Editorial V.14 N.33

Marcela Guimarães e Silva
Universidade Federal do Pampa, Brasil
Tiago Costa Martins
Universidade Federal do Pampa, Brasil

Editorial V.14 N.33

ModaPalavra e-periódico, vol. 14, núm. 33, pp. 5-9, 2021

Universidade do Estado de Santa Catarina

Moda e economia criativa

Os setores da indústria criativa podem ser analisados ao ser estabelecida uma inter-relação entre as dimensões do valor cultural/criativo e o valor econômico. Ao imaginar a configuração de círculos concêntricos, como sugere David Throsby (2008), tem-se que no círculo central estão os setores com maior ênfase cultural e nos círculos exteriores estão os setores com maior ênfase econômica. À medida que outros círculos são inseridos na extremidade do central, o valor econômico ganha mais proporção.

A moda está devidamente estabelecida nos círculos concêntricos da indústria criativa. Esse setor, mesmo que acumule maior valor como objeto físico, gera bens e serviços que são resultados da criatividade (HOWKINS, 2001). Ocorre, então, que na moda o processo de decisão criativa acaba por considerar a dimensão econômica como motivação para a criatividade (THROSBY, 2001).

Tal situação tem implicações em todo o processo produtivo (criação, produção, distribuição e consumo), na configuração de empresas, no uso das tecnologias, na definição de modelos de negócio e de operações e, não menos importante, nas estratégias de relacionamento com o consumidor.

A partir dessa conjuntura, tornam-se plausíveis os argumentos que inserem a moda na indústria criativa e permitem o debate científico, sobretudo desenvolvendo temas como inovação, empreendedorismo e consumo. Assuntos elencados, aliás, nos artigos científicos que constituem o dossiê, selecionados com o objetivo de contribuir para as reflexões tanto em aspectos teóricos, quanto de práticas articuladas a esse eixo da moda: a indústria criativa.

Nesse sentido, para abrir o dossiê, apresentamos o artigo “Inovação, conformidade e outras ambivalências em design de moda”, que tem como propósito problematizar a criação e a criatividade nas práticas de design de moda. Amanda Queiroz Campos parte de uma reflexão sobre o sistema e o mercado de moda, inovação e inovação no setor da moda, processo criativo de produtos de moda, ele também analisa dados levantados por meio de pesquisa sobre uma agência de designers de moda, propondo um recorte que enfatiza dialéticas como a criação versus a adequação, bem como a inovação versus a segurança. Com isso, esse trabalho vem elucidar alguns dos desafios dos profissionais da moda no processo de gestão da criatividade ao conciliar aspectos estéticos e simbólicos com aspectos econômicos e competitivos, os quais circundam o universo da moda.

O dossiê conta com uma importante contribuição internacional, o trabalho “Empreendedorismo criativo: as diretrizes do setor de design de moda em Lisboa pela percepção de produtores criativos”, de autoria de Maria Débora Fernandes Pontes, Maria Alice Vasconcelos Rocha e Hans da Nóbrega Waechter. No artigo, o autor apresenta a realidade do setor do design de moda na cidade de Lisboa, identificando as transformações no mercado local, sobretudo aquelas ocorridas no período de 2010 a 2018, e no enfrentamento à crise econômica vivida no país. Para tanto, realiza uma investigação com cinco produtores de Design locais (We Make, Wetheknot, Real Slow Retail Concept Store, Embaixada e LxFactory) que deixam evidente que fatores como o turismo, a gastronomia, o trabalho colaborativo e a inovação foram fundamentais não só para sobrevivência dos pequenos empresários diante da crise econômica, mas também para a transformação de Lisboa, que passou a ser uma referência em inovação e empreendedorismo criativo na última década.

Na sequência, no artigo “Moda, Consumo e Tendências: como a televisão e os influenciadores digitais instigam a moda no Brasil”, de Teresa Campos Viana Souza e Rita Ribeiro, primeiramente, aborda os conceitos de moda e tendência, para, posteriormente, apresentar um resgate histórico sobre o desenvolvimento dos meios de comunicação no contexto brasileiro, destacando a mídia televisiva como um dos principais veículos adotados pelas empresas do setor da moda para influenciar o consumo da população, utilizando para isso celebridades reconhecidas nacionalmente. Aborda também o surgimento da internet, que acelerou o processo de troca de informações, ampliou o alcance das empresas na relação com seus públicos e deu origem aos influenciadores digitais – uma forte estratégia de venda de produtos dos mais diversos setores, principalmente o da moda, pela possibilidade de aproximação das celebridades com o público de determinada marca. O autor conclui que as mudanças da sociedade, ocorridas nas últimas décadas, modificaram o que se consome e como se consome. Mais do que um produto, hoje em dia consomem-se também atitudes e estilos de vida.

O trabalho “Ostomia e vestuário: cartilha de desenvolvimento de vestuário para pessoas ostomizadas”, de autoria de Mariana Luísa Schaeffer Brilhante, Valdecir Babinski Júnior, Mariana Moreira Carvalho, Icleia Silveira e Lucas da Rosa, destaca-se no dossiê pelo seu caráter informativo, tratando de um tema pouco explorado no cenário da moda e vestuário, e também contribuindo na conscientização dos profissionais do setor da moda ao pensar o vestuário como um dos elementos de inclusão. O artigo apresenta, inicialmente, um levantamento bibliográfico sobre ostomia e recupera os dados de uma pesquisa realizada com pessoas ostomizadas, a qual teve como objetivo identificar as principais demandas e dificuldades desse público no que se refere ao seu vestuário. Com base nesse conjunto de informações, o autor apresenta uma cartilha para o desenvolvimento de vestuário para pessoas ostomizadas.

Por fim, o artigo “Covid 19, humanidade ameaçada e a vontade latente de consumir artigos de moda: o eterno retorno do desejo?” evoca a nossa atenção pela atualidade do tema que abrange e por abordar a questão da necessidade dos indivíduos por consumir moda mesmo diante de uma crise sanitária de escala internacional. Para refletir sobre tal comportamento, Flávia Zimmerle da Nóbrega Costa e Andréa Barbosa Camargo recorrem ao pensamento de filósofos como Gilles Lipovetsky, Gilles Deleuze e Michel Foucault e analisam a realidade presenciada em várias capitais mundiais, já que a reabertura de lojas de grandes marcas de moda gerou aglomerações de pessoas ávidas por consumir e, assim, satisfazer as suas vontades individuais em detrimento de pensar no coletivo.

A partir desse conjunto de artigos que compõe o dossiê esperamos abrir e ampliar os espaços de reflexão sobre esses dois temas, de tal modo que a leitura dos trabalhos sirva como um convite e um estímulo aos leitores, pesquisadores e demais interessados no aprofundamento do debate sobre a moda no contexto da economia criativa. Uma boa leitura a todos!

Referências

THROSBY, David. Economics and culture. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.

THROSBY, David. The concentric circles model of the cultural industries. Cultural Trends, vol. 17, n. 3, p. 147-164, set. /2008.

HOWKINS, John. The Creative Economy – how people make money from ideas. Londres: Penguin Books, 2001.

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