Resumo: Importa cada vez mais apresentar um roteiro de identificação e mapeamento de tendências de mentalidade e socioculturais e compreender como o mesmo contribui para o desenvolvimento de produtos e serviços no âmbito da análise e estratégia de tendências. O panorama presente dos Estudos de Tendências permite gerar um mapa teórico-conceptual basilar que serve como metodologia para organizar conjuntos de ideias e, consequentemente, práticas como meio de sistematização, construção e confirmação do ADN de uma tendência. Este artigo procura explorar as interseções existentes entre a análise da cultura como processo para a identificação de mentalidades existentes, mediante um roteiro que facilite o mapeamento de tendências e a apresentação de textos descritivos sólidos das tendências. Isto torna claros os principais processos que conduzem à prática de observação, sistematização e descrição da arquitetura e natureza de uma tendência sociocultural. Para além disto, sublinham-se as principais práticas na aplicação da investigação de tendências num mapa de potenciais produtos e serviços num âmbito estratégico que abordam este conhecimento. Assim, partindo de um grande objetivo de mapeamento do estado da arte dos Estudos de Tendências, este artigo pretende: primeiro, atualizar e rever o processo de observação, análise e identificação de tendências; segundo, mapear possíveis soluções que traduzem as tendências identificadas e os seus insights.
Palavras-chave:tendênciastendências,culturacultura,coolhuntingcoolhunting,estratégiaestratégia.
Abstract: It is increasingly important to present a map for the identification of mindsets and socio-cultural trends and to understand how it contributes to the development of products and services within the scope of trend analysis and strategy. The present state of Trend Studies enables a basic theoretical-conceptual map that serves as a methodology for organizing sets of ideas and, consequently, practices as a means of systematizing, constructing and confirming a trend DNA. This paper seeks to explore the intersections between the analysis of culture as a process for the identification of existing mindsets, through a script that facilitates trend mapping and the development of solid descriptive texts. This makes clear the main processes that lead to the practice of observing, systematizing and describing the architecture and nature of a socio-cultural trend. In addition to this, we highlight the main practices in the application of trend research to a scope of products and services in a strategic scope that address this knowledge. Thus, starting from a major objective of mapping the state of the art of Trend Studies, this article aims to: first, update and review the process of observation, analysis and identification of trends; second, map possible solutions that translate the identified trends and their insights.
Keywords: trends, culture, coolhunting, strategy.
Resumen: Es cada vez más importante presentar una hoja de ruta para la identificación y el mapeo de la mentalidad y las tendencias socioculturales y comprender cómo contribuye al desarrollo de productos y servicios dentro del alcance del análisis y la estrategia de tendencias. El panorama actual de los Estudios de Tendencias permite generar un mapa teórico-conceptual básico que sirve como metodología para organizar conjuntos de ideas y, en consecuencia, prácticas como medio para sistematizar, construir y confirmar el ADN de una tendencia. Este artículo busca explorar las intersecciones entre el análisis de la cultura como proceso de identificación de las mentalidades existentes, a través de un guión que facilite el mapeo de tendencias y la presentación de textos descriptivos sólidos de las tendencias. Esto deja en claro los principales procesos que conducen a la práctica de observar, sistematizar y describir la arquitectura y la naturaleza de una tendencia sociocultural. Además, se destacan las principales prácticas en la aplicación de la investigación de tendencias en un mapa de productos y servicios potenciales en un ámbito estratégico que abordan este conocimiento. Así, partiendo de un objetivo principal de mapear el estado del arte de los Estudios de Tendencias, este artículo tiene como objetivo: primero, actualizar y revisar el proceso de observación, análisis e identificación de tendencias; en segundo lugar, mapear posibles soluciones que traduzcan las tendencias identificadas y sus conocimientos.
Palabras clave: tendencias, cultura, coolhunting, estrategia.
Roteiros e modelos para a identificação de tendências socioculturais e a sua aplicação estratégica em produtos e serviços
Roadmaps and models to identify socio-cultural trends and their strategic application in products and services
Hojas de ruta y modelos para la identificación de tendencias socioculturales y su aplicación estratégica en productos y servicios
Os Estudos de Tendências têm sido alvo de uma crescente atenção tanto ao nível empírico do mercado como da academia. Surgem cada vez mais artigos e teses que procuram contextualizar este conjunto de conceitos, práticas e competências. Contudo, ainda é algo emergente e que requer uma constante revisão do quadro conceptual-metodológico e da sua própria relação com as áreas disciplinares, e transdisciplinares, mais instituídas.
Para tal, o nosso artigo contextualiza, primeiro, os Estudos de Tendências como uma abordagem - uma visão e um processo analítico sobre dinâmicas socioculturais - que pretende compreender mudanças nas mentalidades e grandes padrões de comportamento relacionados com representações, práticas e objetos. Neste sentido, com os contributos de Raymond Williams (1965), Stuart Hall (1997) e Paul du Gay et al. (1997/2013), propõe-se como uma articulação próxima dos Estudos de Tendências com os Estudos de Cultura, ou seja, que os primeiros sejam uma abordagem com objetivos específicos dentro do campo de inquérito plural dos segundos. A proximidade da natureza e dos objetivos de investigação facilita esta articulação que aqui sugerimos como privilegiada, solidificando a articulação e a integração dos Estudos de Tendências.
Cumprida esta associação, importa sublinhar os dois principais processos associados aos Estudos de Tendências, nomeadamente a análise de tendências - do processo de observação e recolha de dados até à sistematização e identificação/monitorização - e a aplicação dos resultados da análise no âmbito da estratégia de tendências. Para tal, considerou-se a literatura já existente, tendo em consideração autores como Henrik Vejlgaard (2008), Martin Raymond (2010), Devon Powers (2019), entre outros. Nelson Gomes, Suzana Cohen e Ana Marta Flores (2018) já executaram um exercício de sistematização da literatura sobre a identificação de tendências que agora se atualiza com novas referências e perspetivas – mas o exercício de atualização pontual por trás deste artigo, e que constrói em cima desta sistematização, é fundamental no contexto de emergência dos Estudos de Tendências. No âmbito específico da estratégia de tendências, destaque-se os contributos de autores como Els Dragt (2017, 2018), Kongsholm e Frederiksen (2018), Tessa Cramer, Patrick van der Duin e Christianne Heselmans (2016), e William Higham (2009), entre outros, que apresentam propostas em alguns casos disruptivas e em outras num espírito de grande sintonia e articulação. Assim, é sublinhada uma visão atualizada do processo de análise de tendências, articulando diferentes práticas sugeridas pela revisão literária mais atual, propondo um processo com base em contributos recentes.
Num segundo momento, pretende-se identificar processos de ativação do conhecimento com uma orientação estratégica que surgem da análise de tendências. Deste modo, com o enquadramento da abordagem, o processo analítico e a sua aplicação, este artigo possibilita uma breve contextualização e mapa transversal da abordagem dos Estudos de Tendências enquanto uma prática de análise e estratégia cultural.
A revisão dos conceitos de tendência e de cultura marca a articulação e a própria complexidade dos mesmos. O conceito operacional de cultura a considerar neste trabalho parte das considerações de Raymond Williams, Stuart Hall e Terry Eagleton e irá ajudar a informar e contextualizar o conceito de tendências a abordar.
No âmbito das três definições de cultura sugeridas por Raymond Williams, importa sublinhar a terceira, a social, a descrição de um modo de vida particular que diz respeito a valores e significados presentes nas instituições e nos comportamentos comuns (WILLIAMS, 1965, p. 57). Esta é uma abordagem que procura compreender as dinâmicas e os sistemas de significado do quotidiano que estão presentes nas várias práticas e representações comuns. Terry Eagleton sublinha que os sentidos mais artísticos e intelectuais podem envolver inovação, mas que a cultura como um modo de vida está mais relacionada com o hábito (EAGLETON, 2018, p. 2).
Stuart Hall também indica definições que sugerem uma cultura mais erudita (como a soma das grandes ideias presentes em obras de literatura, pintura, música e filosofia), mas sublinha novas concepções de cultura, incluindo o popular e massificado, que compõem o quotidiano da maioria dos indivíduos (HALL, 1997, p. 2). O autor também sugere que o conceito de cultura está associado a significados partilhados, e estes significados culturais organizam e regulam práticas sociais (HALL, 1997, p. 1-3). Partindo assim do conceito social de cultura de Raymond Williams (1965) e de cultura como um whole way of life, passamos para uma perspectiva de cultura como um conjunto de práticas significantes como Stuart Hall (1997) define. Ambas articulam-se no âmbito do contexto conceptual que as tendências socioculturais habitam. A ligação com o conceito de tendência surge aqui do trabalho de Williams quando este sugere que a análise cultural começa com a descoberta de padrões, sendo que estes muitas vezes revelam identidades inesperadas e ligações em atividades que não seriam normalmente consideradas, podendo revelar descontinuidades (WILLIAMS, 1965, p. 63). Esta reflexão é basilar nos Estudos de Tendências, pois liga os elementos mais comuns na definição do conceito de tendência, como uma direção e uma mudança socioculturais (POWERS, 2019, p.5; KONGSHOLM e FREDERIKSEN, 2018, p. 25; DRAGT, 2017, p. 14; VEJLGAARD, 2008, pp. 2, 15), com a análise cultural.
A questão da mudança está mesmo na base das várias definições de tendências, indicando uma alteração em valores e necessidades que é provocada por várias forças (DRAGT, 2017, p. 14). Esta tem lugar a diferentes níveis - de grandes movimentos demográficos e económicos a atitudes – e manifesta-se no quotidiano e nos padrões de consumo movidos por estilos de vida (KONGSHOLM e FREDERIKSEN, 2018, p. 25). Neste sentido, o analista procura padrões de mudança, ou seja, uma articulação de sinais/objetos de tendências que revelam mentalidades coletivas que habitam o campo do invisível.
William Higham acrescenta que as tendências nascem no âmbito de mudanças nos contextos políticos, económicos, socioculturais e tecnológicos como uma combinação de fatores e circunstâncias que não surgem apenas de um indivíduo ou de um interesse comercial (HIGHAM, 2009, p. 48). Para Henrik Vejlgaard, este processo de mudança pode ter também lugar devido ao desenvolvimento de novos produtos (e por sua vez resultar em novos produtos) (VEJLGAARD, 2008, p. 15). Seguindo o pensamento de Dragt, o estudo das mudanças não só sugere alterações nas necessidades e desejos dos indivíduos, como se manifestam em estilos, linguagens, comportamentos, serviços e produtos específicos que podem ser encontrados inicialmente em determinados grupos promotores (DRAGT, 2017, p. 37). Isto começa com base em ideias ou num conjunto de objetos interrelacionados, tal como Raymond sugere, sendo que uma tendência pode assim ser vista como uma anomalia, uma diferença que revela uma direção para onde essa diferença viaja, bem como um meme, uma ideia que se propaga como um vírus (RAYMOND, 2010, pp. 13-15).
As tendências não devem ser confundidas com os seus sinais/objetos, ou seja, a materialização — seja um objeto físico, uma representação ou um comportamento específico — visível da tendência. Um padrão de comportamento ou de replicação de um objeto de tendência é indicador da proliferação da adesão a determinada prática, representação ou artefato. Estes padrões relacionados com objetos de tendências revelam as mentalidades por trás dos mesmos e esta ligação entre as mentalidades, os objetos e os padrões de comportamento associados compõem a tendência sociocultural. Numa definição pertinente, Guillaume Erner sugere mesmo que o termo tendência já não designa modas, mas estilos/modos de vida (ERNER, 2016, p. 17). Neste sentido, tal como vários autores indicam, as tendências não são ondas, ou seja, fenómenos específicos que crescem exponencialmente e rapidamente para desaparecem com o mesmo ritmo. Estas não possuem o impacto e a durabilidade de uma tendência sociocultural, podendo resultar num objeto/inovação específico (HIGHAM, 2009, pp. 103-104; DRAGT, 2017, pp. 37-38; MASON et al., 2015, p. 55).
Kongsholm e Frederiksen indicam cinco grandes tipos de tendências, a saber: societais (grandes visões históricas e clássicas sobre recursos, estruturas de poder, tecnologia e produção ao longo de vários séculos); paradigmas (conceitos fundamentais que guiam os indivíduos em termos das suas visões sobre o mundo durante várias décadas); gigatendências (tendências com períodos entre os dez e trinta anos que mudam radicalmente o modo de vida); microtendências (tendências que afetam principalmente o mercado e que duram entre 6 meses e três anos) (KONGSHOLM e FREDERIKSEN, 2018, p. 67).
A nossa abordagem considera uma perspetiva mais próxima de William Higham (2009), conforme referido e articulado por Gomes, Cohen e Flores (2018), de uma categorização que dá maior atenção a tendências macro e micro. Neste sentido, as macro tendências devem ser entendidas como grandes estruturas, com uma natureza internacional (e manifestações específicas a nível local), que impactam a vida em sociedade no seu conjunto (o whole way of life) e os vários sectores de atividade. O autor sublinha especificamente que as macro tendências são as mudanças que englobam tudo e que influenciam um largo número de sectores, mercados e demografias (podendo ser o somatório de micro tendências) (HIGHAM, 2009, p. 88). No seguimento desta ideia, sugere que as micro tendências afetam um número relativamente pequeno de indivíduos, podendo ter um carácter regional ou nacional e que surgem associadas a um determinado sector ou comportamento (HIGHAM, 2009, p. 87). Reforçamos que podem ter um carácter mais circunscrito, nos vários níveis, mas parece-nos viável considerar as micro tendências no âmbito de sistemas e processos específicos dos fenómenos socioculturais: tendências de consumo; de estilo e gosto; político-institucionais; tecnológicas; económicas (GOMES, COHEN e FLORES, 2018, p. 60). Consideramos que estes sistemas possuem dinâmicas e naturezas próprias que não se confundem com macro tendências e que possuem um impacto menor do que estas últimas.
O posicionamento disciplinar dos Estudos de Tendências é um dos grandes desafios da abordagem que dificulta a sua consolidação internacional e a definição de objetivos e balizas claras ao nível de conceitos e métodos.
Desde as suas raízes na área da moda, e de alguma forma na economia, as práticas dos coolhunters na década de oitenta e de noventa marcaram o início do que seria uma prática empírica em desenvolvimento nas primeiras duas décadas do século XXI. A proliferação de profissionais, redes e consultoras no âmbito do estudo de tendências, com um foco inicial nas práticas de coolhunting durante este período, marca não só o avanço do interesse pela abordagem como uma maior penetração de mercado em termos de consultoria estratégica. O problema gerado é a falta de coesão e de discussão conceptual-metodológica que promove uma proliferação de métodos, de processos de análise e até de conceitos, fruto de uma parca articulação com a academia que só recentemente se começa a debruçar sobre este conjunto conceptual-metodológico. Como resultado, a fraca coesão dentro dos Estudos de Tendências dificulta a unidade dos especialistas envolvidos.
Muito embora o estudo de tendências esteja maioritariamente ligado à prática profissional — assim como alguns métodos fundamentados na aplicação em contextos de mercado e a sua disseminação na forma de cursos e formações profissionais — assinala-se (1) a relevância das mudanças contemporâneas como objeto de estudo e (2) a importância de um arcabouço teórico capaz de sustentar a prática profissional. Deste modo, ressalta-se a missão da academia de aprofundar-se na investigação dos fenómenos socioculturais e de prover formação especializada para a prática profissional e de investigação. Sendo assim, no contexto académico, desenvolvem-se pesquisas de contextualização e aprofundamento da análise cultural das sociedades complexas a partir da abordagem dos Estudos de Tendências. Desta forma, academicamente falamos em Estudos de Tendências (GOMES, 2016), profissionalmente, falamos em Pesquisa de Tendências (DRAGT, 2017, p. 23).
A nosso ver, os Estudos de Tendências não foram propriamente criados, mas surgem a partir do campo estratégico e criativo e acabam por incorporar métodos e práticas associados aos Estudos de Cultura, entre outros, justificando a sua natureza como uma abordagem (uma articulação metodológica e de conceitos) e não como uma disciplina. Assim, pelas temáticas em estudo e pelos métodos e conceitos que orientam a sua atuação, os Estudos de Tendências desenham-se como uma abordagem dos Estudos de Cultura, com pontos de contacto com diferentes disciplinas.
Seguimos aqui o entendimento de estudo da cultura de Paul du Gay e demais colegas (1997/2013) e de Hall (1997), que sublinham o carácter interdisciplinar da área. Os referidos autores ressaltam a importância de questões de representação e da forma como o mundo é socialmente constituído e representado, ou seja, as práticas significantes de representação, o que obriga a uma análise da geração textual de significados. Para Paul du Gay et al “a cultura está diretamente conectada ao papel dos significados na sociedade. É o que nos permite ‘conferir sentido’ aos objetos” (2013, p. 7, tradução nossa). Estabelece-se, assim, uma ponte entre a compreensão dos significados culturais de objetos e o referido processo de tradução de mentalidades dos Estudos de Tendências. Paul du Gay, Stuart Hall e demais colegas argumentam que objetos e acontecimentos não adquirem significado de forma isolada. Os significados culturais, portanto, constituem o “resultado de discursos sociais e práticas que constroem o mundo de forma significativa” (DU GAY et al., 2013, p. 8). Em outras palavras o significado é constituído a partir da maneira na qual um objeto é representado. Hall (1997, p. 2) estabelece ainda uma ligação entre a cultura e a produção de sentido, no intercâmbio de significados entre membros de uma sociedade.
Para a compreensão do significado cultural dos objetos, du Gay et al. (1997, 2013) e Hall (1997) propõem o que designam como Circuito da Cultura, para uma análise adequada e aprofundada de um objeto cultural. O circuito é composto de análises da representação, identidade, produção, consumo e regulação, que podem existir de forma não-linear e circular. Ademais, as práticas significantes — ou seja, o “significado que traduz um comportamento em uma prática cultural” (DU GAY et al., 2013, p. 12) — constituem um objeto de análise.
É possível articular os Estudos de Tendências com as definições dos Estudos de Cultura supramencionados, a partir da observação cultural e recolha de dados para a identificação de manifestações de tendências e sinais criativos (presentes no campo do visível), que serão agrupados em padrões. Para Edward T. Hall (1976) os padrões culturais, são muitas vezes considerados triviais e — por este motivo — passam despercebidos aos olhos de estudiosos. No entanto, estes padrões são também responsáveis por conferirem significados culturais aos objetos. Na perspetiva de Edward T. Hall (1976/1981, p. 15), existe um mundo submerso abaixo da superfície visível da cultura, que, quando compreendido, altera significativamente a compreensão da natureza humana.
Assim, a nossa proposta é de que os entendimentos de representação, produção de sentido e significados culturais, além das premissas do Circuito da Cultura (HALL, 1997; DU GAY et al., 1997/2013), colaboram para uma análise aprofundada destes objetos culturais e padrões, relevantes no estudo de tendências. Afinal, a compreensão do processo de produção de sentido é determinante para o mapeamento de mentalidades, assim como para a identificação e compreensão de tendências (presentes no campo do invisível), a partir da análise dos respetivos objetos associados.
Como Rech e Gomes indicam, pode-se afirmar que um tema ainda por explorar, em profundidade, nos Estudos de Tendências, relaciona-se com “a problemática dos quadros culturais dominantes e como as tendências refletem os mesmos, ou, se por oposição, as tendências refletem movimentos e ideias iconoclastas de mudanças” (RECH e GOMES, 2017, p. 24). Grant McCracken, no seu modelo sobre a transferência de significados no mundo cultural, sublinha que os significados culturais fluem entre diversos espaços do mundo social, sendo transferidos do mundo culturalmente constituído para o bem de consumo e o consumidor (MCCRACKEN, 1986, p. 71). Paul du Gay, Stuart Hall e restantes colegas (1997/2013, p. 8) reforçam ainda que os significados são formados a partir de práticas culturais. Para os autores, os significados são adquiridos a partir da forma como são representados. Essas representações - de quaisquer objetos existentes no mundo - manifestam-se por meio da linguagem, seja ela imagética, textual, discursiva - a partir do uso de signos e símbolos: um “sistema significante para representar objetos e transferir significados aos mesmos” (DU GAY et al., 2013, p. 7). O estudo de tendências pretende compreender este fluxo, a tradução das mentalidades (das estruturas mentais de ideias que habitam a mente coletiva) em objetos de consumo, em expressões, representações e práticas e nos padrões de comportamento que daqui surgem. Tal como Els Dragt indica, a pesquisa de tendências consiste primeiramente em encontrar manifestações de mudança no presente, no agora, envolver práticas de desk research (pesquisa de fontes secundárias) e pesquisa de campo (DRAGT, 2017: 14), pelo que há uma clara relação com as diferentes abordagens interpretativas/hermenêuticas e de observação de campo do estudo da cultura.
O contexto desta pesquisa parte, em proximidade, da articulação desenvolvida por Gomes, Cohen e Flores (2018), que problematizaram os processos de vários autores associados ao estudo de tendências. Este artigo representa uma importante oportunidade para rever e atualizar em profundidade o roteiro proposto por Gomes, Cohen e Flores em 2018, inclusive articulando novas publicações e trabalhos como os de Dragt (2018), de Kongsholm e Frederiksen (2018) e de Powers (2019) com referências já revistas e enunciadas no roteiro de 2018. Ou seja, integramos as perspetivas de autores/obras que não foram consideradas no dito trabalho de Gomes et al. (2018), o que permite o desenho de novas orientações ou uma nova visão sobre os diferentes procedimentos em cada processo, acrescentando a esta sistematização do estado da arte já executada. A nosso ver, numa área tão emergente como os Estudos de Tendências é imperativo o desenvolvimento de exercícios de atualização dos quadros conceptuais-metodológicos, de acordo com os desenvolvimentos mais recentes da área.
Assim, são abordados neste estudo perspectivas de analistas como (1) William Higham que na sua abordagem de Trend Marketing propõe um processo de Identificação, de Interpretação e de Implementação (HIGHAM, 2009, p. 49); (2) Martin Raymond (2010) que sugere, pela estrutura em como vai apresentando os seus capítulos e abordagens, um processo de observação e recolha de dados (através do que chama de Cultural Brailling e Análise Intercultural, passando pela questão da intuição, das redes hierárquicas, colaborativas e distributivas, e a triangulação cultural) (RAYMOND, 2010, pp. 32-145), de modo a chegar a uma sistematização que resulta no mapeamento/planeamento de cenários (RAYMOND, 2010, pp. 146-169) e finalmente à fase de insights, estratégia e inovação (que implica momentos de inspiração, tradução, imersão e desenvolvimento de produto) onde através do Funil da Tendência podemos descrever a tendência (RAYMOND, 2010, pp. 189-197), para além do Cartograma de Oportunidades (RAYMOND, 2010, p. 200) onde é possível desenhar resultados; (3) Els Dragt que apresenta três fases principais para o estudo de tendências que passam pela observação, pela análise e pela aplicação (DRAGT, 2017, p. 54); e (4) Kongsholm e Frederiksen que na sua obra indicam cinco passos para abordar as tendências: Enquadrar, Investigar, Analisar, Relacionar e Comunicação (KONGSHOLM e FREDERIKSEN, 2018, p. 264). Para Cramer, Duin e Heselmans (2016, p. 47), que aqui incluímos, o processo de Trends Research é constituído por três etapas: “Signaling, Analyzing, Applying”. Os autores (2016: 48-49) designam o processo de identificação de sinais/manifestações de tendências como “signaling” (sinalização). Este processo é constituído por métodos, entre os quais a observação pessoal (que para nós é compreendido como coolhunting), a desk research, especialistas e workshops. Estes métodos podem ser usados separadamente ou em combinação. Os autores defendem que se o profissional de tendências fizer uma leitura de sinais durante um período estendido, os dados coletados poderão ser úteis para pesquisas futuras (CRAMER, DUIN e HESELMANS, 2016, p. 48). Já Devon Powers enuncia um processo onde (1) a abundante informação cultural é digerida; (2) a informação passa por um filtro para identificar padrões e definir a informação mais relevante; (3) os analistas organizam a informação para “contar uma história sobre o mundo”, ou seja, uma descrição narrada das tendências (POWERS, 2019, p.87). Sublinhe-se, assim, a grande semelhança nas abordagens dos diferentes autores.
Interessa verificar que, apesar das diferenças, os autores, numa perspectiva diacrónica, convergem para processos semelhantes que partem sempre de uma ótica de observação e recolha de dados, seguida da análise/sistematização e construção de ligações entre a informação, de modo a chegar à natureza das tendências e, finalmente, à identificação do seu impacto sociocultural e económico e de como as abordar ao nível dos negócios. Este consenso entre os autores valida o processo descrito nos próximos pontos e que aqui sumarizamos: 1) Determinação dos Tópicos do Zeitgeist como ponto de partida para iniciar a pesquisa; 2) Observação e recolha de dados para análise; Sistematização dos Dados recolhidos na fase anterior, produzindo uma análise em profundidade; 3) Construção da Arquitetura da Tendência que apresenta a natureza da mesma e as suas principais características; 4) e o consequente Processo de Validação da análise, garantindo a validade dos resultados e da interpretação na análise dos dados e na sua sistematização, reforçando e revendo o processo descrito por Gomes, Cohen e Flores (2018).
O percurso de recolha e análise passa pela discussão entre o grupo de trabalho das principais palavras-chave ou grandes temáticas que parecem determinar o momento presente. Esta forma de identificação dos grandes conceitos que movem a sociedade e até de mapeamento sociocultural foi problematizado por vários autores como Rech e Gomes (2017), Stock e Tupot (2015), Kjaer (2014), entre outros, que discutiram os próprios conceitos em questão. Do ponto de vista metodológico, propõe-se um caminho paralelo: (1) recolher e construir a partir dos resultados dos pares e de uma composição de artigos, obras e relatórios uma lista dos principais conceitos/temas/ideias/tópicos que definem, numa perspectiva macro, o momento atual (mesmo que seja necessária uma abordagem de análise de conteúdo) e que atuam como elementos para hipóteses iniciais; (2) se possível, criar uma lista semelhante, em constante atualização, fruto da discussão entre o grupo de trabalho, especialistas convidados e grupos de foco desenvolvidos para o efeito com agentes do tecido social, cultural, económico e político. Com base na lista, a articulação de tópicos permite gerar uma hipótese sobre movimentos emergentes e proporcionar um ponto de partida para a investigação. Esta articulação prende-se com a primeira fase e os processos descritos a seguir, sendo que a investigação vai permitir uma revisão das articulações propostas e iluminar ligações talvez ainda não consideradas. Não obstante, este exercício gera um ponto de partida, uma espécie de briefing e de problema, que deve ser formulado para guiar a pesquisa e o seu enquadramento temático.
Nesta primeira fase, importa recolher informação e compreender o contexto em análise para formar melhores entendimentos sobre as hipóteses. Neste sentido, a primeira parte do processo passa por uma imersão em campo e nas principais fontes/referências que vão informar a investigação. Esta é uma fase de observação e de análise cultural. Vários autores sublinham a importância deste momento, como Dragt (2018) que o designa como scan; Higham que o entende como um processo de identificação (2009), e Raymond que aborda a fase no âmbito de uma triangulação cultural (2010). Todos indicam este ponto de partida como o espaço de observação do comportamento individual e grupal, que requer múltiplos e diferentes métodos para contextualizar o quadro sociocultural da pesquisa.
Esta primeira fase conforme descrita por Dragt (2018) e por Higham (2009) é um processo de análise do ambiente através de várias fontes e mediante um processo de trabalho de campo (como visitar eventos, realizar entrevistas com inovadores, observar e interrogar consumidores, realizar práticas etnográficas e registos fotográfico) e de desk research (como ver revistas e analisar conteúdos online), procurando sempre o rigor e a sistematização (DRAGT, 2017, p. 54-55; HIGHAM, 2009, p. 50). Há um foco na abordagem qualitativa onde se recolhe a informação de forma sistemática, tendo em consideração a totalidade da situação e oferecendo uma perspetiva holística, de modo a ter uma compreensão em profundidade do comportamento humano (DRAGT, 2017, p. 54-55). Mason et al. contribuem para esta questão ao indicar a importância de identificar grupos de inovações e de observar inovação em produtos, experiências, marketing e modelos de negócios, sendo necessária uma análise diversa de inovações e acompanhar diferentes fontes como os media tradicionais, publicações de negócios e de empresas, redes sociais, eventos, bem como redes especializadas de spotters (MASON et al., 2015, pp. 70-81). Els Dragt sistematiza este processo em três passos específicos:
PASSO 1: SPOT Scanning começa com a identificação de sinais de mudança. Deve recolher evidências de que estão a ocorrer mudanças. Durante esta etapa, é essencial identificar o máximo possível em uma ampla variedade de assuntos. A quantidade supera a qualidade nesta etapa do processo de pesquisa. PASSO 2: SELECIONE do grupo de sinais de tendências, primeiro deve fazer uma breve seleção e escolher os sinais mais relevantes. Ao contrário do spotting, a qualidade a qualidade é mais importante do que quantidade durante a seleção. Este segmento irá mostrar quais critérios usar para escolher os pontos mais relevantes. PASSO 3: DOCUMENTAR, é necessário saber cada sinal selecionado da tendência de trás para frente. Durante esta etapa, deve enriquecer os seus sinais selecionados e criar uma descrição detalhada de cada. Por último, a documentação também inclui o arquivo de todas as descobertas, de forma a que possa recuperá-las facilmente. (DRAGT, 2017, p. 65).
Nesta fase de observação e recolha de dados importa também sublinhar a abordagem da triangulação cultural, uma vez que permite uma ligação plural de métodos que enriquece a pesquisa e atribui maior segurança aos resultados obtidos. A triangulação cultural tem sido referida no âmbito dos Estudos de Tendências (KONGSHOLM e FREDERIKSEN, 2018, p. 337; RAYMOND, 2010). No âmbito de uma revisão de metodologias, Donatella Porta e Michael Keating apresentam o leque de possibilidades na combinação de métodos que a triangulação encerra, mas é preciso compreender a natureza de cada e assegurar que não há incompatibilidades (PORTA E KEATING, 2008, p. 4). Neste sentido, os autores indicam que a triangulação passa por usar diferentes métodos que se complementam, sendo possível incorporar tanto entrevistas como uma análise textual (PORTA E KEATING, 2008, p. 34). Martin Raymond debruçou-se sobre esta abordagem:
A triangulação cultural é uma combinação de três processos distintos, mas mutuamente benéficos [...]. São eles: interrogatório: o uso de técnicas de pesquisa quantitativa, incluindo pesquisas domiciliares e entrevistas com especialistas, para sondar indivíduos ou grupos sobre as suas atitudes ou atividades, com vistas a determinar a repartição percentual dessas atitudes ou atividades em relação à população em geral ou ao mainstream cultural; observação: o uso de um conjunto de ferramentas qualitativas como a etnografia e perfis visuais para observar indivíduos ou consumidores envolvidos em uma determinada tarefa ou atividade de estilo de vida, com o objetivo de aprender mais sobre essa tarefa ou atividade; intuição: com bases nas suas experiências como forecaster, adiciona mais uma camada de percepção aos fundamentos qualitativos e quantitativos adquiridos durante os estágios de interrogação e observação. (RAYMOND, 2010, p. 120).
As duas primeiras fases da triangulação propostas pelo autor articulam a desk research (dados de contexto e estatísticas para o início da investigação); as entrevistas com painéis; a pesquisa quantitativa e a identificação de tipologias de consumo e de consumidores (RAYMOND, 2010, p. 136).
Fica assim clara a necessidade de abordar dados quantitativos e qualitativos. Da desk research, a recolha de informação em fontes públicas secundárias (de estatísticas em relatórios a perspectivas de especialistas e a outros dados contextuais), até a uma imersão de campo com práticas etnográficas e a abordagens sociológicas. Esta fase inicial de observação e interrogação encontra uma correspondência no processo de identificação de William Higham. Segundo o autor:
A identificação é o processo de observar mudanças e detetar tendências. [...] Pode ter lugar com uma ampla variedade de método. A observação primária, o estudo da mudança do consumidor em primeira mão, pode ser feita informalmente, dedicando tempo a observar ou interpelando os consumidores no campo. Isso pode envolver observação à distância, imersão, etnografia, entrevistas em profundidade, vox pops e fotografia. As técnicas formais de observação trazem um maior rigor e sistematização ao processo. Elas incluem o uso de grupos de foco, postos de escuta e pesquisas de rua. A pesquisa secundária, o estudo de dados de pesquisa de outras fontes, pode ser obtida por meio da revisão de dados de pesquisas ou meios de comunicação disponíveis. Todos os profissionais de marketing de tendências usarão uma combinação diferente desses métodos para obter os seus dados. (HIGHAM, 2009, p. 50).
Higham confirma assim que o início do processo de identificação de uma tendência tem lugar com base no estudo da mudança, numa abordagem de observação próxima e imersão — uma abordagem etnográfica — e na revisão de dados secundários.
Em tom de sistematização, tendo revisto os vários autores associados ao estudo de tendências, apresenta-se uma proposta metodológica para esta primeira fase de observação e recolha de dados, com base numa desk research que procura dados em fontes secundárias, na prática de Coolhunting e em outros métodos e abordagens de inspiração etnográfica.
1. Desk Research — Esta abordagem almeja recolher informação presente em fontes digitais e físicas públicas que permita contextualizar a questão em estudo, sublinhando determinados aspetos sociais, económicos, culturais, tecnológicos, entre outros. Para o efeito, devem ser consideradas as seguintes práticas:
i) Rever relatórios regionais, nacionais e/ou internacionais com dados qualitativos e quantitativos sobre o(s) contextos do estudo. De observatórios, institutos, consultoras e redes, existem vários relatórios públicos com informações relevantes e um tratamento de dados que podem ser úteis para o estudo.
ii) Rever dados públicos de redes e agências de tendências. Várias redes/agências de tendências publicam informações, descrições e análises de tendências, em regime de acesso público, nos seus espaços online ou em documentos específicos. Importa conhecer os estudos em desenvolvimento (estado da arte) para melhor enquadrar os caminhos de investigação.
iii) Revisão literária das obras mais recentes sobre a(s) temática(s) em estudo. Existem obras de especialidade, de ensaios a artigos científicos, que podem fornecer dados, observações e perspetivas úteis para a investigação.
iv) Prospeção de conteúdos sobre a(s) temática(s) em estudo em revistas especializadas e de foro artístico/conceptual/criativo. Revistas dos foros enunciados enunciam temas de interesse e uma desconstrução de conceitos e de imagens que dão pistas importantes sobre movimentos criativos, mentalidades emergentes e estilos de vida.
v) Prospeção de conteúdos recentes, ou numa perspetiva diacrónica, ao nível audiovisual e da música. Compreender os produtos emergentes, seja ao nível do cinema ou até de serviços de streaming, permite compreender mudanças nas preferências e desejos dos públicos, no âmbito destas indústrias criativas, e sublinhar novas orientações ao nível do gosto.
vi) Clipping dos media generalistas e de especialidade em relação a matérias sobre a(s) temática(s) em estudo.
2. Coolhunting — Ao abordar esta fase importa considerar o papel e a natureza do Coolhunting. Esta prática nasce no seio dos Estudos de Tendências, numa articulação entre perspectivas etnográficas e semióticas. Aqui podemos encontrar uma semente sobre a prática de Coolhunting. Este termo está associado ao artigo “The Coolhunt”, que Malcolm Gladwell escreveu em 1997 para o The New York Time, mas a sua abordagem como um método sólido, com nuances etnográficas (ou netnográficas), só recentemente começa a desenvolver-se de uma forma estruturada, para além da identificação do que é simplesmente novo ou diferente.
O Coolhunting é aqui entendido como uma prática que se articula com a estratégia, o marketing, a análise de consumo e I&D (MÁRTIL, 2009, p. 27). Pressupõe encontrar objetos cool no âmbito do espaço digital (em redes sociais, websites, blogs e afins) ou no espaço físico, por norma urbano, identificando projetos, marcas e espaços emergentes e, especialmente, os seus significados invisíveis e as nuances ao nível das direções socioculturais que indicam. O processo de registo de algo, um sinal cool, tem elementos comuns entre diferentes autores (DRAGT, 2018; GOMES et al., 2018; KONGSHOLM E FREDERIKSEN, 2018; ROHDE, 2011), sendo que aqui ressaltamos a importância do registo visual e dos elementos de contexto bem como de uma descrição. Segue-se uma análise conotativa do sinal, do seu posicionamento face a uma cultura rápida e lenta (MCCRACKEN, 2011), da possível associação com determinados estilos de vida, bem como a indicação dos insights sociais e estratégicos. O próprio contexto da observação é importante para compreender como um objeto cool, com as características enunciadas, se destaca entre todo um outro conjunto de objetos, que não são cool. Para fechar este ponto, importa sublinhar as características definidoras de algo Cool, citando para o efeito a definição e as seis características definidas pelo Laboratório de Gestão de Tendências e da Cultura da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa: “o cool é uma qualidade, um conjunto de características que são impressas em objetos, de artefactos a representações e gestos. Dentro da complexidade deste conceito, sublinhamos seis características. O Cool é relevante, ele faz sentido no seu momento e está em sintonia com mentalidades emergentes e com os desafios do momento com um potencial para marcar e ter impacto através de diferentes associações abstratas e sentimentais. Ele é viral e isto é uma das suas principais características, pois ele está associado ao contágio e à promessa de sucesso de propagação das ideias que representa, saltando de objeto em objeto. O Cool é atual, no sentido em que endereça questões prementes, mas também irreverente, pois apesar de ter em si um germe provocador e atrevido, a sua aparência de novidade e muitas vezes de vanguardismo pode se articular, em alguns casos, com uma atitude de rebeldia, de não-conformidade ou até de resistência. Por fim, por ter em seu ADN a sedução e o apelo à atenção, o Cool é instigante e contém em si uma proposta de descontinuidade, podendo em alguns casos representar uma rutura dos padrões vigentes”.
A imersão no espaço urbano importa não só para recolher registos sobre objetos cool, como também para interagir com os espaços e os indivíduos que estão a promover mudanças e a adotar novos comportamentos associados a novas práticas, representações e artefactos. Neste sentido, devem ser consideradas as seguintes práticas e abordagens:
i) Walkscapes. Com base na reflexão de Careri (2013), importa desenvolver um exercício de deambulação e de deriva, bem como de imersão programada e estruturada, pelos espaços urbanos, com vista à identificação de naturezas, dinâmicas, espaços, grupos de indivíduos e projetos socioculturais e criativos. Também outros autores sublinham poéticas e procedimentos baseados nas artes, que envolvem o caminhar como método de investigação (JENKS e NEVES, 2000; CARERI, 2002; O'ROURKE, 2013). O uso desses métodos pode apoiar a prática do coolhunting e outras práticas de inspiração etnográfica no contexto urbano. Ele também pode fornecer dados interessantes e criativos para serem trabalhados, de modo a gerar insights sobre o comportamento do consumidor, mentalidades e oportunidades emergentes no complexo cenário contemporâneo (CANTÚ et al., 2019).
ii) Entrevistas semiestruturadas. Importa realizar um conjunto de entrevistas com especialistas na(s) temática(s) em estudo e com indivíduos que são impactados pelas mesmas, pois como destaca Geertz (2014, p. 4) a prática da etnografia consiste em "estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário e assim por diante".
iii) Observação participante. Tirar notas sobre as observações no terreno, elementos que chamam a atenção e que ajudam a compor uma narrativa sobre as interações entre espaço, indivíduos, objetos e práticas. A observação direta é um dos pontos-chave das práticas de inspiração etnográfica, pois a interação é uma condição sine qua non deste tipo de investigação (ROCHA e ECKERT, 2008).
Partindo das perspetivas dos autores citados (HIGHAM, 2009; MASON et al., 2015; DRAGT, 2017; GOMES et al., 2018), interessa sublinhar a necessidade de articular e sistematizar os dados recolhidos no âmbito dos métodos indicados na fase anterior. Os vários resultados diferem em termos de natureza, de informação e de significado. Neste sentido, importa sistematizar e interpretar os mesmos por afinidade temática, com base em indicações semelhantes que habitam por trás de cada, ou seja, os mesmos sentidos que eles sugerem. Sobre a importância da interpretação, William Higham sublinha:
A interpretação eficaz de tendências é um processo sistemático. Baseia-se na análise causal: analisar o surgimento da tendência e compreender como ela se desenvolverá. Embora um forecaster experiente possa utilizar a "intuição" na interpretação de uma tendência, é essencial empregar um forte elemento de rigor. A interpretação das tendências requer alguma compreensão da teoria do marketing e das ciências sociais. Para prever a evolução das tendências, os analistas precisam mapear qualquer tendência que identifiquem em relação a uma série de critérios sociais, de forma a compreender a força, longevidade e a potencial influência da tendência. Esses critérios incluem os atributos da tendência; as necessidades tradicionais do consumidor; e os fatores ambientais, divididos nos 4 Cs: constantes, ciclos, calculáveis e caóticos. (HIGHAM, 2009, p. 50).
Ao alocar dados com sentidos e orientações semelhantes será possível confirmar hipóteses sobre a questão em estudo e construir as bases para uma análise sólida das várias dinâmicas e objetos socioculturais. Estes dados — com sentidos e orientações semelhantes — formam o que designamos por padrões. Tal como Rech, Seibel e Felippe sugerem, através dos sinais e de um largo número de dados qualitativos podemos estabelecer padrões de repetição (na cultura, comportamentos e ao nível de inovações) (RECH et al., 2020, p. 28).
Isto permite também (1) associar os registos, ou inovações, a tendências socioculturais já identificadas (ou em mutação), ou (2) quando a maioria dos registos não vai ao encontro das mesmas, podemos estar a observar novos padrões (MASON et al., 2015, p.112).
Através das várias ligações dos registos podemos criar conjuntos sistematizados de informação que apontam para uma natureza coesa, e mais do que tudo visível e percetível, da tendência sociocultural. Ao agrupar as informações em conjuntos coerentes é possível analisar os mesmos através das várias ligações implícitas e dos sentidos que as mesmas representam. A partir destes agrupamentos, na etapa de sistematização da informação, é possível fazer ainda uma análise aprofundada dos significados culturais dos dados coletados. O conjunto deste processo de articulação levará à elaboração da arquitetura da tendência.
Nesta fase construímos o dna da tendência, identificando as principais características da sua natureza. Isto implica compreender o campo do invisível, a mentalidade coletiva que é a base da tendência sociocultural e que habita o imaginário coletivo. A ligação entre os padrões que apontam para a mesma mudança, significado e, por fim, mentalidade, indica as várias componentes que permitem descrever a tendência. Este é o momento em que a narrativa articulada e estruturada toma forma e são criadas potenciais narrativas para a descrição e titulação da tendência. Isto vai ao encontro do passo de nomear a tendência, descrito por Dragt no final da fase de análise (DRAGT, 2017, p.124-127). Como tal, a correta sistematização dos dados na fase anterior é da maior importância para permitir uma sólida leitura do todo, considerando a complexidade latente na natureza de uma tendência sociocultural. Esta fase permite articular não só a descrição da tendência, como os vários contextos que a determinam e que ela, por sua vez, impacta. No âmbito desta fase, Gomes, Cohen e Flores sugerem o seguinte procedimento:
a. Com base no grupo de dados sistematizados, o(s) analista(s) deve(m) proceder à construção do DNA da tendência, tendo em conta a natureza da mesma e o seu potencial para guiar estratégias e a geração de inovação, atribuindo uma nomenclatura à mesma. b. A descrição da tendência deve conter um texto resumido capaz de ilustrar claramente a natureza da tendência, podendo ter associado um texto descritivo de maior dimensão, capaz de explorar em maior profundidade o contexto, os públicos, os setores, os impactos e as diferenças culturais onde a tendência se manifesta. (GOMES et al., 2018, p.76).
Este trecho ilustra claramente o exercício de construção da titulação e da descrição da tendência. Importa acrescentar que a par da descrição sumária, o texto de maior dimensão deve ilustrar não só a profundidade enunciada como a justificação das características definidoras para a tendência, com base na interpretação do conjunto dos elementos sistematizados na fase anterior. Isto permite sublinhar as ligações e melhor sublinhar como as mesmas sugerem elementos caracterizadores da tendência.
Tal como Gomes, Cohen e Flores (2018) sugerem, após a construção do texto da tendência, ou da reformulação da descrição de uma tendência já identificada (justificada por mudanças substanciais na natureza da mesma), interessa que tanto o texto, como a titulação e os dados sejam revistos, de forma a validar os mesmos e o estudo, especialmente ao nível de um processo de revisão por pares. Isto permitirá ao analista, ou à equipa, que executou o estudo reformular os elementos considerados necessários com base nos resultados da discussão e da revisão. Só assim será possível fechar uma titulação e um texto descritivo final da tendência.
Assim sendo, quando o estudo estiver completo, o analista deve submeter os seus resultados a colegas capazes de avaliar os mesmos. Aqui podemos sugerir um processo de revisão por pares (académicos e profissionais especializados que estudam e trabalham no âmbito das tendências socioculturais) que pode incluir especialistas de áreas específicas, de acordo com a natureza da tendência em estudo, que podem trazer perspectivas e dados pertinentes para a discussão e que podem confirmar pontos específicos do estudo, desde a área da economia, até às artes, a literatura, a política, as tecnologias, entre várias outras.
O processo de revisão pode ter lugar individualmente, contactando e reunindo com cada um dos especialistas convidados, ou pode ter lugar mediante uma discussão em grupo que permita rever as várias questões levantadas. Tal como na prática de revisão científica, as avaliações e recomendações podem ser recolhidas de forma anónima, estabelecendo um comité de revisão das propostas; ou podem permitir uma discussão continuada dos vários pontos do estudo e dos seus resultados.
O importante a sublinhar é que tanto a titulação como a descrição da tendência e o próprio estudo devem ser revistos e discutidos entre pares e especialistas, de forma a assegurar (1) uma correta articulação dos vários dados e das interpretações e (2) a construção de uma narrativa clara que aglomere as várias características identificadas no que diz respeito à natureza da tendência.
Neste ponto pretende-se contextualizar a aplicação do estudo de tendências em contexto estratégico. Para o efeito, (1) temos em consideração os contributos e as perspetivas de diferentes autores sobre esta questão; (2) são mapeadas as principais tipologias de produtos e serviços no mercado no âmbito desta abordagem; (3) é proposto um modelo que categorize diferentes formas de resolver problemas estratégicos, de acordo com as necessidades estratégicas de cada entidade.
Mártil sugere o que pretendem as grandes empresas com o estudo de tendências e qual o papel das entidades que observam estas últimas:
Detetar as mudanças que ocorrem nas motivações, gostos e preferências dos consumidores antes que se tornem massificadas, com o objetivo de usar essas informações para inovar e assim antecipar a concorrência [...] maior necessidade das empresas em ajustar a inovação aos interesses dos consumidores. (Mártil, 2009, p.14).
Higham sublinha que muitas empresas reconhecem que compreender as tendências (foco nas tendências de consumo) é importante para os profissionais do marketing e que a maioria aborda as tendências no processo de negócios num determinado momento, “apesar de isto ser raramente formalizado” (Higham, 2009, p.43). O autor ainda indica que a identificação de tendências de consumo permite melhorar a performance do marketing; e sobre o processo de trend marketing (já atrás referido) sugere que a sua implementação envolve estabelecer as tendências mais relevantes para um determinado problema e contexto, bem como orientar como podem ser aplicadas da forma mais eficiente (Higham, 2009, p.51). Aqui, problematiza-se o impacto que as tendências podem ter no sector/negócio (Higham, 2009, p.51).
Dragt também explora esta questão como a terceira fase do seu processo, a aplicação (apply). A autora divide esta fase em três momentos: escopo, ou seja, compreender o escopo desenhado pelo briefing do projeto, de forma a podermos compreender melhor o processo a seguir e as tendências mais pertinentes no âmbito do problema; a comunicação, como comunicar as tendências pertinentes e criar um estória para a audiência específica; traduzir, onde o analista de tendências apoia o cliente a aplicar os resultados do estudo das tendências e a começar o processo de mudança e de inovação (DRAGT, 2017, p. 141). Num âmbito mais específico, a autora sublinha a Trend Communication Canvas: Com base no escopo do projeto, qual é a melhor forma de comunicar as tendências? A comunicação de tendências deve equilibrar a inspiração e a geração de novas perspectivas com o tornar as coisas relevantes e acionáveis para um desafio específico. Aqui, importa responder às seguintes questões: Como é que o escopo se relaciona com a abordagem de comunicação? Qual é o tom de voz (informal, visual, textual, emocional ou racional)? Como comunicar com as audiências? Qual é o melhor formato (trend report/book, vídeo, apresentação, jogo, consultoria, tour, workshop, entre outros)? Qual é o nível de interação desejado (mono-direcional ou ativo)? Isto para se sumarizar a forma como iremos comunicar as tendências para o projeto (DRAGT, 2018, pp. 54-55). Além disto, vale destacar as propostas imersivas de comunicação de tendências, como as trend rooms, espaços físicos que promovem experiências imersivas e são mais comuns em feiras e eventos (HOLLAND e JONES, 2017). Estes espaços permitem aos visitantes a interpretação destes ambientes de espetáculo e hiper-realidade (RINALLO e GOLFETTO, 2006) e assemelham-se às instalações artísticas. Com este exercício, mapeamos a ativação estratégica do conhecimento de tendências.
Konhsholm e Frederiksen também destacam a importância dos relatórios de tendências. Nestes, para as autoras, importa registar todos os insights recolhidos; criar uma documentação partilhada e uma base comum; envolver os decisores ou a equipa que devem continuar a trabalhar com as tendências selecionadas para compreender os argumentos e o escopo. Para a construção dos relatórios, as autoras ressaltam que devem conter uma introdução (um sumário com os objetivos do relatório e o método, bem como a equipa); um sumário com os insights mais importantes; a descrição dos drivers (rever todos os insights e as forças por trás deles – usar fotos, citações, modelos, estatísticas, opiniões de especialistas, e outra documentação); a descrição das tendências (nomear as tendências selecionadas e descrever as mesmas considerando os insights indicados); uma descrição do grupo alvo (descrever quem será impactado pelas tendências escolhidas, bem como os diferentes cenários sobre como a tendência se desenvolve e as consequência que terá); as conclusões e recomendações (aqui os principais pontos são repetidos e são indicadas as recomendações específicas para o próximo passo) (KONGSHOLM e FREDERIKSEN, 2018, p. 371).
Cramer, Duin e Heselmans na terceira fase do seu processo, aplicação (applying), sublinham que é possível aplicar a análise de tendências em diversos problemas, como o desenvolvimento de conceitos ou como uma contribuição para processos de inovação, num contexto de tomada de decisões organizacionais, pelo que distinguem dois níveis: (1) o processo de inovação, onde a análise de tendências pode servir como inspiração numa fase inicial ou como uma ferramenta de apoio para os testes das fases finais; (2) o processo estratégico, considerando os objetivos em causa e as decisões associadas (CRAMER, DUIN e HESELMANS, 2016, p. 53).
Com base neste contexto, postulamos que o foco desta fase de ativação ou de aplicação diz respeito a questões estratégicas que se podem dividir em duas orientações: (1) conceptual, pois mais do que a inovação, que surge como o resultado aplicado por outros numa fase posterior de ativação do conhecimento, tem lugar a construção de narrativas que orientam o desenvolvimento de soluções - a estória e a articulação de uma narrativa cultural que permite vislumbrar elementos, categorias, ideias e contextos que devem ser considerados na solução; (2) estratégica, onde os insights da análise de tendências são traduzidos no contexto do briefing/problema e geram as orientações necessárias para o processo de tomada de decisão.
Estas perspectivas vão ao encontro dos resultados da pesquisa em termos da revisão dos produtos e serviços de agências/redes que estudam tendências socioculturais. Num exercício de pesquisa digital com base em expressões-chave (pesquisa de tendências; análise de tendências; agência de coolhunting; agência de tendências e as respetivas combinações e outras relacionadas), foram mapeadas entidades associadas ao estudo de tendências. Em cada uma foram revistos os principais serviços e produtos, de acordo com a informação online que disponibilizam. Os resultados confirmam os elementos anteriores e foi possível notar em grandes redes/agências, como a Trendwatching, a TrendOne, o Future Laboratory, a TrendHunter e a TrendWolves que o relatório de tendências e as palestras são dos produtos/serviços mais presentes, sendo que muitas articulam também as palestras com os workshops (estes últimos com uma maior componente de reflexão com o cliente, enquanto as primeiras são mais expositivas). Há grandes entidades na área, como a Faith Popcorn´s Brain Reserve e a Kjaer Global, que sublinham mais a questão da consultoria, sendo que as grandes agências colocam um foco neste serviço como sendo o mais complexo, personalizado e quase que como o produto final que articula todos os outros. As tours de tendências são mais visíveis em agências de pequena dimensão. Importa também sublinhar que nestas últimas o principal produto/serviço aparenta ser a palestra, ou workshops de curta duração.
Com base no contexto dos métodos discutidos de análise cultural e de tendências e considerando as propostas de aplicação do estudo de tendências dos diversos autores e os produtos/serviços oferecidos pelas agências/redes de tendências problematizados no último ponto, apresentamos um modelo de produtos e serviços para guiar as oportunidades de profissionais freelancers ou agências profissionais que abordam tendências socioculturais. Propomos que o desenvolvimento de soluções por parte de profissionais e especialistas está ligado ao nível de mestria na análise de tendências, sugerindo-se cinco níveis diferenciados, do menos para o mais complexo: estratégico - no âmbito de um conhecimento base sobre a cultura de consumo e padrões micro específicos associados a determinados objetos, é possível desenvolver um conjunto de soluções estratégicas em articulação próxima com ferramentas tradicionais; histórico - o analista aqui tem em consideração a evolução histórica das tendências e agrega esse conhecimento sobre o passado no desenvolvimento de soluções; sistémica - onde o analista consegue articular um largo número de ferramentas analíticas diferenciadas e experimentar articulações metodológicas; semiótica - onde o analista domina os diferentes sistemas de produção de significados em níveis cada vez mais complexos; não-linear - um nível teórico onde o analista consegue vislumbrar as largas e complexas séries de dados nas suas múltiplas combinações e influências, para além de uma rede básica de causalidade, figurando uma maior capacidade para a construção e desconstrução de conceitos. A passagem de um nível para o seguinte exige um domínio crescente dos conceitos e dos métodos, bem como uma capacidade criativa e experimental mais elevada.
Das referências e fontes anteriormente revistas surgem claramente dois eixos na definição da natureza e dos objetivos dos produtos/serviços: (1) personalizados ou não personalizados; (2) interventivos ou não interventivos.
O primeiro diz respeito ao nível de personalização do produto/serviço perante o cliente, ou seja, a capacidade de adaptar os conteúdos e os processos ao briefing, problema, sector ou entidade do cliente, ou desenvolver um resultado que possa gerar dados estratégicos para diferentes sectores ou entidades. O segundo diz respeito à intervenção que o produto/serviço prevê na entidade do cliente, ou seja, se há uma articulação nos processos e nas atividades da entidade, ou se apenas são partilhados dados estratégicos. O seguinte quadro articula os dois eixos:
Os eixos permitem uma primeira reflexão sobre o planeamento dos produtos e serviços a oferecer por agências de tendências, bem como apoia a determinação da melhor solução para as necessidades e interesses do cliente.
Para ilustrar a questão, sublinhe-se os principais produtos/serviços identificados atrás: os relatórios de tendências, as palestras/workshops de tendências e a consultoria num sentido geral:
a) Relatórios de tendências. Os relatórios de tendências são, por norma, não interventivos, mas podem ser personalizados ou não personalizados, partindo de um mapa de tendências socioculturais. No quadrante C (personalizado-não interventivo), o relatório pode ter diferentes graus de especialização: pode ser desenvolvido tendo em conta o sector de atividade da instituição ou uma geografia cultural específica, ou então desenhado para a entidade e o seu contexto de atividades mais específicas. Em alternativa, o relatório pode ser desenvolvido para responder a uma questão da entidade sobre um determinado problema, fenómeno ou processo sociocultural. Por sua vez, os relatórios que se enquadram no quadrante D (não personalizado - não interventivo), os mais comuns, representam relatórios macro de tendências socioculturais que não estão orientados para uma entidade ou então para um sector específico. Tratam das principais tendências socioculturais que impactam práticas, representações, artefactos e o consumo em geral.
b) Palestras e workshops de tendências. Quando abordados ao nível do quadrante A (personalizado-interventivo), estamos a referir-nos apenas aos workshops que aqui assumem uma natureza de comunicação de tendências e apoio na geração de ideias, conceitos e inovação para uma entidade específica, de acordo com um problema ou necessidade determinada pela mesma. Aqui, o profissional de tendências é um moderador, mas apoia a equipa da entidade na compreensão das tendências socioculturais e na sua tradução para uma solução perante o problema em questão. Quando abordados no âmbito do quadrante C (personalizado-não interventivo) a sessão tem conteúdos desenhados especificamente para o cliente, mas o nível de interação é mais baixo e pode não estar envolvida a procura de uma solução para um problema. Ao nível do quadrante D (não personalizado-não interventivo), o profissional de tendências apresenta uma palestra ou workshop já desenhados e que podem ser aplicados em diferentes sectores ou entidades, igualmente sem um grande nível de interação ou com a preocupação em resolver um problema específico.
c) A consultoria em geral, nas suas diferentes formas de ativação, obriga sempre a um processo no âmbito do quadrante A (interventivo-personalizado) onde o profissional de tendências trabalha em articulação próxima com a entidade no âmbito de um projeto específico ou da resolução de um ou mais problemas.
A seguinte figura articula estes diferentes produtos/serviços e processos, considerando os objetivos do cliente, o nível de personalização do produto/serviço e o nível de intervenção na entidade:
Há também diferentes elementos a ter em consideração no processo e na construção de produtos/serviços neste contexto: é sempre possível dosear o nível de personalização e de profundidade do estudo e do objeto que se entrega ao cliente; importa ter consideração a comunicação de ciência para um público que não é da área; os insights e dados estratégicos são a base de valor do produto que pode ser ativado internamente e de forma independente pelo cliente, ou que pode servir de ponto de partida para o processo de criação conceptual de soluções e orientar a imersão ao nível da consultoria; o nível de mentoria e de orientação específica que tem lugar em âmbito estratégico e que permite uma maior imersão do profissional de tendências no contexto do cliente.
Os Estudos de Tendências habitam um espaço de difícil definição. A sua forte ligação com o mundo empírico e do mercado e o ainda emergente, mas frágil, enquadramento académico provocam uma multiplicidade de perspetivas, práticas, processos, conceitos e objetivos. Este artigo articula as visões de alguns dos principais autores que trabalham especificamente o estudo de tendências.
É evidente que a identificação e monitorização de tendências, ou melhor, a análise de tendências, possui características disseminadas e reconhecidas por diferentes atores, sublinhando-se um processo que passa pela observação e a recolha de dados; pela sistematização e proposta da definição das tendências; pela aplicação dos resultados que surgem dos dois pontos anteriores. Em relação a esta questão há claro consenso, que se esgota nas práticas específicas associadas e que foram aqui mapeadas.
O processo de ativação do conhecimento resultante da análise de tendências dá lugar a um horizonte de aplicações estratégicas. A tradução da informação em dados estratégicos e em insights pode ser aplicada ao nível do desenvolvimento de conceitos - narrativas ou embriões de soluções - ou de estratégias que podem ter lugar no âmbito de tomadas de decisão para resolver problemas ou questões específicas de uma entidade.
Assim, tomam forma dois propósitos nos exercícios dos Estudos de Tendências. O primeiro diz respeito ao mapeamento de tendências socioculturais, de mentalidades e dinâmicas emergentes, e é um passo importante para a compreensão do complexo quadro cultural que habitamos. Este primeiro está contaminado pela porosidade entre os processos de análise de dados do passado e do presente e a construção especulativa de cenários futuros. Neste trabalho foi dada apenas atenção ao mapeamento de dados passados e presentes, ao emergente que habita o visível e o invisível na cultura. No entanto, o segundo propósito, o da aplicação estratégica do conhecimento pondera esta necessidade, pois o exercício estratégico está associado a um planeamento futuro (de curto, médio ou longo prazo) e tem em consideração a estabilidade, ou falta dela, da natureza das tendências no processo de decisão tanto ao nível da criação de conceitos como nas linhas estratégicas a adotar por uma entidade.
Em termos de estudos futuros, propomos explorar mais a ligação entre os Estudos de Tendências e a análise cultural no geral, com práticas de aplicação destes estudos em diferentes horizontes estratégicos, possivelmente numa articulação próxima com a gestão da cultura em foro estratégico (Gomes, 2019).