Editorial
Dossiê Diversidade Étnico Cultural e Moda
Falar de diversidade nunca esteve tão em voga. Avançando adentro no século XXI o mundo, com suas diferenças e divisões, reclama mais liberdade e igualdade. Contudo, com a maturidade conquistada por diversos segmentos sociais e culturais na medida em que lutavam por seus direitos, os direitos básicos de uma sociedade civil se tornaram atentos à preservação da diversidade, sendo ela também uma garantia de igualdade e liberdade.
O mundo das elites econômicas e políticas sempre foi o foco do universo da moda e design. Em busca de ser consagrado pelos formadores de opiniões, por décadas, designers e estilistas renomados reproduziram, em suas propostas criativas, os modelos idealizados da beleza e da forma humana. Apesar da constante busca pelo novo e pelo futuro, estes criadores ficaram fixados num postulado platônico das remotas eras da Antiguidade Clássica, na qual apenas o belo tinha estatuto de arte e este belo se fechava num círculo bastante pequeno de concepção, onde harmonia das formas, equilíbrio e proporção eram características primordiais. Apesar do pensamento aristotélico já desconfiar de cânones tão restritivos, somente nas vanguardas do século XX categorias estéticas como a do feio, do cômico e do grotesco passaram a conviver com a arte e colocar em discussão a própria função dela na sustentação do status quo da burguesia branca e europeia, hegemônica. Podemos dizer que um século se passou desde que Picasso fez seu Demoiselles d’Avignon até que um designer de moda se lembrasse de que mulheres obesas, mais velhas, baixas ou altas, assim como portadores de deficiências físicas diversas gostassem também de se vestir de maneira inovadora. No Olimpo que desejavam atingir, os criadores do novo eram incapazes de desconfiar dos modelos idealizados de beleza e humanidade que tinham em mente. Não eram apenas cegos, pelo orgulho descabido, dos homens e mulheres reais que viviam e consumiam produtos de moda; eram também cegos ou analfabetos culturais por não irem buscar em culturas, não consagradas pelo mundo ocidental, ou etnias, não entendidas como superiores, referenciais de moda para as suas criações.
Ao final dos anos 1990 com a queda do mundo soviético, o leste europeu e suas etnias e culturas singulares para o olho ocidental começou a ser pesquisado e investigado como um universo rico de referentes para uma criação inovadora. Ainda neste contexto as top models loiras, altas, de olhos claros e peles alvas, trazidas deste mesmo canto do mundo, eram as embaixadoras das inovações que se apresentavam inspiradas nos bordados, cores e formas de uma ex-união soviética.
Só há muito pouco tempo, quase agora se quisermos ser preciso, o mundo fashion entendeu que há muito mais clientes para o seu consumo do que os modelos corporais e culturais consagrados. Entram em cena outros personagens. A África se coloca como referente e uma fonte de inspiração para o mercado de moda. A estética do continente africano tem se tornado referência de moda para as passarelas de todo o mundo. O surgimento de uma nova geração de estilistas africanos, como Sindiso Khumalo, Intisaar Mukadam e Liya Kebede[1] entre outros que, com muita criatividade, estão levando a África às passarelas internacionais, colocando-a no mapa da moda mundial. Países como África do Sul, Angola, Senegal e Marrocos a título de exemplo, tem levado o continente à visibilidade mundial pela sua cultura e criatividade que quebram os estereótipos de pobreza e guerras já tão batidos.
Ainda que uma marginalização progressiva dos indivíduos de pele escura tenha sido frequente, no Brasil, com a industrialização, nos primórdios dos anos 1930, cresceu a mobilidade social. Contudo, esse fenômeno, efetivamente, vai se evidenciar com maior intensidade e visibilidade a partir de meados de 1980 e início dos anos 1990, quando se verificou a existência de mais de um milhão e meio de famílias negras inseridas em oportunidades de consumo e com elas o respeito à cultura da diversidade, inclusive da diversidade étnico-racial, começou a se esboçar nas terras nacionais. São mudanças na representatividade do negro que antes não era visto como potencial consumidor e que, por sua vez, fez crescer a percepção do mercado relacionada a este grupo e também sua participação política no mercado cultural e publicitário, no qual reivindica seu espaço.
Enfim, este dossiê da Revista Modapalavra E-periódicos se abre para essas discussões e esperamos que os novos designers, ao menos eles que já nasceram nesta sintonia que a diferença é uma qualidade, possam rever o lugar no mundo social que desejam ocupar no mercado de moda mundial.
Com votos de boa leitura, Marizilda, Mara Rúbia e Cida Clemêncio