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A representação das minorias sociais em narrativas cinematográficas: uma análise a partir da perspectiva de Appadurai[1]
The representation of social minorities in cinematographic narratives: an analysis from the perspective of Appadurai
Interin, vol. 24, núm. 2, pp. 135-153, 2019
Universidade Tuiuti do Paraná



Recepção: 25 Março 2018

Aprovação: 06 Setembro 2018

Resumo: O presente artigo tem como objetivo verificar como se dão as representações das minorias sociais em filmes que envolvem a temática de grupos minoritários produzidos por Estados Unidos e Inglaterra e que colocam povos indígenas, mulheres, negros, LGBTs e imigrantes no centro da narrativa. A base teórica é o conceito Arjurn Appadurai (2009) de minorias, com a complementação de pontos da teoria da representação, de Serge Moscovici (2003; 2009). A técnica de pesquisa utilizada foi a Análise de Conteúdo. Como principais resultados, destacamos que as produções cinematográficas analisadas trazem representações construídas a partir de conceitos etnocêntricos reducionistas e universalismos estreitos que corroboram com uma visão enraizada nas ideias de estado-nação e soberania nacional.

Palavras-chave: Minorias Sociais, Representação, Indústria Cultural, Arjun Appadurai.

Abstract: The objective of this paper is to verify the representation of social minorities at the Film Industry of the United States and England that put indian people, women, black people, LGBTs and immigrants at the center of their narratives. The theoretical basis proposed is Arjurn Appadurai (2009) and his concept of minorities with points from Sergei Moscovici’s theory of representation (2003; 2009) as a complement. The research technique used was Content Analysis. As main results, there is the emphasis that these representations were built by dominant elites, based on reductionist ethnocentric concepts and narrow universalisms that corroborate a rooted view in the ideas of nation-state and national sovereignty.

Keywords: Social Minorities, Representation, Cultural Industry, Arjun Appadurai.

1 Introdução

A ideia deste estudo surgiu a partir da polêmica envolvendo a cerimônia do Oscar 2016, sobre a ausência de atores negros na lista dos indicados a prêmios de atuação, elaborada anualmente pela Academy of Motion Picture Arts and Sciences (AMPAS). Foram inúmeras as manifestações e protestos pelo mundo, que chamaram a atenção não só para o fato de não haver profissionais negros selecionados para vencer a edição daquele ano, mas, em geral, para a sub-representação de minorias sociais – povos indígenas, mulheres, grupos étnicos, pessoas LGBTs, entre outras – na produção cinematográfica liderada pelos grandes conglomerados de mídia dos Estados Unidos e Europa.

A questão, no mínimo preocupante, torna-se ainda mais grave se considerarmos como hipótese o cinema produzido nos Estados Unidos na segunda metade do século passado, exemplo concreto da ideia de Indústria Cultural (IC), formulada pela Teoria Crítica da Cultura (TCC), com base em princípios marxistas e freudianos, pelos chamados Frankfurtianos. A partir da perspectiva crítica de uma reflexão dialética e um questionamento radical dos pressupostos adotados, a Indústria Cultural fundamentar-se-ia na noção de que a transformação da cultura em mercadoria é, também, a transformação dos indivíduos em meros instrumentos dessa sociedade (ADORNO; HORKHEIMER, 2002).

Nesse sentido, o cinema contemplado em uma cerimônia como a do Oscar potencializa a importância dos fenômenos de mídia e de cultura na formação de um modo de vida contemporâneo. Seus filmes integram uma produção cultural em série e industrializada, viabilizada pelo uso de técnicas de reprodução, e que está a cargo de uma classe diferente daquela que vai consumir o produto. Além disso, trazem em seu âmago todos os elementos característicos do mundo industrial moderno e nele exercem um papel específico: são portadores da ideologia dominante, com a tarefa de produzir consenso em relação ao sistema capitalista. Assim, surgiu o seguinte problema de pesquisa: como as minorias sociais são representadas nos filmes produzidos considerados do circuito comercial e que, de alguma maneira, envolvem a temática dos grupos minoritários?

Para responder a essa questão, propomos uma análise de conteúdo baseada na metodologia de Laurence Bardin (1977), de abordagem qualitativa, de filmes lançados nas últimas décadas que enfocam, de alguma maneira, diferentes grupos sociais minoritários.

Toda a análise foi construída a partir de Arjun Appadurai (2009), segundo o qual tanto minorias como maiorias são invenções históricas recentes, essencialmente vinculadas a ideias de nação, população, representação e enumeração. De acordo com o argumento do autor – que aprofundaremos mais adiante –, são grandes e pequenos números estabelecidos a partir de estratégias e interesses de classes dominantes do estado ou de líderes políticos que acabam por canalizar as frustrações do ideal universal do estado-nação moderno na sua própria condição de marginalidade. Resultado disso é toda a violência, seja real, seja simbólica, em torno de sujeitos ou grupos identificados a partir de uma origem ou situação social, cultural, política, sexual, étnica etc.

Já por representação, partimos do conceito baseado na teoria de Serge Moscovici (2009), influenciada, especialmente, pelas representações coletivas de Émile Durkheim. Na perspectiva do autor, em linhas gerais, a representação social é uma modalidade particular de conhecimento, que tem como principal função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre os indivíduos, ou seja, refere-se ao posicionamento e localização da consciência subjetiva nos espaços sociais, com o sentido de constituir percepções por parte dos indivíduos.

Assim, este artigo visa contribuir para o pensamento do papel da Indústria Cultural na construção das representações sobre as minorias sociais, na sociedade atual e, mais especificamente, o papel dos filmes que elegem como tema central mulheres, negros, pessoas LGBTs e grupos étnicos na criação das representações sobre esses grupos sociais.

2 O medo ao pequeno número: uma proposta de conceitualização de minorias

O antropólogo Arjun Appadurai nasceu em 1949, em Mumbai, na Índia. Lecionou na Universidade de Chicago, na Universidade de Yale e, como professor visitante, na Universidade de Delhi, no Departamento de Ciência Política. É conhecido por seus estudos sobre globalização e modernidade, sendo a sua principal obra Modernity at large: cultural dimension of globalization (1996). Foi, entretanto, no livro O medo ao pequeno número: Ensaio sobre a geografia da raiva (2009) – cujo principal objetivo é estudar a violência em larga escala por motivos culturais na contemporaneidade – que começou a abordar com mais profundidade a temática das minorias.

De acordo com Appadurai (2009), os anos 1990 podem ser classificados como “alta-globalização”, uma vez que foram caracterizados pelo apoio global a mercados abertos, livre fluxo de capital financeiro e ideias liberais de ordem constitucional, práticas de governo e a expansão dos direitos humanos. Por outro lado, compõem um período de violência em grande escala, em um amplo leque de sociedades e regimes políticos, especialmente, limpeza étnica e terrorismo.

A hipótese do autor é que este cenário cria dois mundos diferentes, porém, paralelos e complementares: um mundo vertebrado e um mundo celular. O primeiro tem como estrutura marcante os sistemas do moderno estado-nação aliados aos do capitalismo global, nos quais, apesar de as nações prosperarem com suas diferentes histórias e economias singulares, funciona por causa de uma ordem internacional garantida por uma variedade de normas. O segundo também tem as mesmas marcas estruturais, no entanto é centrado no avanço do capitalismo, que, ao fazer uso de tecnologias modulares e móveis, garante ao seu componente financeiro libertar-se cada vez mais de relacionamentos com a indústria e a manufatura nacional. Isso cria novas células, notadamente independentes, capazes de se multiplicarem em coordenadas que ultrapassam a amplitude dos estados-nação.

Assim, é a partir dessa aparente contradição entre os mundos vertebrado e celular, segundo o antropólogo, que se dá a existência do que ele chama de ethnos nacional, uma ideia perigosa e fundamental por trás da própria ideia dos modernos estados-nação.

Nenhuma nação moderna, por mais benevolente que seja seu sistema político, e por mais eloquentes que sejam suas vozes públicas sobre as virtudes da tolerância, do multiculturalismo e da inclusão, está livre da ideia de que sua soberania nacional se baseia [...] em um único ethnos nacional, produzido e neutralizado a um grande custo, por meio da retórica da guerra e do sacrifício, de exaustivas regras de uniformização educacional e linguística e da subordinação de milhares de tradições locais e regionais (APPADURAI, 2009, p. 14-15).

Em termos práticos, Appadurai defende que isso resulta em uma espécie de incerteza na vida social causada pelo mundo celular por conta da velocidade e intensidade com que os elementos, tanto materiais quanto ideológicos, circulam através das fronteiras nacionais, com o rápido avanço das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e meios de transporte, por exemplo. Para o autor (2009, p. 15), essa situação de incerteza está intimamente ligada à realidade de que os atuais e inúmeros grupos étnicos e seus múltiplos movimentos, misturas, estilos culturais e representações na mídia questionam sobre quem exatamente faz parte de nós e quem está entre eles, conforme a explicação:

A globalização exacerba essas incertezas e produz novos incentivos para a purificação cultural à medida que mais nações perdem a ilusão de soberania econômica ou do bem-estar nacionais. Essa observação também nos lembra que a violência em grande escala não é simplesmente o produto de identidades antagônicas, mas que a violência em si mesma é uma das maneiras como a ilusão de identidades fixas e plenas é produzida, em parte para aliviar as incertezas sobre a identidade que os fluxos globais invariavelmente produzem (APPADURAI, 2009, p. 16).

Em outras palavras, na atualidade, as identidades e relações de alteridade são questionadas. Por identidades, nos baseamos nas definições de Stuart Hall (2005) e Néstor García Canclini (2005). O primeiro autor entende que a identidade, que ele chama de “identidade cultural”, contextualizada na pós-modernidade (ou na chamada “alta-globalização” por Appadurai), é fragmentada, provisória, por vezes contraditória, e compõe um sistema de representação localizado em um espaço e um tempo simbólico. Já o segundo autor acrescenta à identidade o termo híbrido para definir (a chamada “identidade híbrida”), especialmente no contexto da América Latina, o conceito de identidade sociocultural, construído a partir de trocas simbólicas entre tradicional e moderno, popular e erudito, massivo e individual.

Já por alteridade, utilizamos o conceito de Emmanuel Levinas (2009), para quem, a alteridade deve ser um princípio da relação humana. O autor enfatiza o quanto é necessário, na contemporaneidade, a responsabilidade do sujeito na revalorização do sentido ético do humano e do respeito às diferenças para o reconhecimento do “Outro” e defende a possibilidade de existência de uma sociedade plural, fraterna e pacífica. “O Eu (Moi) diante do Outro é infinitamente responsável” (LEVINAS, 2009, p. 53).

E é justamente aqui que aparecem os grupos definidos como minorias e o questionamento: por que estamos vendo um impulso genocida virtualmente por todo globo em relação às minorias? (APPADURAI, 2009). De acordo com Appadurai, o desvio para o étnico-nacionalismo (ou mesmo etnocídio) nas organizações sociais democráticas tem muito a ver com as categorias internas do pensamento liberal de maioria e minoria. Explica o autor que:

A minoria é o sintoma, mas a diferença em si é que é o problema subjacente. As maiorias numéricas podem se tornar violentas, predatórias e etnocidas em relação aos pequenos números precisamente quando, num contexto de incerteza social, algumas minorias lembram àquelas maiorias a pequena brecha que existe entre sua condição de maiorias e um ethnos nacional puro e limpo (APPADURAI, 2009, p. 17).

Segundo o antropólogo, as minorias são produtos de estatísticas, censos e mapas populacionais, criados pelos modernos estados-nação, a partir do século XVII. Compõem uma categoria social e demográfica recente e produzida historicamente nas circunstâncias específicas de cada nação e de cada nacionalismo, por classes dominantes de estado ou líderes políticos. Geralmente, são de ordem numérica, cultural, política, econômica, étnica e de gênero, conforme assinala o referido autor:

Frequentemente são portadoras de lembranças indesejáveis dos atos de violência que produziram os estados existentes, da convocação militar forçada ou da expulsão violenta à medida em que novos estados se formavam. E, além disso, como demandantes fracos dos direitos concedidos pelo estado ou como drenos dos recursos altamente contestados do país, elas também lembram os fracassos de vários projetos de estado (socialista, desenvolvimentista e capitalista). Elas são as marcas do fracasso e da coação. São um constrangimento para qualquer imagem, patrocinada pelo estado, de pureza nacional e justiça do estado (APPADURAI, 2009, p. 39).

3 Representação das minorias nas narrativas cinematográficas

Neste trabalho, nos concentramos na análise de cinco filmes que representam os seguintes grupos: mulheres, povos indígenas, negros, pessoas LGBTs e imigrantes. São eles: As Sufragistas (Suffragette; Sarah Gavron, 2015), Preto e Branco (Black or White; Mike Binder, 2014), Grayeagle, um bravo cheyenne (Grayeagle; Charles B. Pierce, 1977), Filadélfia (Philadelphia; Jonathan Demme, 1993) e Selena (Gregory Nava, 1997).

O primeiro passo foi verificar como essas minorias são representadas em uma narrativa cinematográfica. Moscovici (2009, p. 105) nos fala que a representação é um corpus organizado de conhecimento por meio do qual os homens tornam inteligível a realidade social, liberando os poderes de sua imaginação. De fato, é isso que os filmes analisados indicam. Ao propor uma representação da realidade de alguns grupos em particular – de ordem numérica, cultural, política, econômica, étnica e de gênero –, as narrativas cinematográficas analisadas constroem um universo marcado por estereótipos, preconceitos, dramas pessoais, violência e incertezas, envolvendo relações de poderes, estabelecidas a partir de uma uniformização e subordinação pelos grupos dominantes.

Trata-se, apenas, de uma maneira de interpretar e pensar a realidade cotidiana ou, ainda, uma forma de expressão desenvolvida pelos indivíduos e grupos como caminho para fixar posições em relação a situações, eventos, objetos e comunicações que lhes concernem. “De fato, a representação é, fundamentalmente, um sistema de classificação e de denotação, de alocação de categorias e nomes” (MOSCOVICI, 2003, p. 62).

O primeiro filme analisado, As sufragistas (2015) aborda o movimento sufragista, que ganha força na Londres do início do século XX e é integrado por mulheres que lutam pelo direito ao voto e, também, pela igualdade de direitos em relação aos homens. Incentivadas pelas ideias de Emmeline Pankhurst (Meryl Streep), um grupo de mulheres operárias, entre elas a protagonista Maud Watts (Carey Mulligan), opta por enfrentar o estado, quebrando vitrines de lojas, realizando atentados às redes de comunicação e greves de fome.

Após a morte de uma integrante do grupo em uma ação em que entregaria um símbolo do movimento para o rei, o movimento ganha repercussão nacional e internacional. Em 1928, o voto feminino é finalmente aprovado na Inglaterra. Existem dois estereótipos reforçados pelo filme: a oposição entre homens e mulheres e a oposição entre mulheres sufragistas e mulheres não sufragistas.

Os homens dominam o poder na fábrica, na monarquia, no parlamento, na polícia e nas famílias. O marido da protagonista, por exemplo, Sonny Watts (Ben Whishaw), exige que ela se afaste do movimento sufragista e diante da opção dela por continuar, o casal separa-se e o homem entrega o filho de ambos para a adoção. Outra figura masculina de poder é o inspetor Arthur Steed (Brendan Gleeson), que investiga e solicita a prisão das sufragistas, tentando deter o movimento.

Também não existem diversidade ou pluralidade para se representar mulheres, que são reduzidas a dois grupos. O primeiro reúne as sufragistas, que desobedecem aos maridos e ao Estado, contestam as leis e protestam contra as condições de trabalho. O segundo compreende as não sufragistas, submissas aos maridos e que aceitam pacificamente as desigualdades sociais.

O filme mostra a transição da personagem Maud Watts de um grupo para outro: se no início do filme ela tinha uma família estruturada e um trabalho, posteriormente, ao participar do movimento, vai perdendo sua antiga identidade e adquirindo outra, a de uma mulher livre, porém sozinha, desconectada de seus antigos papéis de operária, dona de casa e mãe, sem adquirir novas funções sociais.

O segundo filme é o drama Preto e Branco (2014), que conta a história do advogado Elliott Anderson (Kevin Costner), o qual, junto com sua esposa Carol (Jennifer Ehle), cria a neta Eloise (Jillian Estell), já que a mãe da menina morreu no parto. A reviravolta acontece quando Carol morre em um acidente de carro. Enquanto luta contra a dor de perder a mulher, Elliot recebe a visita inesperada da avó paterna da garota, Rowena (Octavia Spencer), que exige que a neta seja criada pelo pai, Reggie (Andre Holland), um viciado em drogas cuja negligência faz Elliot culpá-lo pela morte de sua filha. Assim, os avós de Eloise entram em uma disputa judicial pela guarda dela.

O que era para ser um drama familiar, com conflitos e experiências a partir de relações de parentesco, ganha outras proporções, abordando a questão do racismo, já que a família materna da garota é branca e a paterna, negra. Durante todo o filme, a representação da identidade negra conduz a narrativa, estabelecendo as ações das personagens e marcando realidades antagônicas entre os dois lados: a família branca e a negra.

Assim, são expostas situações variadas, desde como o advogado se comporta para pentear o cabelo afro da neta até sua fala no tribunal perante a juíza, ao responder uma acusação de racismo: “admito que somos diferentes. Temos a cor da pele diferente. E é a primeira coisa que noto quando vejo um negro? A cor da pele dele? Sim. [...] Porque posso dizer que é a primeira coisa que você nota quando vê um branco. Não sei porque é assim”. Enquanto a família branca mora em um dos bairros mais seguros de Los Angeles, onde fica uma das melhores escolas da cidade (frequentada por Eloise), como Elliot diz em determinado momento do filme, em uma linda casa com jardim na frente e empregada doméstica mexicana, a família de Rowena vive no outro lado da cidade, em um bairro pobre e casa com muita gente – filhos(as), primas(os), tios(as), etc.

A família de Rowena apresenta uma série de dificuldades, a começar pela própria matriarca que, abandonada pelo marido quando jovem, criou os filhos sozinha e tem uma imobiliária e um brechó na garagem de casa, de onde tira o sustento de todos. Um dos filhos é usuário de drogas (o pai de Eloise), a outra filha tem um relacionamento homoafetivo. A exceção, como eles colocam em uma das passagens, é um irmão da matriarca (Anthony Mackie) que “estudou e venceu na vida”, como Rowena diz, e é um advogado famoso que vai defendê-la no caso da guarda da neta. É uma realidade representada totalmente oposta à de Elliot, que tem uma carreira sólida como advogado e boa situação financeira, ainda que, no decorrer da narrativa, seja revelado seu problema de alcoolismo.

O terceiro filme analisado foi a aventura western Grayagle, um bravo cheyenne (1977). O filme trata de um valente guerreiro (Alex Cord), de uma tribo indígena do Território de Montana, que recebe a missão de resgatar Beth (Lana Wood), a filha de seu velho líder, o qual está morrendo. O guerreiro deve trazer a moça para que ela veja seu pai pela última vez. A tarefa, porém, se mostra extremamente perigosa, uma vez que para cumprir sua missão ele precisa enfrentar não só o padrasto (Ben Johnson) e amigos de Beth, que tentam resgatá-la, mas também indígenas inimigos.

A história se passa no ano de 1848 e a representação do indígena remete à imagem clássica construída a partir da ideia ocidental de como eram os índios nativos norte-americanos. Cabelos compridos, normalmente com tranças, vestimentas rudimentares feitas com pele de animal e penas, adornos em pedras e caras pintadas compõem o figurino das personagens da tribo dos cheyenne e das tribos inimigas. Acampamentos com ocas e o trabalho de subsistência (caça, pesca, plantações) também aparecem. Em algumas cenas, os membros da tribo utilizam o próprio idioma para se comunicar, no entanto, na maioria se expressam em inglês. Há até uma situação ilustrativa na qual Beth fica surpresa ao saber que Grayagle sabe falar inglês. Ou outra, na qual o padrasto pede para traduzirem o que um índio está falando. Como nos demais filmes, a oposição a outro grupo, no caso, o homem branco, é explícita: são selvagens contra civilizados.

A mocinha do filme vive em uma casa com o padrasto que, apesar de simples, tem um estilo totalmente diferente das ocas dos índios (camas, mobiliário, livros, velas, etc.). Eles têm o amigo índio Standing Bear (Iron Eyes Cody), que, na verdade, é um empregado, uma vez que lhes traz animal para comer, lhes serve e cumpre ordens o tempo todo. Em determinada cena, no vilarejo, um comerciante branco quer comprar uma pele de um grupo de índios. Ele oferece duas garrafas de uísque e quatro dólares como pagamento. Os índios exigem três garrafas. O comerciante, então, afirma que “é cada vez mais difícil fazer negócio com esses malditos índios”. Em outra cena, os próprios índios se denominam selvagens. Quando o líder de uma tribo inimiga vê Grayeagle com a mocinha, diz: “índio selvagem troca dois pôneis pela garota”.

São inúmeras cenas de violência envolvendo tanto os índios da trama, como os brancos (lutas, morte, tortura). Em uma delas, os índios ateiam fogo na casa de um homem branco, o que é visto como um “verdadeiro ato de barbaridade”. Em outra, um homem branco mata um índio, o que é representado como um ato heroico, de bravura e valentia.

O quarto filme analisado foi o drama Filadélfia (1993). A trama conta a história de Andrew Beckett (Tom Hanks), um advogado homossexual que trabalha para uma prestigiada empresa da Filadélfia. Ele esconde dos colegas de trabalho sua sexualidade e o fato de ter AIDS. Porém, quando um dos diretores descobre sua doença, é montada uma farsa para demiti-lo. Beckett contrata, então, Joe Miller (Denzel Washington), um advogado homofóbico, para levar seu caso até o tribunal e processar a empresa por preconceito.

Em um primeiro momento do filme, Andrew Beckett é um jovem, branco, com uma carreira profissional promissora e que vive em meio à correria de uma grande cidade. Aos poucos, no entanto, é revelada sua identidade homossexual, seu relacionamento estável com Miguel Alvarez (Antonio Banderas) e sua doença. A partir de então, o sofrimento – seja pelo preconceito, seja pelos efeitos da AIDS nos sistemas fisiológico e psicológico – passa a tomar conta da personagem. Em uma das cenas, um médico do hospital onde Beckett aguarda atendimento o destrata assim que ele apresenta Miguel como seu parceiro. Em outra, Joe Miller cumprimenta Beckett com um aperto de mão, mas, no momento em que ele diz ter AIDS, solta a mão de maneira abrupta; em seguida consulta um médico com medo de ter sido contaminado.

Durante todo o tempo, ele é chamado por outros personagens de frutinha, veado, bicha, aberração, dentre outros termos pejorativos. E a divisão clara entre grupos é percebida: homens heterossexuais versus homens homossexuais. Os únicos que aparecem apoiando-o são integrantes da sua família, ainda que apresentada no modo tradicional – feliz, com pai, mãe, irmãos, sobrinhos, netos, em festa, morando em uma casa bonita. “Eu não criei meus filhos para não lutarem”, diz a mãe em determinada cena, ao saber da decisão do filho de levar o caso de sua demissão para a Justiça. Em outra cena, Beckett e Miguel dão uma festa gay em seu apartamento e convidam o advogado Joe Miller e sua esposa. A mise en scène da festa à fantasia é repleta de encenações, com travestis e casais homossexuais dançando e trocando carícias.

Ao final, a personagem principal diz ao advogado: “parabéns! Você sobreviveu à sua primeira festa gay”. No ambiente profissional, apesar da discrição de Beckett, os colegas, depois, no tribunal, admitem saber ou ter percebido que ele era homossexual devido a sua conversa e comportamento. “Na verdade, eu percebi pelo jeito em que ele tratava as pessoas, com extrema educação e gentileza. Um homem pode ser assim também, mas não da mesma maneira, entende?”, diz uma colega de trabalho ao depor a favor do réu no tribunal.

Por fim, o quinto filme é o biográfico Selena (1997), que retrata a vida de Selena Quintanilla (Jennifer Lopez), uma jovem de origem hispânica que se tornou a mais popular cantora latina de todos os tempos. De origem humilde e sempre auxiliada pela família, ela consegue atingir o topo das paradas musicais nos Estados Unidos, ganhando dois discos de ouro e um de platina. No entanto, aos 23 anos, uma tragédia interrompe sua vida: ela é assassinada pela presidente de seu fã-clube (Lupe Ontiveros), que também a auxiliava nos negócios.

A identidade migratória da personagem principal (Selena é uma mexicana-americana ou uma tejana) é o foco de representação de toda a trama que expõe a divisão: gringos e imigrantes hispanos nos EUA. Assim, são mostradas cenas de sua numerosa família morando em um bairro pobre, tipicamente de imigrantes do Texas, bailes festivos envolvendo latinos, com música (cúmbia e polcas, principalmente) e enfeites com flores coloridas de papel de seda. A comida também faz parte dessa representação: ao mesmo tempo em que as personagens comem enchilladas, têm o hábito de comer pizza com muita pimenta.

O idioma é uma das marcas principais da representação do imigrante no filme. O tratamento íntimo entre familiares de Selena é sempre em espanhol (mamá, hijita, papá, etc.), porém, todo o restante da comunicação interpessoal ocorre em inglês. A própria Selena faz uma mistura entre espanhol e inglês. Uma das cenas que ilustra essa atitude é quando ela concede uma entrevista coletiva a jornalistas mexicanos. Seu pai e empresário (Edward James Olmos) teme que ela seja massacrada pela imprensa porque não sabe espanhol e até alerta: “você vai ser escrachada! Seu espanhol é ridículo”. Ela vai em frente, porém, durante a entrevista esquece as palavras em espanhol e começa a misturar com inglês: “yo estoy... Yo estoy tan... Yo estoy tan excited!”. Os jornalistas adoram e, a partir daí, passa a adotar essa estratégia de misturar os dois idiomas, e ambas as culturas, como forma de encantar o público.

Outro exemplo da questão do idioma como forma identitária de representação das personagens e a mistura de identidades nacionais que envolvem o imigrante está na cena em que Selena se vê obrigada, ainda criança, pelo pai, a cantar em espanhol. Ela lhe diz que não sabe cantar em espanhol porque é americana: “eu não quero cantar música em espanhol. Eu nem gosto de espanhol”. No entanto, ele replica: “mas lá no fundo você é mexicana, e isso é maravilhoso”.

Como se vê, o conjunto de filmes sobre representações de minorias sociais escolhido para esse artigo traz representações sociais dinâmicas, construídas por contexto, comunicação, códigos, símbolos, valores e ideologias envolvendo indivíduos e grupos de pessoas ligados a posições e vinculações sociais específicas, marcadas por uma liberdade característica da narrativa que as projetam em um espaço simbólico e as arrastam para associações diversas.

É uma modalidade de conhecimento particular e prático que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos. Em suma, possui uma função constitutiva da realidade (MOSCOVICI, 2003; 2009).

4 A representação das minorias a partir de Appadurai

O segundo passo da pesquisa foi entender como as representações dos grupos minoritários descritas acima se encaixam na proposta de conceituação de minorias de Appadurai. Para isso, analisamos os cinco filmes a partir de cinco categorias identificadas na obra do autor. Baseada em Bardin (1977), nossa proposta foi buscar uma lógica a partir de uma perspectiva relativizada, não particular ou única, mas fundamentada na comparação e explicação a fim de revelar as perspectivas e observações sobre forma e conteúdo com foco, extraindo, por detrás de seus conteúdos manifestos, conteúdos latentes e contextualizando, em termos da sociedade total, elementos de sentido social. São elas:

· Produto demográfico: fruto de censos, mapas populacionais, etc.

· Produto social: preocupação com os direitos humanos e cidadania.

· Produto histórico: como são produzidas (Estado, grupos dominantes)?

· Formas de violência: física ou simbólica, interna ou externa?

· Dupla condição: desejadas/ indesejadas.

Nesse sentido, a primeira categoria de análise – que indica que a minoria é um produto demográfico, visivelmente moderno de estatísticas, censos, mapas populacionais e outros instrumentos de estados – é apropriada nos filmes como discurso legitimador da dialética nós/eles. Em diálogo com um funcionário do governo, a protagonista de As sufragistas, Maud Watts, utiliza a estatística sobre o número de mulheres para argumentar que não seria possível frear o movimento de luta das mulheres: “somos metade da humanidade, estamos em cada casa, vocês não podem nos prender”. Já no filme Selena, o pai da protagonista lamenta as dificuldades de ser mexicano-americano: “é dureza. Nunca nos aceitaram. Estamos aqui há séculos e somos milhares. Não precisa nem censo para mostrar isso. Mas nos tratam como se não fôssemos nada, uma minoria que acabou de cruzar o Rio Grande”. Em Filadélfia, um membro do grupo de advogados processado pela personagem principal, um gay, em determinado momento diz: “eles [os homossexuais] são repugnantes. Mas não precisamos nos preocupar. Eles são minoria. Vivem escondidos. São uns covardes que nem o Estado consegue contar”. Já a frase “eu sei que os negros estão por toda parte. Eles são a maioria desse país, basta ver as estatísticas” é dita pelo advogado Elliot Anderson, do filme Preto e Branco.

Essa visibilidade numérica expressa nos diálogos acima, seja grande ou insignificante, dá à minoria um significado secundário e, em geral, implica fraquezas pessoais representadas pelas personagens relativas a identidades antagônicas criadas por uma perspectiva macrossocial, política, civil e militar; o que não impede que as minorias sejam objeto de medo, raiva, discriminação e violência. Hoje, a ideia de minoria e maioria é universal, “uma vez que as técnicas de contar e classificar e de participação política que são subjacentes às ideias de maioria e minoria estão associadas, em todas as partes, ao estado-nação moderno” (APPADURAI, 2009, p. 45).

A segunda categoria, das minorias vistas como um produto social, que remete a uma preocupação com os direitos humanos e cidadania, também é constantemente verificada, ainda mais em se tratando, coincidentemente, de filmes que envolvem disputas judiciais, como é o caso de Preto e Branco e Filadélfia. O fato de ambos os preconceitos – racismo e homofobia – serem levados ao Tribunal, com direito a representação do julgamento, a bandeira dos Estados Unidos presente no cenário do Tribunal e final feliz, com a vitória do lado mais fraco, mostra preocupações sobre direitos humanos, cidadania, sobre fazer parte e ser autóctone e sobre titularidade de direitos concedidos pelo Estado.

No caso de Grayeagle, um bravo cheyenne, apesar de retratar o ano de 1848, a própria tentativa de sobrevivência do índio em meio a homens brancos implica seu direito de participação, seja no comércio local, seja frequentando os mesmos lugares. Selena traz a questão do imigrante em situação ilegal, sem documentação, uma luta relevante atualmente nas situações migratórias. As sufragistas é um roteiro completo da busca pelos direitos de cidadania, que vai além de pilares dos estados nacionais modernos. A busca do direito ao voto, central no filme, vem acompanhada da busca pela igualdade de gênero e de melhores condições de trabalho, que eram o foco do movimento feminista no início do século passado, na Inglaterra. Em seu depoimento no Parlamento inglês, por exemplo, Maud Watts denuncia que homens ganhavam mais do que as mulheres para fazer o trabalho de entrega das roupas limpas aos clientes, o qual era relativamente mais leve do que o trabalho no ambiente insalubre da lavanderia. A protagonista denuncia, inclusive, que as operárias adoeciam e tinham uma vida curta em razão das condições de insalubridade do ambiente de trabalho.

Para Appadurai (2009, p. 39), as minorias “suscitam novas maneiras de examinar as obrigações dos estados, bem como os limites da humanidade política, pois pertencem à área cinzenta incômoda situada entre os cidadãos propriamente ditos e a humanidade em geral”. Não surpreende que em todos os filmes as minorias tenham sido representadas como pessoas insuficientes, sendo alvo de marginalização, preconceito ou limpeza. Todas foram mostradas como marcas do fracasso e da coação, como forma de constrangimento para qualquer imagem institucional: do Estado (Selena, As Sufragistas), da família (Preto e Branco e As Sufragistas), da empresa (Filadélfia), da sociedade (Grayeagle, um bravo cheyenne).

Todas revelaram incertezas, tanto no plano de vida cotidiano e nos relacionamentos interpessoais, como no plano jurídico regido pelo Estado. Elas criam incertezas sobre o eu nacional e a cidadania nacional por causa de sua condição mista. Seu status legalmente ambíguo exerce pressão sobre as constituições e os ordenamentos legais. Seus movimentos são uma ameaça para o policiamento das fronteiras. Suas línguas exacerbam as preocupações com a coerência cultural da nação. Seu estilo de vida é um modo fácil para deslocar as tensões amplamente espalhadas pela sociedade, especialmente nas sociedades urbanas (APPADURAI, 2009).

A terceira categoria, das minorias como um produto histórico, é plenamente perceptível. Grayeagle, um bravo cheyenne coloca a questão da ancestralidade do indígena e sua condição a partir da chegada e estabelecimento do homem branco; do mesmo modo, Preto e Branco e Selena abordam a construção dos Estados Unidos por negros e imigrantes, respectivamente, e o fato de que eles não foram para o país e sim o país foi até eles. E essa condição é construída a partir de outro grupo (demarcado nos filmes pelo branco, rico, etc.), ou seja, uma visão externa, que lhes dá um status especial, de grupo minoritário (apesar de serem maioritários numericamente em diversos Estados norte-americanos ou, no caso dos povos indígenas, maioria absoluta quando da colonização).

Podemos dizer que é por meio de escolhas e estratégias específicas, muitas vezes definidas por grupos dominantes do Estado ou por líderes políticos, que determinados grupos, antes invisíveis, ganham visibilidade como minorias contra as quais se desencadeiam campanhas caluniosas, racistas, homofóbicas, xenófobas, etc. Foram constantes e não poucas as denúncias de preconceitos representadas em todos os filmes. Em uma das cenas de Selena, a cantora vai ao shopping com uma amiga e pede para experimentar um vestido. A vendedora, sem reconhecê-la, diz achar impossível porque o vestido custa US$800 e ela, como todo mexicano, não teria dinheiro para pagar. Em Filadélfia, Andrew Beckett sofre duas vezes: uma por ser gay e outra por ser portador do vírus HIV. O mesmo acontece com a família de Rowena em Preto e Branco – além de seus membros serem negros, são também pobres e, no caso do filho, drogado. Em As sufragistas, o marido alega a pressão dos vizinhos para deixar a protagonista após ela optar pelo ativismo social.

É por isso que Appadurai defende que, em vez de dizer que as minorias produzem violência, seria melhor dizer que a violência, especialmente no âmbito da nação, requer as minorias. “As maiorias precisam das minorias para existir, ainda mais do que o contrário” (APPADURAI, 2009, p. 45). Isso também explica o fato de situações étnico-nacionalistas demarcarem muito bem a questão nós/eles nos filmes analisados, especialmente Selena, Preto e Branco e Grayeagle, um bravo cheyenne, evidenciando o que Appadurai classifica como identidades predatórias.

Identidades predatórias emergem da tensão entre identidades majoritárias e identidades nacionais. As identidades podem ser descritas como ‘majoritárias’ não simplesmente quando são invocadas por grupos objetivamente maiores de um regime político, mas quando lutam para fechar a brecha entre a maioria e a pureza da nação toda (APPADURAI, 2009, p. 47).

Isso remete, automaticamente, à quarta e à quinta categoria de análise que propomos nesse trabalho: formas de violência e dupla condição das minorias, respectivamente. Em Grayeagle, um bravo cheyenne foram representadas batalhas físicas, lutas corporais, situação de tortura entre índios e brancos, atos de selvageria, ou seja, violência física; a mesma situação foi observada em As Sufragistas, com as ações dos órgãos de repressão do Estado (polícia e inteligência) para deter o movimento feminino – a violência policial foi mostrada na repressão às manifestações e nos maus tratos durante a prisão das integrantes do movimento, além de a própria protagonista ter sido abusada sexualmente por muitos anos pelo gerente da indústria de lavanderia. Em Filadélfia, quando Andrew Beckett é vítima de uma farsa na empresa em que trabalha para justificar sua demissão (que, na verdade foi causada pelo fato de ele ser homossexual e ter AIDS), temos uma violência simbólica, que lhe traz danos afetivos e emocionais irreparáveis. O mesmo ocorre em Preto e Branco, quando Elliot Anderson chama o genro de neguinho de rua, dizendo: “você é o maldito clichê. É o estereótipo perfeito do negro na sociedade. Do vagabundo, do desordeiro, do que não presta para nada. [...] Você corrobora com tudo que a comunidade branca pensa a respeito dos negros”.

Essas representações descritas tornam nebulosas as fronteiras não só entre o nós/eles, como dissemos no início deste item, mas a fronteira entre necessários e indesejados. De acordo com Appadurai (2009, p. 40), de um jeito ou de outro há a necessidade de grupos menores em espaços nacionais – “nem que seja só para limpar nossas latrinas e travar nossas guerras. Certamente, contudo, eles também são mal recebidos por causa de suas ligações e identidades anômalas”. E é nessa dupla qualidade que encarnam um problema central nos dias de hoje: “São, ao mesmo tempo, nós (podemos ser donos deles, controlá-los e usá-los, na visão otimista) e não-nós (podemos evitá-los, rejeitá-los, viver sem eles, negá-los e eliminá-los, na visão pessimista)” (APPADURAI, 2009, p. 40).

5 Considerações finais

Seja na “nova Revolução Industrial” de Appadurai, seja na “Indústria Cultural” de Adorno e Horkheimer (pois estes são nomes diferentes para o mesmo fenômeno que conhecemos hoje como globalização), a preocupação com os marginalizados – como sempre na história da humanidade – é uma preocupação para a classe dominante. Ainda que as narrativas cinematográficas analisadas se proponham a mostrar negros, mulheres, índios, pessoas LGBTs e imigrantes, as representações utilizadas, ao invés de serem marcadas pelo pluralismo e mistério da diversidade humana, aprisionam a realidade utilizando conceitos etnocêntricos reducionistas e universalismos estreitos.

Ideias de maioria e minoria baseadas em censos estatísticos, assim como identidades nacionais construídas a partir de fronteiras territoriais e de linguagem, são concepções que fundem cidadania e concessão de direitos humanos com etnicidade e gênero. Assim são os grupos retratados, que nas produções cinematográficas ganham um final feliz, mas que, na realidade, não passam de metáforas e lembranças da traição ao projeto nacional clássico.

as minorias são a esfera principal para onde deslocar as angústias de muitos estados sobre sua própria marginalidade, num mundo de poucos megaestados, de fluxos econômicos desgovernados e soberanias comprometidas (APPADURAI, 2009, p. 40).

Se as representações sociais dizem respeito ao estudo das trocas simbólicas desenvolvidas nos ambientes sociais, nas relações interpessoais, influenciando na construção do conhecimento que é partilhado, como ficam, então, tais grupos retratados neste artigo, verdadeiramente carentes e excluídos da própria história por uma lógica que classifica, categoriza e nomeia idéias, a partir de uma visão enraizada no fracasso da ideia de estado-nação, em preservar sua promessa de ser o curador da soberania nacional? Quais seriam as oportunidades, não como fato, mas como norma, que esses grupos poderiam almejar?

Como ocorre em muitos outros fenômenos sociais, encontrar respostas, oferecer afirmações conclusivas ou fazer julgamentos seguros não é tarefa fácil. É preciso ir além de meros conceitos e representações. No caso deste estudo, qualquer dicionário nos daria a definição de minoria, assim como qualquer filme nos daria sua representação. Porém, é necessário ir além e articular conhecimentos para entendermos as minorias não como um número, uma quantidade ou um amálgama de pessoas ainda que mobilizadas (como massa, multidão ou grupo), mas como um espaço – um espaço simbólico onde a transformação de uma relação de poder é possível.

Referências

ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. A indústria cultural – o iluminismo como mistificação das massas. In: ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

APPADURAI, Arjun. O medo ao pequeno número – Ensaios sobre a geografia da raiva. São Paulo: Iluminuras, 2009.

APPADURAI, Arjun. Modernity at Large – Cultural Dimensins of Globalization. Minneapolis: University Minnesota Press, 1996.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

CANCLINI, Néstor García. Diferentes, Desiguais e Desconectados. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.

HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

LEVINAS, Emmanuel. O humanismo do outro homem. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

MOSCOVICI, Serge. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

MOSCOVICI, Serge. Representações Sociais: Investigações em Psicologia Social. Petrópolis: Vozes, 2009.

Notas

[1] Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação INTERCOM, no GP Comunicação para a Cidadania. São Paulo – SP, 2016.
[2] Pesquisa realizada em parceria com Adriana Gonçalves Saraiva. Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: saraiva.adri@gmail.com


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