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Articulando a Forma: ações pedagógicas transversais para a construção do conhecimento de sintaxe visual
ModaPalavra e-periódico, vol. 13, núm. 27, pp. 200-234, 2020
Universidade do Estado de Santa Catarina


Recepção: 30 Maio 2010

Aprovação: 02 Julho 2019

DOI: https://doi.org/10.5965/1982615x13272020

Resumo: O artigo enfatiza a formação da habilidade para articular a sintaxe visual/formal como via fundamental para a consolidação do pensamento projetual entre estudantes de design de moda. A partir de uma abordagem exploratória, integra dois enfoques de pesquisa: o primeiro estuda a autorregulação da aprendizagem no ensino de projeto e o segundo aborda estratégias metodológicas para o desenvolvimento da habilidade de síntese compositiva. Nesse sentido, o recorte proposto examina as práticas dirigidas à aprendizagem de Metodologia Visual no Bacharelado em Design de Moda da Universidade Estadual de Londrina, indagando sobre as contribuições efetivas da manipulação criativa experimental e da decomposição de enunciados visuais. Para tanto, analisa uma ação pedagógica combinada, visando à comprovação de sua eficácia didática. As inferências resultantes confirmam o potencial da referida ação e das estratégias de aprendizagem autorregulada como facilitadoras da capacidade de gerar conceitos expressivos e configurar artefatos no campo da moda.

Palavras-chave: design de moda, sintaxe visual, projeto.

Abstract: The article emphasizes the development of the ability to articulate visual / formal syntax as a fundamental way for the consolidation of project thinking among fashion design students. From exploratory approach, integrates two research focus: the first studies the self-regulation of learning in project teaching; the second one addresses methodological strategies for the development of the ability compositional synthesis. Thus, the study examines practices for Visual Methodology learning at the Bachelor of the Fashion Design at State University of Londrina, searching effective contributions the experimental creative manipulation and decomposition of visual messages. To that occurs, a combined pedagogical action is analyzed, aiming at the proof of its didactic scholarship. The results confirm the potential of action and self-regulated learning strategies as facilitators of the ability to generate expressive and configurable concepts of artifacts in the field of fashion.

Keywords: fashion design.

Resumen: El artículo enfatiza la formación de la capacidad de articular la sintaxis visual/formal como una forma fundamental de consolidar el pensamiento de diseño entre los estudiantes de diseño de moda. Desde un enfoque exploratorio, integra dos enfoques de investigación: el primero estudia la autorregulación del aprendizaje en la enseñanza de proyectos y el segundo aborda las estrategias metodológicas para el desarrollo de la capacidad de síntesis compositiva. En este sentido, el corte propuesto examina las prácticas dirigidas al aprendizaje de Metodología Visual en la Licenciatura en Diseño de Moda de la Universidad Estatal de Londrina, indagando sobre las contribuciones efectivas de la manipulación creativa experimental y la descomposición de los enunciados visuales. Con este fin, analiza una acción pedagógica combinada, con el objetivo de demostrar su eficacia didáctica. Las inferencias resultantes confirman el potencial de esta acción y las estrategias de aprendizaje autorreguladas como facilitadores de la capacidad de generar conceptos expresivos y configurar artefactos en el campo de la moda.

Palabras clave: diseño de moda.

1. INTRODUÇÃO

O vestuário de moda constitui um importante canal perceptivo/expressivo nas interações humanas. Este tipo de artefato, quando conectado ao corpo do seu usuário, estabelece um espaço de influências mútuas, no qual se desenvolvem experiências sensoriais que fomentam processos de adaptação e significação. Assim, as estruturas formais da vestimenta envolvem o espaço corpóreo, como uma segunda pele, gerando um composto dinâmico que se desloca em distintos ambientes e participa ativamente do vínculo entre indivíduo e contexto.

Nessa direção, destacam-se Saltzman (2004; 2008) e Souza (2008), que situam a indumentária como o primeiro espaço que o corpo habita, enfatizando que sua configuração transforma a anatomia corpórea e, simultaneamente, promove a interface com o espaço exterior circundante. Sob o mesmo enfoque, este estudo considera que o objeto de planejamento do design de moda[1] é um sistema de relações espaciais, dado pela conexão entre corpo, artefato e entorno, em que cada elemento configurativo é, concomitantemente, meio de adaptação física ao ambiente material e de mediação das expressões individuais e representações sociais (SANCHES, 2017).

Por conseguinte, a forma do artefato de vestuário assume múltiplas finalidades, associando requisitos materiais, pragmáticos e, principalmente, comunicativos. Por isso, na formação de designers de moda, um dos grandes desafios é desenvolver estratégias que promovam a competência para articular o enunciado expresso pela configuração do produto, já que o planejamento dessa composição formal/visual implica uma íntima relação com o corpo e com a manifestação de códigos culturais. Logo, no campo da moda, o processo de design demanda uma vinculação estreita entre a investigação dos signos de representação do contexto sociocultural e a experimentação criativa, realçando o estudo dos princípios da comunicação não verbal como parte primordial da educação projetual.

Silva et al. (2017) reforçam que o mutualismo estabelecido entre objeto do vestuário, corpo e expressão exige, do designer de moda, uma profundidade de conhecimentos sobre composição visual para articular elementos estéticos na construção das experiências sensoriais.

Em vista disso, esta investigação se insere no ambiente educacional e tem como objeto de estudo o instrumental metodológico destinado a auxiliar a sintaxe formal/visual no projeto do vestuário de moda. Neste recorte, enfoca-se o ensino/aprendizagem dos fundamentos da composição visual e o objetivo principal é analisar estratégias didáticas para a síntese compositiva, apoiando-se em um entendimento integrado da forma. Especificamente, examinam-se os efeitos de ações pedagógicas voltadas à manipulação experimental e à decomposição de enunciados visuais, no curso em Design de Moda da Universidade Estadual de Londrina (UEL), com o propósito de comprovar sua eficácia didática. As análises foram conduzidas segundo uma abordagem qualitativa exploratória, empregando a observação e a análise documental como estratégias para a verificação de evidências em classe.

Apoiando-se em uma plataforma multidisciplinar, a explanação associa fundamentos dos campos do design, da comunicação visual e da pedagogia. Dessas bases salientam-se como diretrizes essenciais os princípios da Aprendizagem Significativa, propostos por David Ausubel, a experimentação (SOUZA, 2008; SOUZA; SILVA, 2018; PALLASMAA, 2015) e as estratégias gráfico-visuais (SANCHES; SILVA, 2018; ROAM, 2010) como facilitadoras da construção do conhecimento.

O estudo parte do pressuposto de que a concepção da forma é resultado da interação de inúmeras variáveis e de uma diversidade de perspectivas de análise. Tal preceito indica que, para a construção da habilidade compositiva, é fundamental assumir uma postura holística e sistêmica no processo de ensino/aprendizagem e criar um ambiente propício para a transversalidade de saberes. Essa orientação é a base do projeto pedagógico do curso da UEL, o que demanda planejamento coletivo e avaliação constante das ações pedagógicas. Em consequência, as atribuições docentes incluem, além da elaboração de estratégias pedagógicas integradoras, a verificação dos seus efeitos em classe. Isso contribui para a evolução da própria estratégia e permite redirecionar, se necessário, o planejamento da unidade curricular e dos processos interdisciplinares, validando a ação pedagógica estudada como ferramenta didática.

Em prol dessa evolução conjunta, o presente recorte converge duas trajetórias de pesquisa consolidadas no mesmo ambiente educacional e compartilhadas pelas presentes autoras: uma que investiga a autorregulação da aprendizagem no ensino de projeto e outra que estuda estratégias metodológicas para desenvolver a habilidade de síntese compositiva. Com base nessa interseção, foram analisadas estratégias pedagógicas que visam proporcionar o entendimento integrado da forma, por meio da manipulação experimental dos princípios da sintaxe visual e do estudo da forma como espaço sensorial e perceptivo, no qual reside uma intencionalidade expressiva.

Como resultado, foi gerado um conjunto de inferências que auxiliou a apreciação da manipulação compositiva como canal impulsionador do pensamento projetual. As constatações, extraídas da análise dos efeitos da ação em classe, demonstraram o amadurecimento do pensamento de configuração e, consequentemente, a possibilidade de caminhos inovadores para a sintaxe da forma no decorrer de atividades futuras mais complexas.

2. FUNDAMENTOS TEÓRICOS

2.1 A Forma: composto material, sensorial e informacional

No decorrer de um dia, o ser humano utiliza uma diversidade de artefatos para interagir com o entorno. A vida cotidiana é experimentada por meio de inúmeros objetos que promovem vivências sensoriais e geram a construção de sentidos. Essa experiência origina a formação de múltiplos valores acerca do artefato, incluindo desde a facilidade de uso até o apelo afetivo. Por conseguinte, a configuração formal do objeto adquire uma qualidade sensorial de dimensões múltiplas e interdependentes, que é percebida através de uma confluência de aspectos de superfície, volumetria, contorno, espaço e ponto de vista. Diante disso, um designer, como profissional que se ocupa de configurar muitas dessas interfaces com o entorno, deve assimilar esse sistema de relações na evolução da sua atividade projetual.

Nesse rumo, Sanches (2017), Cardoso (2012) e Lessa (2009) concordam que, no processo projetual, a forma nasce do conjunto de equacionamentos materiais e expressivos estabelecidos entre os seus elementos configurativos. Esses autores ajudaram a determinar o conceito de forma neste estudo, definido como um composto material/estético/informacional que pode ser experimentado sensorialmente em múltiplas dimensões e percebido como expressão de informação. Suas qualidades atuam reciprocamente, conciliando materialidade, composição visual e conteúdo expressivo para definir aspectos práticos e estético-simbólicos na interação entre usuário, artefato e entorno.

Pelo exposto entende-se que a forma de uma solução de design é concretizada e refinada ao longo do processo projetual, a partir da experimentação integrada de variáveis construtivas, produtivas e, especialmente, de interação humana, tanto física quanto psicológica. Bomfim (2014) ratifica que, para planejar a configuração de um objeto de uso, mais importante que o objeto em si é a interação objetivo-subjetiva entre produto e usuário, enfatizando que a experiência com o produto/artefato é determinante para a articulação das unidades formais.

No caso da vestimenta, a experiência de uso enlaça estreitamente a superfície, o espaço e a volumetria do corpo e do artefato. A partir dessa conexão, a percepção sensorial e o repertório cultural ajustam a adaptação humana ao ambiente em nível físico e psicológico. Por isso, na formação de designers de moda, o desenvolvimento da habilidade compositiva depende, intrinsecamente, da compreensão do sistema espacial que conecta espaço corporal, espaço da veste e espaço circundante. Nessa direção, destacam-se Saltzman (2004; 2008), que aborda o projeto da indumentária sob uma ótica transversal entre o design, a arte e a arquitetura, e Souza[2] (2008), que investiga os processos de construção da forma no design de moda. Suas pesquisas consideram a indumentária como primeiro habitat do corpo, enfatizando os conceitos de interioridade e exterioridade para explicar que a superfície têxtil, ao delimitar forma, volume e silhueta, transforma a anatomia corpórea e, simultaneamente, promove a interface com o espaço exterior circundante. Desse modo, institui-se um perímetro particular de sensações e percepções que intervém nas relações com os sucessivos entornos que o homem experimenta cotidianamente. Concordando com essas autoras e também com Souza e Silva (2018, p.119), que assumem a mesma postura holística nos seus estudos dirigidos ao âmbito educacional, a forma/configuração do vestuário de moda deve ser pensada e construída de modo integrado, aglutinando a experimentação da matéria - superfície, cor, textura, volume, espaço - e a investigação de um enunciado expressivo em função do corpo e do contexto.

Para tanto, Sanches (2017) constata, por intermédio de investigação-ação com estudantes de design de moda, três tipos de conhecimentos indispensáveis a esse processo de construção da forma: a) recursos materiais, principalmente a matéria têxtil, que geralmente já traz consigo cor, textura e possibilidades estruturais; b) recursos construtivos, dados pela modelagem e pela tecnologia da confecção, que permitem a transformação da superfície têxtil em uma composição volumétrica vinculada ao corpo (silhueta); c) fundamentos sintáticos, que embasam o planejamento da articulação dos elementos configurativos (cor, textura, estruturas etc.) e a organização do enunciado formal estético.

A título de esclarecimento, considera-se que, em qualquer artefato, a articulação ordenada dos elementos compositivos (cores, formatos, texturas etc.) expressa informação não verbal, que pode ser reconhecida como um sistema de signos. Assim, haveria um raciocínio de sintaxe para relacionar tais elementos e dar forma ao conteúdo expressivo do artefato. Isto posto, definem-se fundamentos sintáticos como o repertório de bases teóricas que orientam a composição visual. Nesse sentido, Dondis (1997) confirma que é possível definir linhas gerais para a criação de enunciados visuais. Segundo a autora, existem elementos básicos para articular um raciocínio de sintaxe visual, que podem ser aprendidos em conjunto com técnicas manipulativas, para a criação de mensagens visuais.

Portanto, o conhecimento e a aplicação dos fundamentos sintáticos são essenciais à educação em design de moda, haja vista que os recursos materiais e construtivos dependem da agregação do raciocínio de sintaxe, para que a matéria transformada seja dotada de intencionalidade expressiva.

2.2 Fundamentos Sintáticos: o cerne da questão

A configuração do vestuário de moda pode ser projetada como narrativa visual, constituindo um sistema de signos reconhecíveis para o seu usuário. Há uma relação íntima entre significado e estrutura compositiva, entre semântica e sintaxe. Arnheim (2016) marca esse vínculo, enfatizando que todo acontecimento visual é composto por uma forma com conteúdo e que há uma conexão inseparável entre a organização dos elementos visuais e a interpretação da informação (conteúdo).

Planejar a sintaxe da forma implica um reconhecimento dos modos de comunicação do contexto do usuário e a elaboração de um enunciado que se integre ao fluxo de códigos vigentes em tal contexto, possibilitando experiências significativas. Esse processo, conforme Niemeyer (2003), inclui dois componentes ativos: o gerador do enunciado (designer/empresa) e o interpretador (usuários e sujeitos que não são usuários finais, mas estão implicados no trajeto do enunciado, na comercialização e difusão). Nessa via, o designer absorve grande parte da responsabilidade sobre a escolha das estratégias comunicacionais do projeto, decidindo como organizar a estrutura formal/compositiva do objeto (SOUZA e SILVA, 2018). Essa incumbência reforça o protagonismo dos conhecimentos relativos à sintaxe visual como arcabouço para a configuração de produtos.

Ainda que o objetivo não seja detalhar os conteúdos dos fundamentos da sintaxe visual, é essencial realçar alguns de seus princípios. Independentemente da diversidade de nomenclaturas e classificações verificadas na literatura que aborda este tema, há uma sintonia entre vários autores (LUPTON E PHILLIPS, 2008; LEBORG, 2006; WONG, 2010; DONDIS, 1997), sobre a identificação de unidades básicas que, coordenadas, compõem a forma (bi e tridimensional): ponto, linha, plano (associado à superfície) e volume (associado à dimensão). Outros elementos primordiais são cor e textura, que aparecem vinculados à superfície. Também é consenso que a composição necessita de eixos estruturantes, para ordenar as relações das unidades no espaço.

A interação dessas unidades básicas, no espaço compositivo, constitui o objeto comunicativo, no entanto, essas associações estão sujeitas ao funcionamento da percepção humana. Para decifrar as forças atuantes no processo perceptivo, os estudos da Gestalt, escola do campo da psicologia experimental, ajudaram a entender como os elementos da forma podem se agregar ou se opor visualmente, definindo relações de harmonia, contraste e tensão visual no conjunto expressivo.

Gomes (2003) resume os princípios da Gestalt, assinalando as forças internas de organização que estruturam a percepção visual: a) unificação e segregação – atuam conforme o contraste (igualdade ou desigualdade) do estímulo visual, favorecendo a capacidade perceptiva de separar, identificar ou evidenciar unidades formais em uma composição ou em partes dela; b) fechamento e continuidade – a percepção busca uma ordem espacial que pende à instauração de unidades em todos fechados. O cérebro produz linhas imaginárias para completar a impressão de uma estrutura lógica interrompida, procurando uma sequência de estímulos em continuidade; c) proximidade e semelhança - elementos próximos costumam ser percebidos em grupos. Igualmente, unidades formais semelhantes tendem a se vincular visualmente e formarem conjuntos.

Embora tais princípios não sejam absolutos e a tridimensionalidade dinâmica do vestuário ofereça múltiplos pontos de vista, entender essas forças ajuda a educação do olhar em relação à pregnância da composição. Sobre esse conceito, Arnheim (2016) explica que, em primeira instância, o ser humano percebe um esquema organizativo global, o conjunto geral de relações que determinam o equilíbrio e as zonas de atração máxima. Isso significa que quanto melhor for a organização visual da forma do objeto, em termos de facilidade de compreensão e rapidez de leitura ou interpretação, maior será o seu grau de pregnância.

Ao compreender as forças que colaboram para essa coesão entre as unidades compositivas, é possível analisar e decidir acerca da ordem de importância de cada elemento no enunciado visual, criando oposições (segregação/contrastes) e agregações (continuidades), para atribuir destaque e dirigir o olhar a uma área da composição. Em uma vestimenta, seria possível manipular contrastes de cor e concentrações de texturas, por exemplo, para enfatizar certas áreas na superfície da silhueta e promover uma hierarquia para a percepção da informação visual.

No contexto da disciplina de Metodologia Visual, as primeiras iniciativas de construção do conhecimento se concentram em aguçar o olhar para o cerne da sintaxe visual, que consiste em criar elos de coesão entre as unidades de forma e definir a ênfase da percepção. Nesse rumo, as estratégias utilizadas em classe visam estimular a exploração das possibilidades combinatórias entre elementos formais/visuais e promover a assimilação das correlações entre superfície (plano), volume e espaço, a partir das descobertas proporcionadas pela análise de enunciados visuais do entorno e pela experimentação expressiva.

2.3 A Sintaxe da Forma em Classe: compondo enunciados visuais

2.3.1 Princípios Facilitadores

Como mencionado anteriormente, a forma do vestuário de moda porta um enunciado não verbal, que se integra às manifestações visuais do corpo que o veste e do contexto em que se insere, gerando processos expressivos, sensoriais e de significação. Por essa razão, um dos objetivos essenciais da formação em design de moda é capacitar o estudante para conjugar os enunciados da forma. Contudo, a construção de um conhecimento efetivo nessa área não depende apenas de conhecer os conceitos referentes à composição visual, mas de investigar os códigos não verbais do entorno e, principalmente, provar possibilidades expressivas diversificadas.

A relevância da experimentação no processo criativo foi destacada por Ostrower (1999) há muito tempo. A autora afirma que “o pensar só se tornará imaginativo por meio da concretização de uma materialidade, do contrário, não passaria de divagação descompromissada, ‘sem rumo e sem finalidade” (OSTROWER, 1999, p.32). Segundo a autora, a experimentação é imprescindível para evoluir a ordenação da forma.

No espaço acadêmico do design de moda, a facilidade de manipulação das técnicas produtivas básicas permite a realização de modelos e protótipos pelo próprio estudante. Isso converte os experimentos tangíveis em poderosas ferramentas criativas, conferindo mobilidade entre as fases de gerar e consolidar ideias no decorrer de um projeto. A esse respeito, Souza (2008) salienta que, na vivência concreta,

o ato projetivo se reveste da dimensão perceptiva, estimulando processos associativos e o exercício visual reflexivo, capaz de flagrar novos ângulos formais e possibilidades de apropriação e uso do espaço; de vislumbrar transformações morfológicas geradas pela interação entre os movimentos do corpo e do têxtil; de sugerir formas a partir de formas. (SOUZA, 2008, p. 344)

Posto que a configuração de um artefato vestível é percebida por meio dos sentidos visual e tátil, as experimentações colaboram para que cada unidade compositiva seja assimilada como elemento incorporador de propriedades formais, funcionais e informacionais simultaneamente. Para isso, é vital fomentar estratégias que desenvolvam um olhar holístico e exercitem a percepção integrada dos preceitos que relacionam as unidades de forma, tornando visível a intenção expressiva.

Em um estudo anterior, foi sintetizada uma trajetória de ações que pode efetivar-se através de distintas estratégias didáticas e facilitar o amadurecimento da competência expressiva e a construção da capacidade de síntese visual para auxiliar o processo de design de moda. Dessa síntese, sobressaem quatro ações básicas para o enfoque desta explanação: conhecer; decodificar (reconhecer e decompor); sintetizar (relacionar e compor); transpor. Depois do primeiro contato com os fundamentos da composição visual (conhecer), a combinação dessas ações auxilia o estudante a observar o entorno, distinguindo os elementos que compõem os enunciados visuais e percebendo as estruturas de sintaxe que os relacionam. Ao entender essas relações, ele poderá sintetizar padrões de representação visual para conteúdos expressivos e utilizar essas sínteses para gerar possibilidades compositivas. A geração, por sua vez, realimenta a percepção e amplia o conhecimento, o que ajudará o aluno a transpor os códigos extraídos do contexto sociocultural para a configuração de produtos (SANCHES; MARTINS, 2015).

Ponderando que a forma é desvendada no transcurso do processo de design, é notório que, durante o trajeto descrito anteriormente, o estudante experimentará ciclos que incluem a estimulação sensorial, a percepção de relações visuais/formais (decompor) e a recombinação dos elementos identificados em novas possibilidades até, finalmente, definir um suporte visual (forma) para o conteúdo expressivo da forma (compor/transpor).

Por conseguinte, infere-se que a evolução da habilidade compositiva em classe está sujeita à integração de quatro dimensões de ação (Figura 1): a) conhecer os fundamentos sintáticos que regem as narrativas visuais; b) observar e reconhecer as representações de tais elementos no entorno; c) registrar as percepções, analisando as estruturas compositivas (decompor); d) experimentar meios expressivos (compor) para consolidar os conceitos na estrutura cognitiva. Com base nessa linha de pensamento, a atividade proposta ofereceu meios que permeavam as quatro dimensões, com o intuito de promover a reflexão sobre a prática expressiva.


Figura 1
Ações para o desenvolvimento da habilidade compositiva
elaborado pelas autoras

Os ciclos supracitados, quando apoiados pela vivência da materialidade em manipulações compositivas, amparam a percepção de estímulos simultâneos e oferecem a possibilidade de rearranjos do pensamento, auxiliando a visão panorâmica e os processos associativos, características essenciais da abordagem projetual sistêmica. Este é um ponto crucial neste estudo, haja vista que o enfoque sistêmico é o mote para o ensino de projeto no ambiente pedagógico em questão.

Cabe ressaltar que, investigando o mesmo ambiente acadêmico, Sanches (2017) levantou, por meio de análises documentais e observação participante em investigação-ação, três focos de ação que interagem na prática sistêmica do projeto em classe: a) delimitar - explorar o contexto, identificando relações e diretrizes; b) gerar - experimentar combinatórias das diretrizes e multiplicar as possibilidades; c) avaliar/consolidar - selecionar e canalizar as possibilidades para uma proposta factível. A partir dessa diretriz, a autora relaciona os focos com as categorias de pensamento implicadas no ato projetual, apontadas por Lawson (2011) e Khaidzir e Lawson (2013). Embora a representação esquemática não transmita o dinamismo das interações, neste caso, a organização em colunas facilita a apreensão da estrutura geral das relações conceituais. Porém, apesar da aparente lógica de etapas, as linhas pontilhadas e setas de duplo sentido se prestam a reforçar que os processos mentais e as ações projetuais se atrelam de modo transversal e, muitas vezes, simultâneo, definindo ciclos recorrentes de análise, síntese e avaliação (Figura 2).


Figura 2
Focos das ações projetuais

habilidades correspondentes e as vantagens da pesquisa visual/formal

elaborado pelas autoras, adaptado de Sanches, 2017

Assim, as estratégias metodológicas para gerir o processo necessitam de flexibilidade e serão planejadas de acordo com o foco projetual, visando estimular as habilidades correspondentes. Desse modo, a ação pedagógica proposta enfatizou a manipulação visual experimental como estratégia de estimulação das capacidades de representar e movimentar-se, mediante práticas combinadas de compor e decompor.

Como base para o seu planejamento, considerou-se outro estudo das presentes autoras, o qual comprovou a eficácia pedagógica das estratégias gráfico-visuais para a organização cognitiva, a percepção das relações simultâneas, a convergência de informações sobrepostas e a comunicação em grupo, questões fundamentais para a educação projetual holística. Na sala de aula, o emprego do pensamento visual facilita o registro e a associação de conceitos, permite a percepção de linhas paralelas de pensamento e favorece as ações colaborativas, propiciando a receptividade para novas abordagens e a construção significativa do conhecimento (SANCHES; SILVA, 2018).

Acerca do pensamento visual, Roam (2010) assinala que todo ser humano pode aproveitar três fatores inatos: o olho, que capta o estímulo; o olho da mente, que articula a percepção e interpretação do estímulo; a coordenação entre olho e mão, que ajuda a expressar/refinar/comunicar a resposta ao estímulo. Pallasmaa (2015) aprofunda o raciocínio e exalta o valor do fazer manual para a evolução do olhar e como instrumento do pensar, elucidando que a mão capta a qualidade física do pensamento e a converte em imagem concreta. O autor defende a importância da manipulação material e o sentido tátil na formação de arquitetos e designers, explicando que à medida que o conhecimento sensorial avança, a forma experimental revela caminhos de planejamento para o espaço que não eram previsíveis a priori.

Em termos pedagógicos, a associação dos sentidos visual e tátil facilita a expressão das abstrações e amplia a percepção da situação em estudo, ajudando a estabelecer uma ponte cognitiva entre o saber que o estudante já domina e a inserção de um novo saber. Sobre essa plataforma, é pertinente afirmar que, como recurso didático, oferece uma vivência múltipla e aberta à atitude investigativa, propícia para identificar e registrar conexões de ideias, acolhendo percepções autônomas e criando um ambiente favorável para refletir e apropriar-se de novos conhecimentos.

2.3.2 Posicionamento Pedagógico do Contexto

Pelo exposto, cabe ao ambiente educacional definir estratégias que beneficiem a construção transversal da habilidade expressiva, empregando a síntese compositiva como meio facilitador do pensamento de design. Nesse rumo, o posicionamento do entorno pedagógico é essencial, já que deve respaldar a descoberta e a proatividade na construção do conhecimento projetual, instalando ações educacionais transformadoras.

Entretanto, o potencial transformador de uma ação educacional depende da predisposição do aluno para o aprendizado. Para suscitar esse envolvimento ativo do estudante nos processos de aprendizagem, no âmbito estudado, o ensino de projeto orienta-se pela diretriz da Aprendizagem Significativa. Proposta por David Ausubel, essa vertente destaca o papel ativo do aprendiz e o enfoque na cognição individual, estudando os processos mentais envolvidos na capacidade de armazenar, transformar e aplicar o conhecimento. A base da Aprendizagem Significativa é relacionar o objeto de estudo aos conhecimentos já estabelecidos na estrutura cognitiva do aluno, mobilizando os recursos preexistentes como pontes cognitivas para inserir novos conceitos (AUSUBEL, 2003).

Desse modo, para elaborar estratégias pedagógicas significativas e mobilizadoras, os procedimentos de ensino aqui examinados foram fundamentados no constructo da aprendizagem autorregulada que dá ênfase aos processos cognitivos, metacognitivos e aos fatores emocionais e motivacionais envolvidos no contexto do ensino/aprendizagem. Conforme Silva e Alliprandini (2018), o processo projetual envolve os níveis cognitivos e metacognitivos, exigindo contextos específicos de aprendizagem e revelando a importância da autorregulação no ensino de design.

A título de esclarecimento, resgata-se Whitebread et al. (2009), destacando que a aprendizagem autorregulada, envolve três níveis principais: a) conhecimento metacognitivo, referente ao grau de consciência do indivíduo sobre o próprio processo cognitivo[3]; b) regulação metacognitiva, que envolve monitorar, planejar, controlar e avaliar o processo, para realizar atividades de uma forma mais estruturada; c) regulação emocional e motivacional, referente ao monitoramento e ao controle de experiências emocionais e motivacionais sobre as atividades a serem realizadas.

Em sala de aula, esses níveis implicam o emprego de estratégias que abarcam processos cognitivos e metacoginitivos. Podem ser entendidas como estratégias cognitivas as ações utilizadas para potencializar o processo cognitivo; já as estratégias metacognitivas englobam condutas aplicadas com o objetivo de monitorar e avaliar o processo cognitivo e seu progresso (FLAVELL, 1987; JOU; SPERB, 2006). Assim, a aprendizagem autorregulada pressupõe um estudante participativo e motivado, demandando métodos ativos de ensino, nos quais a colaboração, a postura investigativa e a experiência vivida são instrumentos primordiais para o processo de ensino/aprendizagem.

No âmbito educacional do design de moda, Souza e Silva (2018) comprovaram que a experimentação concreta, como meio de investigação criativa, promove o conhecimento tátil e perceptivo referente ao comportamento do suporte (matéria-prima) sobre o corpo; amplia a habilidade de manipular a superfície; proporciona feedback contínuo ao longo do estudo das soluções.

Para o ensino dos princípios da sintaxe visual, a experimentação pode ser definida como um instrumento condutor que favorece a percepção, a construção e a desconstrução da forma, por meio da investigação de diferentes possibilidades compositivas. Sobre o corpo, a experiência se torna mais assertiva, no que se refere à intencionalidade compositiva da forma ao projetar, visto que promove o entendimento das interferências mútuas entre os espaços do corpo e da veste. Experimentar possibilita a tomada de consciência por parte do educando, ao longo de uma formação contínua que favorece o aprender a aprender. Isso exige que o estudante mobilize conceitos, procedimentos e comportamentos de modo intencional, no transcorrer de todo o processo de aprendizagem, com intuito de facilitar a aquisição, a retenção e o resgate do conhecimento quando necessário.

3. ABORDAGEM METODOLÓGICA

O presente estudo foi inserido em um contexto que visa à construção transversal da competência expressiva. Para isso, o curso conta com unidades curriculares que tratam dos fundamentos da sintaxe visual e da experimentação da linguagem não verbal nas práticas projetuais interdisciplinares: Metodologia Visual, Composição e Laboratório de Expressão. As atividades acadêmicas examinadas neste artigo se concentraram na disciplina de Metodologia Visual, ministrada no primeiro ano do curso e responsável pela construção das bases para o estudo dos valores comunicacionais dos produtos e/ou sistemas de moda. Para introduzir os conhecimentos relativos à elaboração de enunciados visuais e à intencionalidade compositiva da forma, ao longo do primeiro semestre da disciplina, foi proposta uma ação pedagógica voltada à manipulação experimental dos elementos básicos da comunicação visual.

A ação pedagógica associava o fazer manual ao pensamento visual e foi viabilizada sob a seguinte organização de procedimentos: a) manipulação experimental das inter-relações entre formas básicas, para o desenvolvimento de uma superfície; b) construção de um objeto vestível para a parte superior do corpo, a partir da superfície gerada; c) decodificação dos elementos constitutivos de enunciados visuais no âmbito da moda, por meio de imagens fotográficas; d) análise compositiva de produtos de vestuário; e) ciclo de retroalimentação por meio da ação reflexiva e autoavaliação, favorecendo a aquisição e a retenção da informação.

Como registro de processo individual e estratégia metagognitiva, foi empregado o Diário de Aprendizagem, também chamado de Diário de Bordo. Segundo Fabriz et al. (2013), o uso do diário é benéfico tanto para o estudante, por promover o automonitoramento, como para o docente, que pode obter informações sobre o desenvolvimento individual do aluno ao longo do processo de ensino aprendizagem. Esse instrumento possibilita a vivência de um processo reflexivo sobre a própria aprendizagem, além de produzir feedbacks para o professor, impactando continuamente na atuação de todos os atores envolvidos no processo educacional.

Os registros produzidos pelos alunos forneceram dados para uma apreciação exploratória e a produção de inferências acerca dos efeitos da ação combinada. O tratamento e a análise das informações dos diários foram realizados por meio da análise de conteúdo, sendo identificados categorias e temas descritores para classificação e interpretação dos dados com base no referencial teórico. As fases de análise compreendem: 1) análise prévia do material; 2) seleção das unidades de significados; 3) categorização e subcategorização com interpretação inferencial.

Com o apoio do diário, foi possível observar os efeitos da ação pedagógica. Nele os estudantes apontaram facilidades, desafios e dificuldades no decorrer do processo. A análise de conteúdo dos apontamentos permitiu classificar evidências sobre: a aprendizagem ao manipular as formas de modo não convencional; a capacidade de se distanciar da primeira ideia; a síntese e a transposição do conceito na configuração da sintaxe da forma; o projeto da forma por meio da experimentação; a aprendizagem colaborativa e a troca de conhecimento com os pares.

Para o acompanhamento dessas constatações, o próximo tópico detalha os procedimentos em classe, inserindo uma síntese das análises relativas aos seus efeitos pedagógicos e destacando excertos dos Diários de Aprendizagem dos estudantes, identificados com letras do alfabeto.

4. ESTRATÉGIAS PREDAGÓGICAS: experimentando enunciados visuais

A atividade teve como objetivo explorar os diversos efeitos espaciais obtidos por intermédio da inter-relação de formas básicas – quadrado, círculo e triangulo – no desenvolvimento de uma superfície, posteriormente aplicada na construção de um objeto para a parte superior do corpo. Foram definidos os seguintes limitantes: estabelecer um conceito gerador[4] e uma referência visual para guiar a sintaxe da forma no produto final; desenvolver mecanismos que possibilitassem o vestir e o desvestir, não sendo permitida a aplicação de aviamentos. Em relação à matéria-prima, foram permitidos o uso de papel, EVA e feltro.

Para a realização da atividade foi preciso que os discentes desempenhassem o papel ativo de produtor do saber, agindo sobre os saberes abordados no decurso do primeiro semestre da disciplina; são eles: mecanismo perceptivo (input e output visual); elementos visuais; estruturas abstratas e estruturas concretas; inter-relação das formas.

O processo exigiu que os alunos manipulassem os elementos visuais sobre o corpo e fora dele (Figura 3). Isto, segundo os dados obtidos, foi um dos grandes desafios, mas favoreceu a conexão de variáveis relacionadas à organização das forças compositivas em função dos elementos visuais e o raciocínio espacial, ampliando o repertório dos estudantes quanto às possibilidades compositivas.

Nunca imaginei que do quadrado mais o triângulo seria possível criar tantas opções. Essa atividade me fez ver muito mais além do que eu sabia. Também me mostrou que não posso ficar na primeira ideia porque ela é só para aquecer a mente (Estudante A).

Adorei! No começo foi difícil sair do desenho, mas quando comecei a cortar, colar e mexer bastante, percebi que eu seria capaz de montar várias superfícies e produtos. Sei que o que eu aprendi vou usar no futuro (Estudante B).

Amei a proposta do trabalho. É incrível ver a infinidade de coisas que podemos criar com as formas básicas. Também é uma ótima maneira de exercitar a criatividade. Depositei todas as minhas energias nesse trabalho e fiquei muito feliz com tudo que eu aprendi (Estudante C).

Essa estratégia buscou potencializar os processos cognitivos, pela via da investigação autônoma e da geração de novas percepções sobre os conceitos aplicados. Em termos pedagógicos, a experiência constitui uma ponte para as conexões significativas entre os novos conhecimentos e os já existentes na estrutura cognitiva do aluno, favorecendo a retenção e o resgate da informação.


Figura 3
Processo

rocesso, manipulação dos elementos visuais através da experimentação. Fonte: elaborado pelas autoras.

elaborado pelas autoras.

Elaborar e organizar os conhecimentos, mediante a ação consciente, só foi possível em virtude da experimentação, que permitiu verificar as diferentes potencialidades organizacionais e de interação entre os elementos visuais na construção da superfície com o corpo, além da viabilização técnica produtiva e sua influência sobre a materialização das soluções propostas (Figura 4).


Figura 4
Exemplos de Materialização da alternativa selecionada

Exemplos de Materialização da alternativa selecionada, soluções propostas pelos estudantes Camila Paiva (conceito: metamorfose), Gabriel Cordeiro (conceito: camadas de absorção de estímulos) e Letícia Rodrigues (conceito: fragilidade).

elaborado pelas autoras.

Eu nunca havia feito algo assim. Foi muito legal gerar alternativas desse jeito. Tocar nas formas e ver a interação com o corpo me ajudou a superar as dificuldades de imaginar novas possibilidades. A gente fica só imaginando e imaginando, daí quando vai para o mundo real tudo dá errado e fazemos sempre igual a todo mundo. Dessa vez foi diferente! (Estudante D).

A primeira ação foi concluída com uma exposição final dos projetos para todos os membros do grupo, a fim de contribuir para o desenvolvimento da aprendizagem colaborativa. Oportunizar a troca entre os estudantes de diferentes níveis de autorregulação implica o uso de diversas estratégias de aprendizagem e comportamentos, favorecendo a regulação metacognitiva socialmente compartilhada, considerada o modo mais profundo de regulação social, extremamente importante para a promoção do aprendizado colaborativo (DE BACKER; VAN KEER; VALCKE, 2015; SANTOS et al, 2019).

Eu gostei bastante! Tive que pensar muito, até doeu, mas quando eu vi o meu resultado e os da turma, deu para perceber todas as coisas que podemos fazer com a mesma forma. Muitos, além de mim, usaram o triangulo e nenhum produto ou superfície ficou igual ao do outro! (Estudante E).

Como foi legal ouvir a explicação dos colegas e ver o produto de cada um. Ficou nítido no produto o que inspirou, ou como a professora chama: a referência estética. No início foi difícil, não achei que íamos conseguir. Agora vejo que além de conseguirmos fazer, ainda colocamos um pouco da gente nos produtos. Cada um ficou diferente do outro, mesmo usando as mesmas formas básicas (Estudante F).

Os registros dos Diários de Aprendizagem apontaram que o compartilhamento das trajetórias projetuais derivaram reflexões de autocrítica e acerca da coerência entre a intenção expressiva e o resultado alcançado.

Sobre a mesma plataforma de autorregulação, imediatamente após a finalização da primeira , foi proposta uma nova atividade, dirigida à decodificação dos elementos constitutivos de enunciados visuais no âmbito da moda. Essa etapa envolveu o mapeamento da aplicação de: elementos visuais; princípios visuais (unificação, continuidade, fechamento, entre outros); técnicas visuais.

Igualmente, em prol da aprendizagem colaborativa, o exercício se deu por meio de uma exposição dialogada entre os estudantes, mediada pela docente. Foram apresentadas para discussão imagens de diferentes objetos do vestuário. De início, foi solicitado que os discentes indicassem os elementos e os princípios da sintaxe visual presentes em cada produto. Na sequência, foi proposta uma discussão voltada para os procedimentos relacionais envolvidos na configuração dos objetos, ou seja, como as unidades visuais foram organizadas intencionalmente para expressar uma informação e gerar impacto visual, a partir da percepção de princípios de pregnância e hierarquia visual.

Concluído o estudo das imagens, foram analisados produtos de vestuário presentes no cotidiano dos estudantes. O grupo de alunos foi dividido em trios e cada equipe ficou responsável por avaliar um produto do vestuário utilizado por um dos membros do grupo.

Ao contrário da primeira atividade, na qual os alunos construíram a composição visual, nessa ação os estudantes fizeram o caminho inverso, realizando a decomposição de um enunciado visual já constituído. Essa sequência de raciocínios propiciou a ação-reflexiva e permitiu aos estudantes estabelecer diferentes ligações conceituais entre os conteúdos abordados pela disciplina. A assimilação ampliada dos conceitos retroalimentou as análises a respeito dos produtos gerados na primeira atividade, fechando a ação pedagógica com uma autoavaliação.

Decompor ajudou muito na parte de entender como compor a linguagem. Discutir isso com os colegas deixou mais fácil identificar os elementos visuais e os princípios da Gestalt, tudo que um produto de moda deve ter esteticamente e como isso interfere na modelagem (Estudante G)

É difícil transmitir o conceito que a gente quer. Na cabeça está tudo certo, mas na hora de passar para a roupa tudo trava. A atividade me ajudou a perceber os elementos visuais e como aplicá-los para realmente transmitir o conceito, principalmente depois de ter feito o trabalho das formas (Estudante H).

Ambas as atividades abordaram os mesmos conteúdos programáticos. Contudo, cada procedimento possibilitou distintos meios para tratar as informações e estabelecer ligações significativas entre os conhecimentos. Para gerenciar as informações, os alunos precisaram acionar diferentes processos cognitivos no percurso completo da atividade. Para tanto, foi crucial o uso de estratégias cognitivas e metacognitivas, como realizar pesquisas em diferentes suportes ou verificar e registrar facilidades e dificuldades na rotina do processo de ensino/ aprendizagem.

Como o ato projetivo envolve características cognitivas e metacognitivas, para o ensino do Design de Moda a aprendizagem mediada pelo constructo da autorregulação favorece o aprender a aprender, em um processo educativo no qual o estudante é estimulado a assumir um papel autônomo, ativo e de protagonista. O uso consciente das estratégias autorregulatórias possibilita o desenvolvimento de habilidades fundamentais para o processo projetual - como a prática reflexiva, a habilidade de gestão e a tomada de decisão - mediante o controle consciente dos recursos internos (cognição) e contextuais (ambiente).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ponderando a importância do vestuário de moda como agente na interação entre indivíduo e contexto sociocultural e, por conseguinte, a necessidade de formar designers capazes de articular as dimensões tangíveis e intangíveis na configuração dessa interface, é imperativo consolidar fundamentos que facilitem a competência para integrar elementos construtivos e conteúdos expressivos na sintaxe da forma.

Como já mencionado, a integração coerente dessas dimensões está intimamente ligada ao entendimento das múltiplas relações que a forma estabelece com o usuário e seu entorno. Por isso, a experimentação de possibilidades compositivas sobre o espaço corpóreo facilita a sintaxe do enunciado não verbal, uma vez que integra a narrativa visual à sua materialidade e amplia o entendimento da conexão espacial entre corpo, veste e entorno.

O uso da manipulação compositiva experimental demonstrou, de acordo com as evidencias observadas em campo, os efeitos positivos da vivência da materialidade da forma. Por outra parte, o exercício de decomposição dos enunciados não verbais, em imagens e objetos de moda, facilitou a compreensão da ordenação sintática da forma e a retroalimentação das análises dos resultados da manipulação anterior, favorecendo um olhar reflexivo sobre os novos conceitos assimilados. Logo, é pertinente afirmar que o conhecimento construído cumpriu o seu propósito de aprimorar o pensamento de configuração e iniciar a preparação do estudante para transpor conteúdos expressivos em uma solução projetual.

Ao proporcionar um ambiente colaborativo e integrar os raciocínios de compor e decompor, a sala de aula se tornou estimulante para as habilidades de “representar”, exteriorizando ideias e “movimentar-se”, deslocando o pensamento e conectando ideias (SANCHES, 2017; LAWSON, 2011). Essa interação ofereceu um meio em que as percepções se conectam e se renovam e o processo de geração compositiva continua e se refina, impulsionando uma percepção integrada da forma como elemento material, sensorial e informacional.

Considerando os registros dos Diários de Aprendizagem e as percepções compartilhados em classe, é possível inferir que as ações apresentadas foram efetivas como recurso didático e mobilizaram os conhecimentos trabalhados no contexto educativo da disciplina de Metodologia Visual em prol da promoção do pensamento estratégico e projetual do estudante. Do mesmo modo, confirmou-se a importância de gerar oportunidades de uma aprendizagem mais autônoma e reflexiva para os saberes envolvidos na articulação compositiva da forma e, consequentemente, estabelecer uma atitude crítica e integradora para o amadurecimento do pensamento projetual em design de moda.

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Notas

[1] No universo acadêmico estudado, o termo “design de moda” denomina o campo projetual de artefatos vestíveis dotados de conteúdos de moda. Por esta razão, à semelhança de muitas referências na literatura especializada, adota-se a mesma nomenclatura e, igualmente, o foco do estudo recai sobre o vestuário de moda.
[2] Souza (2008) defende que a experimentação material contribui fortemente para percepção e integração dos elementos técnicos, estéticos e ergonômicos na configuração do vestuário. Pomeio de suas pesquisas de mestrado, doutorado e pós-doutorado, a autora contribuiu efetivamente para a aplicação da modelagem tridimensional como ferramenta de pesquisa criativa no campo da moda.
[3] Entre os processos cognitivos, encontram-se: percepção, aprendizagem, memória, raciocínio e resolução de problemas. São os recursos internos, empregados pelo indivíduo, ao receber e reelaborar a nova informação com o conhecimento existente.
[4] Para Lessa (2009), o conceito do artefato refere-se a uma síntese de seus traços e características que mais fundamentalmente o determinam, sua essência de atuação no cotidiano humano. Lawson (2011) o denomina como ideia central. Sanches (2017) adota o termo “conceito gerador” e explica que, no design de moda, são projetados vários produtos em concomitância, vinculados por uma mesma ideia central. Logo, o conceito pode derivar um conjunto de artefatos de essência compartilhada.


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