Resumo: A dispersão urbana é um processo de crescimento que vem ganhando força na construção de cidades em diferentes partes do mundo, como resposta aos processos de diferenciação social e desenvolvimento da mobilidade. Nas últimas décadas tem se materializado em destinos turísticos litorâneos na forma de condomínios fechados de segundas residências, shopping centers e parques temáticos, que enfraquecem os espaços públicos, contribuindo negativamente para a sua hospitalidade urbana. Ao mesmo tempo, a sazonalidade turística, fenômeno inerente a qualquer destino, é particularmente forte nos litorâneos. O objetivo principal desta pesquisa é analisar a apropriação sazonal dos espaços públicos em destinos turísticos litorâneos, por meio do estudo das relações entre fenômenos de dispersão urbana e hospitalidade urbana. De natureza qualitativa, este trabalho caracteriza-se por ser explicativo, e utiliza a pesquisa bibliográfica para a coleta de dados. A pesquisa demonstra que a forma urbana dispersa, que afeta negativamente a hospitalidade do destino, leva a uma apropriação excessivamente sazonal de seus espaços públicos, enquanto a forma urbana compacta cria ambientes urbanos hospitaleiros, resultando em menor sazonalidade nestes espaços.
Palavras-chave: Apropriação Sazonal de Espaços Públicos, Dispersão Urbana, Hospitalidade Urbana, Sazonalidade Turística.
Abstract: Urban sprawl is a growth process that has been gaining strength in the construction of cities in different parts of the world, as a response to the processes of social differentiation and the development of mobility. In recent decades it has been happening in coastal tourist destinations in the form of second-home gated communities, malls and theme parks, which weaken public spaces, negatively contributing to their urban hospitality. At the same time tourist seasonality, a phenomenon inherent to any destination, is particularly strong on the coast. The main objective of the research is to analyze the seasonal appropriation of public spaces in coastal tourist destinations through the study of the relationships between the phenomena of urban sprawl and hospitality. Qualitative in nature, this work is characterized by being explanatory, and uses bibliographic research to collect data. The research showed that the urban sprawl form, which negatively affects the hospitality of the destination, leads to an excessively seasonal appropriation of its public spaces, while the compact urban form creates hospitable urban environments that present less seasonality in their public spaces.
Keywords: Seasonal appropriation of public spaces, Urban Sprawl, Urban Hospitality, Tourist Seasonality.
Resumen: La dispersión urbana es un proceso de crecimiento que ha ganado fuerza en la construcción de ciudades en diferentes partes del mundo, como respuesta a los procesos de diferenciación social y desarrollo de la movilidad. En las últimas décadas se ha materializado en destinos turísticos costeros en forma de condominios cerrados para segunda residencia, centros comerciales y parques temáticos, que debilitan los espacios públicos, contribuyendo negativamente a su hospitalidad urbana. Al mismo tiempo, la estacionalidad turística, fenómeno inherente a cualquier destino, es especialmente fuerte en las zonas costeras. El objetivo principal de esta investigación es analizar la apropiación estacional de los espacios públicos en los destinos turísticos costeros, a través del estudio de las relaciones entre los fenómenos de dispersión urbana y la hospitalidad urbana. De carácter cualitativo, este trabajo se caracteriza por ser explicativo, y utiliza la investigación bibliográfica para la recolección de datos. La investigación demuestra que la forma urbana dispersa, que afecta negativamente a la hospitalidad del destino, conduce a una apropiación excesivamente estacional de sus espacios públicos, mientras que la forma urbana compacta crea entornos urbanos hospitalarios, lo que resulta en una menor estacionalidad de sus espacios públicos.
Palabras clave: Apropiación Estacional del Espacio Público, Dispersión Urbana, Hospitalidad Urbana, Estacionalidad Turística.
Artigos - Turismo e Sociedade
Apropriação sazonal dos espaços públicos: dispersão urbana e hospitalidade em destinos turísticos litorâneos brasileiros
Seasonal appropriation of public spaces: urban sprawl and hospitality in brazilian coastal tourist destinations
Apropiación estacional de los espacios públicos: dispersión urbana y hospitalidad en destinos turísticos costeros brasileños
Recepção: 02 Março 2022
Aprovação: 17 Maio 2022
Desde a Antiguidade, o turismo tem sido um agente propulsor de mudanças sociais e do ambiente físico. O deslocamento de pessoas de suas residências para outras localidades tem contribuído para o surgimento de novos núcleos urbanos e o desenvolvimento de outros. Os destinos litorâneos, há muito, têm sido um dos preferidos da população, desde quando o banho de água salgada era considerado terapêutico, hábito que perdura em decorrência também das paisagens paradisíacas que permeiam a ambiência destes espaços circundados pelo mar e pela morfologia que o cerca.
Esta preferência pela ocupação de áreas litorâneas desperta a atenção de estudiosos para analisar os impactos que o turismo de sol e praia tem promovido junto destas regiões, ora positivos, ora negativos.
A dispersão urbana é um fenômeno que pode ser observado em várias cidades e sua presença é resultado de dinâmicas recentes que respondem, principalmente, aos processos de diferenciação social (Ascher, 2004) e ao desenvolvimento da mobilidade. Para Camargo (2021), mobilidade e velocidade, categorias de espaço e de tempo, imprimiram um ritmo acelerado às mudanças, pois a dinâmica da cidade moderna destrói nossos lugares, sobretudo os espaços de intimidade, como as vizinhanças.
A dispersão urbana caracteriza-se pelo esgarçamento do tecido urbano por uma vasta área do território (Ascher, 2004; Peri, 2005; Reis, 2007; Domingues, 2009). Contudo, ao mesmo tempo que permite a democratização dos deslocamentos, materializa-se em espaços segregadores, individualizados e pouco hospitaleiros, que enfraquecem o protagonismo do espaço público das cidades e promovem o seu esvaziamento (Serpa, 2007; Lopes et al., 2018).
No Brasil, a forma urbana dispersa pode ser verificada em diversos destinos turísticos, sobretudo nos litorâneos da região Nordeste (Vilar & Santos, 2012), da região Sudeste (Sabino, 2012) e da região Sul (Reis, 2013; Lopes et al., 2018), materializados por meio de condomínios fechados de segunda residência, parques temáticos e shoppings centers, ocupados, mormente, na alta temporada.
Durante a alta temporada de verão as cidades litorâneas apresentam ocupação excessiva de turistas e, após este período, apresentam um esvaziamento, fenômeno de sazonalidade turística que o Ministério do Turismo (MTur) reconhece como inerente aos destinos caracterizados pelo turismo de Sol e Praia (MTur, 2010).
A sazonalidade turística é reconhecida como uma característica própria do turismo, em uma perspectiva global (Butler, 1994), decorrente deste movimento de concentração de atividades turísticas no espaço e no tempo, ora com picos de prestação de serviços e presença de turistas em determinados períodos do ano, ora com o esvaziamento, entre outros (Baron, 1975; Butler, 1994; Ruschmann, 2004). Esse fenômeno, quando exacerbado, pode acarretar diversos problemas relacionados à qualidade dos espaços e serviços públicos do destino (Guimarães & Santos, 2014).
Ao discutir os impactos da dispersão e da sazonalidade na cidade litorânea é possível defrontar com outro importante tema a ela relacionado, a sustentabilidade, assunto que faz parte da pauta de várias áreas do conhecimento e de organizações como a Organização das Nações Unidas (ONU), que estabelece 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Dentre eles, destaca-se o ODS de número 11, Cidades e Comunidades Sustentáveis - que aborda o turismo como um agente que pode contribuir para avanços na infraestrutura urbana e acessibilidade universal, promover regeneração de áreas degradadas e preservar o patrimônio cultural e natural, ao mesmo tempo em que é incentivada a ocupação mais racionalizada do território, onde se prevê a redução de consumo do solo em relação ao aumento da densidade populacional (ONU, 2021).
Sob essa ótica, pressupõe-se que a dispersão urbana cria destinos pouco hospitaleiros, fortalecendo a ocupação sazonal dos espaços públicos dos destinos litorâneos, já impactados pelo turismo de Sol e Praia, prejudicando, inclusive, a sustentabilidade do destino. Dessa forma, esta pesquisa teve como objetivo principal analisar a apropriação sazonal dos espaços públicos em destinos turísticos litorâneos, por meio da contextualização do fenômeno da dispersão urbana em destinos turísticos litorâneos, a contextualização do tema hospitalidade urbana e a criação de uma nova categoria de análise turística, de natureza espaço-temporal, chamada Apropriação Sazonal dos Espaços Públicos.
A ocorrência dos fenômenos da dispersão urbana e da sazonalidade turística podem coexistir, e ambos findam no esvaziamento dos espaços urbanos. Os resultados obtidos por esta pesquisa evidenciam dados que podem balizar algumas tomadas de decisão durante a elaboração de planos para o desenvolvimento urbano e turístico, principalmente, no que se refere a projetos de espaços públicos e a diretrizes de ocupação urbana litorâneas. Por fim, contribuir para o desenvolvimento de destinos turísticos mais hospitaleiros, menos sazonais e, portanto, mais sustentáveis.
Vale ressaltar que esta investigação não pretende esgotar a discussão, mas enaltecer a importância de experimentar, de estimular o desenvolvimento de estudos que aproximem os problemas existentes a indicadores que objetivem refletir sobre preocupações sociais relativas ao meio ambiente e inseri-los coerentemente no processo de tomada de decisões.
Este documento está estruturado em cinco seções. A próxima seção apresenta os procedimentos metodológicos utilizados para desenvolvimento do estudo. As seções posteriores discutem sobre a dispersão urbana em destinos litorâneos, as categorias da hospitalidade urbana e a apropriação sazonal dos espaços públicos. E, por fim, a seção final apresenta a conclusão e as implicações da pesquisa.
A pesquisa, de abordagem qualitativa, caracteriza-se por ser explicativa, e utiliza como procedimento de pesquisa o levantamento bibliográfico. A pesquisa bibliográfica, caracterizada pelo levantamento de livros e artigos científicos (Gil, 2002), foi utilizada para estudar os fenômenos da dispersão urbana e da hospitalidade urbana. Foram utilizadas as bases de dados EBSCO, SciELO, Periódicos (CAPES) e Google Scholar, bem como a utilização de autores clássicos do tema. Como estratégia de pesquisa, foram realizadas pesquisas booleanas com as palavras-chave: dispersão urbana, hospitalidade urbana, destino turístico litorâneo, bem como suas variações e traduções para o inglês (Quadro 1).
Como forma de relacionar os fenômenos ao propor uma nova categoria, chamada Apropriação Sazonal dos Espaços Públicos, a pesquisa utiliza como método de análise de dados a Análise de Conteúdo, um conjunto de técnicas que utiliza procedimentos sistemáticos, utilizados principalmente para dados qualitativos, onde podem ocorrer categorizações dos temas abordados (Bardin, 1977). É importante porque esse tipo de abordagem permite desvelar processos sociais ainda pouco conhecidos, referentes a grupos particulares, além de permitir a criação de novas abordagens, revisão e criação de novos conceitos e categorias durante o processo investigativo (Cavalcante et al., 2014). Assim, é possível criar um modelo de entendimento profundo de ligações entre elementos, como forma de entender o objeto de estudo (Minayo, 2007).
O tema dispersão urbana é muito relevante nos estudos que versam o urbanismo, principalmente pelo porte que adquiriu ao longo do tempo, tornando-se tão ou mais importante, inclusive, do que os estudos sobre as cidades compactas (Coelho, 2016).
Os primeiros estudos sobre situações correlatas ao fenômeno da dispersão urbana surgem nos Estados Unidos, a partir da década de 1960 (Coelho, 2016), quando Gottmann (1961) relata o leapfrog development, um tipo de expansão urbana que se espalha ao longo do território, deixando vazios entre uma ocupação e outra, e quando Harvey & Clark (1965) abordam o urban sprawl, uma forma de ocupação urbana que ocorre nas bordas de áreas metropolitanas, com características residenciais de baixa densidade.
De lá para cá, diversos autores, de diversas origens, abordaram o tema da dispersão urbana (Diógenes, 2015), com destaque para a escola europeia, com François Ascher no caso francês, Francesco Indovina, Bernardo Secchi e Giuseppe Dematteis no caso italiano, Manuel de Solà-Morales Rubió, Antonio Font e Francesc Muñoz no caso espanhol, Álvaro Domingues no caso português e, na América do Sul, destaca-se o caso brasileiro descrito por Nestor Goulart Reis.
Reis (2015) diz que a dispersão urbana é um fenômeno típico de países de economia avançada e de países emergentes, de qualquer continente, e que teve início no Brasil nas últimas décadas do século XX e nas primeiras do século XXI. Para Reis (2007), a dispersão urbana é caracterizada como o esgarçamento do tecido urbano, com a urbanização se estendendo por um vasto território, com núcleos urbanos separados no espaço por vazios intersticiais, mantendo vínculos estreitos entre si e configurando um único sistema urbano. Em consequência deste fato, surgem diversos núcleos urbanos de diferentes dimensões, integrados às aglomerações urbanas metropolitanas e sub metropolitanas, com o sistema de vias de transporte inter-regionais utilizado como apoio ao transporte diário.
O fenômeno de dispersão urbana é um recente e muito acelerado processo de descentralização de atividades sobre o território, não estando mais relacionado necessariamente à aglomeração física das edificações, do emprego e da própria população. Tradicionalmente, o crescimento de cidades e territórios urbanos se dava através de características de continuidade, coesão e compacidade. Agora, essa nova urbanização ocorre de maneira dispersa, onde o território urbano pode ser conformado por peças separadas, cada vez mais auto-organizadas e independentes, de forma descontínua, que se associam a elementos de grande força na articulação dos territórios, como as infraestruturas arteriais de comunicação e mobilidade (Peri, 2005; Domingues, 2009, Dematteis, 2015).
Diferentes autores têm chamado atenção para o fato de que há mudanças significativas nas formas de assentamento humano. Sposito (2009), por exemplo, cita que nos últimos 30 anos, a diversidade de iniciativas de produção de novos espaços e edificações, bem como as de refuncionalização de outros, cria ambientes de vida social, propiciados pela extensão dos tecidos urbanos e pela completa redefinição das lógicas ocupacionais. Essas novas formas de se produzir e se apropriar do espaço causam impactos importantes na vida econômica e social, criando, sobretudo, novos habitats residenciais. No Brasil, Chatel & Sposito (2015) destacam que a urbanização está concentrada principalmente na larga faixa de centenas de quilômetros que se estendem a partir do litoral.
Nas regiões litorâneas, a produção do espaço urbano ligado ao turismo pode estar relacionada ao que Boullón (2006) define como corredores turísticos, subdivididos em corredores turísticos de passagem e corredores turísticos de estadia. Os corredores turísticos de passagem correspondem à rede de estradas e caminhos por onde transitam os fluxos turísticos. Já os corredores turísticos de estadia correspondem às superfícies justapostas a rios, lagos e mares, onde distribuem-se linearmente os alojamentos turísticos. As diferenças entre eles são a forma de distribuição dos atrativos, a forma de assentamento da ocupação turística e sua função.
Boullón (2006) defende que os destinos turísticos litorâneos sejam desenvolvidos através do que chama de cidade linear, contínua, porque assim os principais acessos aos atrativos turísticos se dão frontalmente e a distribuição de turistas se dá de maneira mais racionalizada. O autor também cita as concentrações escalonadas, que acontecem “...con mayor frecuencia em las costas cuando uma serie de playas se suceden formando arcos separados por paredes de rocas que culminan sus extremos e interrumpen su continuidade.” (Boullón, 2006, p.85). Neste caso, o autor cita que a concentração escalonada pode evoluir para uma cidade linear.
Fenômeno recorrente em diversas partes do mundo (Reis, 2015), a dispersão urbana em destinos turísticos litorâneos também ocorre no Brasil, como o caso do litoral nordestino, onde a urbanização dispersa começa a dar sinais de consolidação. O crescimento se dá de forma descontínua no espaço urbano e metropolitano, estando vinculado principalmente à expansão da segunda residência e ao desenvolvimento do turismo, a partir da valorização cultural dos ambientes de praia (Vilar & Santos, 2012). No Litoral Sudeste, está em curso um processo de urbanização do território voltado para o desenvolvimento turístico, sobretudo margeando o litoral, por meio de domicílios de uso ocasional, com presença de condomínios horizontais e verticais (Sabino, 2012). Na Região Sul, é possível destacar o caso do Litoral Norte do Rio Grande do Sul, onde a implantação de condomínios horizontais para segunda residência se intensificou a partir da segunda metade da década de 1990, principalmente no Município de Xangri-Lá, onde mais de 40 condomínios foram construídos entre os anos de 1995 e 2013 (Lopes et al., 2018), e também, no Litoral Catarinense, onde a ocupação urbana-turística ganha força com o desenvolvimento do turismo de segunda residência, que se materializa em diversas formas, mas que apresenta diversas áreas de ocupação com baixa densidade por meio de condomínios fechados horizontais (Reis, 2013).
O turismo de segunda residência é uma tipologia turística que está ligada à hospedagem em temporadas de férias, feriados e finais de semana, utilizadas temporariamente para momentos de lazer e de recreação, por pessoas que têm residência permanente em outro lugar (Pearce, 1991; Tulik, 2001; Torres, 2003).
A segunda residência exerce influência na organização dos espaços por onde se desenvolve, principalmente pela forma que dinamiza as paisagens. É uma modalidade de alojamento turístico que vem crescendo, tanto em áreas urbanas quanto rurais, provocando diversas transformações socioespaciais (Assis, 2003).
Sob a premissa de Assis (2003), percebe-se a importância de analisar as ocupações urbanas de segunda residência sob uma perspectiva morfológica. Em destinos turísticos litorâneos, as habitações de segunda residência tendem a se materializar em forma de condomínios fechados organizados verticalmente – edifícios de apartamentos - ou horizontalmente – edificações unifamiliares, distribuídas em um simulacro de um bairro residencial, cercados por muros e com acesso restrito. Espacialmente, esses condomínios funcionam como peças autônomas em relação aos núcleos urbanos já existentes (Lopes et al., 2018), fazendo parte de um circuito fechado de consumo, onde ainda podem ser encontrados espaços de lazer, como os parques temáticos, e de compras, como os shoppings centers, articulados através de serviços próprios de transporte (Serpa, 2007; Corrêa, 2011).
No Brasil, os condomínios fechados estão em grande expansão e, mesmo em cidades relativamente pequenas, compõem uma forma espacial que condensa diversos significados. São componentes de um processo de forte valorização fundiária e promoção imobiliária, envolvendo maior “escala de investimentos, espaços e grupos sociais de alta renda” (Côrrea, 2011, p.25). Esses empreendimentos envolvem a mobilização de diversos capitais para o sucesso de sua implantação, como empreiteiras, ações de marketing e infraestruturas urbanas realizadas pelo próprio Estado.
Com a proliferação dos condomínios fechados, o bairro deixa de ser o lugar de integração entre as relações de amizade e de profissionais, os vizinhos deixam de ser os amigos ou parentes, à exceção de alguns guetos de ricos e pobres (Ascher, 2004). Os condomínios acentuam a diferenciação social e a segregação entre grupos em comum, como familiares, amigos e pessoas de mesma classe social, e a fuga das outras classes e perigos do exterior.
Dessa forma, os condomínios se tornam “ilhas preservadas como resposta às ameaças e perigos das diferenças sociais, onde são oferecidos padrões de segurança, privacidade e status que são relacionados como símbolos de qualidade de vida (Assen de Oliveira, 1999, p.111)”. Os condomínios fechados oferecem um modo de vida próprio, onde suas infraestruturas internas, como as áreas de lazer, exercem importante papel. As relações extra condomínio se dão, por vezes, através de meios de comunicação eletroeletrônicos, e a articulação é feita apenas, ou principalmente, para outros circuitos fechados de consumo, através de serviços próprios de transporte (Corrêa, 2011).
Contudo, essa tendência pela dispersão das atividades urbanas em vastas extensões do território e a preferência pela mobilidade privada – e motorizada, desestimula os deslocamentos a pé, impactando diretamente a qualidade do espaço público que, esvaziado e enfraquecido, torna-se inseguro (Gehl, 2015). Além disso, segundo Assen de Oliveira (1999), os condomínios podem representar certas interrupções no traçado e problemas no sistema de espaços públicos necessários à continuidade urbana. Sua presença, inclusive, ocasiona em ruas desertificadas graças às suas grandes extensões fechadas (Assen de Oliveira, 1999; Reis, 2000; Serpa, 2007; Corrêa, 2011; Lopes et al., 2018).
Como os condomínios fechados e outras formas de ocupação urbana dispersa fortalecem o espaço privado em detrimento do espaço público, este espaço público se torna cada vez mais esvaziado, enfraquecido e inseguro, em um ciclo vicioso.
Em destinos turísticos litorâneos, onde o setor turístico é considerado uma das categorias de maior crescimento (Hall, 2001), e por sua forte natureza sazonal, vinculada principalmente a fatores climáticos (Baron, 1975; Butler, 1994; Yu et al., 2009; Kellens et al., 2011; Bestard & Nadal, 2011; Ridderstaat et al., 2014; Guimarães & Santos, 2014; Li et al., 2017; Dube & Nhamo, 2018) e ao turismo de Sol e Praia (Brasil, 2010), proliferam ocupações urbanas dispersas, sobretudo na forma de condomínios fechados para segunda residência, que podem responder à insegurança gerada pelo esvaziamento das cidades na baixa temporada (Lopes, 2014).
O fortalecimento do turismo de segunda residência potencializa a sazonalidade turística dos municípios litorâneos, pois a escassa oferta de espaços comerciais dificulta a promoção e dinamização dos destinos fora da alta temporada (Andreu, 2014). Ou seja, a falta de atrativos fortalece a característica de sazonalidade marcante, onde, na baixa temporada, os espaços públicos se tornam ainda mais esvaziados.
Neste caso, ocupam-se as melhores porções territoriais do destino turístico litorâneo, à beira-mar, para ocupações predominantemente residenciais, ou bairros de veraneio. Durante o período das férias ou feriados prolongados esses bairros permanecem lotados. Contudo, no resto do ano, eles ficam vazios, configurando locais inseguros e caros para serem mantidos pela prefeitura (Severini et al., 2020). Assim, entende-se que os fenômenos da dispersão urbana e da sazonalidade turística podem coexistir e que podem se relacionar e se influenciar.
A análise da dispersão urbana é realizada por meio da identificação dos polígonos, uma forma de ocupação urbana dispersa descrita por Solà-Morales (1997), e utilizada por Lopes et al. (2018) no estudo do Litoral Norte do Rio Grande do Sul ao tratar de condomínios fechados. Os polígonos são marcados pelo uso residencial intensivo, onde o parcelamento (lotes), a urbanização (traçado viário) e a edificação (tipologia) se fazem conjuntamente dentro de uma única operação, que pode ser impulsionada pela iniciativa privada ou pelo setor público. Destacam-se como características desse processo de crescimento urbano disperso a busca de solo barato, descentralização e perifelismo. Os polígonos possuem projeto, atuação e gestão unitária, que geram, por consequência, crescimento urbano por pacotes fechados, bordas descontínuas, segregação e monotonia de seu interior.
Nos tempos contemporâneos, o conceito de hospitalidade diz respeito à receptividade, ao acolhimento, ao bem-estar, ao conforto e à inclusão (Oliveira et al., 2020). Para Camargo (2015), a hospitalidade estuda a relação interpessoal como resgate, a reconstrução dos vínculos sociais que acontecem nos interstícios do cotidiano, em uma realidade marcada pela inospitalidade e hostilidade.
Assim, a hospitalidade pode ser entendida como um rito, ou seja, uma sorte de direitos e restrições impostas aos visitantes: seja visitar ou receber amigos em casa, confraternizar com as pessoas na rua, nas empresas, ou mesmo nas mídias sociais, todas são atividades atreladas ao rito da hospitalidade (Camargo, 2015; Grinover, 2015).
Para Camargo (2004, 2015), existem duas escolas que versam sobre o estudo da hospitalidade: a escola americana, baseada em relações comerciais entre hóspedes e anfitriões; e a escola francesa, ancorada no conceito de dádiva dar-receber-retribuir, baseada no livro de Marcel Mauss, Ensaio Sobre a Dádiva e o Dom (1974), e que está presente sobretudo na hospitalidade doméstica e pública. A hospitalidade pública se refere à cidade, seus espaços e as soluções utilizadas para promover a qualidade de vida de moradores e a acolhida dos visitantes (Cruz, 2002).
Na escola francesa, além de Mauss, destacam-se os sociólogos Anne Gotman e Alain Caillé, que, segundo Camargo (2004), descrevem a hospitalidade como um conjunto de leis não escritas que regulam o ritual social. A utilização ou não dessas leis não escritas resulta no que se entende como hospitalidade ou hostilidade (Spolon, 2009).
Para Caillé (2002), a dádiva é um fenômeno social inerente ao ser humano, que pode ocorrer entre amigos, familiares ou mesmo estranhos, sob a forma de presentes, hospitalidade ou serviços.
A hospitalidade pode se manifestar em distintos cenários, seja na casa, chamada de hospitalidade doméstica, seja nas cidades, chamada hospitalidade urbana. A cidade, desde o início da Idade Moderna, vem tomando lugar da hospitalidade doméstica, sendo palco para emitir ou receber visitantes, sejam turistas ou migrantes (Camargo, 2008).
Ao contrário das outras dimensões da hospitalidade, a hospitalidade urbana utiliza o espaço público como palco para sediar as relações sociais entre hóspedes e anfitriões (Severini & Vargas, 2017). No Brasil, destaca-se nos estudos sobre a hospitalidade urbana o autor Lucio Grinover (2007, 2013, 2015), que define o termo e elenca distintas categorias de análise da hospitalidade nos espaços urbanos, ou seja, nas cidades.
Para Grinover (2007), a hospitalidade é uma virtude e uma qualidade social, que também pode estar vinculada à qualidade espacial de uma cidade, por meio de suas ruas, praças, monumentos e à própria população que a habita. Ou seja, ao entender uma cidade - ou um destino turístico - como um anfitrião, a forma como recebemos um visitante ou um turista, desde sua chegada ao seu acolhimento, pode determinar se esse lugar é, ou não, hospitaleiro.
A hospitalidade em uma cidade é um fenômeno que implica a organização de lugares coletivos e que possui certos princípios, como a garantia de acesso a todos os cidadãos aos equipamentos, aos serviços e ao transporte público, por exemplo. As praças em culturas ocidentais, por exemplo, eram símbolos da hospitalidade de uma cidade, uma vez que concentravam diversas funções e atividades vitais, ligadas aos mercados e às catedrais, bem como eram palco de manifestações culturais. A praça moderna, por outro lado, perdeu muito de suas características hospitaleiras, não sendo mais local de encontros e trocas (Grinover, 2007).
A escala também é uma característica de cidades hospitaleiras. Apesar de Grinover (2007) citar quatro delas, destaca-se a escala local, que é entendida pelo plano urbano, um espaço que pode ser utilizado intensa ou discretamente, pela vida cotidiana. Esse espaço pode corresponder ao quintal, à rua, ao quarteirão ou ao bairro. Ou seja, são lugares onde é possível chegar de forma rápida e fácil a pé, onde pode ocorrer apropriação, e onde ocorre, no sentido clássico da hospitalidade, as relações entre anfitriões e hóspedes.
Grinover (2007, 2013) também aborda seis dimensões que julga fundamentais que coexistam e se equilibrem para garantir que uma cidade seja hospitaleira: acessibilidade, legibilidade, identidade, qualidade de vida, urbanidade e cidadania. Baseado nos trabalhos de Grinover (2007, 2013) e em autores como Jacobs (1961), Lynch (1997) e Gehl et al. (2006), Gehl (2011, 2015), Severini (2014) e Severini et al. (2020) desenvolveram quatro categorias de análise de ordem físico-espacial sobre a hospitalidade urbana e suas aplicações em destinos turísticos: diversidade, permeabilidade, legibilidade e conforto, utilizadas nesta pesquisa.
A diversidade está relacionada com a variedade de usos e atividades em um trecho urbano, que oportuniza encontros, compras e negócios. Também está vinculada à atração de pessoas com características diversas, traduzindo sua receptividade, o que é bom para o turismo, já que os visitantes se sentem mais à vontade, pois suas chances de encontrar alguém com as mesmas características aumentam. A segunda categoria, permeabilidade, diz respeito à facilidade que as pessoas têm de transitar por um espaço, por meio de distâncias curtas, sobretudo no nível térreo. Soma-se a isso a possibilidade de permear com o olhar, através de vitrines, janelas viradas para a rua, gradis e cercas ao invés de muros cegos, que são potencializados quando os edifícios são implantados no alinhamento dos lotes. A terceira categoria, legibilidade, diz respeito à capacidade de uma pessoa, turista ou moradora, de se referenciar no espaço urbano através da identificação de edifícios excepcionais, arte urbana, comunicação visual urbana, marcos e/ou diferentes tipologias arquitetônicas. Por fim, a quarta categoria, conforto, dá conta da identificação dos espaços confortáveis, tanto no sentido físico e ambiental, por meio de elementos arquitetônicos e paisagísticos, como mobiliário urbano, banheiros públicos, materiais construtivos de qualidade, arborização, refúgios de descanso, entre outros, quanto no sentido sensorial, através da relação entre largura de ruas e altura dos edifícios (Severini, 2014; Severini et al., 2020).
Em seus trabalhos, Severini (2014) e Severini et al. (2020), abordam as vantagens das cidades compactas para constituir hospitalidade urbana, porém descrevem tímida e superficialmente as condições da hospitalidade em cidades dispersas e suas relações com a sazonalidade dos espaços.
Contudo, entende-se que, em consequência à dispersão urbana, ou seja, à preferência do carro em detrimento do pedestre, com a implantação das chamadas freeways urbanas, à implantação de condomínios fechados, shoppings centers e parques temáticos, que resultam em áreas de descontinuidade urbana, os espaços públicos tornam-se desvalorizados, sem identidade, legibilidade e acessibilidade para pedestres, criando, portanto, cidades pouco hospitaleiras (Grinover, 2007, 2013) que, em destinos turísticos, são incapazes de prolongar a estadia de visitantes (Ferraz, 2013), e, em muitos casos, atraí-los fora da alta temporada.
Isso acontece porque, para Grinover (2007), a qualidade espacial de uma cidade, por meio de suas ruas, praças e monumentos, são elementos importantes que podem indicar se o destino turístico é ou não hospitaleiro. Assim, entende-se que o protagonismo do espaço público é essencial para o sucesso de um destino. Uma cidade hospitaleira é aquela que garante diversidade, permeabilidade, legibilidade e conforto aos moradores e aos turistas (Severini et al., 2020).
Quando Jacobs (1961) fala sobre a necessidade de constituir diversidade urbana como forma de trazer movimento às ruas em diversos períodos do dia e, portanto, garantir segurança e total desenvolvimento do potencial do espaço público, pode-se entender a situação contrária, de pouca diversidade e frequente enchimento e esvaziamento, como uma forma de sazonalidade, ou seja, uma condição de apropriação espaço-temporal. Essa mesma lógica pode ser aplicada em destinos turísticos. É importante questionar por que certos destinos turísticos atraem turistas em distintas épocas do ano e porque certos destinos turísticos enchem em uma determinada época do ano e, em outras, se esvaziam.
Em uma cidade, Jacobs (1961), Gehl (2011, 2015) e Gehl et al. (2006) afirmam que pouca diversidade de usos, de pessoas, de tipos e estados de edifícios, além da baixa qualidade das interfaces entre edifício e rua e, ainda, a presença de ruas e quadras longas (não compactas), shoppings centers, conjuntos habitacionais e comerciais – típicos de ocupação dispersa, entre outros, costumam afastar as pessoas, pelo menos em certos períodos do dia. Ou seja, os autores atribuem causas a esse esvaziamento repentino. Ao mesmo tempo, Baron (1975) e Butler (1994) atribuem aos fatores climáticos e calendário, principalmente, as principais causas da sazonalidade turística em um destino. Adicione-se a isso a pouca variedade de atrativos turísticos em um destino e a sazonalidade vai ser ainda mais exacerbada.
Dessa forma, entende-se que as cidades idealizadas por Jacobs (1961), Gehl et al. (2006) e por Gehl (2011, 2015) podem atrair muitas pessoas durante todo o tempo e podem ser, também, se forem retomados os estudos de Grinover (2007, 2013), Severini (2014) e Severini et al. (2020), consideradas hospitaleiras, já que concedem ao pedestre o protagonismo. Ou seja, um destino turístico hospitaleiro também pode ser capaz de atrair turistas durante vários períodos do ano, atenuando a sua sazonalidade. Por outro lado, os efeitos da sazonalidade devem ser ainda mais marcantes em destinos turísticos mais dispersos, portanto menos hospitaleiros.
Avaliando o desenvolvimento dos destinos turísticos litorâneos de segunda residência por meio da dispersão urbana sobre o território, Martins (2015) explora, em seus estudos sobre o Algarve, Portugal, um processo de urbanização vinculado ao fenômeno da sazonalidade turística nessa região litorânea. O autor nomeia esse processo como Metropolização Sazonal, uma forma teórica de compreensão e explicação de natureza espacial, produtiva/laboral e lúdica, que foi transformando progressivamente o território, população e economia da região, resultando em uma forma urbana sazonal, que tem efeitos permanentes sobre o espaço urbano.
Ao mesmo tempo, a preocupação com a sazonalidade em destinos turísticos litorâneos também foi tratada por Leite (2017), que elencou seis categorias que permitem traçar ações que atenuem a sazonalidade em destinos turísticos litorâneos, mais especificamente no destino de Balneário Camboriú, Santa Catarina, tema de seus trabalhos. Destacam-se, entre eles, por suas características espaciais, a adequação de infraestruturas existentes, por meio da implantação de coberturas ou iluminações, por exemplo, que permitam a utilização dos espaços em distintas épocas e condições climáticas e o uso múltiplo, que significa complementar com atividades de baixa temporada a atrativos locais de uso habitual na alta temporada, como atividades nas ruas e praças.
Ou seja, entende-se que a forma urbana, compacta ou dispersa, tem relação com a hospitalidade. A dispersão urbana, por exemplo, cria espaços públicos monótonos e desvalorizados, com pouca diversidade de usos, pouca permeabilidade, legibilidade e conforto, ou seja, influencia negativamente a hospitalidade no destino turístico, em particular o litorâneo.
Ao mesmo tempo, o destino turístico litorâneo pouco hospitaleiro desestimula a permanência dos turistas, inclusive repelindo-os fora da alta temporada, onde as temperaturas mais altas favorecem o turismo de Sol e Praia, influenciando diretamente na sazonalidade turística do destino.
A sazonalidade turística marcante em destinos de Sol e Praia faz com que, em diversas épocas do ano, o espaço público fique desertificado, desvalorizado e, portanto, inseguro. Assim, uma das respostas é a criação de condomínios fechados para segunda residência, que oferecem a segurança nas épocas de baixa temporada, em um ciclo vicioso.
Por outro lado, em destinos turísticos litorâneos com ocupação urbana mais compacta, há influência positiva na hospitalidade urbana, pois são valorizados diversos atributos importantes, como a variedade de usos, a variedade de espaços públicos, a permeabilidade, a legibilidade e o conforto.
Assim, um destino com boa hospitalidade urbana é mais capaz de receber eventos, usos múltiplos e diferentes tipos de apropriação durante o todo o ano, o que, por consequência, pode amenizar a sazonalidade turística.
Um turismo menos sazonal influencia a forma urbana, pois o número mais homogêneo de turistas ao longo do ano pode garantir mais pessoas usando o espaço público que, valorizado, estimula que ocupações urbanas mais compactas e mais abertas para a rua sejam edificadas, com estímulo ao comércio e ao serviço.
Portanto, as relações entre a forma urbana, seja dispersa ou compacta, com a hospitalidade urbana e a sazonalidade turística, estão diretamente relacionadas com a apropriação sazonal nos espaços públicos, conforme demonstrado na Figura 1. É possível observar o comportamento sistêmico entre os distintos fenômenos, que se relacionam e se influenciam continuamente.
É nesse sentido que se desenvolveu categoria Apropriação Sazonal dos Espaços Públicos, que tem como objetivo demonstrar a apropriação espaço-temporal dos espaços públicos, bem como a qualidade dessa apropriação. O espaço público de qualidade é capaz de atrair mais pessoas para realizar atividades opcionais, como defende Gehl (2011). Nessa pesquisa, entende-se que o turismo é uma atividade opcional, portanto relacionar a forma urbana, seja dispersa ou compacta, com seus atributos de hospitalidade urbana, contribui para a compreensão da apropriação sazonal.
Quanto aos procedimentos técnicos para a aplicação categoria, são utilizados levantamentos de dados primários através de pesquisa de campo e observação direta nos diferentes espaços públicos de um destino turístico litorâneo, registrados por meio de tabelas e fotografias de diferentes períodos do ano, na alta e na baixa temporada. Como parâmetros de observação, deve-se levantar quantitativamente o número de pessoas frequentando o espaço público, bem como avaliar, por meio de análise de conteúdo, a qualidade de sua apropriação, sobretudo a forma com que as pessoas permanecem no local, seja observando a paisagem, ou brincando, sentadas confortavelmente, alimentando-se, conversando, entre outros.
A apropriação sazonal dos espaços públicos mostra-se uma categoria importante para aproximar as áreas da arquitetura, do urbanismo e do turismo. A compreensão dessa categoria a partir da compreensão dos fenômenos da dispersão urbana e seus impactos na hospitalidade urbana e na sazonalidade turística em destinos litorâneos é importante para constituir cidades turísticas sustentáveis, respondendo sobretudo ao ODS 11, de cidades e comunidades sustentáveis, através da meta 11.3, que visa aumentar até 2030 a urbanização inclusiva e sustentável, e as capacidades para o planejamento e gestão de assentamentos humanos participativos, integrados e sustentáveis, bem como da meta 11.3.1, que prevê uma proporção entre taxa de consumo do solo pela taxa de crescimento da população.
O avanço da dispersão urbana ao longo dos territórios turísticos mostra-se prejudicial para a sustentabilidade, inclusive a ambiental, já que elas substituem o ecossistema original, possuem altos custos de infraestrutura e ocupam o solo com densidades baixas (Lopes et al., 2018). Dessa maneira, faz-se necessário repensar a forma com que se planejam urbana e turisticamente os destinos litorâneos. Boullón (2006), por exemplo, diz que as concentrações escalonadas podem passar por um processo de fusão que as converta em uma cidade linear, pois dessa forma há uma distribuição mais racionalizada de turistas ao longo do destino. Contudo, adverte que antes que se fomente a fusão, sejam avaliados os melhoramentos resultantes no funcionamento urbano, sem que impliquem em perda de identidade dos lugares típicos. Ou seja, para garantir a identidade dos lugares, é melhor que haja várias concentrações, cada uma em sua escala humana, separadas por áreas verdes não humanizadas que atuem como corredores ecológicos. Contudo, o que se pôde observar nesta pesquisa é que parte considerável das regiões de descontinuidade nas cidades dispersas decorre da presença de condomínios fechados, e não necessariamente pela ocorrência de áreas verdes, naturais, deflagrando áreas urbanas que permanecerão desertificadas.
Esta pesquisa demonstrou, a partir da leitura e análise de diversos trabalhos das áreas de turismo, arquitetura e urbanismo, que a forma urbana dispersa apresenta poucos atributos que fortalecem a hospitalidade urbana, promovendo uma apropriação fortemente sazonal dos espaços públicos de destinos turísticos litorâneos, confirmando o pressuposto de pesquisa. Ao mesmo tempo, foi possível perceber que a forma urbana compacta tende a criar destinos hospitaleiros, fortalecendo uma apropriação mais homogênea dos espaços públicos ao longo do ano.
Dessa forma, é possível questionar os modelos de urbanização turística aplicados em diversos destinos turísticos litorâneos brasileiros. Ciente da árdua tarefa de estimular financeiramente um destino turístico litorâneo durante a baixa temporada, cujo movimento é reduzido drasticamente, sobretudo pelos fatores climáticos, a esfera pública cede ao mercado da construção civil e permite, e em muitos casos incentiva como alternativa, a construção destes grandes empreendimentos de natureza dispersa, como condomínios fechados e shopping centers, respondendo à questões de status, sensação de insegurança pública e pressão do capital. Contudo, se por um lado estimula a economia da construção civil, de outro materializa uma ocupação que não gera vitalidade, pois não prioriza pedestres, é monofuncional, não hospitaleira, bem como oportuniza atrativos turísticos sazonais. Dessa forma, congela a cidade em uma dinâmica dificilmente reversível.
A principal contribuição deste estudo foi a criação de uma nova categoria de análise, de natureza espaço-temporal, chamada Apropriação Sazonal dos Espaços Públicos, que aproxima as áreas do turismo, da arquitetura e do urbanismo, mostrando-se importante instrumento a ser replicado em destinos turísticos, sobretudo os litorâneos.
Contudo, ressalta-se que, para o estudo e compreensão plena da categoria Apropriação Sazonal dos Espaços Públicos, sejam analisadas outras categorias importantes, como a análise da forma urbana das áreas de potencial turístico, bem como a análise dos próprios indicadores de sazonalidade turística do destino, como a população flutuante e a demanda turística.
As alterações socioculturais, políticas e econômicas vêm sinalizando a premência da adoção de atitudes que promovam planos para tornar as cidades sustentáveis em todos os aspectos. A pandemia do COVID-19 denota a urgência destas ações, pois hábitos foram modificados, as pessoas estão mudando e, portanto, a cidade precisa mudar para atender esta nova sociedade. Conhecimentos outrora produzidos deixaram de condizer com a realidade atual e com aquela que ainda vai surgir no período pós-pandemia, motivando o desenvolvimento de estudos que perpassam fronteiras e associam áreas do conhecimento, como: planejamento do espaço urbano e turismo, tal qual defende Camargo (2021), que afirma que a pandemia se mostra como uma oportunidade de se repensarem as bases do turismo nos planos local, regional, nacional e internacional.
Decorrente da pandemia, o turismo de proximidade já é uma realidade junto a destinos cujos atrativos estão em áreas abertas, junto à natureza. Áreas estas pré-dispostas a sazonalidade, dispersão urbana e modificações drásticas do seu equilíbrio natural – perda da sustentabilidade, portanto, espaços que necessitam que os planos urbanísticos e de turismo sejam revistados, estudados e discutidos.
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