Variata

As Reflexões nas Teorias do Design de Produção da Telenovela Brasileira

Reflections on The Theories of Brazilian Soap Opera Production Design

Carlos Eduardo Dezan Scopinho
Universidade de São Paulo, Brasil
Ediliane de Oliveira Boff
Universidade de São Paulo, Brasil

As Reflexões nas Teorias do Design de Produção da Telenovela Brasileira

ModaPalavra e-periódico, vol. 11, núm. 22, pp. 431-458, 2018

Universidade do Estado de Santa Catarina

Recepção: 22 Janeiro 2018

Aprovação: 03 Abril 2018

Resumo: O estudo em questão propõe situar o processo de construção da imagem na telenovela brasileira no íntimo do âmbito do Design, com base a partir de uma discussão epistemológica. A pesquisa tem como objetivo investigar as diferentes abordagens relacionadas à formatação de uma possível Teoria do Design. Sua explanação enquanto ciência e saber estão pautadas a partir do conceito de diferentes teóricos da área de Design. Os argumentos aqui apresentados estão sustentados sob o processo de elaboração do conceito visual das telenovelas brasileiras e que são avaliadas como causadoras na essência comum que integra esse projeto no campo do Design enquanto contaminação na (re) configuração social.

Palavras-chave: Cultura, Design, Telenovela.

Abstract: This study proposes situating the process of image construction in the Brazilian soap opera within the scope of Design, based on an epistemological discussion. The research aims to investigate the different approaches related to the formatting of a possible Theory of Design. Its explanation as science and knowledge are based on the concept of different Design theorists. The arguments presented here are supported under the process of elaboration of the visual concept of Brazilian soap opera and are evaluated as causers in the common essence that integrates this project in the field of Design as contamination in (re) social configuration.

Keywords: Culture, Design, Soap Opera.

1. INTRODUÇÃO

A intenção deste estudo é estabelecer uma conexão entre os elementos que norteiam o projeto de construção de um conceito visual nas telenovelas brasileiras (especialmente as produções da Rede Globo de Televisão) e a área do Design como o eixo de conhecimento e área de atuação, com base em um argumento epistemológico. A estrutura da telenovela, desde a sua origem, está amparada em um conjunto de representações sociais que conjuga os verbos averiguar, estudar, criticar, delimitar ou expandir, termos estes que estão presentes nos campos do conhecimento, essencialmente determinados pela reflexão filosófica e que constituem o senso crítico no indivíduo.

Este artigo propõe, também, a busca por um entendimento a respeito de como se constitui um determinado saber dentro de um campo específico. É, pois, nesse sentido que se debruça o estudo aqui apresentado e originalmente desenvolvido para a Epistemologia do Design, trazendo questões que circundam a relação do Design com aquilo que muitos autores convencionaram chamar de linguagem visual. Dessas questões, remetemo-nos à possibilidade de se entender esse mesmo Design como linguagem — não uma linguagem própria, mas permeada de linguagens que há muito são estudadas. Para fundamentar a discussão, apresentaremos citações de alguns dos principais autores que influenciaram diretamente o pensar e a obra, orgulhosamente autoproclamada, modernista, no campo do Design. Dentre estes: Beccari (2015), Flusser (2010), Ferrara (2003), Luz (2001), Bomfim (1997), Forty (2007), Papanek (1995), Snodgrass and Coyne (2010) e Japiassu (1991). A partir de Buchanan (1989), levantamos questionamentos em torno da possibilidade de se falar de uma retórica própria da linguagem plural do Design. Aqui, devemos deixar claro, mais por prudência acadêmica do que pela real possibilidade de nos defrontarmos com dúvidas em torno dessa questão, que se entende por Design não só o Design gráfico, que, para Buchanan (1989), evidentemente já lida com técnicas próprias da retórica, como também o Design responsável pela configuração de objetos tridimensionais.

Este estudo está consumado por autores que, de certa forma participam da concepção do termo e elaboração da imagem. O projeto visual da telenovela, atualmente chamado de “direção de arte e/ou Design de produção”, compreende uma sucessão de criações individuais numa unidade integrada, a fim de constituir uma estrutura lógica de significação através da representação imagética. Dessa maneira, resulta em uma obra pública e aberta. Assim sendo, podemos entender o Design de produção audiovisual como projeto de construção de um conceito de estética enquanto aparência que trata de aspectos racionais e emocionais em seus níveis de objetividade e subjetividade, visando os propósitos comunicacionais e simbólicos, logo, considera-se a hipótese de inserção desta área de atuação no sentido do Design.

Pretende-se, também, examinar como se estabelece o vínculo do projeto visual cinematográfico com o universo do Design, a partir das questões fundamentais que se formulam para a proposição de uma Epistemologia e uma Teoria do Design. Segundo Ferrara (2003, p. 56), a “epistemologia seria a teoria acumulada na história de uma área de conhecimento”. A autora enfatiza, porém, que a etimologia da palavra teoria significa ver, observar, contemplar, ou melhor, não se refere ao conhecimento acumulado e estabelecido, contudo ao exercício de uma capacidade onde o indivíduo se permite ao estímulo e resposta diante ao objeto. Acredita-se que a produção de conteúdo para investigação é inédita, que visa criar espaços de inserção no Design, prevê para essa prática uma inserção curiosa diante deste campo de saber. Para essa percepção, talvez não seja possível compreender de forma nítida e clara o universo do Design e os seus objetos possíveis. As direções que o exercício desta atividade permite tomar são variadas e distintas. Contemporaneamente, o conceito de Design vem se expandindo, levando a uma redefinição da doutrina, como pode ser visto na figura 01.

Is
designing hermeneutical?
Figura 01
Is designing hermeneutical?
Adaptado de SNODGRASS, COYNE (2009, p.65-97).

O círculo de abrangência da sua práxis tem se ampliado, abarcando áreas de atividade cada vez mais diversas. Com isso, torna-se evidente a necessidade de se definir o conceito comum que decorre de todas estas atividades, ou seja, determinar os pressupostos fundamentais que possam integrar todos esses diferentes modos de ação. Afinal, até que ponto se sabe sobre as definições e extensões do Design? Quais são seus objetivos e os processos do Design e, seus métodos, sua intenção? Tais questões têm sido conferidas por teóricos e profissionais atuantes, no intuito de estabelecer os fundamentos da epistemologia e da hermenêutica do Design (figuras 02 e 03).

A
Lógica da epistomologia.
Figura 02
A Lógica da epistomologia.
SNODGRASS, COYNE (2009).

2. A LINGUAGEM E A EXTENSÃO DO DESIGN

A questão da cultura está praticamente ausente no debate sobre o Design contemporâneo e especialmente, o que é tratado nesta pesquisa, no que se refere às pluralidades do Design em suas extensões: um Design baseado em problemas e orientado para a solução, cuja característica determinante não são os produtos, serviços e artefatos comunicativos que ele produz, mas as ferramentas e métodos que ele utiliza.

No primeiro momento, pensar em Design nos remete às percepções na estética das coisas: Design de um objeto ou de um produto. Porém, o Design – aliás uma palavra de difícil tradução para o português que em sua origem representa para Flusser (2010) um verbo, to design, e que se relaciona à ação e ao planejamento de soluções considerando as necessidades das pessoas. To design significa, em síntese, projetar algo não apenas para alguém, mas com alguém, já que o Design nos permite criar soluções em conjunto com o usuário final e que realmente atendam às suas necessidades.

A dialógica da
    hermenêutica.
Figura 03
A dialógica da hermenêutica.
Adaptado de SNODGRASS, COYNE (2009).

O Design, quando bem aplicado, é capaz de resolver os problemas mais complexos de nossas vidas e propor soluções de acordo com as necessidades humanas de forma eficiente e rentável.

Nesse contexto, o Design nos permite ir além do material e criar soluções para as coisas intangíveis que nos cercam: sejam elas culturais, processos, sistemas ou interações. Dessa forma, a partir da noção de Design do invisível, todos aqueles que querem transformar o contexto em que estão inseridos, e criar possibilidades para o futuro, são denominados designers do invisível.

Contudo, apesar de sermos designers, poucos são aqueles que se apropriam conscientemente do poder de transformação do Design. O que se nota muitas vezes é o uso do Design de maneira não intencional, inconsciente. No mundo, há muitos designers não intencionais. Pessoas, projetos, negócios que estão revolucionando de maneira sistêmica, e de modo subjacente, estão se valendo do Design para tal.

O mais interessante é que mesmo quando estamos designing de modo não intencional, se passarmos pelas quatro camadas do design, propostas por Buchanan (1989) – (1) símbolo, (2) cultura, (3) interação e (4) comportamentos dos elementos da linguagem, somos capazes de gerar mudanças sistêmicas. Um exemplo disso são as telenovelas brasileiras.

Se hoje as telenovelas brasileiras chegaram ao ponto de revolucionar a forma como as pessoas se entretêm e consomem conteúdo, é porque sua trajetória esteve intimamente relacionada ao poder do Design e suas camadas, quer tenha sido utilizado voluntária ou involuntariamente.

Analisando em retrospecto, enquanto o mundo dos negócios partia da lógica do que é tecnicamente possível ou economicamente viável, ainda parte na maioria das vezes, a telenovela brasileira partiu do que era desejável, da necessidade humana de ter acesso a conteúdos de qualidade - o mesmo ponto de partida do Design. Vale ressaltar que sob a mesma ótica, a tecnologia criou desejos a partir da necessidade humana de poder interagir com os meios.

Ao falar das quatro camadas do Design, a reflexão nos remete ao como o Design consegue atender a essa necessidade em diferentes níveis. No caso da telenovela, é possível identificar aplicação destas camadas desde do início de sua concepção, mesmo que este não fosse um processo consciente.

A partir da perspectiva da primeira camada, podemos considerar como símbolo maior as vinhetas de abertura. No que tange à segunda camada, de produto ou objeto cultural, a visão do Design está presente pela possibilidade da marca/empresa que produz a telenovela, neste caso, a Rede Globo[3], oferecer um audiovisual de qualidade aliada à sua grade de programação. A terceira camada, relacionada às interações, também está presente na lógica da Rede Globo, em sua plataforma transmídia - Globo Play[4] - o que, por sua vez, representa uma nova forma de interagir e de consumir o conteúdo.

Para quarta camada, a telenovela cria todo um processo, um fluxo em como se consome o conteúdo, que aliado às demais camadas, mudou o comportamento das pessoas na forma de consumir conteúdo. As pessoas ansiavam pelo contexto que elas gostariam de assistir em suas casas. Com esse modelo mental interativo do Design e a evolução das tecnologias, aliados ao fato de estarmos designing um sistema vivo, a transformação e o impacto das telenovelas na vida das pessoas se tornaram exponenciais. Portanto, cabe a todos nós, como designers, quando estamos projetando algo, quer seja um produto, serviço ou negócio, utilizar o Design e suas camadas de forma estratégica, para conseguirmos provocar mudanças rápidas e profundas em qualquer contexto.

A discussão sobre o Design é preservada e adaptável aos efeitos ambientais, econômicos e sociais de seus resultados. Dessa maneira, todos esses aspectos são muito importantes, mas a ausência de um debate sobre a dimensão cultural do Design em desenvolvimento é uma séria limitação que o impede de se tornar o agente de mudanças (culturais e, portanto, também sociais e ambientais) que poderia e de fato deveria ser. Enquanto isso, embora raramente discutido, o Design emergente também tem sua própria cultura - uma cultura que é muito limitada e precisamente por causa dessa falta de debate. Neste artigo, chamamos essa solução de culturalismo e participação-ismo. Para ir além desta cultura, um pouco redutora, precisamos retornar à discussão sobre questões que são ou deveriam ser típicas do projeto: a partir dos critérios para orientar e avaliar a qualidade das soluções locais, para as visões mais amplas do mundo para a qual nós trabalhamos. Esta discussão deve ser realizada através de uma abordagem dialógica, na qual os diversos interlocutores, especialistas em design incluídos, interagem enquanto trazem suas próprias ideias e definem e aceitam suas próprias responsabilidades.

3. DESIGN: POR UMA TEORIA DO CONHECIMENTO

A ciência moderna, descrita por Japiassu (1991), foi inaugurada nos séculos XV e XVI, reunindo de forma inédita teoria e prática ao estabelecer plataformas teóricas a partir da observação direta e da experimentação. A técnica predomina nesta civilização. As máquinas surgem como a nova panaceia, onipresente e onipotente, capaz de realizar milagres. Construídas e dominadas pelo ser humano, oferecem a este a possibilidade de desvendar a Natureza e escapar das suas leis. Essa atitude tecnológica ainda predomina nos nossos dias, supervalorizando a técnica no desenvolvimento da ciência.

Luz (2001) reconhece que as inovações tecnológicas são fenômenos de um determinado por um sistema cultural, e não a sua causa. O autor acredita que alguns ajustes do fato social agem sobre a tecnologia, de modo a implementar novos métodos da estrutura psicológica – motivação, percepção, aprendizado, atitude e memória. A observação é um fato pela qual a ciência considera a tecnologia como um pano de fundo para que os indivíduos com suas representações, agem com suas concepções e com as suas narrativas socioculturais - é o que afirma Japiassu (1991).

Este reconhecimento é essencial para compreender que cada ciência ou saber é fruto do ser humano e de suas representações, em cada época e sociedade. Conforme Japiassu (1991), o saber é um conjunto de conhecimentos ordenados e adquiridos, organizados de forma sistemática, que podem ser transmitidos por um processo pedagógico de ensino. Esse desfecho atual possui um sentido mais amplo que “ciência”, e é utilizado para simbolizar uma série de doutrinas intelectuais mais ou menos estabelecidas, que não podem ser consideradas ciências (JAPIASSU, 1991, p.15-16). Esse conceito de saber pode estar relacionado a um aprendizado de ordem prática (saber fazer, saber técnico) ou às reflexões de ordem intelectual e teórica. A construção do saber está associada no modelo contemporâneo apenas à atividade intelectual, porém é necessário considerar que o saber teórico pode resultar da reflexão sobre uma experiência prática. Isto vale especialmente para o Design - que reúne teoria e prática, fazer e pensar. Japiassu certifica que, dessa forma, a epistemologia pode ser considerada como um estudo metódico e reflexivo do saber, da sua organização, da sua formação, do seu desenvolvimento, de seu funcionamento e de seus produtos intelectuais e a categoriza em três paradigmas: a epistemologia geral, a epistemologia particular e a epistemologia específica. A primeira é pensada enquanto saber global, a segunda tem sua expansão como um campo particular do saber, e a terceira se aplica em estudar, de forma detalhada e focada, uma disciplina específica e definida do saber, estabelecendo sua organização, seu funcionamento e as possíveis relações que ela mantém com as demais disciplinas (JAPIASSU, 1991, p.16). Assim, é possível pensar numa epistemologia do Design tendo como ponto de partida a epistemologia específica que analisa as características que regem a organização e o funcionamento desta doutrina, e os seus inter-relacionamentos com as demais.

4. AS REPRESENTAÇÕES DO DESIGN

Verifica-se que o Design constitui uma área abrangente e instável, com representações quase intrínsecas de interdisciplinaridade e transversalidade. Em harmonia com Couto (1999), o Design vem se construindo e se reconstruindo em um processo permanente de ampliação de seus limites, em função das exigências da época atual e a partir de outras áreas de conhecimento. Em conexão com esta tendência, a vocação interdisciplinar do Design impede um fechamento em torno de conceitos, teorias e autores exclusivos. Logo, o Design possui uma natureza multifacetada que exige interação, interlocução e parcerias.

Devido às suas qualidades que são abrangentes e flutuantes, essa doutrina pressupõe a renúncia de padrões pré-estabelecidos, permitindo uma redefinição constante do método de abordagem, dos seus possíveis objetos de estudo e do seu domínio científico. Bonfim (1997) ressalta que a Teoria do Design não terá campo determinado de conhecimentos, seja ele linear-vertical em termos disciplinares, ou linear-horizontal na sua forma interdisciplinares – ou seja, a Teoria do Design é móvel. A demanda científica corrobora para arquitetar uma Teoria de Design fixa em consideração a integração desta atividade no contexto histórico e social, pois, como afirma Bomfim (1997), os objetos que nos cercam são a materialização das ideias e incoerências das nossas sociedades, além de participar da sua criação cultural. Deste modo, o design tem uma natureza essencialmente especular (BOMFIM, 1997).

Para Bürdeck (1994), as aspirações artísticas, as transformações sociais e culturais, o contexto histórico e as limitações técnicas têm tanta importância quanto os requisitos ergonômicos, sociais ou ecológicos, ou os interesses econômicos e políticos na abrangência das possíveis abordagens e referências do Design. Já Forty (2007) expressa sobre uma análise crítica da atuação do Design ao afirmar que, muito mais do que a busca por uma estética ou por uma funcionalidade dos objetos, trata-se de uma atividade com um significado econômico e ideológico muito pronunciado. Ao contrário da ideia predominante de que o seu principal objetivo é tornar os objetos belos, ou de tratar-se de um método especial de resolver problemas, o design tem algo a ver com lucro e com a transmissão de ideias.

Forty (2007) ainda demonstra como o Design afeta os processos das economias modernas e como é afetado por eles, na medida em que está sempre vinculado e idealizado sobre o mundo em um determinado momento histórico. O designer é, segundo o autor, um agente da ideologia burguesa: a decisão final sobre o projeto adotado na produção cabe sempre ao gestor de negócios. O Design tem a sua origem mediante ao capitalismo e teve sua colaboração para a gênese da riqueza industrial; cumprindo desta forma a atuação significativa na maneira de pensar dos indivíduos.

Distante de ser uma atividade artística neutra e inofensiva, o Design, por sua natureza, causa efeitos duradouros que transcendem os produtos efêmeros da mídia, devido ao poder das formas tangíveis e permanentes a respeito das ideias sobre quem são os indivíduos e como estes se comportam (FORTY, 2007).

As transformações nas sociedades modernas são percebidas em sua larga escala de medidas provenientes do capital industrial, uma vez que a capacidade de inovar é uma das hipóteses do capitalismo. Isso inclui a redução gradativa dos produtos, cada vez mais acelerada, e os efeitos colaterais indesejados, indexados aos novos benefícios. Consequentemente, nem sempre o progresso se trata de uma experiência favorável. Tal dicotomia ocorre entre o acréscimo do progresso e os fracassos dos antigos princípios. O dever de ajustar-se ao moderno e o oculto, transformando as hipóteses primárias, em muitos casos acaba por criar um incômodo aos utilizadores, que se mostram resistentes à essas novidades. Exceder a inércia e criar aceitação para as mudanças são os grandes desafios da produção industrial neste modelo contemporâneo, e são questões cujas respostas solicitam a atuação do Design, “com a sua capacidade de fazer com que as coisas pareçam diferentes do que são” (FORTY, 2007, p.20).

Os projetos praticados tendem a atender demandas da produção industrial que são infinitamente praticáveis, colocando em questão a ideia de que a aparência de um produto é uma expressão direta da sua função estética. Entretanto, haveria a capacidade de elaborar uma única forma para todos os objetos com a mesma finalidade. Contudo, as diversidades servem para agregar valores: “para criar riqueza, satisfazer o desejo dos consumidores de expressar seu sentimento de individualidade” (FORTY, 2007, p.22).

Além disso, Desforges (1994) considera que os artefatos do sistema de produção industrial são todos idênticos e que se o indivíduo não controlasse a produção desses ícones, jamais teríamos uma produção de sentido realizada pelo que se denomina “Design aspiracional”.

5. O DESIGN E SUAS CONSEQUÊNCIAS MERCADOLÓGICAS

É a partir do consumo e da geração de valores, que o Design desenvolve o seu estado da percepção. Neste caso, mostra-se uma problemática estrutural entre a ética e a ideologia no processo do Design, já que a ética implica em escolhas conscientes e com responsabilidades. A contemplação teórica necessita, pois, de uma consideração a respeito das relações ideológicas desta área de atuação, produção e conhecimento: a questão da ideologia está profundamente ligada à epistemologia do Design. Vale ressaltar que o marketing cria estratégias para despertar os desejos a partir das necessidades dos indivíduos, tal conceito é investigado pela psicologia behaviorista que compreende que a partir de estímulos e respostas os condicionamentos aos comportamentos são criados.

Essas formas de atração criadas pelo marketing são constantes contemplações, nos moldes da contemporaneidade, facilitadas pelas técnicas de produção que permitem operações em pequena escala, principalmente em época na qual a produção em massa é abundante e recai sob uniformidade. Todavia, como a atração possui um prazo de validade, se faz necessário descobrir constantemente novas formas de sedução e hedonismo. O consumidor foi transportado para dentro do processo, a massificação foi modificada por uma impressão de singularidade individualizada, que sempre se recai a emulação mediante ao social e ao cultural. Com a flexibilidade histórica da produção pós-fordista, permite que os produtos sejam constantemente ajustados em comum acordo com os anseios dos seus consumidores e os mercados sejam atendidos nos seus nichos mais específicos. Foster (2002, p.19-20) afirma que “um produto pode ser de massa na quantidade e ainda assim parecer atual, pessoal e preciso no seu endereçamento”. O consumidor se projeta no produto, criando sua identidade a partir dele. É o estímulo pelo qual Foster denomina de “mini-eu” (FOSTER, 2002).

Assim como as estratégias de marketing, o Design não cria necessidades, pois segundo os princípios psicológicos, as necessidades já existem. No entanto, o marketing e o processo de Design apenas despertam e realçam a sensibilidade às necessidades motivando desejos novos ou diferentes que imita quase que totalmente o próprio indivíduo; ou seja, o Design parece adiantar um novo tipo de narcisismo, que é totalmente imagem e nenhuma interioridade, uma exaltação de um indivíduo que é também seu potencial desaparecimento (FOSTER, 2002).

A partir das premissas estruturais da psicologia: motivação, percepção, aprendizado, atitude e memória, Geertz (1973) salienta que a cultura é a soma de recursos que direcionam a administração do comportamento. Logo, o indivíduo é um ser cultural e dependente de tais programações artísticas para ordenar seu relacionamento na sociedade, visto que recebe estímulos comportamentais extremamente gerais na sua informação genética.

Os padrões culturais são, portanto, uma condição de base para a existência humana. Geertz (1973) retrata que as “necessidades” são criadas em função de uma gradual complexidade da cultura nas sociedades, e que estão incorporadas de tal forma à vida cotidiana, que são compreendidas como naturais. Verifica-se, todavia, condições socioculturais que estabelecem, a cada época, demandas específicas, carências artificiais associadas às noções de status social, inclusão entre grupos, progressos e inovações, ou à satisfação de desejos criados pelas estratégias de marketing ou pelas táticas aplicadas pelas mídias, pela publicidade e propaganda, como incentivo ao consumo. Desta forma, como as necessidades reais, a que se referem os diversos autores interrogam por um Design com responsabilidade social? Se faz necessário, assim, avaliar cuidadosamente a que necessidades ou demandas específicas este Design deve ser direcionado. Mesmo com a explanação de Papanek (1995),

A maior parte do design recente tem satisfeito apenas desejos evanescentes, enquanto as necessidades genuínas do ser humano têm sido negligenciadas. As necessidades econômicas, psicológicas, espirituais, sociais, tecnológicas e intelectuais do homem são, de uma forma geral, mais difíceis de satisfazer do que os “desejos” cuidadosamente construídos e manipulados, inculcados pela moda e por tendências passageiras (Papanek, 1995, p.24).

Tendências essas que são avaliadas a partir das variáveis controláveis e incontroláveis inerentes aos seres humanos, como os fatores econômicos, políticos, psicológicos, imateriais, sociais, tecnológicos e intelectuais. O Design simboliza e manifesta-se a partir de suas ideias por meio das quais a sociedade assimila os fatos do cotidiano e são ajustadas em seu tempo e espaço. Integra-se, por conseguinte, no reflexo das características sociais de cada ciclo. Tal atitude ostenta responsabilidades sobre a produção, a imagem e a divulgação dos signos culturais das sociedades em que é concebido.

Esse processo converte-se singularmente, no mundo contemporâneo, em específico nos países periféricos, como forma de argumento ao cenário das relações de produção de significado na perspectiva do pós-modernismo - compreendido na lógica da subdivisão, hibridismo, descentralização, descontinuidade - e da globalização.

Harvey (1992) desperta a atenção para a excessiva compressão do tempo e espaço gerado pela velocidade dos meios de comunicação, pelo acesso simultâneo às informações globais, pela integração da produção e pela descentralização das empresas transnacionais. Conjuntamente, Bomfim (1999) argumenta sobre como as dimensões de tempo e espaço podem retrair-se ou dilatar-se, e como o mundo, com isso, tornou-se ilimitado - “Trata-se de um espaço sem antes ou depois, já que tudo pode estar presente, para qualquer um, em todo tempo em qualquer lugar” (BOMFIM, 1999, p. 139). O que decorre deste processo é uma grande mutabilidade de modas, produtos, estratégias de produção, convicções, ideologias e combinações de valores.

Canclini (2005) salienta o fato de que esta globalização cultural é centralizada em alguns poucos países. A acumulação de capital simbólico e econômico através da cultura e da comunicação concentra-se nos EUA, em alguns países europeus e no Japão. Os países centrais continuam a controlar o mercado de signos e as transações culturais, numa reafirmação do modelo de dominação colonial. Essa desigualdade nas relações de poder é percebida também nos países latino-americanos.

A visão de Desforges (1994) se estabelece de forma simpatizante a preservação de uma ideologia regrada a atividade intelectual e a prática do Design, suplantando a mistificação do progresso e da ciência, criada por uma experiência e pela racionalidade que transcorreu o domínio do sistema de produção no fim do sec. XIX.

De acordo com Papanek (2004), o Design se constitui como uma ferramenta expressiva de transição social, através da qual o indivíduo é capaz de (re) configurar seus meios operacionais e seu meio ambiente, e por extensão, a sociedade e a si mesmo. Sua crítica ao design ganha relevância ao contextualizar entre épocas a proposta de um “design para todos”, configurado dentro do contexto social e cultural. Ainda, considera o descompasso entre as realidades dos países centrais e periféricos, referindo-se especificamente às demandas das sociedades terceiro mundistas, às quais o Design deve ser adequado. Retoma, dessa forma, o tema das “necessidades reais”, cuja definição não parece nítida e clara (PAPANEK apud AMIR, 2004, p.68).

Como representante de um país de terceiro mundo, Papanek apud Amir (2004) analisa a possível contribuição do Design nas sociedades dos países ditos periféricos. Partindo das afirmações de Papanek, Amir defende a priorização de um “Design pela sociedade”, consciente da sua responsabilidade e do seu poder transformador sobre a sociedade contemporânea. (AMIR, 2004, p.69). O próprio Amir (2004) refere-se aos estudos que evidenciam o significado do Design para o crescimento econômico. A globalização econômica, longe de mostrar-se democrática como promete o sistema de livre mercado, beneficia acima de tudo as poderosas corporações e instituições financeiras do primeiro mundo.

As instituições dos países adjacentes, que ambiciam progresso global, são obrigadas a incrementar a competitividade dos seus artefatos. Certamente terá pouco espaço para manobras no que tange as propostas de transição do design a um conceito humanitário ou societário comprometido na (re) configuração e produção dos objetos. A percepção fundamenta-se, que a formulação de alguns princípios éticos na execução do Design, são pertinentes e autênticos, uma semelhança que tendem a desconsiderar particularidades e complexidades dos caminhos pelos quais os sistemas sociais, nos levam a questionar a sua devida função em relação a real aplicabilidade. Apesar disso, são estipulados alguns pontos-chave que se renovam de forma cíclica nas observações dos diversos teóricos, permitindo demarcar questões essenciais, que apontam para os possíveis conceitos na fundamentação da atividade do design. A dedução que se faz presente, são considerações otimizadas que até o momento comprova que esta atividade não pode ser imprecisa ou espontânea - as opções e as tomadas de decisões reproduzem sobre o intimo da sociedade em que ela se insere. Então, os conhecimentos e as técnicas, transcendem como condição fundamental ao Design, a ação de pensar culturalmente são representações prováveis, entre o contexto social. Como relata Bomfim (1999), uma sociedade é organizada pela criação de seus bens e valores, permitindo, através das suas formas de representação, caracterizar determinadas culturas.

[...] a tarefa do designer se dará através da configuração de formas poéticas do vir-a-ser. E para que isto ocorra, é necessário mais que conhecimento em áreas específicas do saber. É preciso o convívio e a compreensão da trama cultural, o lócus em que a persona se identifica no seu estar no mundo (BOMFIM, 1999, p.153).

6. O FATO SOCIAL E CULTURAL NA IDEOLOGIA DAS TELENOVELAS BRASILEIRAS

A telenovela brasileira possui, assim como o Design, questões culturais, sociais e ideológicas. Este produto midiático é constituído de um bem cultural motivado a partir dos valores de uma sociedade, refletidos em ideias, contradições e inquietações cotidianas. O Design de produção das telenovelas brasileiras se associa a um determinado contexto sócio histórico, logo, não pode ser isolado dos outros setores de atividade - seja da economia, da política, das ciências e das estratégias, ou mesmo das artes. Dessa forma, a produção das telenovelas, por meio da sua forma de representação imagética, apresenta um conjunto de simulacros que destinam direta ou indiretamente à sociedade em que se inscreve, servindo, assim, como instrumento de análise desta. Podemos entender que a telenovela possui uma linguagem pertinente ao presente ou diz algo do seu contexto de produção.

Qualquer que seja a telenovela brasileira, possui em seu projeto enredos que visam descrever, distrair, criticar, denunciar e exercer influência em uma sociedade que não é propriamente retratada, e sim contracenada. Isto é, a telenovela constitui-se de escolhas que organizam elementos entre si; representa o real no imaginário; constrói um mundo de ficcionalidade que mantém relações complexas com o mundo real - pode ser em parte seu reflexo, mas também sua contestação. Quer dizer, apresenta um ponto de vista particular sobre este ou aquele aspecto do mundo que lhe é contemporâneo.

No Brasil, a telenovela é um simulacro que representa a coletividade, introduz em evidência seus esquemas culturais, identifica os grupos sociais segundo abordagens ideológicas, demarca posições e crenças no grupo, evidenciando seus conflitos e contemplações, mapeia lugares, espetáculos, questões sociais, entre outras realidades. À medida que Forty (2007) analisa o papel das ideias nas produções de uma sociedade, demanda compreender o que as pessoas pensam do mundo em que vivem e como lidam com as contradições. Atribui-se às mitologias a função de resolver os conflitos entre as crenças e as experiências cotidianas. Nos dias atuais, os contos de fadas foram substituídos pelos mitos modernos, que assumiram a função de lidar com estas questões, como descreve Barthes em Mitologias (1999). Um dos maiores mitos da nossa sociedade, nos séculos XX e XXI, é o audiovisual (FORTY, 2007). Então, cabe ao audiovisual, mais do que a qualquer outro produto cultural, obra dramática ou produção de espetáculo, o papel de espelho das relações sociais e culturais, atribuído na antiga Grécia à tragédia. Ao mesmo tempo, desde o teatro até as produções de cinema e televisão, como veículos de comunicação com grande abrangência, as narrativas e os signos das diferentes sociedades e contextos históricos são difundidos e divulgados para o mundo. Este processo realimenta, de forma dinâmica, a cultura das respectivas sociedades, criando propostas formais e de conteúdo.

Esse potencial dinâmico confere a telenovela brasileira o status de agente transformador do meio social. São inegáveis, também, os vínculos ideológicos oriundos do cinema - os filmes, desde os intencionalmente políticos até a comédia aparentemente “alienada”, possuem um viés ideológico. Isto nos permite afirmar que o audiovisual “está longe de ser uma atividade artística neutra e inofensiva”, numa apropriação da expressão de Forty (2007). A telenovela brasileira contribui para uma reflexão, nos moldes racionais ou emocionais, para um repensar sobre o mundo em que se vive. A intenção fundamental destas produções é representar os conflitos, os paradoxos, as aspirações da sociedade, e refletir seus valores culturais. No entanto, se constitui, acima de tudo, numa fonte de prazer: telenovela é, substancialmente, um entretenimento. “Fábrica de ilusões”, a telenovela possui o poder de transportar o espectador para um mundo de sonhos e fantasias. Esse poder pressupõe escolhas e implica em responsabilidade social. O paradoxo da telenovela brasileira está na relação entre a subjetividade e a tecnologia. Seus signos são representados através de um projeto de imagem que só pode ser realizado, na prática, através de formas de construção tecnicamente condicionadas.

7. O DESIGN DO AUDIOVISUAL – FOCO NAS TELENOVELAS

O Projeto de uma telenovela no Brasil se pauta em observar a partir das imagens cotidianas, os valores da sociedade que este pretende representar através da cena uma estratégia de voyerismo, o recorte da realidade que se propõe retratar. Este trabalho significa a ação de delinear o contorno do “buraco da fechadura” através do qual o espectador é convidado a espiar, como ressalta Roland Barthes (1987, p.292). A cena é um espaço que reúne formas de expressão múltiplas como: imagem, movimento, ritmo, retórica, efeitos sonoros e trilhas musicais, dramaturgia e interpretação. Trabalha-se com tempo e espaço: o tempo é dado pela montagem, o espaço é o locus da imagem. A organização cênica, esta relacionada aos elementos cenográficos como: luz e sombra, paleta de cores constituem a matéria prima para a construção da imagem na telenovela. É a constituição de um projeto de linguagem visual, concebido e realizado de forma coletiva. Essa criação verbo-visual irá representar a proposta da cena. Porém, na imagem do audiovisual encontra-se várias soluções formais possíveis para uma mesma proposição cênica. As diversidades se impõem pelos repertórios imagéticos diversos e pelas diferentes intencionalidades dos autores. Como diz Bomfim (1997, p.37), “as características de um objeto são, na verdade, as interpretações que dele fazemos”. Estas escolhas são possíveis, pois corroboram e sustentam a proposta ideológica da imagem, são feitas na transposição da ideia original - argumento e roteiro - para uma linguagem imagética.

O design de produção ou direção de arte, são possibilidades e soluções abrangentes e encantam não só os significados simbólicos das imagens, como definem também a adequação da aparência da cena ao público ou ao mercado pretendido. Independente da extensão ou linguagem do projeto de design, a tarefa de colocar em prática uma concepção de projeto visual precisa adequar-se a um conjunto de condições e restrições próprias de cada produção. São restrições da ordem dos custos, dos recursos técnicos e humanos, da disponibilidade de materiais, do tempo. O Design de uma cena se aplica, sincronicamente, às inúmeras extensões que transitam entre uma inflexível dimensão e as noções abstratas da construção de significados que consideram os objetivos da instituição (Rede Globo) versus produtor (escritor).

Em sua multidisciplinaridade, o artista, designer, cineasta e arquiteto Charles Eames, descreve este mistério quando certifica que a capacidade do designer de reconhecer as restrições inerentes a cada projeto (restrições de custo, de tamanho, de força, equilíbrio, de superfície, de tempo), mantendo sua disposição e seu entusiasmo criativo, constitui uma das chaves para o problema do Design (EAMES, 2009). Charles e Ray Eames se notabilizaram por reunir, nos seus projetos, conceitos de utilidade, prazer, beleza e arte, colocados em prática dentro das condições dadas. Bomfim (1997) descreve o campo de ação do Design como o da configuração de objetos, no seu sentido mais amplo. Define, ainda, o objeto como “qualquer artefato que resulte da aplicação da vontade do sujeito, consubstanciada no processo de conformação da matéria” (BOMFIM, 1997, p.36). Estes objetos podem ser, atualmente, projetos tridimensionais e concretos, projetos gráficos impressos, projetos virtuais, projetos abstratos, como o Design de serviço, e também projetos visuais em produtos audiovisuais.

No que se refere à construção das imagens no audiovisual, e aos seus significados, esta segue os mesmos parâmetros fundamentais de outros projetos de design.

Isis Valverde
    (personagem Ritinha, Sereia).
Figura 04
Isis Valverde (personagem Ritinha, Sereia).
http://sereismo.com/2017/03/25/a-forca-do-querer-vem-ai-tudo-que-voce-precisa-saber/ Acesso em 20/10/2017.

Na telenovela “A Força do Querer”, criada e escrita por Glória Perez, sob direção de Cláudio Boeckel, Davi Lacerda, Fábio Strazzer, Luciana Oliveira, Allan Fitterman e Roberta Richard, direção artística de Rogério Gomes e direção geral de Pedro Vasconcelos, por exemplo, produzida e exibida pela Rede Globo no período de 3 de abril a 20 de outubro de 2017, em 172 capítulos, a construção da personagem Ritinha – figura 4 - (uma jovem apaixonada por si mesmo e que adora sentir o fascínio que exerce sobre os homens - assim como as sereias) se dá pelas observações de Kandinsky sobre o movimento excêntrico próprio das cores claras e do movimento concêntrico das escuras, constatado que o vermelho encerra em si uma contradição: a de um aparente movimento concêntrico, “resultado de impressões psíquicas, inteiramente empíricas”, e a de um real movimento excêntrico, fruto de seu grande poder de dispersão. O vermelho, tal qual é projetado, cor sem limites, essencialmente quente, age interiormente como uma cor transbordante de vida ardente e agitada. No entanto, ele não tem o caráter dissipado do amarelo, que se espalha e se desgasta pelos lados. Apesar de toda a sua energia e intensidade, o vermelho dá prova de uma imensa e irresistível força, quase consciente de seu objetivo. Nesse ardor, nessa efervescência, transparece uma espécie de maturidade macho, voltada para si mesma, e para a qual o exterior não existe (KANDINSKY, 1954, p.71). Essa é a descrição da impressão psíquica; a realidade objetiva, no entanto, nos mostra exatamente o oposto: uma acentuada capacidade de dissipar a luz que sobre ele incide, e nessa dissipação ele se agiganta, colorindo as áreas limítrofes com sua própria cor.

A composição elaborada para a personagem na teoria das cores é chamada de contraste simultâneo, logo existe uma necessidade fisiológica que o ser humano tem de completar ao estímulo visual recebido com uma cor complementar. Este é um dos fenômenos mais intrigantes da percepção humana.

Coelho (2008) deduz que, futuramente, o production designer no cinema brasileiro poderá sair dos cursos de graduação em Design, uma hipótese bem real que aponta uma nova direção de atividade para o profissional do Design. Coelho sugere que o designer, fundamentado por uma formação mais global, poderá ampliar a formulação dos conceitos e significados relacionados à imagem cinematográfica e televisiva, em comparação aos profissionais com outro tipo de formação, como belas-artes, por exemplo. O que se observa na contemporaneidade é que alguns dos diretores de fotografia, diretores de arte ou figurinistas, acabam por assumir esta função no audiovisual brasileiro atual, realizam projetos extremamente afinados com a cultura e a sociedade brasileiras. São profissionais provenientes de escolas de cinema, arquitetura, belas-artes, formados por cursos técnicos ou pela prática do set de filmagem, compondo um universo multidisciplinar na concepção do desenho visual das cenas brasileiras. Podemos certificar que estes profissionais, embora provenientes de diversas formações, constituem-se como “designers” na medida em que a sua atuação demanda os mesmos pressupostos que fundamentam a disciplina e a atividade do Design. Por consequência, o Design de produção subentende, também, responsabilidade, coerência e consciência das escolhas possíveis, dentro das condições e restrições apresentadas por cada projeto. Porém agrega-se a estas premissas fundamentais uma outra condição, que é inerente ao produto cinematográfico: constituir-se em veículo de prazer, beleza e arte.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considera-se que a finalidade particular da obra audiovisual, neste caso a telenovela brasileira, é capaz de uma expansão do objeto do Design em suas multifaces de extensões e linguagens. Tal conceito permite ampliar e estender este propósito. O modelo pós-moderno, possui vieses marcados por uma tecnologia da informação e da comunicação, e seu foco se concentra por total no modelo digital, que apresenta uma vasta proposta de novos produtos e serviços, dispositivos de lazer e manifestações artísticas. A diversidade destes novos dispositivos mesclam signos visuais de múltiplas linguagens o que agrega valores ao Design de produção; logo, as fronteiras entre as áreas de competência estão se fluidificando rapidamente. Percebe-se uma superposição das atribuições de audiovisual e Design em determinados dispositivos, cujos projetos são do campo do Design, mas cuja linguagem encontra-se subordinada aos códigos da televisão. Alguns exemplos marcantes dessa imbricação são o webdesign, as vinhetas de abertura das telenovelas, ou os aplicativos desenvolvidos pela própria emissora de televisão, que facilitam a visualização da programação caso o espectador não esteja disponível no momento da exibição, como o Globo Play. A construção do espaço pro-fílmico, tudo aquilo que a câmera (com a qual o espectador se identifica) mostra, expressa a proposta ideológica da cena. Determinantes desta construção são o que os elementos cênicos do Design de produção ou direção de arte que combinam objetos, texturas, volumes, cores, e a iluminação, enquadramento, movimentos de câmera.

Esse estudo está fundamentado nos mesmos pressupostos essenciais do Design na elaboração dos significados estéticos, éticos e ideológicos do produto e /ou imagem resultante de processos culturais e sociais. Porém, acima de tudo, trata-se de um projeto que promove a representação da cultura de uma sociedade, realimentando, simultaneamente, a construção permanente desta mesma cultura, num processo dinâmico. Como este produto é destinado a um público vasto e diversificado, eventualmente globalizado, a responsabilidade sócio-política sobre as escolhas realizadas nestes projetos é ampla. Portanto, o projeto de Design de produção está inserido no campo do Design não só através da sua fundamentação técnica, mas também pela sua repercussão sociocultural. A característica essencial do Design é a sua capacidade de refletir a sociedade e sua cultura, apresentando através da configuração de seus “objetos de uso e sistemas de comunicação” (BONFIM, 1997, p.28) uma base de reflexão ampla, já que este objeto do Design faz parte integrante da vida de cada um nesta sociedade. O produto do Design ultrapassa a simples finalidade funcionalista de atender às necessidades, já que os objetos produzidos possuem uma mensagem, um significado além da sua função prática.

Como relata Forty (2007), se uma xícara de chá servisse apenas como utensílio para tomar chá, todas as xícaras seriam iguais. Contudo, a forma deste objeto, o material de que é constituído, cor e décor que completam sua aparência transmitem uma multiplicidade de valores, com os quais o utilizador é levado a se identificar. Este significado, de uma forma geral, não é aleatório ou acidental: é agregado ao produto de forma intencional. Assim sendo, nos faz refletir que a fundamentação do Design é essencialmente ideológica. Segundo Bomfim (1997, p.32), “o Design seria, antes de tudo, instrumento para a materialização e perpetuação de ideologias, de valores predominantes em uma sociedade”.

Consequentemente, é possível imaginar que, a esses conceitos implícitos fundamentam a responsabilidade social e a percepção ideológica, a essência do Design está relacionada a uma finalidade expandida, não apenas funcionalista, mas, também de uma utilidade estruturalista.

Esta percepção (re)configura a vida dos indivíduos a partir das necessidades e desejos, proporciona modificações nas noções de prazer, beleza e arte, e, consequentemente, consideradas pela sua importância social enquanto construção cultural.

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Notas

[3] Rede Globo é uma rede de televisão comercial aberta brasileira com sede na cidade do Rio de Janeiro. É assistida por mais de 200 milhões de pessoas diariamente, sejam elas no Brasil ou no exterior, por meio da TV Globo Internacional. A emissora é a segunda maior rede de televisão comercial do mundo, atrás apenas da norte-americana American Broadcasting Company (ABC) e uma das maiores produtoras de telenovelas. A emissora alcança 98,56% do território brasileiro, cobrindo 5.490 municípios e cerca de 99,55% do total da população brasileira. A empresa é parte do Grupo Globo, um dos maiores conglomerados de mídia do planeta. Fonte: Rede Globo, 2017.
[4] Globo Play é uma plataforma digital de streaming de vídeos sob demanda criada e desenvolvida pela Rede Globo, que teve o seu lançamento feito em 26 de novembro de 2015.
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