas a ampliação da dimensão de sua influência territorial.

Ademais, outro importante tópico a enfatizar é que dos 38 municípios que sustentam a centralidade socioeconômica e turística na região Sul, 18 pertencem ao sistema costeiro-marinho segundo classificação do IBGE (2019). Avalia-se que este resultado demarca uma característica territorial bastante expressiva observada nesta investigação, dada a notável relevância da costa litorânea para os três estados da região, no que tange aos assuntos relacionado à população, economia e turismo.

3.2 Pontos de Interesse (P.I.s)

Os Pontos de Interesse (P.I.s) assumem relevância estratégica na compreensão do estatuto de destino turístico dos municípios considerados, notadamente em função de aportarem informações geradas pelos próprios usuários que, em movimento interativo, utilizam e alimentam conteúdos de aplicativos para smartphones e outros dispositivos (apps), além de websites, redes sociais e outros suportes de informação.  Via de regra, esses recursos e ferramentas incluem imagens, comentários, condições de acesso, preço de produtos e serviços e avaliações, entre outros elementos, e constituem o que se convencionou chamar de Conteúdo Gerado pelos Usuários (CGU), com evidentes desdobramentos no processo de planejamento e gestão, uma vez que os P.I.s constituem sítios para os quais frequentemente há confluência de expressivo contingente de pessoas.

O levantamento de P.I.s nos 38 destinos alcançou inicialmente 1.232 P.I.s. Após análise individual dos itens para eliminação dos registros correspondentes às adjacências (P.I.s de municípios vizinhos) e ocorrências duplicadas, consolidou-se a matriz final com 872 registros, distribuídos em 4 categorias e 59 subtipos (Lima, 2011; Fratucci & Moraes, 2020; Almeida Moraes et al., 2020), conforme Tabelas 2 e 3. Em linhas gerais, a situação pode ser descrita, segundo relação entre categoria e subtipos, a partir do seguinte:

A Tabela 2 apresenta a distribuição dos P.I.s nos municípios que compõem a interseção, segundo a categoria. Optou-se, aqui, por uma subdivisão da apresentação dos dados em dois grupos de municípios. Esta separação atende a condição de pertencimento ou não ao sistema Costeiro-Marinho, segundo Plataforma IBGE Cidades (2019), como forma de valorizar esta proeminente característica territorial do conjunto de 38 municípios, detalhada na seção anterior.

Os resultados dialogam diretamente com a teorização espacial de Lozato-Giotard (1990). A distribuição por categoria e a especificidade dos P.I.s demonstram correspondência com aspectos basilares da “sitiologia turística” (p. 40) bem como de outras análises do autor a respeito da relevância de critérios geográficos, isolados ou combinados, na distribuição espacial do turismo, perspectiva reconhecida, embora com abordagens distintas, em teorizações de Boullón (1997), Urry (2001), Pearce (2003) e Hayllar et al. (2011).

De modo mais evidente, é possível perceber que a região Sul dispõe de um acervo de P.I.s delineado e sob influência de uma clara e equilibrada combinação de fatores (i) naturais e (ii) humanos e técnicos. Ao primeiro grupo Lozato-Giotard (1990) indica um papel determinante, ao passo que ao segundo, defende um papel essencial. A interpretação desse equilíbrio, no entanto, depende de algumas sutilezas que estão associadas ao imbricamento entre os fatores mencionados e o fundamento da classificação em categorias e subtipos.

Para melhor entender observe-se que a categoria Natural agrupa P.I.s cujos sítios são eminentemente de base natural, com baixa antropização. À primeira vista, representa 36,65% dos achados. Todavia, segundo Lozato-Giotard (1990), a influência dos fatores naturais extrapola demarcações físicas elementares. Basta observar o modo pelos quais os aspectos relacionados à paisagem (notadamente a envoltória), vegetação, clima e sobretudo o componente água (usos terapêutico, recreativo, contemplativo), jogam e participam do arranjo e da viabilidade de P.I.s classificados em outras categorias, a exemplo do que ocorre com parques urbanos, praças, mirantes, orlas.

Em dimensão ampliada pondere-se a relevância do clima de inverno para o turismo em regiões de campos, como Lages, Ponta Grossa, Guarapuava, Vacaria; ou de serra: Bento Gonçalves, Gramado, Canela e Caxias do Sul. E, de outro modo, as praias, 20,76% dos P.I.s levantados, habitualmente têm sua história com o turismo consolidada e nitidamente expressa diante dos processos de urbanização balneária.

Os itens classificados nas categorias Cultural, Serviços e Equipamentos de Lazer e Outros correspondem diretamente ao fazer humano, segundo Lozato-Giotard (1990)hechos de la civilización” (p. 51). Aqui sobressaem notadamente os ambientes urbanos e suas paisagens, as cidades balneárias, instituições de arte e cultura, manifestações religiosas, locais de esportes, do lazer e recreação, negócios, complexos de entretenimento e diversão. Do acervo de P.I.s levantados 66,65% estão relacionados, resguardada a ponderação anterior, aos “hechos de civilización” sistematizados pelo geógrafo.

A categoria Natural demonstra de imediato sedução da frequentação turística pelos ambientes costeiros, comprovada na alta projeção de P.I. praias e, na companhia de unidades de conservação e formações do relevo agrupam 80,13% do total de P.I.s. Na Cultural exalta-se a aproximação do fenômeno do turismo com o conhecimento, memória, fé e devoção, três vértices que triangulam a principal sustentação desta rubrica. Museus e memoriais, templos religiosos, monumentos/marcos históricos alcançam 61,38% dos P.I.s.  Na dimensão do lazer, outros três componentes se destacam com 65,22%. Neste caso, o trio de força - parques, praças e largos, parques temáticos – sugere forte justaposição de P.I.s com equipamentos e lugares da vida cotidiana nas cidades, espaços públicos por excelência, notoriamente abertos e integrados ao urbano, assim como a busca por complexos especializados no entretenimento, fantasia e imaginação (parques temáticos).

Realizados estes primeiros apontamentos, outra perspectiva para este acervo pode ser inaugurada. Para isto deve-se observar a diversidade de categorias e subtipos dos P.I. em relação à posição territorial dos destinos estudados. Com esta articulação é possível constatar o caráter hegemônico da zona costeira e seu entorno como assentamento preferencial das práticas turísticas no Sul. Conforme demonstrado na seção anterior, a centralidade turística de 38 municípios do Sul se distingue entre 20 não costeiros e 18 pertencentes ao sistema costeiro-marinho (IBGE, 2019).

Pois bem, segundo estudo do IBGE (2019), embora o território costeiro apresente diversidade em inúmeros aspectos, é reconhecido que o contato com o mar/oceano proporciona elementos característicos (vegetação, fauna, geomorfologia) que definem certa unidade ambiental. Para Lozato-Giotard (1990) o heliotropismo e a praia, a vida social das orlas marítimas, a fórmula “sun-sea-sex” estão entre os mais importantes feitos da sociedade em termos de frequentação turística.

Estudos de Urry (2001) e Pearce (2003) também demonstram e justificam as razões pelas quais os litorais são notáveis locus das práticas turísticas. Esta investigação confirma a avaliação destes autores. Na região Sul do Brasil, a exemplo de outros tantos territórios mundo afora, a zona costeira é um assentamento tradicional e resiliente do imaginário do prazer, do descanso e relaxamento humano, escolha habitual para o desenvolvimento das práticas e da estética social do turismo.

Os 18 destinos costeiros compreendem 56,65% (n = 494) dos P.I.s levantados, desdobrados em 48 subtipos. A distribuição por categoria é a seguinte: natural 55,67%, cultural 24,90%, serviços e equipamentos de lazer 17,61%, outros 1,82% (Tabela 1). Ao passo que os 20 municípios não costeiros abrigam 43,35% (n = 378) dos P.I.s levantados e envolvem 41 subtipos. A distribuição por categoria é a seguinte: cultural 47,62%, serviços e equipamentos de lazer 37,83%, natural 11,11% e outros 3,44% (Figuras 3 e 4).

Pertinente distinguir outra perspectiva passível de interpretação a partir da costa e regiões vizinhas. Entre os não costeiros, Blumenau, Canela, Caxias do Sul, Gramado, Curitiba estão situados a menos de 200km (percurso rodoviário) dos litorais de seus estados. Trata-se agora de um grupo de 23 destinos situados majoritariamente no litoral ou em regiões muito próximas. A zona costeira e regiões vizinhas a ela, sob este prisma, demarcam o principal território da região, pois agora, neste novo agrupamento, chega-se a 80,85% dos P.I.s levantados.

Por fim, os resultados indicam adicionalmente que a distribuição de P.I.s entre os destinos é desigual. O que mais chama a atenção, todavia, é a multiplicidade de configurações e combinações entre categorias e subtipos. Constata-se que em termos de natureza e do arranjo dos P.I.s existe significativa heterogeneidade entre os destinos da região Sul, conforme sugerem as Figuras 3, 4, 5, 6 e 7.

Pontos de Interesse em municípios costeiros
Figura 3
Pontos de Interesse em municípios costeiros
Pontos de Interesse em municípios não costeiros
Figura 4
Pontos de Interesse em municípios não costeiros
Pontos de Interesse - categoria Natural
Figura 5
Pontos de Interesse - categoria Natural
Pontos de Interesse - categoria Cultural
Figura 6
Pontos de Interesse - categoria Cultural
Pontos de Interesse - categoria Serviços e equipamentos de lazer
Figura 7
Pontos de Interesse - categoria Serviços e equipamentos de lazer

A heterogeneidade expressa nas Figuras 3 a 7 implica maior complexidade para a governança dos municípios na condição de destinos turísticos, diante do que devem viabilizar para alcançar padrões de qualidade nos processos de monitoramento e gestão dos locais de efetiva visitação. A discussão estratégica sobre destinos contempla variados temas e modelos de gestão. A atenção costuma estar dirigida para desempenho, competitividade e sustentabilidade (Barrado Timón 2004; Valls, 2006; Mazaro, 2010; Framke, 2014; Pearce 2014, 2016), aspectos que certamente podem ser acrescidos de outros tantos elementos que emergem no nível macrorregional, estadual e municipal de um quadro difuso de locais de uso e de desenvolvimento de práticas turísticas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O propósito manifesto no objetivo deste trabalho materializou-se por meio da identificação, na base de dados do Mapa do Turismo 2019-2021, dos municípios do Sul do Brasil com alta relevância territorial do turismo, além da descrição dos P.I.s abrangidos em seu escopo geográfico. O estudo alcançou maior aproximação e compreensão espacial da realidade objetiva do setor, para a qual também concorreu o reconhecimento da centralidade dos municípios e amplitude de influência, aspectos que emergiram a partir da interpretação dos arranjos da REGIC.

A compreensão desses aspectos foi permeada pela convergência observada entre a compleição da realidade empírica, que se depreende dos dados contemplados na análise, e a teorização de Lozato-Giotard (1990), que sustenta que a espacialização do turismo está estreitamente vinculada a atributos geográficos. Na mesma direção, a proposição do autor acerca da combinação de fatores naturais, humanos e técnicos, refletiu-se na configuração do conjunto de P.I.s destacados nos destinos abrangidos pelo estudo.

Nesse sentido, entende-se que estudos com este perfil são relevantes para fundamentar as políticas de apoio ao desenvolvimento do turismo, na medida em que tratam de um redimensionamento do diagnóstico da relevância e da influência de destinos, a partir do que se destacam duas frentes de reflexões.

A primeira frente diz respeito à compreensão de quais atores (públicos, privados, comunidade/terceiro setor) se relacionam e dependem do funcionamento dos P.I.s. Nesse sentido, importa discernir sobre prerrogativas institucionais e organizacionais. Para Coutinho e Nóbrega (2019), o principal desafio contemporâneo da governança de destinos se divide nas questões institucionais e organizacionais. Em que pese não ter sido objeto do artigo analisar o programa de regionalização, entende-se que a interpretação diagnóstica, associada a esta frente, constitui elemento fundamental para que se avalie a efetividade e viabilidade de políticas públicas.

No campo institucional encontram-se as atribuições do Estado, o que em termos de território, segundo o ordenamento jurídico do Brasil envolve os três níveis da federação, variadas instituições de gestão, monitoramento, fiscalização e controle, e uma densa rede de dispositivos legais. O organizacional diz respeito aos participantes da rede de governança, em diferentes níveis de interdependência, cooperação e vínculo, conformando uma arena que envolve problemas, conflitos, interesses e poderes (Salvati, 2004; Coutinho & Nóbrega, 2019).

Avalia-se, portanto, que a compreensão da influência territorial dos municípios constitui um fator essencial para o processo mencionado de ampliar o potencial de eficácia de uma política de desenvolvimento do turismo, que seja capaz de tomar o território como ponto de partida. Entende-se que um conjunto difuso de P.I.s tende a acentuar a pressão política, técnica e social sobre e entre os entes que guardam as devidas prerrogativas. Em termos diretos, a condição “destino turístico” depende da capacidade dos atores de gerenciar o uso e a frequentação dos locais de visitação, com atendimento de padrões de segurança, qualidade e adequada comunicação ao público.

A segunda frente diz respeito à calibragem da gestão dos processos da visitação (Pearce, 2016) dos Pontos de Interesse. Gestão que leve em conta a diversidade encontrada, evitando-se medidas genéricas e baseadas no desconhecimento dos particularismos nos arranjos. Uma estratégia eficiente pode ser alcançada a partir da integração e cooperação entre destinos, com delineamento de programas de visitação cooperados ou mesmo que recorram a algum tipo de certificação, conforme especificidades de configuração e institucional de cada P.I.

Embora a classificação em uma categoria e subtipo possa sugerir uma igualdade no fundamento dos elementos, 181 praias, 104 museus/memoriais, 74 parques urbanos, assim como os 513 demais achados em suas respectivas classificações, a gestão dos P.I.s encontrará efetivamente múltiplas configurações. Há praias com orla de 7km intensamente urbanizadas como Balneário Camboriú e há pequenos trechos, nada urbanizados, recantos isolados a exemplo dos situados em Bombinhas. Fatores como superfície, zoneamento interno, integração com o entorno, uso por residentes, visitação (quantidade, sazonalidade) embaralham ainda mais esta equação.

A proposta de compreensão desse emaranhado, a partir dos indicadores selecionados e da trajetória metodológica delineada, representa o principal contributo que o trabalho pretendeu oferecer ao campo de estudo. Compreende-se, ademais, que os resultados aqui desdobrados constituam suporte relevante para decisões estratégicas de atores do turismo.

O pressuposto de que os frequentadores pesquisam diferentes fontes de informação em buscas que precedem ou são concomitantes à visitação (Padrón-Ávila & Hernández-Martín, 2017), assim como avaliam e comentam esses locais em redes sociais e plataformas digitais, realimentando Conteúdo Gerado pelos Usuários (CGU) (Corrêa & Hansen, 2014; Souza & Machado, 2017; Silva et al., 2017; Mayer et al., 2017; Boaria & Frantz dos Santos, 2018), se mostra um importante elemento para a compreensão de P.I.s e o alcance espacial do turismo e suas dinâmicas espaciais.

Ainda assim, parece imperativo reconhecer limitações impostas pela natureza do recorte, conquanto o exame da configuração dos P.I.s possa se demonstrar insuficiente para dar conta da complexidade do fenômeno turístico, particularmente nesta quadra da História, marcada pela eclosão da pandemia de COVID-19 no ano de 2020, cujos desdobramentos no âmbito do turismo ainda não podem ser totalmente desvelados. Assinala-se também, que o repertório e mesmo o tipo de P.I.s, foram extraídos de uma única fonte, qual seja, o Portal Google, e ainda que se possa arguir que este  mecanismo de busca é amplamente utilizado, outros canais ou meios de consulta devem ser buscados, até porque o comportamento dos usuários e as próprias tecnologias de suporte às viagens são elementos dinâmicos.

Vislumbra-se ainda a oportunidade para novas investigações, tanto para replicar a trajetória aqui empreendida em outras escalas, contextos e mesmo com a eleição de indicadores - no todo ou em parte - diversos daqueles que foram operacionalizados neste esforço de pesquisa, quanto iniciativas que contemplem as lacunas que não foram possíveis explorar nesta empreitada, entre as quais se destaca um exame minucioso do Programa de Regionalização Turística. Em termos de continuidade da pesquisa, prospecta-se avançar na análise de dados relativos aos municípios turísticos da região Sul brasileira, ampliando o leque de informações. Entende-se que o procedimento metodológico é suficientemente rico para contribuir para o amadurecimento seja da situação (nível diagnóstico), como para projeção de cenários e proposições de políticas.

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Notas

1 A classificação indica o desempenho dos municípios na economia do turismo, variando de "A" para os de maior desempenho até "E" para os de menor desempenho. Para categorizar os municípios, o Ministério do Turismo realiza cruzamento quantitativo das cinco varáveis de sua base (Ministério do Turismo, 2019b).
2 A categorização presente no Mapa do Turismo atende, entre outros aspectos, ao propósito de balizar o Programa de Regionalização, cuja operacionalização encontra reconhecidas dificuldades em termos de implementação, inclusive em função da necessidade de respeitar limites administrativos para o desenho das regiões. Todavia, a perspectiva trabalhada na pesquisa é que a base de dados tem consistência para dar suporte a estudos que objetivem compreender relevância territorial. A pertinente e necessária análise do referido programa constitui objeto sobre o qual se pretende refletir em ciclos ulteriores da pesquisa, vez que extrapola o escopo delineado nesta comunicação.
Como Citar: Chemin, M.; Filippim, M. L.; Abrahão, C. M. S. (2021). Projeção territorial e pontos de interesse em destinos turísticos da região Sul (Brasil): Análise a partir do Mapa do Turismo 2019-2021. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, São Paulo, 15 (3), e-2156, May./Ago. http://dx.doi.org/10.7784/rbtur.v15i3.2156

Autor notes

Marcelo Chemin Docente do Curso de Tecnologia em Gestão de Turismo da UFPR, Setor Litoral. Doutor em Geografia pela UFPR. Mestre em Turismo e Hotelaria pela Univali. Bacharel em Turismo pela UEPG. Docente do quadro permanente do Programa de Pós-Graduação em Turismo da UFPR. Integrante do Grupo de Pesquisa CNPq Turismo, Território e Desenvolvimento.
Marcos Luiz Filippim Docente do Curso de Tecnologia em Gestão de Turismo da UFPR, Setor Litoral. Doutor em Geografia pela UFPR. Mestre em Turismo e Hotelaria pela Univali. Integrante do Grupo de Pesquisa CNPq Turismo, Território e Desenvolvimento.
Cinthia Maria de Sena Abrahão Docente do curso de Gestão e Empreendedorismo (Setor Litoral). Pesquisadora do quadro permanente do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável da Universidade Federal do Paraná. Doutora em Geografia pela Universidade Federal do Paraná. Pós-doutora em Turismo pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo.
Editor: Glauber Eduardo de Oliveira Santo

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