dossier: "confronting adultcentrism in educational philosophies and institutions"

colonialidade da educação infantil: análise crítica das práticas pedagógicas em uma instituição em contexto periférico

coloniality and early childhood education: a critical analysis of pedagogical practices in an institution in a peripheral Brazilian context

colonialidad de la educación infantil: análisis crítico de las prácticas pedagógicas en una institución en contexto periférico

otavio henrique ferreira da silva
Universidade do Estado de Minas Gerais, Brazil

colonialidade da educação infantil: análise crítica das práticas pedagógicas em uma instituição em contexto periférico

Childhood & Philosophy, vol. 20, e82143, 2024

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Recepção: 18 Fevereiro 2024

Aprovação: 28 Março 2024

Resumo: Busca-se neste artigo problematizar a manifestação da colonialidade nas práticas pedagógicas de uma instituição de educação infantil situada em contexto periférico a partir da percepção de professoras e famílias. A argumentação e análise teórica adotada partem dos estudos da infância e teoria decolonial/contracolonial. Serão analisadas as conversas estabelecidas com adultos participantes da pesquisa, sendo quatro entrevistas realizadas com professoras e mães de crianças de uma instituição de educação infantil de contexto periférico e negro, localizada no município de Betim - MG. A partir dos sujeitos da pesquisa são apresentadas denúncias que configuram o que chamamos de colonialidade da educação infantil. A alimentação das crianças foi destacada, pelas professoras e mães, como um dos momentos da rotina pedagógica que gerava grande incômodo devido a práticas de violência com as crianças. Esta violência compõe o que se denomina como adultocentrismo, que existe para posicionar as crianças às margens do projeto civilizatório ocidental, sendo que nestes termos o adultocentrismo pode ser também compreendido como a peste branca produzida pela matriz eurocêntrica e colonial. Atuar contra a colonialidade e contra o adultocentrismo é defender uma experiência concreta e histórica para a educação infantil e não apenas teórica. Cada vez mais é preciso avançar na formação das professoras de forma conscientizadora quanto a emergência da contracolonização da educação infantil em articulação com o projeto de sociedade emancipatória para todos e todas.

palavras-chave: Educação infantil, colonialidade, adultocentrismo, periferia, infância.

Abstract: This article aims to critically examine the presence of colonial influences within the pedagogical practices of an early childhood education institution situated in a culturally peripheral area of Brazil. Our examination is based on insights gathered from both educators and families involved in the institution. The argumentation and theoretical framework utilized draw from childhood studies as well as decolonial and counter-colonial theories. The data analyzed in the article stems from conversations held with adults who participated in the research. Specifically, four interviews were conducted with teachers and mothers of children attending the early childhood education institution in Betim - MG, a city characterized by its peripheral and predominantly black population. Through these interviews, the article sheds light on the grievances expressed by participants, which collectively delineate what the authors define as the coloniality of early childhood education. One significant aspect highlighted by both teachers and mothers is the discomfort generated during meal times, a routine occurrence within the pedagogical setting. This discomfort is attributed to acts of violence perpetrated against children during these moments. Such violence is construed as an embodiment of adultcentrism, a concept denoting the relegation of children to the periphery of the Western civilizational narrative. Adultcentrism is further characterized as a product of the Eurocentric and colonial paradigm, akin to a pervasive affliction affecting educational practices. The authors advocate for concerted efforts to combat coloniality and adultcentrism within early childhood education, emphasizing the necessity of grounding this endeavor in practical experiences rather than purely theoretical frameworks. They underscore the imperative of enhancing teacher training programs to foster awareness regarding the need for counter-colonial approaches within early childhood education. Ultimately, the article posits the pursuit of an emancipatory society as contingent upon the simultaneous advancement of counter-colonial initiatives within the realm of early childhood education

keywords: Early childhood education, coloniality, adultcentrism, periphery, infancy.

Resumen: Este artículo busca problematizar la manifestación de la colonialidad en las prácticas pedagógicas de una institución de educación infantil ubicada en un contexto periférico a partir de la percepción de profesoras y familias. La argumentación y el análisis teórico adoptados se basan en los estudios sobre la infancia y en la teoría descolonial/contracolonial. Serán analizadas las conversaciones establecidas con adultos participantes de la investigación, siendo cuatro entrevistas realizadas a profesoras y madres de niños y niñas de una institución de educación infantil de contexto periférico y negro, ubicada en la ciudad de Betim - MG. Desde los sujetos de investigación se presentan denuncias que configuran lo que llamamos la colonialidad de la educación infantil. La alimentación de los niños y niñas fue destacada por las profesoras y madres como uno de los momentos de la rutina pedagógica que generaba gran malestar debido a prácticas de violencia contra los niños y niñas. Esta violencia constituye lo que se llama adultcentrismo, que existe para colocar a los niños al margen del proyecto de civilización occidental, y en estos términos el adultcentrismo también puede entenderse como la plaga blanca producida por la matriz eurocéntrica y colonial. Actuar contra la colonialidad y el adultocentrismo consiste en defender una experiencia concreta e histórica para la educación infantil y no sólo teórica. Es cada vez más necesario avanzar en la formación de docentes para que se tome conciencia del surgimiento de la contra-colonización de la educación infantil en articulación con el proyecto de una sociedad emancipadora para todos y todas.

palabras clave: Educación infantil, colonialidad, adultocentrismo, periferia, infancia.

colonialidade da educação infantil: análise crítica das práticas pedagógicas em uma instituição em contexto periférico

introdução

O artigo foi organizado a partir de minha pesquisa de doutorado em educação concluída no ano de 2022 pela Universidade Federal de Minas Gerais e que teve como problema de investigação o que dizem e fazem professoras e famílias da comunidade escolar de uma instituição de educação infantil da periferia quanto a educação das crianças de três anos para o exercício da cidadania (Silva, 2022).

A metodologia utilizada na pesquisa foi pesquisa teórica e empírica tendo como base o método do estudo de caso etnográfico. Na parte teórica abordou-se a relação entre cidadania, periferia e educação infantil tendo como aporte os estudos da infância (Sarmento, 2002; Kramer, 1985; Gomes; Teodoro, 2021) e estudos decoloniais (Fanon, 1961; Freire, 2019a; Hooks, 2013) e contracolonial (Bispo dos Santos; 2015, 2020). A parte empírica constituiu-se por meio de análise de documentos, observação participante e entrevistas no período de agosto a dezembro de 2019 junto a uma turma de crianças de 3 anos, denominada Turma Quilombinho, do Centro Infantil Municipal Palmares, em Betim-MG. Os dados obtidos foram analisados à luz dos estudos da infância e teoria decolonial/contracolonial1.

A condição periférica do território e dos sujeitos participantes foi a tônica base do campo social analisado, tendo em vista as condições de vulnerabilidade/marginalização e religiosidade de ordem: a) econômica - em que o perfil da comunidade é majoritariamente de baixa renda, com até três salários mínimos (95,1%) e renda per capita de até meio salário mínimo (76,86%); b) racial - uma comunidade em maior parte formada por crianças negras (58,5%), que historicamente pouco têm direitos básicos assegurados para usufruírem uma condição mínima de cidadania, o que representa estar mais distante ainda da condição de emancipação plena; c) evangélicas (54,38%); d) social - pois são sujeitas e sujeitos periféricos e no meio deste grupo analisado há muitos pais (74,61%) e mães (81,09%) de crianças do CIM Palmares que só concluíram a escolaridade básica, um número significativo de pais (25,4%) e mães (19,02%) destas crianças nem sequer concluíram a educação básica, número este que é maior entre o grupo de famílias atendidas pelo programa Bolsa Família, que beneficia o total de 25,26% das famílias; e) um percentual considerável das crianças e famílias não habitam em lar próprio (41%); f) e distância - além dos desafios em termos de locomoção no território e acesso às políticas públicas e direitos sociais serem mais precários ainda aos moradores do bairro Petrolina, que representam quase 30% das crianças da comunidade escolar do CIM Palmares2, que é um bairro amplamente periférico e historicamente enfrentam um processo de exclusão social, cultural e político dentro do plano público da cidade.

Para o presente artigo, o objetivo central é problematizar a manifestação da colonialidade nas práticas pedagógicas de uma instituição de educação infantil situada em contexto periférico a partir da percepção de professoras e famílias. Para tanto, serão analisadas as conversas estabelecidas com adultos participantes da pesquisa, sendo quatro entrevistas realizadas com professoras e mães de crianças. De antemão, cabe destacar que a colonialidade é entendida como processo subsequente do colonialismo e que se funda junto deste no processo de escravidão dos negros e de exploração dos corpos indígenas. Se o colonialismo continua como forma de colonialidade, continuam-se processos de expropriação dos bens naturais e controle territorial, bem como por meio das relações do mercado financeiro e dos Estados-nações modernos, promovendo não apenas formas de controle de bens físicos, mas também formas de colonização das mentes e autocolonização, de modo que os próprios colonizados criam relações de dependência com as estruturas e culturas coloniais (Maldonado-Torres, 2020).

Assim, a colonialidade realiza um atravessamento entre as estruturas de poder, de saber e de ser, que afeta diretamente as instituições educativas, incluindo as de educação infantil, em seu currículo e práticas pedagógicas (Ramalho; Leite, 2020). Por isso, em 2003, aprovou-se uma lei nacional, a Lei 10.639/2003, complementada pela Lei 11.645/2008, para se superar o processo de exclusão da história, cultura e conhecimentos historicamente produzidos pelo povo negro e indígena, que sempre foram preteridos nas orientações curriculares oficiais do Brasil, o que Sueli Carneiro (2005) denomina como epistemicídio. A “colonialidade do poder, ser e saber objetiva manter os condenados em seus lugares, fixos, como se eles estivessem no inferno” (Maldonado-Torres, 2020, p. 44). Além disso, a colonialidade opera numa intersecionalidade de raça, gênero e classe social, podendo ser compreendida como fruto de um patriarcado capitalista de supremacia branca (hooks, 2013).

Enquanto os povos periféricos buscam transgredir as fronteiras com o centro globalizador em busca da sobrevivência, começa também a alteração deste espaço de sociabilidade e dos significados desta relação. Para Gomes (2017), o Movimento Negro, surgido na década de 1940, educa a sociedade brasileira ao passo que se intensificava a luta do combate ao racismo e as outras práticas de discriminação vividas pelo povo negro e periférico na agenda pública, bem como a luta por direitos que terá grande ápice com o período constituinte de 1988. Se a periferia em determinado momento da história era compreendida como um lugar de marginalização social, a partir da década de 1990, aliada a luta do movimento negro, ela se torna uma identidade de afirmação dos sujeitos periféricos e sujeitas periféricas, como um lugar também de solidariedade e potências, culminando numa espécie de conceito guarda-chuva (Franco, 2014; D´Andrea, 2020).

Assim, embora tenhamos identificado na pesquisa mais ampla práticas emancipatórias e de resistência contracoloniais a partir da práxis de professoras e famílias deste território periférico, iremos priorizar neste texto as denúncias na voz dos sujeitos participantes que acabam por configurar aquilo que estamos chamando de colonialidade da educação infantil.

Assim, o texto está organizado, para além desta introdução, pela relação que estabelecemos entre a colonialidade e a opressão vivida pelas crianças negras na sociedade e escola. Em seguida apresentamos dados inéditos da pesquisa de campo, colhidos através de quatro entrevistas: com uma professora, uma atendente pedagógica e duas mães de crianças da instituição, que dão ênfase aos aspectos pedagógicos de cuidado com as crianças na parte da alimentação escolar envolvendo professoras e outros profissionais da instituição. Por fim, faremos uso de notas finais refletindo a necessidade de superação da colonialidade presente na educação das crianças com idade de 0 a 5 anos.

O adultocentrismo refere-se às situações onde os adultos não respeitam os direitos éticos, políticos e estéticos das crianças (Brasil, 2013) - o que corrobora diretamente com a colonialidade presente na educação das crianças oprimidas-periféricas. Na perspectiva adultocêntrica, as práticas educativas se pautam a partir dos tempos, dos interesses do adulto, e a criança não está no centro destas práticas, fazendo com que elas ocupem um posicionamento subalterno ao longo da história (Rosemberg, 1976). Por isso, o adultocentrismo existe para posicionar as crianças às margens do projeto civilizatório ocidental, sendo que nestes termos o adultocentrismo pode ser também compreendido como a peste branca produzida pela matriz eurocêntrica e colonial (Noguera; Alves, 2019).

colonialidade: uma crise social que oprime à infância negra periférica

Neste contexto em que tomamos como centro das análises a educação infantil na periferia, sendo a periferia fruto de um longo processo histórico de produção de subalternidade e da colonização dos Outros, acabando por fazer coexistir nas relações sociais diferentes manifestações da colonialidade e afetando também o trabalho pedagógico com as crianças de 0 a 5 anos, retomo o que Freire ensina sobre não pensar a construção de um projeto emancipatório distante dos povos e crianças dos territórios oprimidos-periféricos. Em diálogo com Sérgio Guimarães, ele diz:

[…] estou convencido, na minha prática, de que a espontaneidade, a imaginação livre, a expressividade de si e do mundo na criança; a inventividade, a capacidade de recriar o já criado, para poder assim criar o ainda não criado, não podem, de um lado, ser negadas em nome da instalação de uma cega disciplina intelectual, nem, de outro, estar fora da própria constituição dessa disciplina, entendes Sérgio? Não é possível criar a disciplina intelectual castrando a imaginação, castrando a espontaneidade, castrando a expressividade da criança - de si mesma e do mundo que a cerca (Freire; Guimarães, 2020, p. 73).

Freire sabia o quão grande é a opressão que as crianças viviam e ainda vivem em uma sociedade capitalista e historicamente colonizada, nas escolas e nas famílias, o que o torna um pensador em diálogo com o presente de nossa sociedade. Tanto na escola como também na sociedade as crianças têm sua forma de existência e expressão na mira da castração.

Recentemente, por exemplo, com a pandemia da Covid-19, percebe-se que houve um aumento das opressões sofridas pelas crianças e jovens brasileiros, sobretudo, os habitantes das periferias, alguns exemplos são: 1) um menino de 5 anos, Miguel Otávio Santana da Silva, negro, morto ao cair do prédio em que a mãe trabalhava como empregada doméstica. A mãe teve que levar a criança para seu trabalho e sua patroa não cuidou devidamente de Miguel no período em que ela foi levar, a pedido da patroa, os cachorros para passear na rua3; 2) um menino de 3 anos foi morto a facadas pelo próprio pai em Betim-MG4; 3) quatro meninas com idade entre 6 meses a 7 anos foram estupradas e torturadas pelo próprio pai5; 4) um menino de 11 anos, negro, foi acorrentado e posto num barril pelo pai e a madrasta6; 5) um jovem de 14 anos de nome João Pedro, negro, foi morto pela polícia quando brincava no terreiro de sua própria casa com os amigos, enquanto os pais trabalhavam7; 6) um menino de 11 anos, não negro, Rafael Winques8, foi morto pela mãe em pleno período de pandemia depois de ela lhe aplicar uma dosagem excessiva de medicamento e enforcá-lo.

Porém, não somente no contexto de pandemia como a da Covid-19, mas historicamente, as crianças aparentam estar em condição de vulnerabilidade e de ameaça às suas sobrevivências na sociedade ocidental, e mais ainda as crianças negras no Brasil. Por isso, concordamos com Sarmento (2002) que o senso comum acaba por construir no imaginário social uma espécie de crise social da infância, onde são raras as referências apresentadas ao protagonismo das crianças, as crianças como atores sociais, as crianças como agentes participativos no espaço público democrático e na construção de possibilidades de democracia e cidadania emancipatórias em que os direitos não sejam apenas previsões jurídicas na forma da lei.

O discurso hegemônico não valoriza as capacidades transgressoras e revolucionárias que as crianças podem ter num mundo repleto de exclusões e discriminações (Arenhart; Silva, 2014; Kohan, 2018; Noguera, 2019), mas sim o discurso da criança vítima e excluída, o que acaba por colaborar na construção de uma realidade sobre as crianças através dos meios de comunicação de massa.

Não é, com efeito, esse o caso do mundo da infância relatado pelos jornais: são a violência e a crise que predominam na imagem relatada dos quotidianos das crianças. Não é certamente indiferente que as referências dos media às gerações mais jovens se constituam em torno desta polaridade: exclusão vitimização. Os títulos que fazem os jornais são a expressão de um senso comum de onde emanam e que, simultaneamente, alimentam, pela produção de formas (e dos correspondentes conteúdos) que hegemonizam os modos simbólicos de apreensão da realidade. Deste modo se vai construindo a realidade, continuamente formatada pelos sistemas periciais e de difusão de massa (Sarmento, 2002, p. 267-268, grifos do autor).

A realidade de exclusão social das crianças, em que se assenta a crise social da infância, perece conspirar com os interesses econômicos e sociais impostos pelo projeto moderno-capitalista-colonizador-eurocêntrico, e da infância como ausência, assim como os negros africanos e da diáspora africana são tratados como a versão ausente da hegemonia da sociedade ocidental, conforme destacam Noguera e Alves (2019) em uma leitura afroperspectivista.

Diversos expoentes intelectuais europeus do século XIX foram responsáveis por embutir em todos os seus discursos científicos, “[…] mitos destinados a fundamentar o seu poder, o hemisfério ocidental considerava-se o centro do globo, o país natal da razão, da vida universal e da verdade da humanidade” (Mbembe, 2018, p. 29). O hemisfério norte, o ocidente seria a fase adulta da humanidade. O que dizer então de pessoas que estão duplamente na infância? Infância porque são crianças e, ao mesmo tempo uma eterna infância porque são negras. Nesses parâmetros, os povos negros representariam essa infância de toda a humanidade, e o sujeito branco, o adulto-salvador. É essa visão de mundo que passou a organizar as relações geopolíticas entre os povos. A partir desses aspectos, especulamos que, filogeneticamente, negro se transformou em sinônimo de infância da humanidade. No contexto brasileiro isso está explícito na maneira como o Estado conduziu o pós-abolição. A república brasileira fez de tudo para expulsar a população negra, desde a propagação dos mitos mais estapafúrdios para justificar imigração branca, como o de que europeus brancos eram mais trabalhadores e mais eficientes do que os negros, até os meios mais cruéis para tornar a grande massa populacional negra invisível. […] O que moveu a política de imigração, portanto, não foi a produtividade, mas tão somente o racismo. A população negra não era bem-vinda em território brasileiro. Temos como exemplo a escola, que tinha como objetivo para essa população a regeneração, a cura do mal de ser negro. […] Essas considerações ajudam a pensar aquilo que Mbembe (2018) afirmou como sendo designar África como uma ausência. Ou ainda, o nome da incapacidade de pronunciar o universal. África estaria ligada à noção de infância em escala mundial. Se a noção de infância nos fala de uma fase da vida individual, aqui assume o sentido de um período da humanidade, de uma etapa evolutiva do ser humano (Noguera; Alves, 2019, p. 7-9, grifos dos autores).

Cabe destacar que ao tratarmos de práticas opressoras que atravessam a educação das crianças do CIM Palmares, teremos como linha de argumentação que essas práticas estão articuladas com a violência da sociedade colonial e adultocêntrica, que se estrutura como violência patriarcal, colonial e de exclusão social. Estas situações opressivas serão mencionadas em diferentes momentos em termos como: desrespeito, indiferença, postura antiética, agressão, maus tratos, ofensa, coerção, repressão, castração, marginalização, discriminação, degradação, exclusão, guerra, violência, crueldade, matar a curiosidade, disciplinarizar os corpos, levantar falso testemunho, praticar o autoritarismo etc. Todos esses termos utilizados na argumentação estão relacionados com a presença da colonialidade e com o adultocentrismo na educação das crianças oprimidas-periféricas e convergem para contextos opressivos em que elas estão submersas. A colonialidade, além de reforçar no imaginário social a discriminação das crianças periféricas, tem compactuado também para instrumentalizar e produzir as justificativas conservadoras que culminam com aniquilação de seus corpos (Carneiro, 2005; Mbembe, 2018; Noguera; Alves, 2019; Gomes; Teodoro, 2021).

a colonialidade da educação infantil: denúncias de rayane e luena

Qual faculdade que ensina que isso é educar? Que tudo ali do refeitório, quase todo mundo fazia faculdade, cantando alto e grita com o menino, falando “come depressa, menino” e que não sei o quê. O menino não está querendo comer e fica enfiando na boca a colher cheia, e vai, vai. Um dia, eu até falei com uma lá, tive que falar (Rayane, professora, 2019, entrevista).

A frase dita por Rayane “Qual faculdade que ensina que isso é educar?” questiona algo que pode parecer tão óbvio: se quem faz um curso superior e se forma em pedagogia aprende a educar e cuidar de crianças realmente. Daí, outro questionamento torna-se fundamental: por que para educar e cuidar das crianças em contexto de educação infantil não basta apenas ter um diploma de licenciatura em pedagogia?

Do ponto de vista da burocracia estatal, ter o diploma em pedagogia é requisito básico para ingressar na carreira pública da docência na educação infantil de cidades como Betim conforme a Lei Municipal nº 4.933 de 2009 (Betim, 2009) e o artigo 62 da Lei Federal nº 9.394 de 1996 (Brasil, 1996). Mas o mesmo Estado que regulamenta que o diploma basta, por outro lado, nega a um grande número de crianças oprimidas-periféricas o direito de acesso à educação infantil, como acontece, sobretudo, com as crianças de 0 a 3 anos (Rosemberg, 2013) até mesmo no município de Betim (Silva, 2016). Também, é o órgão responsável por avaliar a permanência ou não dos sujeitos educadores conforme as atribuições de suas funções, dentre elas “VI - empenho pessoal pelo desenvolvimento do educando e respeito a sua personalidade” (Betim, 1995, art. 41). E diante do relato apresentado por Rayane, carece de maior atenção a maneira como tem sido realizado os processos de avaliação de desempenho da docência na educação infantil, os critérios estabelecidos para acompanhar a atuação das professoras junto das crianças e se são tomadas medidas quando se observa situações de desrespeito com as crianças, como a relatada.

Os desafios ainda são grandes quando se busca pensar a condição/contribuição da educação infantil como uma experiência de formação para a cidadania emancipatória, como em outro momento afirma Rayane compartilhando a experiência ocorrida durante o planejamento da apresentação das crianças para a Festa da Primavera, que aconteceu em 5 de outubro de 2019.

“Agora nós vamos ensaiar as turminhas juntas, entendeu? Aí vocês têm que fazer bonitinho e ficar olhando pro outro coleguinha, mas cada um faz o seu. Então, cada um trabalha direitinho, tudo isso”. E não houve nada disso. E eu fui esperando, esperando, esperando e nada. E foi me aproximando o dia, falei: “Gente, eu não vou matar os meus meninos com grito não, aqui não é assim não: ‘Vocês não aprendem nada’, ‘Menino burro’, ‘Menino não sei o quê’. Isso não serve pra mim […]”. Me dói ouvir grito com os outros também, porque uma outra dancinha que teve aí foi assim, sabe? E, no final, não sai nada, Otavio, porque eles não aprendem com grito, eles vão te obedecer por medo, entendeu? (Rayane, professora, 2019, entrevista).

Uma festa a ser realizada na instituição - a qual deveria ser agradável e acolhedora com as crianças - pode acabar virando sofrimento para elas diante a colonialidade existente, que busca padronizar os seus corpos em um tipo de dança/apresentação voltada para agradar aos olhos das famílias e demais membros da comunidade escolar, mas menos ao interesse delas (D´Almeida, 2009; Ferreira, 2013; Abramowicz; Oliveira, 2012; Freire; Guimarães, 2020). Algo que, nas palavras de Rayane, torna-se ainda mais agravante diante das improvisações e falta de planejamento prévio adequado ao tempo e ritmo das crianças, o que agrava os gritos, estes que, para a professora Rayane, são uma forma de matar a curiosidade das crianças e reprimi-las em sucessivas práticas de desrespeito aos seus corpos, corpos estes de crianças violentadas na escola e na mira da necropolítica em curso contra as crianças negras e periféricas (Gomes; Teodoro, 2021), o que se configura como um duplo processo de violência em que estão imersas estas crianças.

No CIM Palmares há quatro turmas de creche 3, uma delas é a Turma Quilombinho da professora Rayane. Na relação entre Rayane e suas colegas de creche 3 havia uma divisão devido a conflitos profissionais e pessoais, sendo que Rayane e Sandra, da Turma Justiça, eram preteridas por suas colegas Camila, da Turma Amor, e Graça, da Turma Esperança. Isso foi possível de captar nas conversas com a coordenadora Joana, nos relatos de Rayane e durante minhas observações etnográficas no espaço escolar. A falta de diálogo entre o conjunto de professoras afetava diretamente o trabalho com as crianças. Uma vez que a parceria entre elas não se estabelecia ou se firmava, em dado momento, com intuito de apenas fazer cumprir a “ordem” dada para preparar uma apresentação com as crianças, devido a essa parceria forçada, as crianças eram xingadas de “burras” ou eram taxadas de “incapazes de aprender”, ambos modos violentos e desrespeitosos de atuar junto das pequenas. Constantemente Rayane precisava acionar a coordenadora pedagógica Joana para que a ajudasse na mediação com seus pares. Nesse sentido, a intervenção de Joana se fazia necessária não apenas na relação entre as professoras, mas também quando esta era acionada por famílias que presenciavam práticas violentas com as crianças vindas do corpo docente no contexto da instituição, como mostra o relato de Luena.

Igual esses dias a gente veio renovar a matrícula e a gente presenciou uma coisa muito não agradável, meu marido é daqueles que vê e não passa batido não, ele fala. E aí a gente estava na fila para renovar a matrícula e meu marido ficou observando […] e eu não sei se é uma das professoras ou se uma das atendentes, estava gritando com uma criança e ela ficava: “Anda logo, come logo, põe essa comida logo na boca!”. E aí aquilo incomodou, ele falou assim: “Mas gente, isso é jeito de conversar com criança?”. E ele não pensou duas vezes e procurou a JOANA, né. […] Ele falou assim “Óh, presenciei um fato e não achei agradável, não é meu filho, não foi com meu filho, não é a turma do meu filho, mas eu como pai não gostaria que isso acontecesse se eu fosse pai dessa criança, porque ela estava obrigando a criança a comer e gritando com a criança” (Luena, mãe, 2019, entrevista).

O momento da alimentação da criança oprimida-periférica é um de seus direitos feridos mais explícitos no contexto do CIM Palmares, assim como já havia indicado o relato de Rayane no início deste tópico e o relato acima narrado por Luena. Será que uma criança de 3 anos vai se alimentar de forma adequada em 20 minutos? A própria estrutura que possibilita a criança se alimentar já se mostra violenta ao seu tempo de vida. Professoras com pouca sensibilidade e que não assumem a responsabilidade com a inclusão das crianças oprimidas-periféricas no mundo, por meio do espaço escolar, acabam por se tornar burocratas, as quais cobrarão uma disciplina inoperante das crianças durante a alimentação.

Mas há resistência também a esta estrutura colonizadora. As famílias da periferia também querem que suas crianças sejam respeitadas em seus direitos. Quando o marido de Luena diz “não é meu filho, não foi com meu filho, não é a turma do meu filho, mas eu como pai não gostaria que isso acontecesse se eu fosse pai dessa criança”, é proposto pedagogicamente uma ruptura a lógica do individualismo que afeta a contemporaneidade, mesmo que a tendência dessa lógica pareça permanecer (Bauman, 2001). Luena e o marido demonstram pensar para além de si mesmos, e pensar além de si próprio é um ato importante para o caminho emancipatório, pois tal atitude vai na contramão das ações individualistas.

Também destaca-se que a professora Rayane, consciente de que é parte do trabalho pedagógico desenvolvido no contexto das turmas de creche 3 do CIM Palmares, e mesmo tendo relação conflituosa com seus pares, não se omitiu quando percebeu uma criança ser maltratada no momento da refeição.

Quando uma prática pedagógica com crianças é realizada com violência ou quando práticas pedagógicas as deixam passivas diante de um pacote de conhecimento pronto e acabado, é sinal de que a colonialidade que produz também a violência do autoritarismo está ali, viva, buscando novas crianças para dominar e colonizar. Em vez de esta prática convidar a criança oprimida-periférica a pensar, abstrair ou aprender, “o que se faz é docilizar a criança, para que ela receba o pacote do conhecimento transferido. E eu estou totalmente convencido de que isso é um ato político também, e tem uma repercussão política enorme” (Freire; Guimarães, 2020, p. 55).

Neste caso, o nível que estamos analisando trata de crianças oprimidas-periféricas que, desde a educação infantil, estão sujeitas a práticas pedagógicas colonizadoras que objetivam mantê-las em condição de subalternidade, o que demonstra ser historicamente o principal desafio a ser vencido para possibilitar uma formação emancipatória (Kuhlmann Jr., 2011). A construção de políticas públicas para a infância no Brasil tem historicamente encontrado dificuldades para superar o estigma colonial de tratamento inferior com as crianças oprimidas-periféricas, que em sua maioria são negras. Neste ponto, a postura do Estado parece ser intencional (Gomes; Teodoro, 2021; Passetti, 2018).

A ação política deliberada pelo Estado diante dos processos de educação das crianças negras das periferias parece deixar as portas abertas para a legitimação da necropolítica dessas crianças (Gomes; Teodoro, 2021). O direito à educação infantil de qualidade social ainda parece estar distante mesmo quando se observa que houve ampliação do acesso, sobretudo em turmas pré-escolares, em Betim a partir dos anos 2000 (Silva, 2016), só que o acesso não garante necessariamente a qualidade da educação que necessitam as crianças de 0 a 5 anos (Soares, 2015).

Diante de situações degradantes enfrentadas pelas crianças, como relatado por Rayane e Luena, identifica-se que o Estado, mesmo apontando como direito a alimentação saudável para as crianças, legitima também sua não efetivação. Além disso, o Estado compactua e favorece a persistência de um projeto educativo subalterno, colonizador e autoritário. Assim, se a criança oprimida-periférica na educação infantil começa a ser castrada e colonizada em sua permanência neste espaço, desde “cedo percebe que sua imaginação não joga: é quase algo proibido, uma espécie de pecado. Por outro lado, sua capacidade cognitiva é desafiada de maneira distorcida” (Freire, 1997, p. 30).

Silenciar-se, aquietar-se e amedrontar-se diante da liberdade das crianças nas atividades que são desenvolvidas no ambiente educativo são facetas de uma professora autoritária/colonizada que representa, essencialmente, seu próprio medo de conhecer o novo e de outras possibilidades de ser, para além da matriz colonial-eurocêntrica. A educação das crianças para uma cidadania emancipatória requer criatividade e abertura para o inesperado, já que é preciso ouvir a criança e conectar-se a ela, assumindo, então, que nem tudo estará sob controle do adulto, ou seja, adultocentrismo (Freire; Guimarães, 2020; Rosemberg, 1976). Ouvir as crianças pode revelar as suas angústias, os medos e as opressões que sofrem. Quando a escola pouco ouve as crianças oprimidas-periféricas, pouco poderá atuar efetivamente, junto ao Estado, em busca de soluções para as opressões que elas sofrem.

colonialidade da alimentação escolar: denúncias de carolina

A alimentação das crianças foi destacada como um dos momentos da rotina pedagógica que gerava grande incômodo para Rayane, para Luena e também para Carolina, esta última atendente de apoio pedagógico e que acompanhava a criança Lélia, menina negra, com deficiência e da Turma Quilombinho.

Aí, a menina já sabe, aí ela faz coadinho, aí nesse dia a menina não veio. Aí foi de laranja, quando tem laranja ou outra coisa, ela faz o suco. A outra moça tava no lugar e eu falei assim: “O suco da Lélia tá pronto?”. “Não, uai, eu não fiz suco, não. Ó a laranja aí.” Aí eu falei: “Ah, não, é porque a Silvia faz, né? A Silvia faz o suco pra ela e ela toma o suco, tem que fazer e coar”. “Ah, é? Tem que coar?”. Eu falei: “Tem. Aí eu pego o pozinho [da dieta da criança] e só coloco, já deixo aí já pronto e só coloco. Ela já deixa tudo no jeitinho pra mim. Mas não tem problema, não, eu faço. Então deixa que eu faço. Não, tudo bem, eu faço porque você tá garrada aqui”. Ela não demonstrou nem um pingo de interesse. Aí eu fui lá e espremi, quando eu acabei de espremer as laranjas os meninos já tinham tomado café. Aí eu espremi as laranjas, coei. Às vezes a gente é considerado como chato, mas não é meu filho, é filho dos outros. E ela também não sabe se expressar [a criança], e se ela engasgar ali, né? Então a criança especial tem que ter muito cuidado e eu acho que tudo isso faz parte (Carolina, atendente pedagógica, 2019, entrevista).

Carolina chama atenção para o fato de a criança chamada Lélia, que ela acompanha, necessitar de uma alimentação específica devido aos problemas de saúde que enfrenta. No entanto, nem todos profissionais envolvidos no preparo da alimentação das crianças buscam atender as necessidades específicas de Lélia. A colonialidade presente nas relações intersubjetivas entre os sujeitos do CIM Palmares se manifesta por uma postura de indiferença como disse Carolina em “Ela não demonstrou nem um pingo de interesse”. E essa indiferença, como destaca Darós (2020, p. 89, tradução nossa), “não é o resultado da inconsciência, mas de uma nova consciência dolorida. Nunca temos tempo suficiente para preocupar-se com as necessidades de outra pessoa; nós sempre nos preocupamos para as nossas”. Por outro lado, Carolina apresenta ter consciência, como adulto mais experiente e dotado de discernimento ético, que deve proporcionar o melhor a Lélia e, por isso, em alguns momentos, mesmo não sendo sua função, ela assume tarefas essenciais aos cuidados fisiológicos da criança em condição de educação especial.

Lélia é diagnosticada com o quadro clínico de síndrome de Munchausen. De acordo com Ferrão e Neves (2013), esta síndrome ocorre quando mães e/ou pais simulam sinais e sintomas nas crianças, recorrendo constantemente a suporte médico e medicação desnecessários, deixando a criança em situação perigosa para chamar atenção de terceiros para si.

O caso da Lélia era tratado na instituição sob sigilo, sendo que as professoras e a atendente de apoio pedagógico pouco sabiam falar desta situação. Junto a equipe gestora da instituição, consegui compreender que Lélia estava sob a guarda da justiça devido a maus-tratos que envolviam a mãe e o pai. A mãe lhe submetia dosagem excessiva de medicação sem prescrição médica, o que a deixou com sequelas em seu desenvolvimento cognitivo-comportamental. A guarda foi retirada da mãe após o quadro clínico de síndrome de Munchausen ser diagnosticado durante uma das internações da criança. O pai perdeu a guarda por também não cuidar devidamente da criança e da irmã, as quais foram encaminhadas para abrigo e estavam sob a tutela da justiça.

Lélia era uma criança que apresentava grande carência afetiva, por algumas vezes me chamou de pai e junto da professora expliquei que dela eu não era pai. Então, geralmente me chamava de tio, e não tive nenhum incômodo com isso, por ser um tratamento cultural fortemente presente na relação adulto-criança na comunidade escolar do CIM Palmares e, ao que parece, também no abrigo em que morava.

Lélia, menina negra, pobre, moradora da periferia do bairro Petrolina e com deficiência, era a única criança da Turma Quilombinho que não convivia com a mãe e/ou o pai, durante o período da pesquisa. Esta criança representa o perfil da maioria das crianças e adolescentes abrigados no Brasil, de acordo com dados de pesquisa recente do Conselho Nacional de Justiça, pois dos 34.157 acolhimentos em andamento, 64,3% são de crianças negras (pretas e pardas), sendo que “A maioria das crianças e adolescentes acolhidos são da etnia parda (48,8%), 34,4% são da etnia branca, 15,5% preta, 0,8% indígena e 0,4% amarela” (Conselho Nacional de Justiça, 2020, p. 63).

Outra situação apresentada por Carolina, sobre a alimentação na instituição, foi no dia em que precisou se direcionar à cozinha da instituição para buscar biscoitos para Lélia e necessitou da ajuda da coordenadora pedagógica Joana para conseguir o biscoito, mesmo sendo este um direito da criança oprimida-periférica de comer devido às suas necessidades alimentares especiais.

Aí a Joana falou assim: “Acabou o biscoito? Quem falou que acabou?”. “Falaram na cozinha.” “Mas quem falou que acabou?” “Ah, não sei.” Ainda falei com ela, desse jeito: “Não me põe em situação difícil, não, por favor”. Ela: “Tá doida, espera aí”. Aí, nem é maisena, é leite, você coloca no leite e ele é rapidão. Você põe no leite e ela consegue tomar café junto com os meninos. Aí, ela foi lá pegou e me falou: “Sempre que acabar o biscoito da Lélia, ela não pode ficar sem biscoito, aí você me procura”. Aí a Joana já me perguntou: “Quem que te falou que acabou o biscoito da Lélia?”. Aí eu falei assim: “Ô Joana, não me põe em situações difíceis, que eu não vou te falar, eu não sei o nome da tia”. Não vou não, uai, eu acho chato. Você acha que eu fiz certo? […] Aí, ela foi lá e arrumou o biscoito. Aí, às vezes a pessoa me acha até chata, mas é muita responsabilidade, essa menina teve até problema de pulmão, então é muita responsabilidade, tem que ter cuidado porque é eu que sou responsável (Carolina, Atendente pedagógica, 2019, entrevista).

A passagem acima trata de uma negativa que Carolina recebeu de uma das profissionais da cozinha quando solicitou que fosse servido para Lélia o biscoito de maisena que diferia daquele que estava sendo oferecido no café da manhã. A criança não conseguia comer o biscoito de água e sal com facilidade devido aos seus problemas de saúde. Identifica-se nesta situação a manifestação da colonialidade no trabalho da cozinha escolar, na prática de profissionais que seguem as orientações de um cardápio alimentar previamente elaborado pelos órgãos gestores, mas que oferecem, contudo, uma alimentação padronizada a todos, tornando a alimentação uma espécie de “linha de produção” capitalista, reforçando o caráter colonialista-eurocêntrico do currículo alimentar hegemônico que pouco considera as especificidades das crianças, inclusive das crianças com deficiência ou com necessidades especiais. Por isso,

torna-se evidente uma associação original entre a educação escolar hegemônica e o projeto colonial, mas, mais do que isso, o debate realizado possibilita que identifiquemos a incorporação pela escola, desde o século XVI até os dias atuais, do modus operandi do colonizador, ao que temos denominado “colonialidade da educação escolar” (Ramalho; Leite, 2020, p. 9, grifo dos autores).

No plano das relações micropolíticas estabelecidas dentro do CIM Palmares, observa-se também uma postura antiética quando a profissional da cozinha usa de um falso testemunho ao afirmar que “o biscoito acabou”, o que logo depois foi desmentido por Joana, visto haver - até o momento do requerimento feito por Joana - em estoque o biscoito solicitado, endossando, ainda, que a criança “não pode ficar sem [o seu] biscoito”. Joana, coordenadora pedagógica responsável pelo trabalho pedagógico das turmas de creche da instituição, novamente emerge como um sujeito mediador importante e engajado em busca por desburocratizar e contra-colonizar os empecilhos existentes diante das práticas alimentares da instituição, visando com sua intervenção garantir a alimentação adequada às crianças oprimidas-periféricas e a efetivação de seus direitos básicos de cidadania conforme propõem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Brasil, 2013).

Os direitos da criança constituem hoje o paradigma para o relacionamento social e político com as infâncias do país […]. Nessa expressão legal, as crianças são inseridas no mundo dos direitos humanos e são definidos não apenas o direito fundamental da criança à provisão (saúde, alimentação, lazer, educação lato senso) e à proteção (contra a violência, discriminação, negligência e outros), como também seus direitos fundamentais de participação na vida social e cultural, de ser respeitada e de ter liberdade para expressar-se individualmente (Brasil, 2013, p. 88).

No artigo 29 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) é apontado que a educação infantil tem como finalidade assegurar “o desenvolvimento integral da criança de até cinco anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade” (Brasil, 1996, art. 29). Numa sociedade com desigualdades de raça, classe e gênero só será possível caminhar rumo a emancipação de todos garantido os direitos fundamentais para a sobrevivência, presente e futura, das pessoas historicamente excluídas e marginalizadas; ainda mais no caso de crianças como Lélia que, para sobreviver e resistir às opressões deste mundo, depende exclusivamente da garantia de direitos por parte do Estado, visto que é sob a tutela exclusiva deste que estava condicionada a garantia de seu cuidado, alimentação e educação.

Se os ideais emancipatórios alimentam a utopia da luta pela democratização do direito e da máxima democratização do estado para que todos possam ser na sociedade mundial, ao se observar práticas de desrespeito com o direito de alimentar das crianças na educação infantil, como relatado pelos sujeitos entrevistados sobre o contexto pedagógico do CIM Palmares, é emergente a reflexão sobre qual momento histórico estamos situados: o de se avançar na garantia dos direitos das crianças, de retrocessos ou de neocolonialismos para a alteração do cenário histórico de subalternidade das infâncias dos “Outros” (Arroyo, 2015).

A ampliação de direitos às crianças como o direito à educação infantil e o programa Bolsa Família são políticas que combatem uma negação histórica de subalternidade das crianças pobres, negras, moradoras das periferias urbanas, quilombolas, rurais e indígenas. Quanto mais são garantidos direitos aos historicamente oprimidos-periféricos, mais próximos do caminho emancipatório se estará. Não se pode falar do alcance da cidadania emancipatória ou da emancipação com a barriga vazia.

Há também um reconhecimento das famílias das crianças do CIM Palmares quanto ao trabalho que a instituição pública realiza e pela alimentação oferecida na instituição, o que se torna um diferencial comparado com as instituições particulares onde a família teria “que fazer aquele lanche pra levar” como foi dito por Adenike durante a entrevista.

Otavio - Você acha que a escola também precisa contribuir com outras coisas na formação dela? Adenike - Não. Eu acho que aqui tá bom. Você vê que as crianças vêm aqui e tem alimentação. Imagina, tem muita criança que não tem condição. Tem pessoa que vem pra escola e vem com a barriga vazia, tem criança que não tem, né? Aqui tem a merenda, tem gente que ajuda a olhar, aqui é ótimo. Eu prefiro aqui do que escolinha particular, porque escolinha particular você tem que fazer aquele lanche pra levar, né? Aí você faz o lanche pra levar sete horas da manhã, aí chega o lanche meio dia, já tem um tempo que aquilo tá ali. Aqui não, aqui é tudo fresquinho, eu acho melhor (Adenike, mãe, 2019, entrevista).

Adenike se mostra satisfeita com a formação que a instituição proporciona à filha e às demais crianças, valorizando a alimentação que é gratuita e “fresquinha”. Ela observa que “muita criança” “não tem condição”, isto é, são de famílias oprimidas-periféricas e que, ao terem o direito da alimentação proporcionada no CIM, estaria sendo garantido um direito básico tão imprescindível para a população periférica: o direito de comer! Contudo, como alerta Patto (1999), é preciso ter atenção às armadilhas que podem estar presentes também nos discursos daqueles que estão imersos em contextos de opressão, humilhação, agressão e violência.

Assim como não se pode superestimar a resistência popular, tomando todos os seus comportamentos como sinais inequívocos de luta política contra a dominação, não se pode grifar o pólo da eficiência das estratégias disciplinares. A submissão aos padrões da cultura dominante não é absoluta. O povo apropria-se ativamente do discurso técnico que quer mudar os seus usos e costumes, normas e valores, atitudes e comportamentos ligados à tradição e à sobrevivência, como as práticas de criação de filhos, os padrões de relações familiares, os hábitos alimentares, os estilos de linguagem. Impostos, os modelos desejados pelos especialistas muitas vezes acabam comparecendo no imaginário e no cotidiano do povo de formas insuspeitadas pelos que querem submetê-lo. Os mesmos padrões de comportamento são passíveis de conteúdos de classe específicos: a família popular não resulta simplesmente da imposição da ordem burguesa, mas é lugar de subsistência, é “anteparo contra a penúria e a miséria” (Patto, 1999, p. 182).

Se a instituição de educação infantil pode representar também para famílias periféricas-oprimidas, como na fala de Adenike, um amparo em relação à miséria e à fome; por outro lado, só o alimentar na instituição - que em muitas situações ocorre por meio de práticas violentas com as crianças oprimidas-periféricas representando uma dupla violência alimentar (o da fome social e o tratamento degradante para conseguir comer na escola) -, não é suficiente para resolver o problema da fome na sociedade brasileira, onde, nos últimos anos, triplicou a quantidade de pessoas em situação de insegurança alimentar, passando de 10,3 milhões para 33,1 milhões de pessoas em 2022 sob a gestão do governo Bolsonaro (REDEPENSSAN, 2021, 2022).

A insegurança alimentar, de acordo com o inquérito nacional (REDEPENSSAN, 2021), tende a ser mais cruel em contextos pobres formados por pessoas pretas ou pardas e/ou com baixos níveis de escolaridade. É nesse sentido que se destaca a condição de marginalização de muitas famílias da comunidade escolar do CIM Palmares, uma comunidade sobretudo negra e periférica.

Ao se ter em vista o papel que a escola desempenha para a garantia do direito de alimentação de modo a proporcionar o “atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde” (Brasil, 1988, art. 208), é preciso pontuar que somente garantir a comida na escola não é suficiente para se resolver o problema da fome. A existência de crianças e famílias famintas é uma contradição da sociedade capitalista que produz a concentração de riqueza nas mãos de poucos a partir da exploração da barriga vazia de muitos (Moreira, 2017).

É por isso que “compreendemos que o sistema educacional dominante constituiu-se e ainda se constitui uma estratégia central na (re)produção do projeto Moderno/colonial de sociedade e, como consequência disso, do sistema-mundo capitalista” (Ramalho; Leite, 2020, p. 9). E diante da persistência da fome na sociedade do capital e sendo o momento de alimentação escolar imprescindível na formação e desenvolvimento das crianças no contexto da educação infantil, questiona-se: como acabar com a violência sofrida pelas crianças durante os momentos de alimentação que acontecem no refeitório, conforme abordado anteriormente? Como fazer da educação infantil um espaço que não reproduza as práticas que continuem a colonizar os corpos e as mentes das crianças?

Nesse contexto, Rayane considera difícil que a realidade violenta, autoritária e colonizadora com as crianças no contexto da educação infantil mude tão logo. Para ela, há uma intensificação de pessoas trabalhando na área da educação infantil as quais não têm o comprometimento e a responsabilidade para o trabalho de educar crianças.

Logo, porque eu penso assim, que é uma instituição que trabalha com criança, todos não tem a mesma cabeça, o mesmo sonho assim voltado pra criança. E uns chegam na sala já falando assim: “Ah, como é que senta”, “Não sei quê”, “Eu quero isso”, “Quero aquilo”. Isso dentro de mim vai doendo, dói que você não tem ideia. Mas eu sou eu, eu sou assim. Não pode obrigar, cada um tem seu jeito, né. Eu vou morrer e vai continuar assim porque tem pessoas que têm amor, mas têm outras que não. Então, isso não é de agora, só que vai piorando, a tendência é piorar porque, pensa comigo, essas crianças sendo tratadas desse jeito e não ensina elas a respeitar se a gente não respeita elas. O primeiro passo é isso, a gente respeitar um ao outro, os adultos saberem o que é respeito para depois ensinar pra elas. Se eu não sei respeitar ninguém, como que eu vou ensinar dentro da sala respeitar uma criança? Ter respeito, não tem. A mesma coisa eu falo de amor, de amor, e vou falando isso aqui com você aqui e aí chego dentro da sala e começo a xingar os meninos, usar as palavras mais feias, fingindo e rotulando de carinhosa com eles. Não tenho paciência com eles, não dou respeito, não respeito eles, como é que essas crianças vão dar o respeito na casa delas? (Rayane, professora, 2019, entrevista).

Rayane destaca como fundamental o testemunho da professora de educação infantil ser coerente com sua prática, o que a coloca em diálogo confluente com Freire na construção de uma pedagogia da autonomia junto dos educandos, os quais exigem da professora “a corporificação das palavras pelo exemplo” (Freire, 2019b, p. 35). Mas, também, observa-se a tendência fatalista em seu discurso em “Eu vou morrer e vai continuar assim porque tem pessoas que têm amor, mas têm outras que não. Então, isso não é de agora só que vai piorando”. O fatalismo pode servir como uma armadilha para não se perceber criticamente a complexidade da realidade, fazendo com que o professor ao invés de constatar os desafios a serem enfrentados para a superação da colonialidade, acabe por endossar um discurso que reproduz a própria violência; denunciando e reforçando um conformismo do “sempre foi assim e vai continuar”. É justamente contra isso que o professor em sua prática educativa precisa se rebelar para ser sujeito protagonista/engajado no projeto emancipatório.

A percepção ingênua ou mágica da realidade da qual resultava a postura fatalista cede seu lugar a uma percepção que é capaz de perceber-se. E porque é capaz de perceber-se enquanto percebe a realidade que lhe parecia em si inexorável, é capaz de objetivá-la. Desta forma, aprofundando a tomada de consciência da situação, os homens se “apropriam” dela como realidade histórica, por isto mesmo, capaz de ser transformada por eles. O fatalismo cede, então, seu lugar ao ímpeto de transformação e de busca, de que os homens se sentem sujeitos (Freire, 2019a, p. 104).

Nesse sentido, como avançar, então, com a formação das novas professoras que estão por vir e que irão adentrar nas instituições para o exercício da docência com as crianças, bem como com as que lá já estão e ainda pouco caminham em direção ao amor mundi?

O amor mundi é empregado por Hannah Arendt para referir-se à responsabilidade que os educadores precisam assumir com o mundo e com a preservação deste junto às novas gerações (Correia, 2010). As crianças, como seres recém-chegados ao mundo, precisam ser acolhidas por meio do diálogo paciente e amoroso, algo já destacado como fundamental por Freire, como ação de dar à luz e ajudar a parir um mundo diferente para acolher as crianças e a combater a opressão autoritária, colonizadora presente na sociedade brasileira.

notas finais: para superar a colonialidade da educação infantil?!

Sendo preciso avançar cada vez mais na formação das professoras no exercício da prática e das que ainda estão por vir, através de um caminho conscientizador quanto a emergência da contracolonização da educação infantil em articulação com o projeto de sociedade emancipatória para todos e todas, isso perpassa pelo caminho da educação para a liberdade e para a autonomia, em substituição às relações pedagógicas autoritárias e colonizadoras. Para se alcançar uma educação para a liberdade não quer dizer, com isso, que a professora9 deve esperar passivamente sem fazer nada para mudar a realidade. Pelo contrário, o rigor no planejamento, a dedicação em sua formação e no exercício de sua prática são fundamentais para não se posicionar fatalisticamente diante de um mundo em constante guerra de conflitos decorrentes da instauração do projeto moderno-capitalista-colonizador-eurocêntrico.

A professora que em sua prática acredita verdadeiramente nas crianças sabe que muitas coisas estas aprendem e que muitas curiosidades são sugeridas diariamente por elas nos momentos pedagógicos vividos na instituição de educação infantil. Por isso, a necessidade de articular experiências que as crianças oprimidas-periféricas trazem para a escola com o que ainda precisam aprender na sua formação cidadã emancipatória, sendo todas as ações ligadas e conectadas ao contexto das crianças, de suas infâncias, famílias e escolas (Kramer, 1985).

Ser professora de educação infantil necessita de tolerância e respeito ao tempo e ao vocabulário das crianças, para que assim se contribua com a desconstrução do tempo alienante e cronometrado das instituições que tendem a burocratizar sua rotina pedagógica em prol dos discursos de uma vida útil e economicamente produtiva (Krenak, 2020).

Aprender a revolucionar o tempo escolar se faz necessário nas práticas pedagógicas com as crianças e com as educadoras que queiram romper com o autoritarismo pedagógico. Se o tempo das experiências com as crianças estiver mais voltado ao interesse de terceiros, dificilmente estará compatível com as necessidades delas. O tempo dos empregos, dos gestores e das vans escolares tem parecido ser o tempo do capitalismo, portanto, alimenta também os traços coloniais presentes nas relações sociais. Tempo este que parece estar a favor da educação para a servidão, para a subalternidade, para o consumo, para colonizar, por isso, de uma educação autoritária. Não é de fato o tempo de educação das crianças para a cidadania emancipatória, ou seja, uma cidadania que garanta e reconheça os direitos infantis e que possibilite avanços no caminho à emancipação, sem deixar ninguém pelo caminho (Silva, 2022, 2023).

O tempo de formar as crianças dos territórios periféricos para a cidadania emancipatória se articula com a possibilidade destas serem respeitadas em suas diferenças, em suas particularidades como bebês e crianças, tempo que deve ser vivido como da liberdade, da criatividade, da imaginação, de meninizar-se, de ter curiosidade, de revolucionar-se, de criar, inventar e reinventar, contra-colonizar, transgredir (hooks, 2013; Kohan, 2018; Noguera; Alves, 2019; Freire; Guimarães, 2020). Como destaca Noguera (2018), ao pensar um projeto de mundo em afroperspectiva, a

infância opera pelos desígnios da transformação, da produção de realidades porque reconfigura através de sua potência criadora. Um olhar infantil é capaz de se espantar diante do que é corriqueiro e enxergar coisas inusitadas nas situações mais regulares e ordinárias (Noguera, 2019, p. 135).

Nesse sentido, quando a professora de educação infantil reinventa o tempo dos tempos pedagógicos, entende-se que tal esforço “deve começar na pré-escola, intensificar-se no período da alfabetização e continuar sem jamais parar” (Freire, 1997, p. 26). Quanto mais o ser humano cresce e avança nas etapas da educação básica no Brasil, mais o tempo dele vai se tornando o tempo do capital, do vestibular, do emprego, do menor aprendiz, dos cursos profissionalizantes, do curso de inglês, de não se perder tempo, de ser um tempo produtivo economicamente e pouco humanamente.

A professora que tem amor às suas crianças e responsabilidade ao ofício de educar deve estar ciente que o tempo de humanizar-se é pouco valorizado aos olhos do capital, mas tempo primordial para aprender a viver de forma mais respeitosa e tolerante em uma sociedade que necessita desses valores, como no caso da sociedade brasileira. E, também, que não pode reinventar o tempo sozinha, “este compromisso, porque é amoroso, é dialógico” (Freire, 2019a, p. 111).

É nesse sentido que observamos também na comunidade escolar periférica do CIM Palmares que há resistência contra o colonial e o adultocentrismo, bem como possibilidades emancipatórias de uma educação em que as crianças também ensinam aos adultos. Portanto, mais do que nunca é preciso atuar contra a colonialidade e contra o adultocentrismo, que para Bispo dos Santos (2015, 2020) é a defesa de uma experiência concreta e histórica para a educação infantil, e não apenas imaginária. Devido aos limites deste trabalho, priorizamos aqui as denúncias trazidas pelos sujeitos da pesquisa e, certamente, em trabalhos futuros, problematizaremos melhor as possibilidades outras de resistir à colonialidade da educação infantil, ou melhor, resistir à colonialidade presente na educação infantil, porque sabemos que é possível fazer uma educação infantil sem que seja violenta, autoritária, racista, discriminatória, excludente e opressiva às crianças, às infâncias, por isso, educação infantil contra-adultrocêntrica e contra-colonialista.

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Notas

1 Os conceitos de contra-colonial e decolonial operam neste texto com o mesmo sentido. Buscamos criar entre ambos uma convergência e não divergência. Cabe destacar que Bispo dos Santos (2015) aponta que ser contra-colonial se refere a uma experiência concreta e histórica, e não apenas teórica. Este conceito para nós se aproxima melhor da realidade social dos sujeitos oprimidos-periféricos, entendendo que a postura emancipatória está presente neles e não é externa a eles e nem é para eles.
2 O CIM Palmares está localizado no bairro Juazeiro.
3 Para mais detalhes sobre o caso Miguel, ver: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/06/14/caso-miguel-imagens-ineditas-mostram-o-que-aconteceu-no-predio-de-onde-menino-caiu-minutos-apos-a-queda.ghtml. Acesso em: 28 jun. 2020.
4 Para mais detalhes ver: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2020/09/07/crianca-morre-esfaqueada-em-betim-pai-e-suspeito-do-crime.ghtml. Acesso em: 8 mar. 2021.
5 Para mais detalhes, ver: https://www.otempo.com.br/cidades/pai-e-denunciado-por-supostos-estupros-de-quatro-filhas-pequenas-em-contagem-1.2427614. Acesso em: 8 mar. 2021.
6 Para mais detalhes ver: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2021/01/31/menino-de-11-anos-e-resgatado-apos-passar-um-mes-acorrentado-pelo-pai-e-preso-em-barril.ghtml. Acesso em: 8 mar. 2021.
7 Para mais detalhes ver: ttps://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/12/30/como-esta-aquele-caso-joao-pedro-adolescente-morto-em-conjunto-de-favelas-no-rj.ghtml. Acesso em: 8 mar. 2021.
8 Para mais detalhes sobre o caso Rafael Winques, ver: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2021/05/15/morte-de-rafael-winques-em-planalto-completa-um-ano-mae-vai-a-juri-popular.ghtml. Acesso em: 9 dez. 2021.
9 Aqui uso no feminino a palavra professor, reconhecendo que a maioria das profissionais da educação infantil são mulheres.
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