Resumo: Ambientes recifais concentram elevada biodiversidade e são responsáveis por fornecer bens e serviços à humanidade, como por exemplo, os benefícios econômicos associados a atividade turística. O turismo em recifes cresce no mundo, assim como a relação de impactos ambientais causados pela atividade. O objetivo desse trabalho foi sistematizar e analisar os resultados de estudos que avaliaram os impactos do turismo em ambientes recifais tropicais brasileiros, identificando a abrangência geográfica dos estudos, bem como os grupos biológicos e variáveis ecológicas utilizadas para a avaliação ambiental, discriminando aquelas que sofreram alteração em função do uso turístico. Foram identificadas 81 publicações, entre 1996 e 2020, com um crescimento exponencial dos trabalhos ao longo do tempo. Pernambuco e Rio Grande do Norte foram os estados com maior número de estudos com o tema, concentrando 50% das pesquisas. Sete grupos biológicos, entre, peixes, algas e invertebrados, foram avaliados em áreas recifais, considerando variáveis como riqueza, abundância e densidade. A maioria das variáveis analisadas foram alteradas em função da atividade turística nos recifes. A compreensão integrada dos impactos do turismo pode colaborar para o desenvolvimento de estratégias de manejo em áreas recifais, buscando soluções que considerem aspectos sociais, econômicos e ambientais.
Palavras-chave: Atividade turística, Produção científica, Ecossistema recifal.
Abstract: Reef environments concentrate high biodiversity and provide goods and services to humanity, including the economic benefits associated with tourism. Reef tourism grows worldwide, as does the environmental impacts caused by the activity. The aim of this work was to systematize and analyze the results of the researches that evaluated the impacts of tourism in Brazil’s tropical reefs, identifying the geographic scope of the studies, as well as the biological groups and ecological variables used for environmental assessment, distinguishing those that have changed in function of tourist use. 81 publications were identified, between 1996 and 2020, with an exponential increase in researches over time. Pernambuco and Rio Grande do Norte were the states with the largest number of studies on the subject, concentrating 50% of the studies found. Seven biological groups, including fish, algae and invertebrates, were evaluated in reef areas, considering variables such as richness, abundance and density. Most of the investigated variables were altered as a result of tourist activity on the reefs, except for the group of corals. An integrated understanding of the impacts of tourism can contribute to the development of management strategies in reef areas, seeking solutions that consider social, economic and environmental aspects.
Keywords: Tourist activity, Scientific production, Reef ecosystem.
Resumen: Los arrecifes concentran una alta biodiversidad y son responsables de brindar bienes y servicios a la humanidad, como los beneficios económicos asociados al turismo. El turismo de arrecifes se ha incrementado a nivel mundial, al igual que los impactos ambientales provocados por esta actividad. Este trabajo presenta una sistematización y análisis de los resultados de investigaciones sobre los impactos del turismo en los arrecifes tropicales brasileños, identificando el alcance geográfico de los estudios, así como los grupos biológicos y variables ecológicas utilizadas para la evaluación ambiental, señalando aquellos que han sufrido cambios debido al turismo. Se identificaron 81 publicaciones entre 1996 y 2020, con un crecimiento exponencial de las investigaciones a lo largo del tiempo. Pernambuco y Rio Grande do Norte fueron las provincias con mayor número de estudios, concentrando el 50% de los estudios. Se evaluaron en los arrecifes siete grupos biológicos, entre peces, algas e invertebrados, considerando factores como riqueza, abundancia y densidad. La mayoría de las variables analizadas fueron impactadas por la actividad turística en los arrecifes. Una comprensión integrada de los impactos del turismo puede contribuir al desarrollo de estrategias de manejo en los arrecifes, buscando soluciones que consideren aspectos sociales, económicos y ambientales.
Palabras clave: Actividad turística, Producción científica, Ecosistema de arrecife.
Artigos - Gestão do Turismo
O que sabemos sobre os impactos ambientais do turismo nos recifes tropicais do Brasil?
What do we know about the environmental impacts of tourism on Brazil’s tropical reefs?
¿Qué sabemos sobre los impactos ambientales del turismo en los arrecifes tropicales de Brasil?
Recepção: 12 Abril 2021
Aprovação: 05 Outubro 2021
Ambientes recifais concentram a maior biodiversidade dos oceanos (Sala et al., 2021) e também se destacam entre os ecossistemas marinhos que fornecem uma variedade de bens e serviços à humanidade como: a proteção do litoral contra à ação de ondas, potencialidade para a descoberta de compostos medicinais, berçário para espécies marinhas e diversos benefícios econômicos através do uso recreativo, turístico e pesqueiro (Moberg & Folke, 1999). Mesmo com sua importância econômica e ecológica, áreas recifais em todo o mundo estão sujeitas a uma série de impactos globais e locais (Hughes et al., 2017) e existe urgência em políticas que promovam a conservação destes hotspots de vida marinha.
No Brasil os ambientes recifais tropicais se estendem por mais de 3.000 km entre a costa do Amapá e o Sul da Bahia (Ferreira & Maida, 2006; Moura et al., 2016), com características únicas, como o tipo de crescimento, aspectos morfológicos, fauna construtora do recife e ambiente deposicional (Leão et al., 2003). Os recifes brasileiros caracterizam-se pela baixa cobertura coralínea, elevado endemismo das poucas espécies de corais que ocorrem em zonas com alto aporte de sedimentos, resultantes da desembocadura de grandes rios e erosão costeira (Castro & Pires, 2001). Apesar dessas peculiaridades, os bens e serviços fornecidos por esses ecossistemas e, consequentemente, sua importância ecológica e econômica, equivalem aos dos recifes de corais de outras regiões do mundo (Leão et al., 2016).
Tedesco et al. (2017) elencaram as principais ameaças para a conservação dos recifes brasileiros, sendo elas: o crescimento populacional, a atividade pesqueira, a poluição da costa, a introdução de espécies exóticas, as mudanças climáticas e o turismo desordenado.
Apesar de já ter sido considerado uma prática de baixo impacto ambiental (Talge, 1991), atualmente diversos estudos apontam que turismo em recifes pode causar danos significativos ao ambiente marinho. Os impactos podem ser resultantes do contato direto de mergulhadores com o recife (Camp & Fraser, 2012; Giglio et al., 2016; Zakai & Chadwick-Furman, 2002), da sedimentação oriunda da ressuspensão de sedimentos bentônicos (Hasler & Ott, 2008), de danos causados pela ancoragem de embarcações (Creed & Amado-Filho, 1999; Giglio et al., 2017a) e da poluição (Lamb et al., 2014). Esses impactos podem resultar em alterações na estrutura da comunidade recifal (Hawkins & Roberts, 1992; Hawkins et al., 1999), modificações comportamentais de algumas espécies (Titus et al., 2015), diminuição da capacidade de reprodução dos corais (Kragt et al., 2009), aumento da suscetibilidade a doenças em corais (Lamb et al., 2014) e redução tanto da biodiversidade quanto da resiliência do ecossistema como um todo (Gladstone et al., 2013).
O presente estudo mapeou pesquisas realizadas com foco nos impactos ambientais do turismo em ambientes recifais tropicais do Brasil. Foram identificados os grupos biológicos, as variáveis ecológicas e a abrangência geográfica dos estudos através de uma análise sistemática da literatura científica. Analisou-se ainda estudos desenvolvidos em áreas onde a atividade de turismo é presente e consolidada, incentivando a realização de pesquisas em locais com carência de informações sobre o tema.
Foi conduzido um levantamento sistemático a fim de identificar pesquisas que discutiram ou apontaram a alteração de variáveis socioambientais em ambientes recifais tropicais brasileiros. A busca pelas publicações ocorreu entre abril e junho de 2017, entre outubro e novembro de 2020 e em julho de 2021. Três bancos de dados foram acessados: Web of Science na ISI Web of knowledge, o Google Acadêmico e no site Publicações de Turismo, através de dois momentos de busca, nos quais foram utilizados os seguintes termos: busca 1: ‘Brazil’ e ‘impact’ e ‘tourism’; e busca 2: ‘nome do estado’ (ex: Ceará) e ‘impact’ e ‘tourism’. Não foi definido período de pesquisa específico, sendo contabilizados todos os artigos encontrados sobre o tema, independente do ano de publicação. Todas as buscas foram refeitas com os mesmos termos em português, através das mesmas fontes de dados.
Os resultados foram selecionados considerando textos em inglês e português, utilizando-se periódicos indexados e literatura cinza. As pesquisas foram cruzadas produzindo uma lista única por estado brasileiro. Os resumos de todos os artigos e trabalhos foram analisados e incluídos na revisão sempre que se referissem a impactos associados ao turismo em ambientes recifais do Brasil. Não foram consideradas as publicações de resumos simples em anais de eventos.
Cada publicação foi analisada de acordo com: (i) ano da publicação, (ii) periódico da publicação ou universidade, no caso de trabalhos de literatura cinza, (iii) área geográfica de enfoque do estudo (estado brasileiro) (iv) grupos biológicos estudados (algas, peixes, invertebrados, coral duro, coral mole e outros), (v) variáveis biológicas estudadas (ex. riqueza, biomassa, diversidade, dominância, abundância, densidade, classes de tamanho, categorias tróficas, entre outras), (vi) outros aspectos (ex. variáveis abióticas, serviços ecossistêmicos, impactos ambientais, comportamento dos mergulhadores, percepção ambiental, educação ambiental).
Os grupos: ‘coral duro’ e ‘coral mole’ foram separados do grupo ‘invertebrados’ por se destacarem como importantes indicadores de impactos do turismo em ecossistemas recifais no mundo (Rouphael & Inglis, 2002; Renfro & Chadwick, 2017). Já o grupo ‘foraminíferos1’ foi separado por se mostrar um indicador promissor especialmente para recifes com baixa cobertura coralínea como é o caso do Brasil (Eichler et al., 2019).
O presente trabalho centrou em analisar pesquisas em ambientes recifais tropicais, embora existam outros estudos em costões rochosos do litoral sul e sudeste do Brasil desenvolvidos com abordagens semelhantes (Giglio et al., 2017a, b; Giglio et al., 2018; Pedrini, 2006; Pedrini et al., 2008; Pedrini et al., 2015).
Foram identificadas 81 publicações produzidas entre os anos 1996 e 2020, que abordaram algum aspecto do impacto que a atividade turística causa no ambiente recifal e notou-se um crescimento considerável do número de publicações nos últimos anos (Figura 1).
Mais da metade dos estudos foram conduzidos dentro de áreas protegidas (58%). Os estudos foram oriundos da literatura cinza (37%), publicações nacionais (32%) e publicações internacionais (30,8%). Alguns trabalhos abarcaram como área de estudo mais de um estado do Brasil, sendo Rio Grande do Norte (RN) o estado com maior número de estudos (25,9% das publicações), seguido de Pernambuco (PE) (24,7%) (Figura 2). No Maranhão não foram encontrados trabalhos com este foco, mesmo possuindo o Parcel de Manoel Luís e eventualmente, recebendo turistas para mergulho. Já Amapá, Pará, Piauí e Sergipe não possuem recifes na sua região litorânea.
Nas publicações analisadas identificaram-se sete grupos biológicos avaliados em áreas recifais associados à atividade turística em diferentes estados do Brasil, considerando variáveis como riqueza, abundância, densidade, dentre outras. São eles: algas, peixes, invertebrados, coral duro, coral mole, foraminíferos e mamíferos marinhos. Além dos impactos nos grupos biológicos, observou-se ainda estudos que abordaram os impactos ambientais de forma integrada, avaliações de alterações na qualidade da água e outras variáveis abióticas, serviços ecossistêmicos, gestão costeira integrada, percepção/educação ambiental e comportamento dos mergulhadores nos recifes (Quadros 1, 2, 3 e 4).
Evidencia-se os impactos do turismo em ambientes recifais nos estudos com algas, com alterações especialmente nas variáveis biomassa e dominância. Para o grupo dos peixes houve alterações nítidas na estrutura da comunidade (abundância, riqueza, diversidade, classes de tamanho e classes tróficas), sendo o único grupo onde houve estudos em todos os estados analisados. Os invertebrados e corais foram avaliados especialmente no RN, PE e BA, com destaque para estudos que não identificaram alterações na riqueza e composição das espécies em função do turismo.
Estudos com grupos específicos ocorreram apenas no RN. Já as pesquisas mais amplas, que abordaram os impactos ambientais em geral, com uma discussão ecossistêmica ou de gestão costeira integrada, foram realizadas em PE, PB e BA. Trabalhos com percepção e educação ambiental foram encontrados no CE, RN, PB, PE e AL e a compreensão do comportamento de mergulhadores apenas no RN e na BA.
Tedesco et al. (2017) evidenciaram a escassez de estudos sobre o tema no Brasil, e o crescimento exponencial dos estudos nos últimos seis anos (2014–2020, 56,8%) pode estar relacionado ao aumento do uso turístico desordenado em áreas recifais da costa brasileira (Rowe & Santos, 2016). Evidencia-se também que o crescimento do número de publicações no Brasil acompanha o crescente interesse por esse tema no resto do mundo, especialmente em recifes do Caribe, Mar Vermelho e Grande barreira de corais, na Austrália (Lamb et al., 2014). O turismo desordenado pode tornar evidente as alterações na estrutura da comunidade recifal, despertando o interesse pela compreensão desses impactos no meio científico (Giglio et al., 2017b). Além disso, a pressão social advinda da necessidade de ordenação da atividade turística nos recifes é outro fator que impulsiona pesquisas com o tema, onde busca-se respostas sobre a capacidade de suporte de visitação das áreas, sobre possíveis alterações ambientais e prejuízos que o turismo pode causar aos recifes (Silva et al., 2009). Outro fator que pode estar relacionado às poucas publicações na década de 1990, é que comparado às pesquisas em ecossistemas terrestres, observa-se que os trabalhos desenvolvidos em ambientes recifais no Brasil são mais recentes, iniciados na década de 1970, com a descrição dos recifes brasileiros por Jacques Laborel (Laborel, 1970) e tornando-se mais forte a partir da década de 1990, com o avanço do mergulho científico no Brasil.
Aproximadamente 38% das publicações encontradas são oriundas da literatura cinza, refletindo muitas vezes uma abordagem microrregional das pesquisas e possíveis problemas metodológicos que podem impedir a publicação em periódicos indexados. Além disso, a falta de incentivo em pesquisas científicas no Brasil se agravou nos últimos anos, influenciando negativamente o desenvolvimento de projetos e a divulgação de seus resultados (Angelo, 2017).
Sobre os grupos biológicos, observou-se que as algas foram avaliadas em 15 publicações, com destaque para as variáveis biomassa e dominância que sofreram influência do turismo nas áreas avaliadas. De maneira geral, os trabalhos com a comunidade de algas discutem padrões ecológicos de recifes de corais do Caribe ou Pacífico, desconsiderando características próprias dos recifes brasileiros que possuem naturalmente uma cobertura elevada de algas (Mendes & Grimaldi, 2020). Além disso, aspectos de como o turismo influencia na relação de dominância, herbivoria e competição interespecífica, que são temas estudados em recifes no resto do mundo, ainda são incipientes para os recifes do Brasil.
A ictiofauna foi o único grupo estudado em todos os estados, com evidentes alterações na abundância, diversidade, na estrutura da comunidade e no comportamento dos animais, especialmente em áreas onde ocorre a alimentação suplementar por turistas. No entanto, houveram conflitos de resultados para riqueza e abundância de espécies em Pernambuco, em recifes onde não ocorre alimentação dos peixes. No Caribe, Hawkins et al. (1999) não observaram mudanças na ictiofauna em recifes com uso turístico. Já outros estudos realizados em Honduras (Titus et al., 2015) e no Mediterrâneo descreveram uma série de alterações ecológicas e comportamentais na ictiofauna, causadas principalmente pela alimentação de peixes (Milazzo et al., 2006).
A partir desses resultados, considera-se importante analisar os efeitos do turismo na ictiofauna de áreas onde impactos sinergéticos (ex. turismo de massa, pesca, pisoteio de áreas e poluição) podem estar alterando a estrutura da assembleia de peixes. Estudos em ambientes ripários alvos do turismo no Brasil, onde não há alimentação dos peixes, identificou-se uma série de alterações comportamentais na ictiofauna com questionamentos sobre os benefícios conservacionistas do ecoturismo realizado sem monitoramento e manejo adequado (Balduíno et al., 2017; Bessa & Gonçalves-de-Freitas, 2014).
Os invertebrados foram estudados com maior detalhe em Porto de Galinhas (PE), provavelmente pela maior acessibilidade, devido à baixa profundidade da área recifal e proximidade da costa. Nas demais áreas, poucas pesquisas foram empregadas e quando ocorreram o foco foi essencialmente nos impactos gerados pelo pisoteio. Alguns grupos de invertebrados, como os ouriços, podem desempenhar funções tão importantes no recife que sua modificação pode alterar todo o ecossistema. No Caribe foi documentado mudanças de fase de recifes com dominância de corais para dominância de macroalgas em virtude da mortalidade em massa de ouriços (Miller et al., 2003); e o estudo de Renfro & Chadwick (2017) relacionou alterações na abundância de ouriços em áreas com diferentes níveis de uso turístico. Portanto, é importante avaliar a influência deste táxon na estrutura da comunidade nos recifes brasileiros associada à atividade turística. Os moluscos também podem sofrer com a presença de mergulhadores e essa relação é pouco estudada, este grupo de organismos desperta a atenção dos visitantes e espécimes são facilmente capturadas como souvenir (Dias et al., 2011).
Os corais são os principais indicadores de impacto do turismo em recifes ao redor do mundo (Tratalos & Austin, 2001). Corais ramificados podem ser quebrados e a porcentagem de quebra ou taxa de mortalidade são facilmente aferidas e podem ser relacionadas às atividades turísticas. Contudo, no Brasil os trabalhos analisados apresentaram padrões divergentes de resultados considerando os impactos que o turismo pode causar. Este fato pode ser atribuído à baixa cobertura coralínea dos recifes brasileiros, com predominância da espécie Siderastrea stellata (Leão et al., 2003). Essa espécie, endêmica do Brasil, é considerada resistente a estresses ambientais (Poggio et al., 2009) e pode não responder aos impactos provocadas pelo turismo (Torres, 2016). Os corais moles (zoantídeos) também foram pouco estudados e, apesar de Lima (2016) ter observado alterações na abundância desses organismos em função do uso turístico, outros estudos não apontam consistentemente relações de distúrbios associados ao turismo (Santos et al., 2015; Yang et al., 2013).
A abundância de foraminíferos se mostrou um indicador do impacto do turismo em potencial nos recifes estudados, e estudos mais detalhados e abrangentes são necessários (Eichler et al., 2019).
São necessários estudos que incorporem múltiplos níveis de interações ecológicas nas análises dos impactos do turismo, destacando em seus resultados como as espécies podem responder de forma complexa e diferente aos danos em recifes submetidos à intensa visitação (Refron & Chadwick, 2017). Considerando a composição e construção não coralínea de boa parte dos recifes tropicais brasileiros, a avaliação de multi-indicadores se torna fundamental para o entendimento dos impactos da atividade turística, uma vez que as respostas nem sempre são tão claras para uma única variável ambiental.
Estudos sistemáticos e a longo prazo, que busquem compreender padrões e processos ecológicos são necessários nos ecossistemas recifais brasileiros como um todo (Ferreira & Maida, 2006). Para avaliação dos efeitos da atividade turística nos recifes não é diferente. É preciso definir indicadores e monitorá-los a fim de identificar alterações provocadas pela atividade o mais cedo possível, assim como tomar medidas para mitigação dos impactos antes que os danos sejam irreversíveis.
Quase um terço de todos os estudos analisados realizaram análises gerais dos impactos do turismo em ambientes recifais tropicais no Brasil, seja através de uma abordagem de manejo, impactos qualitativos, percepções ambientais, serviços ecossistêmicos e gestão costeira integrada. Esses estudos são fundamentais para definição de regras para as empresas, conduta dos visitantes nos recifes e para traçar atividades de planejamento de uso e educação ambiental.
Destaca-se o potencial do turismo em ambientes recifais na promoção da educação ambiental. Quando a visitação turística é integrada a um programa educacional é possível a gestão de áreas recifais com atividades múltiplas, gerando benefícios econômicos e sociais associados à conservação desses polos de vida marinha. Ardoin et al. (2015) apontam uma gama de atitudes e comportamentos pró-ambientais que podem ser modificados pela experiência com turismo de natureza. O turismo pode, portanto, ser uma atividade que promove ganhos econômicos, com foco conjunto em educação ambiental e transformação social.
Foram registrados poucos trabalhos que investigaram o comportamento dos mergulhadores e seus impactos diretos nos recifes, o que revela a deficiência de um campo de pesquisa fundamental para o desenvolvimento de turismo em ambientes recifais devidamente ordenado e planejado no Brasil. Compreender aspectos comportamentais, preferências e percepções dos mergulhadores pode orientar a gestão de áreas recifais e colaborar com o mercado de mergulho com foco na sustentabilidade do ecossistema e da atividade (Giglio et al. 2015).
Observou-se uma concentração dos estudos em poucos recifes, como: Maracajaú – RN, Porto de Galinhas – PE e Abrolhos – BA. Em Maracajaú, o incentivo à realização das primeiras pesquisas científicas na área ocorreu por pressão de empresários do mergulho, a fim de transformar o local em Unidade de Conservação (UC). Com isso, os empresários puderam regulamentar suas atividades e reduzir conflitos existentes com pescadores artesanais locais (Silva et al., 2009). Em Porto de Galinhas, a intensa atividade turística que envolve a prática de pisoteio de áreas recifais e alimentação de peixes, promoveu nítida alteração na estrutura da comunidade recifal, o que despertou a necessidade e interesse de pesquisas na área (Barradas et al., 2012). Além disso, a facilidade do acesso ao recife se torna um atrativo a mais para a realização de pesquisas neste local. Em Abrolhos, foram desenvolvidos os trabalhos pioneiros em ambientes recifais no Brasil (Leão, 1983) e também com tema de impacto do turismo (Leão et al., 1996, Creed & Amado-Filho, 1999) e a maioria das pesquisas está associada a questões do manejo e gestão do Parque Marinho.
No Ceará foram realizadas três pesquisas que avaliaram os impactos do turismo nos ambientes recifais, apesar de apresentar recifes de arenito e áreas para o turismo de mergulho como naufrágios e um Parque Marinho com operação turística regular. No Parque Marinho da Risca do Meio foram realizados estudos que abordaram aspectos da sua gestão, como a efetividade da UC (Lima-Filho, 2006), diagnóstico socioambiental (Andrade, 2015) e valoração ecológica (Carneiro et al., 2017), porém sem abordar sobre os possíveis impactos do turismo na área.
Devido a difícil logística de operação de mergulho no Parque Estadual Marinho Parcel de Manoel Luís, no Maranhão, o turismo é bastante incipiente na área, o que possivelmente não torna esse recife prioritário para estudos com o tema. É de suma importância que nos recifes com atividade turística, que apresentam carência de informações científicas, sejam feitos levantamentos iniciais e registros do perfil e preferências dos mergulhadores, principalmente no caso de unidades de conservação, que são espaços críticos a serem protegidos, a fim de traçar estratégias de manejo da atividade.
Um maior número de estudos sobre os impactos do turismo foi encontrado para os recifes de PE e RN, entretanto, os esforços de pesquisa são pouco empregados nos recifes costeiros profundos e naufrágios, onde há saídas regulares de operadoras de mergulho. Isso pode se dar pelas dificuldades logísticas e elevados custos para realização de pesquisas em ambientes profundos.
É importante destacar que o recife de Maracajaú/RN, tem um baseline de informações que permite a realização de pesquisas mais complexas no tema, como a compreensão da influência do turismo na estrutura da comunidade recifal incorporando diferentes grupos biológicos e suas relações ecológicas na análise. Destaca-se ainda que estes recifes estão inseridos na Área de Proteção Ambiental Estadual dos Recifes de Corais, e que os estudos desenvolvidos na área são utilizados como referência para o ordenamento da atividade de mergulho na área pelo órgão gestor (por ex. proibição de uso de nadadeiras, alimentação de organismos, uso de bóias etc.).
Estudos em novas áreas de mergulhos que vêm sendo exploradas com maior intensidade recentemente, como é o caso dos recifes de Seixas e Areia Vermelha na Paraíba, também são urgentes, a fim de subsidiar ações de ordenamento da atividade o mais cedo possível, e de minimizar os impactos a serem gerados futuramente. Além disso, são necessários esforços de pesquisa nos recifes urbanos, como no caso de Maceió e da Baía de Todos os Santos em Salvador, uma vez que estes possuem um maior potencial de degradação por estarem localizados muito próximos à praia, sujeitos de forma mais intensiva aos impactos da poluição e urbanização. Esses fatores podem atuar de forma sinergética com os danos advindos da atividade turística e devastar essas áreas costeiras (Renfro & Chadwick, 2017).
O turismo em massa é uma atividade intensiva e com elevado potencial de promover impactos socioambientais degradantes nas comunidades onde ocorre (Araújo & Carvalho, 2013). Este tipo de turismo vem acontecendo em ambientes recifais brasileiros, promovidos por pacotes que viabilizam a visita de um grande número de pessoas, em um curto período de tempo e em uma determinada área.
É de suma importância que seja dada atenção especial ao grupo de recifes que recebe esse tipo de visitação no Brasil (ex. Maracajaú/RN, Pirangi/RN, Picãozinho/PB, Areia Vermelha/PB, Porto de Galinhas/PB, Maragogi/AL, Recife urbanos de Maceió/AL, Recifes de Fora/BA, Taipu de Fora/BA), sendo estes mais susceptíveis aos impactos pela própria natureza da atividade, além de nem todos estarem incluídos em áreas protegidas. Butler (2006) descreve algumas fases características, peculiares e previsíveis a que tais destinos turísticos são submetidos, culminando no domínio de empresas sobre a comunidade local, baixa de preços e atração de turistas com menor poder aquisitivo, gerando, por fim, um desgaste econômico, social e ambiental da comunidade alvo.
Em situações de turismo em massa nos ambientes recifais, o perfil do visitante é de pessoas sem experiência com mergulho, movidas por pacotes promocionais, sem conhecimento do dano que podem causar e sem noção da qualidade das áreas que estão visitando (Araújo & Carvalho, 2013). Para esse público é necessário buscar alternativas que protejam áreas recifais com soluções a curto prazo. Treeck e Schuhmacher (1998) sugerem a construção de recifes artificiais que aliviariam a pressão sobre os recifes naturais. Estas construções poderiam servir para o treinamento de mergulhadores inexperientes e uso recreativo (Polak & Shashar, 2012). No entanto lançar mão desta estratégia requer estudo prévio detalhado a fim de compreender amplamente a região e os impactos que os recifes artificiais instalados em ambientes naturais podem gerar.
Definir a capacidade de suporte de cada recife também deve ser uma prioridade, contribuindo com um controle inicial necessário, o qual pode ser adequada ao longo do tempo com a caracterização do perfil do visitante e monitoramento sistemático da área (Rouphael & Hanafy, 2007).
O interesse conservacionista de uma determinada área normalmente é dirigido a locais com alta biodiversidade e elevada beleza cênica, e/ou habitats de espécies ameaçadas. Dessa forma, áreas marinhas protegidas (AMPs) podem exibir características físicas e biológicas que coincidem com as atrações dos destinos de turismo (Williams & Polunin, 2000). Além da criação e implementação de AMPs é necessária a elaboração e implementação de planos de manejo e definição do zoneamento da área, o qual deve ser acompanhado por meio de estudos e programas de monitoramento para a gestão adequada, incluindo o uso turístico.
Nas áreas não protegidas as pesquisas refletiram preocupação quando foram registradas alterações notáveis na estrutura da comunidade. Nas regiões turísticas inseridas em AMPs, as pesquisas científicas nortearam medidas de manejo visando a prevenção ou minimização dos impactos causados pelo turismo, como a limitação do número de visitantes, proibição do uso de facas, luvas e nadadeiras para snorkelers, incentivo ao uso de bóias, proibição da pesca e da alimentação de peixes, como é o caso dos recifes de Maracajaú/RN e do Parque Nacional Marinho de Abrolhos/BA.
Dessa forma, incentiva-se a criação de AMPs em áreas recifais com uso turístico, mesmo que esta atividade seja conduzida em pequena escala ou limitada a determinados períodos do ano, a fim de ocorrer a ordenação precoce da atividade turística e que esta possa se desenvolver de forma sustentável (Augustowski & Francine, 2002).
Este trabalho evidenciou a amplitude geográfica dos esforços de pesquisa sobre os impactos do turismo em ambientes recifais tropicais no Brasil, assim como a existência de conhecimento científico em áreas críticas para conservação. O ponto de partida para a gestão do turismo em ambientes recifais em um país com uma costa tão extensa como a do Brasil é a identificação das áreas onde a atividade ocorre e os impactos gerados. Este é o mapeamento inicial para o desenvolvimento posterior de estratégias de manejo que permitam reduzir ou mitigar os danos, aliado a propostas de gestão inovadoras com abordagem que integre soluções envolvendo os pilares da sustentabilidade - sistemas sociais, econômicos e ambientais.
O turismo em ambientes recifais é um dos subsegmentos do turismo de natureza que vem crescendo no planeta gerando uma indústria multimilionária e uma cadeia de serviços que emprega milhares de pessoas ao redor do mundo (Spalding et al., 2017). Esta atividade tem grande potencial em conciliar o desenvolvimento econômico, social e ambiental em uma comunidade (Tapsuwan & Asafu-Adjaye 2008). Ao caracterizar sua dimensão e seus impactos, se torna possível compreender a melhor maneira de promovê-la usufruindo ao máximo de seus benefícios com mínimo impacto socioambiental (Giglio et al. 2015).
Espera-se que a reunião das informações presentes neste trabalho auxilie na gestão integrada das atividades turísticas em ambientes recifais da costa brasileira e possa orientar estudos a serem conduzidos em áreas carentes em informações sobre o tema. Para gestão integrada do turismo marinho no Brasil é importante ponderar as peculiaridades do tipo de recife e possíveis indicadores que podem responder de forma diferenciada. Salienta-se que são necessárias medidas de manejo, ordenamento e normas gerais para o desenvolvimento do turismo em áreas recifais o mais cedo possível.
Para a compreensão integrada dos impactos do turismo em ambientes recifais do Brasil se faz necessário utilizar uma abordagem ampla, na qual a atividade está dentro de um sistema que tem padrões e se modifica ao longo do tempo. Uma vez que se conheça os atores envolvidos, as formas de atuação destes atores e os impactos positivos e negativos que eles podem produzir, é possível estabelecer maneiras de gerenciar esta atividade com base em diretrizes eficazes para as áreas recifais brasileiras.
Nós agradecemos a Fúlvio Freire, Tiego Araújo, Priscila Lopes, Guilherme Longo, Alexandre Pedrini, José Garcia Júnior e aos três revisores anônimos pelas considerações na construção deste trabalho; ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e a Universidade do Estado do Amapá pelo apoio.
Contribuições: Contribuiu na concepção da pesquisa, revisão da literatura, análise dos dados e discussão dos resultados.
Contribuições: análise dos dados e discussão dos resultados.
Contribuições: concepção da pesquisa e discussão dos resultados.
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