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A reconstituição das culturas amazônicas segundo a visão da comunicação ecossistêmica
Wilson de Souza Nogueira
Wilson de Souza Nogueira
A reconstituição das culturas amazônicas segundo a visão da comunicação ecossistêmica
The rebuild of Amazonian cultures through the ecossystemic communication
Interin, vol. 21, núm. 2, pp. 140-156, 2016
Universidade Tuiuti do Paraná
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Resumo: Procuramos compreender, por meio da proposta paradigmática dos ecossistemas comunicacionais, as relações culturais entre colonizadores e colonizados na Amazônia. Assim, propomos o entendimento da comunicação para além do cientificismo clássico que separa objetividade e subjetividade, natureza e cultura, sujeito e objeto etc. Vislumbramos que a abordagem ecossistêmica, de caráter interdisciplinar, contribuirá com a reconstrução e/ou reconstituição da memória dos entrechoques culturais ocorridos no pós-colombiano e que resultaram na diversidade sociocultural amazônica. Trata-se de um estudo atual, importante e necessário para a compreensão da Amazônia em sua relação complexa e contínua com as culturas ocidentais.

Palavras-chave:Ecossistemas ComunicacionaisEcossistemas Comunicacionais,Processos ComunicacionaisProcessos Comunicacionais,Memórias AmazônicasMemórias Amazônicas,Relações de ComplexidadeRelações de Complexidade,Imaginário ReligiosoImaginário Religioso.

Abstract: We tried to understand, through the paradigmatic proposal of ecossystemic communication the cultural relations between colonizers and colonized in the Amazon. Therefore, we propose the understanding of communication beyond the classic scientism, which separates objectivity and subjectivity, nature and culture, subject and object etc. We envision that this approach, that has interdisciplinary character, will enable reconstruction and/or restoration of the memory of cultural shocks that occurred in the post-Columbian and resulted in the Amazon sociocultural diversity. This is a current study, important and necessary for the understanding of the Amazon in their continuous relations with Western cultures.

Keywords: Ecossystemic Communication, Communication Processes, Amazon Memories, Complex Relations, Religious Imagery.

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Artigos Livres

A reconstituição das culturas amazônicas segundo a visão da comunicação ecossistêmica

The rebuild of Amazonian cultures through the ecossystemic communication

Wilson de Souza Nogueira
Universidade Federal do Amazonas, Brasil
Interin, vol. 21, núm. 2, pp. 140-156, 2016
Universidade Tuiuti do Paraná

Recepção: 15/06/2015

Aprovação: 28/07/2015

Considerações iniciais

Em artigos em que apresentam os ecossistemas comunicacionais em perspectiva paradigmática, Monteiro e Colferai (2011) e Pereira (2011) sugerem uma nova abordagem para a pesquisa da comunicação na e para a Amazônia. Em ambos, aparece uma situação perturbadora: a dificuldade de acesso dos princípios e operadores conceituais da comunicação clássica (redutora e disjuntiva) à complexidade amazônica. Esse fato implicou – e ainda implica – erros, equívocos e incompreensões sobre as relações socioculturais internas e externas na e para a região. O pensar ecossistêmico, por sua vez, propõe-se a estudar a comunicação por meio da comparação com a organicidade ecossistêmica, na qual se inserem os seres humanos. Essa proposta remete à necessidade de compreensão da Amazônia-mundo em suas relações complexas, e conta com abrigo institucional no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPCCOM/UFAM), desde 2010.

Assim, o foco deste artigo é debater essa questão a partir do seguinte pressuposto: se é possível compreender a comunicação como fenômeno ecossociocultural, essas perturbações que se imprimem na comunicação na/da Amazônia, a partir de uma ação persistente de fora para dentro, podem ser confirmadas nas relações histórico-ideológicas construídas entre os povos e as suas visões de mundo. A perturbação, nesse caso, se refere, principalmente, ao mal-estar verberado pelas formulações e conclusões – científicas e não científicas – a respeito da formação sociocultural da Amazônia que ignoram ou desprezam a sua condição ecossistêmica. Assinalam, a propósito, Monteiro e Colferai (2011, p. 29): “As diferenças culturais, as imensas distâncias e o meio ambiente são elementos fundamentais a serem considerados quando pensamos a comunicação na Amazônia [...] qualquer abordagem da Amazônia torna-se superficial [sem a consideração desses elementos]”. O entendimento de Pereira (2011, p. 61) corrobora com a ideia anterior: “O entendimento de que os povos da floresta encontram-se isolados é absolutamente perturbador. Ora, a comunicação é uma prática cultural que quebra isolamento”. Na sua conclusão, a pesquisadora impõe-se ao desafio de religar, na abordagem ecossistêmica, o pescador e sua canoa, o ribeirinho e sua palafita, e a índia à capivara (Hydrochoerus hydrochoeris), a qual alimenta com leite do seu próprio peito. A religação possível suscita uma nova abordagem para a comunicação que se fez – e ainda se faz – de mão única na e para a Amazônia.

Perspectiva ecossistêmica

Para imergir no estudo do tema proposto, recorremos a três princípios do pensamento complexo, desenvolvidos por Edgar Morin (1999): o dialógico, o recursivo e o hologramático, que situam as partes no todo e o todo nas partes de um fenômeno e, por isso, tendem a ser complementares, concorrentes e antagônicos. Aliás, o pensamento moriniano está fundamentado na necessidade de reinserção dos seres humanos na natureza e da natureza nos seres humanos, por meio de uma nova ciência que religue os saberes dispersos pela exacerbação de certo racionalismo. Isso implica nos reconhecermos hóspedes que compartilham o mesmo planeta e tudo aquilo que nele há; e não mais como seres deslocados da natureza por um milagre da evolução biológica ou pelo desenvolvimento de culturas particulares.

Aqui, a perspectiva da comunicação ecossistêmica, como modelo gerador de conhecimento, interage com o pensamento moriniano e desse agir e reagir pode emergir uma melhor compreensão da condição paradoxal dessa perturbação que se manifesta, principalmente, por meio das ações colonizadoras, das suas contrarreações e conjugações. A questão é paradoxal porque ao mesmo tempo em que o contato entre povos constitui elo, também pode gerar processos de separação, afastamento, sobreposição, hibridizações ou metamorfoses de habitah, ideias, hábitos, habilidades, valores morais etc. Esse fenômeno pode ser vislumbrado, por analogia, na noção de ecocomunicação (MORIN, 2002, p. 53-54), manifestada na relação de existência entre presa e predador, uma vez que ambos necessitam desenvolver uma comunicação entre si que os aproximem e os afastem ao mesmo tempo. Seus sistemas de vivência (movimentos corporais, hábitos, interações ambientais etc.) enchem-se (entrada) e jorram (saída) informações que constituem isonomia, simetrias e/ou assimetrias de certo ecossistema.

Comparativamente, também é possível compreender que as ideias e as culturas humanas se organizam em ecossistemas que são complementares, concorrentes e antagônicos. Nas culturas humanas ocidentais, o contexto das perturbações está escorado em um resistível eurocentrismo de cinco séculos, se o contarmos a partir da descoberta/invasão das Américas, que se segue no processo de colonização e no avanço do capitalismo sobre novas terras e gentes, cada qual dessas etapas com seus aparatos ideológicos, entre eles os comunicacionais. Percebe-se, assim, que não é a duração nem a extensão do contato cultural entre povos e lugares que reduz ou elimina esse tipo de perturbação. A relação de poder entre as partes do contato é determinante para que as culturas se tornem turbilhões culturais e criem novas culturas. Nesse caso, a cultura europeia se impondo às culturas americanas, isolando-as, miscigenando-as ou hibridizando-as em favor de uma possível cultura hegemônica europeizada.

Culturas e comunicação

Todorov (2010) assinala que o conquistador/invasor da América, Cristóvão Colombo, estava movido por três impulsos: o primeiro, humano (a riqueza), o segundo, divino (a colocação do seu empreendimento em benefício do cristianismo), e o terceiro, ligado à apreciação – ou classificação? – da natureza. O resultado das ações para a consecução desse conjunto de interesses está escrito na história: massacres, genocídios, etnocídios, pilhagens, mestiçagem, hibridismos biossocioculturais e depredação dos recursos materiais e culturais dos territórios bárbaros anexados à civilização europeia. O que se pôs em jogo nesse encontro desencontrado de eus e outros foi, no primeiro momento, o não reconhecimento das diferenças ecossocioculturais encobertas pelas ideias dominantes e dominadoras da época.

Na história da formação/invenção do México existem notáveis estratégias de resistência à cultura colonizadora, as quais se erigiram na própria estrutura de formação intelectual, religiosa e artística da Coroa espanhola e da Igreja. Grupos étnicos mexicanos com acesso ao conhecimento ocidental escolado puderam compreender, a partir de determinado momento, como se organizavam o pensamento e o agir dos colonizadores, e assim conseguiram, mesmo em um conflito em que possuíam forças desfavoráveis, fazer com que ao menos partes das suas culturas ancestrais atravessassem os séculos até os dias de hoje.

O antagonismo entre os sistemas de ideias prevalecentes sobre os povos descobertos/invadidos por Colombo – e seus sucessores – encontra ilustração no embate entre os princípios da moral cristã e os princípios da moral aristotélica; o primeiro, defendido por Las Casas, coloca os índios em situação de igualdade, porque todos os homens são iguais perante Deus; o segundo, defendido por Sepúlveda, propõe o reconhecimento da inferioridade dos indígenas, igualmente bárbaros, em razão de uma suposta superioridade na hierarquia natural entre civilizados e bárbaros. Ambos, todavia, não reconhecem essas diferenças como qualidades morais para um tratamento de iguais na diferença. Assim, tanto a moral aristotélica quanto a moral cristã agiram iguais a predadores dos povos e das culturas indígenas.

Os povos do México possuíam, por sua vez, organização territorial, política, econômica, religiosa e artística totalizante – também complexa –, porque procuravam compreender o universo como um todo, já que os diversos tipos de fenômenos sociais e naturais estavam relacionados entre si. Já os espanhóis organizavam suas ideias, ao menos em parte, em torno de uma proto-razão instrumental, a exemplo da guerra com uso de armas de fogo e disseminação de vírus e bactérias entre os inimigos. As estratégias e táticas dos invasores identificavam erros, equívocos e imprevistos, os quais, reavaliados e refeitos, os tornaram eficazes em seus propósitos no processo da conquista. Os mexicanos, por sua vez, organizavam-se por meio de um complexo sistema socioeconômico, cultural e cosmológico sustentado na predeterminação dos acontecimentos anunciadas por seus ancestrais, deuses, profetas e manifestação da natureza.

Todorov (2010) sugere que a diferença de ver, compreender e interpretar o mundo entre os dois sistemas culturais favoreceu o invasor. Os espanhóis manipularam, por exemplo, as dissensões internas e as mensagens étnico-religiosas em favor do seu projeto de dominação colonial/escravista. Assim, puderam contar com apoio de parte dos próprios dominados em suas guerras e mimetizar o retorno do demiurgo Quetzalcoaltl na pele do espanhol Hernan Cortez, apontado como o grande conquistador das terras mexicanas. Os mexicanos possuíam uma estrutura de coleta de informações sobre a movimentação dos estrangeiros quando esses ainda estavam na costa. Mas o rei dos Astecas, Montezuma, embora informado regularmente sobre os invasores, não se valia dessas notícias para ações de defesa ou ataque, porque, para esse fato inesperado, não cabia apenas uma interpretação inter-humana. Todorov (2010, p. 96) explica que a noção de comunicação asteca deve ser ampliada, porque, além da interação indivíduo a indivíduo, a que existe entre a pessoa e seu grupo social, também inclui aquela entre a pessoa e o mundo natural, entre a pessoa e o universo religioso.

Os espanhóis estão habituados a não dialogar com o mundo (que inclui o cosmos) ou, quando muito, a dialogar com ele de modo assimétrico. A comunicação do colonizador é pragmática em relação aos seus interesses de dominação das novas terras e suas gentes. As informações que obtêm geram resultados de usos imediatos, como as que levam à manipulação do mítico retorno de Quetzalcoaltl, que Montezuma e seu povo aguardavam. Acentua Todorov (2010, p. 367): “Os índios favorecem o intercâmbio com o mundo; os europeus [favorecem] o intercâmbio com os homens, nenhum dos dois [tipos de comunicação] é intrinsecamente superior ao outro; e sempre precisamos dos dois ao mesmo tempo; ganhando-se em um dos planos; perde-se necessariamente no outro”. Talvez o melhor exemplo do entrechoque entre essas diferenças tenha se manifestado exatamente no conhecimento do outro que os indígenas vieram a adquirir no decorrer da colonização, principalmente por meio do domínio da escrita e outras tecnologias simbólicas europeias.

Gruzinski (2003) percebe que os indígenas mexicanos, desde o início da conquista – ele os estudou nos séculos 16, 17 e 18 – inventaram “adaptações e combinações culturais” a partir dos sentidos que davam a sua existência; vivências e imaginário que, para os colonizadores, eram considerados erros, falsidades, crendices, falsos deuses etc. Para isso, os indígenas contaram com os meios comunicacionais e artísticos que haviam desenvolvido anteriormente, como os glifos, desenhos, a literatura oral, os rituais, os ritos e as cerimônias de comunicação com os deuses. Essa resistência silenciosa e ardilosa se desenvolve, principalmente, dentro da própria escola civilizatória da Igreja, que privilegiava a educação dos filhos dos líderes políticos e religiosos, e que depois se espraiou aos pueblos. Ao dominar a língua e as linguagens do colonizador, os indígenas puderam compreender melhor o que ele pensava e, assim, estabelecer estratégias de convivência e sobrevivência física e étnica.

León-Portilla, compilado por Gruzinski (2003), aponta que os mexicanos, logo após as primeiras três décadas de conquista, possuíam consciência de que o seu patrimônio ancestral havia perdido coerência e sentido e, por isso, poderia ser comparado a uma rede furada. As perdas, efetivadas na batalha das ideias, nas guerras e nas ondas de epidemias, impuseram à nobreza mexicana a conversão ao cristianismo e a acomodação em relação à resistência sistemática à ocidentalização. Criaram-se então outras formas de preservação dos rastros das suas origens, entre as quais as pinturas das histórias e das genealogias que recuperavam e legitimavam a sua identidade étnica e seu poder na nova sociedade.

Essa ação se desenvolveu a partir do conhecimento da cultura dos invasores. “Desde 1545 [...] os nobres indígenas já se vangloriavam de já terem aprendido tudo que almejavam saber acerca dos espanhóis [...], suas forças, sua arte de cavalaria e todo o resto que ignorávamos e não sabíamos” (GRUZINSKI, 2003, p. 42). Com esse conhecimento, os indígenas passaram a reconstruir, ou a reconstituir, significações e relações com seres e coisas do passado e do presente, na tentativa de consertar a rede de culturas deixadas por seus ancestrais e furada pelos espanhóis. Esse trabalho dura até os dias de hoje, não só no México, mas em toda a América, como na Amazônia.

Aliás, essa relação cultural conflituosa nunca cessou e pode ser vista, principalmente na colonização do imaginário religioso, enquanto os índios engendravam artimanhas, dissimulações, mimeses ou sincretismos para persistir na idolatria. Não foram poucos os indígenas mexicanos que arderam nas fogueiras da Santa Inquisição. O controle e o poder sobre os índios passavam, desde o começo, pela difusão do castelhano, mas essa ação sempre encontrou a resistência até mesmo dos religiosos encabeçados na conquista, que justificavam os fracassos com a falta de escolas e professores. Em meado do século 18, a Coroa implantou um projeto de disseminação do castelhano por meio da escola e em 1780 já se tinha a notícia de que as escolas cobriam todo o país e que todos os jovens indígenas aprendiam a nova língua com os seus professores. Não se trata, porém, como adverte Gruzinski (2003), de verdade absoluta, uma vez que havia focos de resistência à imposição do castelhano, principalmente fora das cidades. Havia, inclusive, aqueles que a dominavam, mas que persistiam na língua da sua etnia.

A ocidentalização da Amazônia e suas relações complexas

A Amazônia passou por um processo de ocidentalização semelhante ao realizado no México, uma vez que, no geral, os motivos da sua conquista eram os mesmos: a busca da riqueza, a consecução do cristianismo e o domínio e exploração da natureza. Entende-se por natureza também os povos indígenas, que não eram catalogados como humanos ou seres possuidores de alma, crenças, vontades, culturas e autonomia. É essa compreensão que os faz dominados pela ideia de natureza compartimentada e hierarquizada segundo princípios filosóficos europeus dominantes.

Francisco Orellana, considerado o descobridor do rio Amazonas por tê-lo navegado inteiramente desde os Andes até o Atlântico, em 1541-1542, buscava canela, iguaria de estimado valor nos mercados europeus. No meado do século 17, a região não estava mais somente dividida imaginariamente entre portugueses e espanhóis, mas em estado de invasão por franceses, ingleses e holandeses, países protestantes que não reconheciam o Tratado de Tordesilhas, editado pelo Papa Alexandre 6º, em 1494, para evitar conflitos entre portugueses e espanhóis, uma vez que ambos empreendiam as descobertas de novas terras para além do Velho Continente. Mantinham-se entre invasores ibéricos os objetivos geopolíticos, econômicos e religiosos.

Frei Gaspar de Carvajal, o cronista de Orellana, registrou em seu trajeto a presença de províncias indígenas, entre as quais, a Província das Amazonas, que veio a dar nome ao então desconhecido rio. A expedição de Orellana fracassou em seu objetivo, porém estimulou outras expedições espanholas, vindas do Equador, que sonhavam localizar o País da Canela ou o Eldorado, mitos que aguçavam a ganância europeia. A mais famosa delas, exatamente pelo fracasso, foi a de Ursúa e Aguirre, em 1560-61, que desceu o Amazonas até o Atlântico. Durante a viagem, houve disputas sangrentas entre os próprios expedicionários e Aguirre que, ao fim, teria enlouquecido.

A posse da Coroa portuguesa sobre o rio Amazonas foi confirmada em 1637-39, na viagem de Pedro Teixeira entre a Vila de Belém do Pará e Quito, no Equador, em domínio espanhol. No retorno, a expedição de Pedro Teixeira embarcou, por imposição da Audiência de Quito, dois jesuítas na condição de observadores e capelães. Um deles, Cristóbal de Acuña, publicou em 1641, na Espanha, o livro Novo descobrimento do grande rio das Amazonas (Apud Porro 1993), uma das mais importantes obras sobre os rio Amazonas e seus habitantes até o século 18. Porro (1993, p. 12-13) confirma: “Se na leitura de Carvajal quase tudo são dúvidas, sua geografia deve ser decifrada e sua etnografia raramente leva além das hipóteses, com Acuña navegamos em águas mais familiares”.

Existem nos registros de Acuña informações sobre a localização das províncias e de alguns costumes dos seus habitantes, sobre a geografia, a fauna, a flora e sobre a interligação dos principais rios da região. As províncias são identificadas pelas etnias que as habitam: Omáguas, Curuzizari ou Aisuari, Yoriman, Carabayana, Tupinambarana, Canuris (as Amazonas) e Tapajós. Porro (1993, p.13) informa que Acuña é o primeiro cronista a dar conta, “sem tê-las visto, mas por informações dos índios do Amazonas”, da existência de “dezenas de tribos da terra firme distribuídas ao longo dos principais afluentes”.

Por volta de 50 anos depois da viagem de Pedro Teixeira, as margens do rio Amazonas já estavam em grande parte despovoadas. Os portugueses haviam avançado na ocupação da região por meio da colonização/escravização dos índios, processo que os massacrava e/ou os empurrava para as terras centrais. As crônicas dos jesuítas Samuel Fritz e as de João Felipe Bettendorff, que atuaram na região no segundo meado do século 17 – o primeiro no Solimões e o segundo no Baixo Amazonas –, dão pistas seguras dos conflitos que devassam e despovoam as margens dos principais rios.

O despovoamento – em razão de massacres, escravização, fugas ou imposição das novas formas de agrupamentos – é um dos aspectos generalizados na conquista/invasão das Índias pelos europeus, sejam eles portugueses ou espanhóis. Essa é a informação mais visível de que os povos conquistados/invadidos sempre estiveram nos limites da sua agonia física e étnica. Antes agrupados social e territorialmente em suas etnias, agora os indígenas amazônicos sobreviventes estavam ajuntados segundo os interesses econômicos e religiosos da Coroa portuguesa em aldeias de descimentos, algumas transformadas, mais tarde, em vilarejos e cidades.

Freire (2004) nos dá uma ideia da relação do colonizador com os índios da Amazônia por meio da história do nheengatu . ou Língua Geral da Amazônia (LGA) –, o idioma de comunicação interétnica que se tornou de uso corrente na região até o final do século 19. Primeiro explica que, no século 16, não havia um único falante de português na Amazônia, enquanto as línguas indígenas eram mais de 700: essas línguas, mesmo não escritas, davam conta, por meio de narrativas orais, da diversidade étnica e cultural dos povos indígenas da Amazônia. O uso do nheengatu se tornou corrente com a incorporação dos muitos povos ao processo colonial, os quais, irremediavelmente, perdiam suas línguas de origem. Sua função se ampliou na comunicação entre índios, negros e brancos, enquanto o português se restringiu aos serviços da administração colonial. Aliás, foi o nheengatu e não o português o principal veículo de catequização no período colonial.

Freire (2004, p. 244) aponta que o nheengatu entrou no século 19 como língua generalizada entre as populações índias e não índias da Amazônia, “adequando novos falantes e novas funções, tornando-se língua de toda a sociedade amazônica”, mas, já no meado do mesmo século, encontrava-se em declínio e, no século seguinte, estava em uso corrente somente entre os índios do alto rio Negro. A desconstrução e deslegitimação da língua de índio[2] começam na adesão do Grão-Pará à Independência do Brasil, em 1823, quando se impõe à região políticas de unidade nacional. Política que foi reforçada no final do século 19, porque havia pouca frequência às aulas por parte de uma população de fala nheengatu: [Eles, os índios] “usam [o nheengatu] em casa e nas ruas e em toda parte”, conforme assinalou o poeta Gonçalves Dias, citado por Souza (2012, p. 83), em seu relatório de viagem como membro da Comissão Científica de Exploração, enviada ao Norte pelo imperador.

O propósito da educação do império não seria outro a não ser o de eliminar o nheengatu, a língua que havia realizado até então a comunicação entre indígenas e colonizadores. Não obstante, por ser uma língua interétnica, o próprio nheengatu já havia se constituído em língua que, também, atendia aos interesses comerciais e religiosos do colonizador/invasor. Não se tem notícia de alguma literatura em nheengatu sobre as culturas indígenas, a não ser a de cunho religioso-doutrinário e estudos gramaticais, embora tenha sido ensinado em conventos de Belém até o meado do século 18. Esse fato é crucial para escamotear milhares de anos de conhecimento sobre a vida e a adaptação dos povos indígenas aos ecossistemas amazônicos. Assinala Freire (2004, p. 50): “Essas línguas indígenas haviam codificado conhecimentos milenares preservados pela tradição oral [...] das etnociências – medicina, farmácia, botânica, zoologia, astronomia, religião etc. [...] e das manifestações literárias [...], mitos, fábulas, lendas, palavras ancestrais, poesias, cantos, baladas, provérbios”.

O nheengatu foi, paradoxalmente, também um importante instrumento de apropriação, apagamento de saberes e colonização do imaginário indígena da Amazônia – ou da Conquista espiritual da Amazônia[3], como prefere Reis (1997). A língua geral serviu ao esquecimento das demais línguas étnicas. A política educacional do império, cujo veículo exclusivo passou a ser o português, conseguiu o seu intento final: tornou o nheengatu uma língua marginal, língua de índio, sobre a qual recai toda a carga de preconceito. Enquanto cada uma das palavras em nheengatu comunicava ao menos parte das culturas dos indígenas amazônicos, cada uma das palavras em português comunica a cultura indo-europeia, para a qual deveriam ascender as culturas indígenas. Reis (1997, p. 8) resume essa questão desta forma: “A intenção da política das nações colonizadoras era a incorporação aos seus graus culturais, das populações de culturas diversas, que se consideravam inferiores. E dentro desse critério [...] as ordens [religiosas] deveriam agir”.

Para Freire (2004), outros fatores ajudaram nessa tarefa, tais como: a revolta da Cabanagem, na qual morreram ao menos 40 mil pessoas; a guerra do Paraguai, outro conflito que gerou enormes perdas às populações indígenas, caboclas e negras da região; a entrada dos vapores com linhas regulares no rio Amazonas (1853) e a migração de trabalhadores nordestinos para a coleta do látex, desde a segunda metade do século 19. Os nordestinos constituíram, desde então, uma população de 500 mil falantes da língua portuguesa no interior da Amazônia.

Essa abordagem panorâmica das conquistas/invasões do México e da Amazônia dimensiona a complexidade da invenção de ambos – e da própria América – pelo colonizador europeu. Nota-se que não é possível compreender essas sociedades sem atá-las ao longo processo de ocidentalização-globalização pilotado pela Europa primeiramente. Nos casos citados – e não somente neles – sobressai-se a comunicação como fenômeno paradoxal na articulação e constituição de novos mundos. A noção de comunicação, nesse caso, ultrapassa a ideia clássica de estudos da área e alcança outros aspectos que geram relações entre pessoas e os lugares em que elas vivem. Um dos aspectos, tratado tanto por Todorov quanto por Gruzinski ou Freire, é o do sentido ao conjunto de significações que cada povo atribui a essas relações – objetivas e subjetivas – que permeiam o cotidiano, a vida prática e a metafísica.

Todorov (2010) assinala que os índios e os espanhóis – eu acrescento: também os portugueses – praticavam a comunicação de maneiras diferentes, mas isso não implica – nem no plano linguístico nem no simbólico – a inferioridade natural dos índios. Em ambos os casos, os colonizadores tiveram que aprender os idiomas e apreender as culturas indígenas para estabelecer as condições da conquista/invasão. Os indígenas tiveram que proceder da mesma maneira, só que, desta feita, para sobreviver em outro mundo, porque o(s) mundo(s) gerido(s) pelas forças sobrenaturais não lhes davam mais solução às demandas da vida agora atravessada pelos interesses dos invasores/colonizadores. Os indígenas haviam perdido o controle da comunicação com os seus deuses e, por certo, da comunicação com a natureza. Do lado europeu, a ideia de um deus universalista e igualitário; do lado dos índios, deuses abertos a convivência com outros deuses, tolerantes, e entrelaçados às manifestações da natureza. Paradoxalmente, é com o discurso da igualdade que os colonizadores ibéricos justificam a marginalização e a necessidade de destruição dos deuses indígenas pré-colombianos. Um discurso que se manifesta e se ancora, principalmente, em suas línguas – o espanhol e o português – e respectivas escritas.

A essa altura é importante esclarecer que não nos detemos às visões da(s) história(s) da(s) América(s) forjadas apenas no eurocentrismo ou em uma versão indígena, a versão dos vencidos. Queremos, sim, compreender os processos geradores da diversidade sociocultural amazônica no contexto da “conquista” e da colonização da América, colocando em questão os diversos sistemas de ideias e seus interesses na complexidade noosférica (Morin, 2003, p. 44), que nos remete, necessariamente, a uma analogia com a complexidade biosférica. Assim, é possível vislumbrar que tanto a ocidentalização quanto as reações culturais locais não são um processo fixo. Ambas reajustam seus objetivos e interesses conforme os interesses ecossocioculturais que elegem como necessários para viver e/ou sobreviver.

Mas é preciso reconhecer que os indígenas e seus descendentes foram, ao longo da história, dominados pelas culturas ocidentais por meio dos seus dispositivos ideológicos e de poder, tais como: as diversas modalidades de cristianismo, as ideias iluministas humanistas, as ideologias de poder (capitalismo e socialismo), guerras, os processos comunicacionais. Na Amazônia – ou nas Amazônias – segue-se a ocidentalização na política da globalização, agora impulsionada pelo quadrimotor (técnica-ciência-poder-estado), que expande os colonialismos internos e externos, por meio do controle dos dispositivos comunicacionais (meios tradicionais e digitais, escolas, instituições públicas etc.), que sufocam as culturas locais. Mas, mesmo sufocadas, há nas culturas locais, nas quais se encontram genes das culturas indígenas – os rastros memoriais e imemoriais amazônicos –, reações perturbadoras a exigir um equilíbrio ecossistêmico, uma tendência à auto-eco-organização (Morin, 2007), cuja estrutura se forja nas relações complexas. Nesse caso, nas relações complexas das culturas.

Diz Morin (2002, p. 52) a esse respeito: “[...] um período tormentoso de conflitos e violências pode ser destrutivo ou, ao contrário, alimentar uma grande vitalidade cultural e suscitar profundos choques cognitivos”. Ora, na Amazônia são esses prováveis genes que precisam ser multiplicados, possivelmente pela compreensão e ação de uma comunicação ecossistêmica, para ajudar no conserto dos buracos que a colonização ocidental, que está em pleno andamento, fez e continua fazendo na rede das culturas amazônicas. O novo pano de rede jamais será reconstituído com os fios originais do pré-colombiano, mas, certamente, com fios impregnados da diversidade ecossociocultural amazônica. Isso implica esforço epistemológico para se reconhecer o mito, o devaneio, o imaginário, a religião, a filosofia e a ciência em relações complexas contínuas e, por isso, geradoras contínuas de conhecimento e saberes humanos articulados com os fenômenos que nos entrelaçam à natureza e ao cosmo.

As perturbações que nos desviam do eixo da ciência normal – e normatizadora – as quais encontraremos em espíritos transgressores, como nos de Monteiro e Colferai, e no de Pereira, são desafios que para serem superados exigem, necessariamente, novas luzes e novos olhares não somente sobre o fazer científico, mas, também, sobre como nos colocamos no e para o mundo. Nesse contexto, a comunicação ecossistêmica se apresenta como possível tradutora das relações complexas que entrelaçam sociedades, naturezas e meios tecnológicos. Esses três elementos, além de entrelaçados, precisam ser percebidos na sua pluralidade e em relação mediada pelo ambiente, para que suas particularidades e totalidades se evidenciem iguais a buracos negros não somente nos pensamentos determinísticos, mas, também, em suas próprias estruturas.

Bem a propósito, em 2012, registramos em áudio uma palestra do líder indígena Joãosinho Sateré, da etnia Sateré Maué, na unidade da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) em Parintins, na qual ele revela as táticas do seu povo para driblar a tutela do então Serviço de Proteção Indígena (SPI), nas décadas de 1960 e 1970. Prevalecia nesse período – bem mais que nos dias de hoje – o entendimento de que os índios deveriam permanecer confinados em suas aldeias. Joãosinho revelou que os tuxauas da sua etnia decidiram que, para a etnia sobreviver, precisavam educar as novas gerações na escola dos brancos, nas cidades. “Usávamos, no passado, a flecha para buscar alimentos e também para se defender do inimigo [...] No presente, temos que usar a inteligência e a sabedoria para nos mantermos juntos com os nossos inimigos” (SATERÉ, 2012). Ou ainda mais explicitamente: “Se não podemos destruir nossos inimigos devemos sentar juntos e ver o que ele[s] pensa[m]”.

Os jovens indígenas eram instalados, principalmente, em Manaus, onde seus pais e líderes indígenas contavam com mais aliados. Os deslocamentos até a capital amazonense, onde os índios vendiam os seus produtos coletados na floresta, eram realizados em canoas e duravam algumas semanas. Joãosinho afirmou que táticas idênticas foram adotadas por outras etnias da Amazônia e de outras regiões do Brasil, e os seus resultados culminaram no fortalecimento do movimento indígena, que forjou conquistas importantes na Constituição de 1988. Hoje, mais cientes do que o branco pensa, as jovens lideranças se movimentam por meio das suas instituições representativas, para conquistar autonomia plena em relação ao estado e às ONGs. Gersen Baniwa, da etnia Baniwa, citado por Stoyanovith (2012), sustenta que a luta dos índios, atualmente, não se caracteriza mais como movimento indígena e sim como índios em movimento.

Instituições como a Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coiab) mantêm relações diretas com organismos multilaterais, com a Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização Internacional do Trabalho (OIT), por intermédio das quais pressionam governos de países, de estados e municípios a ouvir e atender às reivindicações dos seus associados. É possível observar que os indígenas amazônicos sobreviventes vêm ampliando a comunicação com sociedades e estados nacionais, principalmente a partir da década de 1980, com relativa reconstituição das suas culturas. A metáfora da rede furada é, também, fundamental para pensarmos uma comunicação ecossistêmica na e para a Amazônia, porque são muitos os fios da sua formação ecossociocultural que estão dispersos na memória individual e coletiva que precisam ser reatados. Esse reatamento se dará pela compreensão dos fenômenos relacionados às linguagens, memórias, representações e estéticas a partir de uma perspectiva ecossistêmica.

Considerações finais

Assim, é possível afirmar que a pesquisa em comunicação na Amazônia não deve desprezar a comunicação da Amazônia, principalmente aquela que sobrevive nas pequenas cidades, vilas, vilarejos, lugarejos e aldeias, onde ainda resistem os vestígios do patrimônio cultural imemorial e histórico das chamadas sociedades tradicionais, entre as quais as indígenas. Caberá aos transgressores do saber mutilador, por meio de uma escrita igualmente transgressora do formalismo científico, fazer essas ligações que, por sinal, se constituem ecossistemas comunicacionais. Os saberes religados podem ajudar a reconstituir o panode rede das culturas indígenas amazônicas furado pelos invasores/colonizadores, cujos fios os espíritos transgressores – e, por isso, também criadores – poderão perceber na diversidade imaginária, artística, religiosa, etnocientífica e científica que ata os nós locais aos nós globais das redes sociais do passado e do tempo contemporâneo. Uma compreensão ecossistêmica da comunicação na e para a Amazônia ajudará, certamente, a superar as dicotomias entre o pescador e a sua canoa, o ribeirinho e a sua palafita, a índia e o animal que ela amamenta com o próprio leite. Afinal, foi a incompreensão a respeito da diversidade de relações/comunicações que detonou essa tragédia – ainda hoje em expansão – sobre os povos ameríndios.

Material suplementar
REFERÊNCIAS
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GRUZINSKI, Serge. A colonização do imaginário: sociedades indígenas e ocidentalização do México espanhol – séculos XVI – XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
MONTEIRO, Gilson Vieira; COLFERAI, Sandro Adalberto. Por uma pesquisa amazônica em comunicação: provocações para novos olhares. In: MALCHER, Maria Athaide; SEIXAS, Netília Silva dos Anjos; LIMA, Regina Lúcia Alves de; FILHO, Otacílio Amaral (Orgs.). Comunicação mediatizada na e da Amazônia. Belem: Fadesp, 2011.
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 2007.
MORIN, Edgar. Método 3: o conhecimento do conhecimento. 2. ed. Porto Alegre: Sulina: 1999.
MORIN, Edgar. Método 4: as ideias: habitat, vida, costumes, organização. Porto Alegre: Sulina: 2002.
MORIN, Edgar. Método 5: a humanidade da humanidade: a identidade humana. Porto Alegre: Sulina: 2003.
PEREIRA, Mirna Feitoza. Ecossistemas comunicacionais: uma proposição conceitual. In: MALCHER, Maria Athaide; SEIXAS, Netília Silva dos Anjos; LIMA, Regina Lúcia Alves de; FILHO, Otacílio Amaral (Orgs.). Comunicação mediatizada na e da Amazônia. Belem: Fadesp, 2011.
PORRO, Antonio. As crônicas do rio Amazonas: tradução, introdução e notas etno-históricas sobre as antigas populações indígenas da Amazônia. Petrópolis, Vozes, 1992.
REIS, Artur Cezar Ferreira. A conquista espiritual da Amazônia. Manaus: Edua/Governo do Estado do Amazonas, 1997.
SATERÉ, Joãosinho. Semana Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Parintins (AM). UEA. 24 out. 2012. (Entrevista em áudio concedida ao autor).
SOUZA, Márcio. Fascínio e repulsa: estado, cultura e sociedade no Brasil. Manaus: Valer, 2012.
STOYANOVITH, Marcus. Índios em movimento. Manaus, Revista Valer Cultural, ano 1, n. 3, p. 72-81, dez./2012.
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
Notas
Notas
2 Termo corrente entre não índios para denominar, pejorativamente, as línguas indígenas.
3 Conquista espiritual da Amazônia é o título da obra do historiador amazonense Artur Cezar Ferreira Reis que trata de tema homônimo
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