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Apresentação
Interin, vol. 23, núm. 1, pp. 1-7, 2018
Universidade Tuiuti do Paraná



Apresentação

A iniciativa de um dossiê voltado ao tema Remediação, bricolagem, inovação deriva do próprio uso recorrente desses conceitos, constantemente evocados e reatualizados, seja por meio de reflexões teóricas que buscam redimensionar suas definições em face de outras ideias a eles associadas, seja pela articulação que propiciam a empíricos de origens e natureza diversos, que acabam por homologar as operacionalidades das categorias aqui agrupadas. Com o propósito de sistematizar alguns processos reflexivos que promovam o avanço de tais discussões, analistas das linguagens e da comunicação foram motivados, mediante texto de divulgação do dossiê, a, endossando-o, complementando-o, questionando-o, complexificar seu raciocínio e contribuir para um recorte atual, ainda que não obviamente exaustivo, dos debates. A constância dos usos conceituais demanda, em suma, a revisitação dos processos e práticas que visam a explicar. O resultado, como se verá, é frutífero, tanto pelo adensamento dos raciocínios, quanto pela variedade de manifestações da cultura, das artes, do entretenimento, da vida cotidiana enfim, agenciados para explicar os fenômenos da remediação, da bricolagem, da convergência e das inovações no contexto da sociedade contemporânea.

A estrutura do dossiê orienta-se a partir de artigos com viés mais teórico, mesmo que aludindo a algum exemplo particular, passa por textos evidentemente voltados a analisar fenômenos específicos nos quais se reconhece a presença das categorias evocadas, e chega a um texto final, em que o binômio teoria e prática encontra a concretização de sua dinamicidade na esfera das atuações pedagógicas. Compõe-se, portanto, a seguinte sequência:

Jacques Fontanille toma como ponto de partida uma indagação relativa à remediação; seria ela um caso de práxis enunciativa? Para desenvolver seu raciocínio, retoma, no artigo Remédiation et praxis énonciative (Remediação e práxis enunciativa), o conceito de enunciação, pontuando de início, alguns problemas que derivam dos diferentes postulados teóricos sobre esse conceito. No confronto entre remediação, enunciação e bricolagem, o autor posiciona a primeira como um caso particular de combinação da enunciação e da bricolagem, o que significa que constitui uma enunciação necessariamente considerada em sua dimensão prática, e uma bricolagem que envolve necessariamente não apenas os usos, mas também, e em primeiro lugar, os objetos, que são os suportes ao mesmo tempo dos enunciados textuais e das manipulações práticas. Visando a dar conta do quadro elementar em que a re-mediação se processa, a despeito de suas singularidades, o autor propõe uma sequência canônica, passível de ser operacionalizada na pluralidade de práticas concretas. Jean-Claude Soulages examina, no texto intitulado Le newsscape terminal et ses imaginaires (O newsscape terminal e seus imaginários), os fenômenos de turn-over e de bricolagem nos quais a mídia e seu público estão imersos na era digital. Ele analisa a plasticidade e a mobilidade das estruturas de uso que facilitam tanto os processos de remediação quanto os de reapropriação dos contentores e dos conteúdos mediáticos. Articulando suas reflexões teóricas ao caso do jornal HuffPost, ele explica como este “pure player”, cujas páginas se assemelham a “zonas-carrefours”, se constroi em favor de dois processos de bricolagens discordantes; o primeiro levando a uma fragmentação de gêneros e temas e o segundo se orientando a atenuar essas mesmas dissonâncias. Em face dessa oferta abundante, o “meta-receptor” constituído como um “passante” compõe seu próprio quebra-cabeça antes de continuar sua itinerância no interior da diáspora digital. De acordo com o autor, os jornalistas permanecem as únicas garantias de uma narrativa significativa que acompanha nossas democracias e ajuda a “domar a realidade”. O artigo de Pierluigi Basso Fossali, Appropriation, rémediation, bricolage: quelques réflexions sur la crise d´un paradigme identitaire (Apropriação, remediação, bricolagem: algumas reflexões sobre a crise de um paradigma identitário), discute a responsabilidade da voz enunciativa nos diferentes tipos de apropriações e reapropriações de uma mídia por outra, considerando que a mídia já é uma mediação de mediações. O artigo apresenta proposições teóricas em torno da noção de remediação, a partir das quais propõe uma distinção entre remediação e remediatização, bem como entre medialidade, transmedialidade, hipermedialidade e cross-medialidade discutidos como dispositivos de remediação. Nesse contexto, retoma a reflexão sobre o conceito de bricolagem inscrevendo-a na intersecção entre a institucionalização do sentido e a criatividade dos atos de linguagem. Marion Colas-Blaise discute o problema da remediação em termos de reenunciação no artigo Remédiation et réénonciation : opérations et régimes de sens (Remediação e reenunciação: operações e regimes de sentidos). Ela se interessa pelas operações que engendram a conversão de uma semiótica-objeto de partida em uma semiótica-alvo remediada. A recontextualização, a remediatização, a reformatação, a remedialização e a retexturização são os cinco estágios desta conversão, que se elabora como “estruturas paradigmáticas de possíveis”. Tais procedimentos comportam uma dimensão “nodal”, uma vez que estabelecem o vínculo entre a experiência da prática enunciativa, a semiótica-objeto fonte e a semiótica-objeto alvo. Para além disso, eles se efetivam por meio da remediação, que se desenvolve segundo diferentes regimes (a hibridação, a espetacularização, a miscigenação e a bricolagem) e, necessariamente, pelo envolvimento dos enunciatários.

Propondo-se a dois objetivos, o artigo de Maria Giuilia Dondero, La remédiation d’archives visuelles en vue de nouvelles iconographies : le cas de la “Media Visualization” de Lev Manovich (A remediação de arquivos visuais para novas iconografias: o caso da “Media Visualization” de Lev Manovich) discute, primeiramente, os diferentes tipos de remediação oferecidos pela “Media Visualization” produzida por Lev Manovich e o “Cultural Analytics Lab”. O método de Lev Manovich consiste em uma análise automática e computacional de acervos muitos amplos de imagens por meios especificamente visuais (a análise é uma visualização), sem recurso apenas a procedimentos temáticos de lexicalização, o que coloca em questão a própria metalinguagem visual. Com base na relevância detectada no uso desse método de abordagem (“distant reading”), a autora discorre sobre o segundo objetivo, que visa a avaliar sua possível complementariedade em relação à análise semiótica da imagem (“close reading”). O artigo De l´effet d´archive à l´effet de sens : la théorie de l´énonciation à l´épreuve de la médialité (Do efeito de arquivo ao efeito de sentido: a teoria da enunciação à prova da medialidade), de Enzo D´Armenio, se serve da teoria da enunciação para estabelecer uma definição semiótica das “pertinências mediais” no quadro de uma reflexão sobre a noção de arquivo. O arquivo é concebido não como uma coleção de objetos escolhidos por uma instituição, e sim como uma experiência do passado que se produz durante a interpretação. Tal abordagem decorre da análise de um corpus audiovisual, composto de filmes que misturam de maneira crítica documentos de arquivos e documentos contemporâneos. As lacunas que são produzidas destacam que é possível, juntamente com as pertinências temporais, espaciais e actoriais, considerar também as “pertinências mediais”, nomeadamente as técnicas de inscrição, os suportes e os formatos.

No artigo Jornalismo na era dos testemunhos: remediação, reconfiguração ou permanências históricas?, as pesquisadoras Marialva Carlos Barbosa e Cristine Gerk discutem as mudanças pelas quais passa o jornalismo e as relações dessas transformações com a memória, numa era de valorização de testemunhos, dentre alguns fenômenos típicos deste contexto de ampla atividade e interação virtuais. A partir da lógica das rupturas e permanências que aderem a novos regimes de midialidades decorrentes das reconfigurações tecnológicas adotadas pelos meios de comunicação, ao longo da história, as autoras optam por uma perspectiva processual para visualizarem as transformações da atividade jornalística no cenário contemporâneo. O artigo propõe, ainda, algumas soluções para o jornalismo, em uma fase de crise.

O artigo Visibilidade e identidade de São Paulo – rearranjos figurativo-plásticos na ressignificação dos valores, de autoria de Ana Claudia Mei Oliveira, examina o emblema da cidade brasileira de São Paulo, estampado na bandeira do município, por meio de análise de amplo conjunto de slogans e traços emblemáticos a partir dos quais discute o modo como a visibilidade da megalópole tem sido ancorada em valores de “liderança, dinamismo, conquista, inovação e modernidade”; valores que, concretizados em uma diversidade de significativos arranjos figurativo-plásticos mostrados em ininterrupta reescritura de preservação de sua dinâmica identitária, não apenas ostentam uma cidade em permanente movimentação e contínua transformação, como definem-lhe um papel temático que seria o de “conduzir o município, o Estado e o País”. Tendo como foco as estratégias de marketing da indústria de luxo, Eleni Mouratidou examina os processos de remediação envolvidos em três iniciativas da marca Louis Vuitton, como manobras que visam a ocultar a lógica econômica de suas estruturas pelo resgate de sua dimensão criativa e, eventualmente, artística. Intitulado Transformations discursives & médiatiques de l’industrie du luxe (Transformações discursivas & midiáticas da indústria do luxe), o artigo analisa um caso de enunciação editorial da marca; uma campanha publicitária construída sob a forma de imagem-evento, em que a mesma se posiciona também como curadora de arte; e o lançamento de bolsas com remediações de reproduções pictóricas graças a uma parceria entre a LV e o artista plástico Jeff Koons. Em todos os casos, os atores do luxo investem em práticas de suportes mediáticos híbridos, que atuam nos planos dos suportes materiais e formais, cujas imbricações a autora busca demonstrar.

No estudo de caso O jogo dos tronos: videogame e cutscenes no projeto transmidiático de Game of Thrones, Edson Fernando Dalmonte e Fabrício Barbosa discutem a produção de videogames recentes como parte de supersistemas de entretenimento, em um contexto transmidiático. Partem da noção destes produtos como formas compostas (LINDEROTH, 2015) que suportam inúmeras e diferentes estruturas, nas mais variadas linguagens artísticas e midiáticas interdependentes. São destacadas as cutscenes, momentos nos jogos eletrônicos nos quais a jogabilidade é suspensa para a exibição de uma sequência, e que apresentam numerosas similaridades, empréstimos e relações com as linguagens cinematográfica e televisiva. O jogo eletrônico Game of Thrones: A Telltale Game Series (2014), no qual se observa a utilização da cutscene e de suas variações ao longo do gameplay, é tomado como objeto de estudo deste artigo. Rose de Melo Rocha, no artigo Remediação com purpurina: bricolagens tecnoestéticas no drag-artivismo de Gloria Groove, toma a remediação a partir da dimensão tecnoestética e a bricolagem a partir do devir drag como perspectivas que se unem, na problematização do modo como o artivismo tecno-pop da paulistana Gloria Groove caracteriza sua presença específica nas práticas de designação queer-musicais. As estratégias mercadológicas de Groove (nome artístico de Daniel Garcia) expressam uma habilidade bricoladora, no mainstream ou na larga repercussão de seu trabalho e da midiatização de suas narrativas existenciais, porém não excluem as potencialidades críticas materializadas na junção entre corporalidade drag (travestida) e corporalidade gay (desmontada). Discute-se a audiovisibilidade midiática da cantora como uma politicidade do entre(tenimento). Eduardo Zilles Borba e Marcelo Zuffo discutem o uso da RV como plataforma para registro e preservação de experiências com espaços, objetos, atividades e, até mesmo, pessoas. No artigo Déjà vu: revivendo experiências em ambientes de realidade virtual debatem-se suas potencialidades como interface multissensorial que estimula o feeling de imersão do usuário nos fluxos comunicacionais. São usados referenciais teóricos sobre o uso de dispositivos de mídia como instrumentos que resguardam fatos e memórias dos povos (McLUHAN, 1964; BARTHES, 1980), sobre a cultura digital (KERCKHOVE, 1995; LÉVY, 1999) e sobre ambientes de RV (BURDEA, 2003; STEINICKE, 2016). Aplicam-se observações exploratórias a dois cenários de simulação que usam recursos eletrônicos para preservar a noção de espaço e tempo de lugares e atividades efêmeras: HMD e CAVE. Conclui-se que, em ambientes de RV, os estímulos multissensoriais produzidos no corpo do sujeito corroboram a premissa mcluhaniana – os meios de comunicação como extensões do humano.

O texto A materialidade do livro na contemporaneidade: imbricamentos entre imediação e hipermediação, de autoria de Ana Gruszynski e Raquel da Silva, tem como foco a forma do livro, que é abordada a partir do conceito de dispositivo (MOUILLAUD, 2002; CHARAUDEAU, 2006). Aproximando-se teoricamente dos processos de remediação no sistema de mídia, as autoras problematizam a noção de livro na cultura da convergência. Utilizando-se metodologicamente da pesquisa bibliográfica e a documental, conclui-se que a materialidade do livro na contemporaneidade, entre imediação e hipermediação, resulta de um processo contínuo de remediação do impresso no digital e do digital no impresso. Ao leitor, é solicitado a acionar seu repertório acerca do livro tradicional, em um processo contínuo de significação dos produtos em tela e (res)significação daqueles em papel.

O texto de Suzana Barbosa e Marcos Palacios, intitulado La experiencia con la investigación teórica y aplicada sobre el periodismo convergente y la movilidade en el Proyecto Laboratorio de Periodismo Convergente, tem como foco as estratégias digitais implementadas em decorrência dos fenômenos da convergência e da integração jornalística para a produção em contexto de multiplataformas. A proposta tem caráter teórico-conceitual-analítico, mas está centrada, na ocorrência, sobre os resultados de um projeto prático de implementação do Laboratório de Jornalismo Convergente, no Curso de Comunicação da UFBA. Nesse sentido, inscreve-se como caso empírico de uma tendência que começa a aflorar e tomar consistência na área de comunicação: a de trabalhos investigativos que articulam teoria e prática analítica à execução de produtos ou processos. Repercute, portanto, sobre o ensino do jornalismo porque se estrutura sobre a base de um fazer que joga continuamente com a experimentação e a abordagem reflexiva, fechando o dossiê com um exemplo de experiências práticas dos conceitos envolvidos na sua temática.

As organizadoras do dossiê, assim como o conselho editorial da revista Interin, agradecem as colaborações, certos de que serão bastante proveitosas para seu público leitor.



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