DOI: https://doi.org/10.5965/1982615x14332021014
Resumo: O artigo problematiza a criação no design de moda. Uma maioria notável de empresa no mercado de moda orienta-se por tendências editadas por bureaux de style, disseminada por estilistas em desfiles internacionais ou ainda em apostas de sucesso pela mídia de moda – profissional e/ou entusiasta (amadora). A investigação resulta dos desdobramentos de uma pesquisa sobre a agência de designers de moda. O presente recorte enfatiza as dialéticas criação x adequação e inovação x segurança. De modo mais específico este artigo aborda as considerações de três entrevistadas no momento de validação dos resultados da investigação. Durante os diálogos – que consistiram em conversações informais por telefone, mas tiveram o auxílio de um roteiro semiestruturado – as profissionais relataram suas observações sobre atos deliberados de criação e a lógica mercantil das corporações de design de moda.
Palavras-chave: design de moda, criação, inovação.
Abstract: This article problematizes the creation in fashion design. A noticeable majority of companies in the fashion market accompanies trends, which are edited by bureaux de style, disseminated by fashion designers at week runway shows and advertised as successful bets by the fashion media. This investigation results from the development of a research about the agency of fashion designers. The given scope emphasizes the dialectics of creation x adequacy and innovation x security. More specifically, the paper addresses the considerations of three interviewees conducted for the validation of the research’s results. During the dialogues - which consisted of informal telephone conversations aided by a semi-structured script – the professionals reported their reflections on deliberate acts of creation and the business logic of fashion design corporations.
Keywords: fashion design, creation, innovation.
Resumen: El artículo aborda la creación en el diseño de moda. Una notable mayoría de las empresas en el mercado de la moda se guían por las tendencias publicadas por las oficinas de estilo, difundidas por estilistas en desfiles de moda internacionales o incluso apuestas exitosas por los medios de moda: profesionales y / o entusiastas (aficionados). La investigación resulta del desarrollo de una investigación sobre la agencia de diseñadores de moda. El corte actual enfatiza la creación dialéctica x adecuación e innovación x seguridad. Más específicamente, este artículo aborda las consideraciones de tres entrevistados al validar los resultados de la investigación. Durante los diálogos, que consistieron en conversaciones telefónicas informales, pero con la ayuda de un guión semiestructurado, los profesionales informaron sus observaciones sobre actos deliberados de creación y la lógica comercial de las corporaciones de diseño de moda.
Palabras clave: diseño de moda, creación, innovación.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo teve como objetivo problematizar a criação e a criatividade nas práticas de design de moda. Com a industrialização da confecção de vestuário, que teve maior expressão nas décadas de 1950 e 1960, o setor da moda organizou-se a partir da lógica de apostas antecipadas; uma vez que a produção ocorria de um ano a seis meses anteriormente à comercialização. De modo a criar coerência entre a oferta da indústria e a demanda dos consumidores, criaram-se coordenadorias de moda. As coordenadorias foram institucionalizadas nos anos 1960 em bureaux de style, cujo trabalho consistia em criar cadernos com diretrizes de estilo baseadas em tendências para empresas de moda em geral.
Muitos desses bureaux de style mantêm renome e influência até os dias atuais. Mesmo frente à novas tecnologias e à uma suposta democratização da informação, o mercado da moda continua a orientar-se por tendências de moda editadas por essas empresas. Quando recusam-se à pagar os preços da assinatura dos portais, empresas de moda acompanham as tendências de estilistas renomados em desfiles, em revistas do setor ou em ainda em outros meios de informação de moda, como Instagram e Pinterest.
A atual investigação resulta dos desdobramentos da pesquisa de [omitido para revisão cega]. Ela enfocou a agência (ação) de designers de moda em relação a relatórios de pesquisa de tendências de moda. Para o presente artigo, buscou-se extrapolar dados provenientes de entrevistas realizadas durante a etapa de validação de resultados. Na ocasião foram entrevistadas três profissionais de distintas ocupações no âmbito da moda. Os tópicos da entrevista envolveram as relações criação x adequação e inovação x segurança e considerações sobre atos deliberados de criação e a lógica mercantil das corporações de moda.
A teoria que fundamentou esta investigação e as análises das entrevistas abordou o sistema e o mercado de moda, inovação e inovação no setor da moda e, por fim, o processo criativo de produtos de moda. Sendo assim, este artigo aborda majoritariamente os limites da criação e da inovação em design de moda. Uma vez que a criação parece evidente na atividade projetual da área, designers de moda permanecem balizados entre a inventividade e a conformidade tanto às tendências de moda e quanto a oferta de produtos básicos e de alta rentabilidade (desenvolvimento de modelos intitulados bestsellers).
2. O SISTEMA DA MODA E A PRODUÇÃO DA MODA
Os limites entre moda e vestuário são difíceis de descrever com exatidão. Diversos autores tentaram demonstrar que nem todas as roupas constituem produtos de moda. Igualmente, a moda enquanto fenômeno – normalmente descrita como sistema – ultrapassa os contornos do vestuário e da aparência (referido em inglês por clothing & apparel). A pesquisadora Yuniya Kawamura considera que é preciso mais do que roupas para ter-se moda. Portanto, as indústrias e o sistema de moda, bem como todos aqueles envolvidos em sua criação, produção, consumo e comunicação são mais do que produtores de itens vestuários. Todavia, o setor de moda é aquele comumente associado às indústrias têxteis e de confecção, além dos complementos de moda, tais como a indústria de calçados, bolsas e outros acessório “de moda”.
Normalmente, para que um produto de vestuário seja considerado um produto de moda, é necessária a associação com um universo simbólico de moda, que associa-se com inovação, inventividade, ousadia, sofisticação, etc. Como a oferta de produtos de vestuário é farta, atualmente o centro da criação de valor dos produtos envolve mais a incitação do desejo e a criação de valor simbólico por especialistas das áreas de branding e marketing (SVENDSEN, 2011). Essa organização da criação de valor também recai sobre legitimidade – uma vez que determinadas marcas e pessoas (fashionistas) têm maior ou menor grau de influência e validação do que outras no estabelecimento de cânones do estilo e/ou bem vestir. A organização da moda a coordenação de conceitos, discursos e tendências.
A organização sistemática da moda enquanto negócio organizou-se como fluxo de bens produzidos em diferentes setores e/ou estágios através de redes complexas entre fornecedores e clientes, concatenando a cadeia de valor. A cadeia de valor representa os diferentes estágios do processo de produção de produtos de moda, sendo que cada etapa de transformação adiciona valor ao produto final. A cadeia de produção material consiste nos passos da produção industrial; isto é, fiação, tecelagem, corte, costura e acabamento. Já a produção cognitiva (criativa e comercial) envolve as etapas de pesquisa, criação, distribuição, venda, gestão de marca e gestão de design.
Na tentativa de coordenar as informações e os insumos da cadeia produtiva houveram esforços para promover a coordenação da indústria de moda. A coordenação nasce no contexto de industrialização da produção de bens de vestuário e o crescimento de demanda para tais, uma vez que seus custos foram barateados graças à possibilidade produção em larga escala. A ampla produção, porém, requeria antecipação. Logo, a organização industrial da moda deu-se por meio da criação de um calendário de moda, que organizava o fluxo de informação de moda e insumos para os diferentes elos da cadeia produtiva.
Os estudiosos do design de moda geralmente concordam que a indústria da moda circunda o design, a fabricação, a distribuição, o marketing, o varejo, a propaganda e a promoção do vestuário, desde a alta costura até as roupas de moda de massa, concentradas pelas produtoras de moda rápida – fastfashion (CIARNIENĖ & VIENAZINDIENĖ, 2014). Em todos os segmentos, o setor ainda é pautado na coordenação, permanecendo uma dependência por tendências de moda. Se por uma lado as tendências sustentam a contínua criação na moda, ao mesmo tempo elas parecem limitar as criações de designers de moda.
Enquanto negócio, a moda configura-se orientada ao mercado; a maior fatia do mercado opera em resposta a criações de estilistas e marcas de renome, dados de vendas e informações de tendências de moda editadas por bureaux de style. Devido a isso, boa parte da oferta é composta por produtos básicos, tradicionais ou modelos estritos ditados como tendência – sobrando pouco ou nenhum espaço para a criação autoral.
3. CRIAÇÃO E INOVAÇÃO EM DESIGN DE MODA
A pesquisadora alemã Elke Schüßler (2008) identifica em sua tese de doutorado que a dinâmica de mercado entre oferta e demanda no setor da moda recai sobre o paradoxo de Simmel. Quanto mais os consumidores são expostos aos constantes e rápidos ciclos da moda, maior é a necessidade da disponibilidade de produtos de baixo custo, uma vez que o investimento constante em produtos de moda rapidamente perecíveis é impagável para a maioria dos consumidores. O barateamento dos produtos leva à necessidade de reduzir ainda mais os ciclos dos produtos, já que a ampla disponibilidade das “modas” diminui seu valor.
Resultados semelhantes aos detectados por Schüßler foram detalhados pelos pesquisadores lituanos Ciarniene e Viezindiene (2014). Eles identificaram que o dinamismo e a globalização por meio da tecnologia e novas formas de gestão possibilitaram a oferta de produtos em ciclos mais curtos para atender os picos da demanda. Por sua vez, isso reflete nas ações de design, sendo que a aceleração do lançamento de produtos exige tomadas de decisão cada vez mais rápidas.
A ampla maioria das empresas de moda tem se configurado a fim de adequar-se à lógica acelerada e atender a demanda com a oferta de um grande volume de produtos. Assim, também foram alterados processos de pesquisa e criação por designers de moda e equipes criativas, enxugando-os. A pressão em designers é tamanha que cunhou-se o termo insustentabilidade criativa (BUSINESS OF FASHION, 2015). Por conseguinte, a criação permanece um tema atual nas investigações da moda.
3.1 Gestão da criação e da criatividade em design de moda
Considerada uma indústria criativa, a moda é reconhecida por balancear aspectos de criatividade e de negócios. A dimensão criativa é pungente no setor – uma vez que a própria lógica da moda ainda é calcada na renovação estético-simbólica de produtos em breves frações de tempo.
Enquanto a criatividade e a inventividade das principais marcas e designers são altamente valorizadas na indústria tanto entre concorrentes quanto entre consumidores, a grande maioria das empresas mantém a oferta de produtos mais básicos – seguindo o chamado índice 80-20. Ou seja, apenas 20% dos produtos das novas coleções são considerados mais inventivos ou "na moda", em oposição a 80% do total, consistindo em produtos básicos ou bestsellers das temporadas anteriores, e muitas vezes comuns entre todas as marcas internacionais (BIOUSSE, 2012).
A gestão da criatividade nas empresas de moda recai na associação entre variabilidade e variedade (SAVIOLO & TESTA, 2015). O equilíbrio entre a quantidade de produtos ofertados e o grau de novidade de tais produtos é imperativo; uma vez que a produção de básicos ou bestsellers é facilitada, mas o grau de diferenciação dos produtos da marca está associado ao seu grau de criatividade. Por outro lado, se um produto estiver muito “na moda”, as empresas assumem que a demanda é imprevisível (CIARNIENĖ & VIENAZINDIENĖ, 2014).
Apesar do alto índice de reconhecimento de empresas consideradas grande criadoras de moda, como as maisons de hautecouture e prêt-à-porter, os produtos comerciais de moda buscam alcançar o ponto ótimo entre norma e tendência, comercialização e criatividade, entre tradição e inovação (CAMPOS, 2017). De acordo com pesquisa conduzida por Hung e Chen no ano de 2012, a adoção de tendência (trendiness) influencia a preferência por produtos e afeta internamente a percepção aparente de um produto. Quando a adoção de tendências em um produto é considerada moderada, há um acréscimo na preferência estética pelo produto em particular, o que indica a exigência da habilidade em combinar inovação e tipicidade no design de produtos.
A pesquisa dos chineses, todavia, foi conduzida fora do ramo da moda. Sendo assim, as especificidades do campo tão proximamente relacionado à variação e à mudança devem ser consideradas. Não obstante, os resultados de Hung e Chen mantém-se interessantes para a maioria de empresas de moda que buscam o grau perfeito de absorção de tendências estéticas e normalidade de produto com a intenção de atrair o maior número possível de clientes. Designers independente e marcas mais exclusivas – referenciadas com o termo inglês labels – têm o objetivo de uma produção limitada e preferem desenvolver itens de vestuário com qualidades estéticas marcantes, frequentemente independente das tendências que guiam os mercados, buscando lucrar com o valor simbólico da inventividade e inovação de seus projetos.
3.2 Inovação em design de moda
A inovação tornou-se um tema recorrente ainda no século XX. No campo do design, o conceito ganhou tônus a partir de 1990. Os significados comumente atribuídos ao termo expressam: tornar novo; mudar; introduzir novas funções; renovar. A inovação não se refere necessariamente aos resultados, mas à implementação de um novo ou melhorado produto ou processo, método, organização, relação, etc. (OECD, 2005). Estudos apontam que inovações devem ser respostas a demandas de desejos e necessidades do mercado. A inovação atua de forma iterativa, adaptando produtos arranjando e rearranjando conhecimentos, ferramentas e tecnologias em prol de atender a essas questões.
Há diferentes tipos de inovação: incremental, radical ou distintiva; de acordo com seu grau de novidade e impacto. Ainda, uma inovação pode ser aplicada em diversos níveis: a produtos, processos, posições e paradigmas. Especificamente no caso da moda, as mudanças visíveis na forma do vestuário são classificadas como inovações incrementais, uma vez que tais “novidades” respondem ao estímulo de mudança contínua e não provocam efeitos substanciais na produção e nas relações dentro da indústria da moda. Os casos de inovação distintiva e radical são escassas nessa indústria (VERGANTI, 2012), mas há casos reconhecidos de usos de técnicas e materiais não convencionais – que especialistas referenciam como cases de sucesso contra as constantes falsificações.
Devido à maior parte das inovações da moda são associadas ao aspecto estético, autores preferem referir-se às alterações de moda como “novidades” e não como inovações (HANSEN-HANSEN, 2012; BAKEWELL & MITCHELL, 2006; DHURUP, 2014; HUNG & CHEN, op. Cit.). Considerando-se a indústria de moda, a novidade é um atributo pertinente, já que faz referência a diferenciação de mercado e atratividade de produto. Além disso, é uma característica considerada pelos consumidores diante de uma decisão. A novidade em produtos impulsiona brandconsciousness (consciência da marca), lealdade e percepção favorável à marca e aumento do valor do produto (DHURUP, 2014).
Todavia, a inovação estética e estilística não altera o uso de um produto ou sua funcionalidade. As inovações na moda são significativas, no entanto, apenas devido ao valor simbólico de produtos de moda. No auge da produção industrial de vestuário houve um investimento na expansão do consumo com base na obsolescência estética e simbólica dos produtos, os quais, a partir de um ponto de vista funcional, poderiam ser usados por mais tempo. De acordo com Mozota (2011), a satisfação do consumidor por atributos de produtos subjetivos e intangíveis também infere na inovação, uma vez que a inovação orientada pelo design consiste em transformações nos significados atribuídos pelos consumidores a um produto (op. cit.).
O conceito de inovação está ligado ao conceito de competitividade e ao sucesso de empresas e organizações. Isso influencia diretamente empresas de moda, uma vez que a moda é diretamente motivada por interesses financeiros e comerciais (CAMPOS, 2013; GODART, 2006). A produção de bens de moda ocorre através de processos industriais, mas a moda habita um universo mais amplo, uma vez que aborda diretamente uma esfera estética. A indústria de confecção de bens de consumo materializa as criações conceituais de uma cultura de moda. A produção conceitual é local da ação de designers de moda, cujas atividades abrangem o planejamento e desenvolvimento de coleções.
4. PROJETO EM DESIGN DE MODA
Apesar das recentes mudanças na produção e comercialização de produtos de moda, as coleções baseiam-se na sazonalidade e podem ser definidas como um conjunto de produtos agrupados por vários critérios, tais como: tecnologias, cores, materiais, tipologias, mercados, etc. Para o designer de moda é necessário definir uma gama de cores, formas e tecidos para criar um equilíbrio entre o número de produtos, tecidos e detalhes da coleção. A seleção definirá uma imagem e identidade única, e proporcionará consistência à coleção e à marca, tornando as propostas coesas (JONES, 2011).
Um projeto de design de moda é sistematicamente definido por sua extensão de duas a seis semanas e pela combinação de atividades de pesquisa e de prática projetual (criação). Os conceitos, tarefas e objetivos do projeto são especificados num briefing pelo diretor ou gestor da empresa (SAVIOLO & TESTA, 2015). Apesar de haver uma gama de metodologias para o design de moda, muitas delas apresentam etapas similares e correspondentes. Do ponto de vista da gestão, Saviolo & Testa organizam o desenvolvimento da coleção em quatro estágios: [1] definição de diretrizes; [2] definição da estrutura e planejamento; [3] desenvolvimento executivo e [4] avaliação.
A primeira fase [1] envolve a definição das características gerais da coleção, seus objetivos e códigos e elementos da imagem da marca. A ampla maioria das decisões tomadas neste estágio são embasadas por pesquisa de mineração de dados (data mining) de coleções transcorridas: sucessos e fracassos em vendas, reclamações e elogios de consumidores. Ainda, pesquisas de mercado podem sugerir alterações em segmento de mercado e canais de distribuição. Há ainda a possibilidade de inputs por parte do time de criação com base em tendências e temas recentes, apresentando dados para aspectos conceituais e estéticos da coleção.
Após a [2] definição das estrutura e planejamento da coleção – que consiste em determinar estratégias comerciais e de posicionamento para a marca – e antes do [3] desenvolvimento executivo – que envolve a execução de protótipos, modelos e a quantificação racional da carga de trabalho e material para cada uma das etapas produtivas – ocorre o desenvolvimento criativo. As etapas de design são consideradas centrais para o desenvolvimento de produto porque envolvem criatividade e inovação. Todavia, elas devem estar embasadas em diretrizes comerciais estáveis que não negligenciam o compromisso das empresas de moda com o mercado.
Após o lançamento de uma coleção, a etapa de [4] avaliação reconecta o projeto com a etapa inicial, de [1] geração de diretrizes; uma vez que a avaliação fornece feedback informacional sobre processos e produtos, com a intenção de promover melhorias nas metodologias, processos e ferramentas do design de moda (SAVIOLO & TESTA, 2015). O objetivo da avaliação é criar coleções coerentes com as expectativas de mercado, requerimentos de produto e objetivos da empresa.
Referente às expectativas de mercado, designers de moda devem balancear aspectos permanentes e sazonais. Aspectos permanentes fazem referência ao branding e a estratégias de posicionamento e decisões de médio e longo prazo sobre o que deva ser a identidade estilística da marca. Por sua vez, aspectos sazonais indicam tendências de moda e a habilidade em introduzir gradualmente novidades do mercado, modernizando a oferta de produtos. Baseando-se em maiores e menores graus de adoção de cada um desses aspectos (permanentes e sazonais), podemos considerar dois polos extremos do modalidades de empresas de moda – além da possibilidade de gradação entre ambos esses polos (Figura 1).
As empresas mais direcionadas ao mercado respondem amplamente às tendências de moda e produzem rapidamente em reação ao mercado. As empresas mais direcionadas a um estilo particular e bem definido – como é o caso de empresas de hautecouture, prêt-à-porter e designers autorais – baseiam-se tanto em sua tradição e renome, como são mais dispostos a inovar deliberadamente. A maioria das empresas no cenário contemporâneo são direcionadas ao mercado. Reagir às tendências de moda é mais simples do que criá-las. Todavia, projetar produtos que apenas respondem a oportunidades de mercado facilmente reconhecíveis leva ao risco da oferta de produtos meramente triviais.
Em relação à criação no sistema de moda, Skov e Melchior (2010) consideram que a generalizada institucionalização da moda tem rotinizado as interações, deixando espaço limitado para a criatividade individual ou para a inovação expressiva. A moda teimosamente recai em modelos estabelecidos pela coordenação do sistema de moda, com várias instituições ininterruptamente seguindo os mesmos padrões e reforçando as mesmas estruturas (CAMPOS, 2017). Durante as etapas de desenvolvimento de coleção, as empresas optam por seguir ou adaptar algumas tendências específicas de acordo com os perfis de seus clientes e o estilo de suas marcas.
5. METODOLOGIA: ENTREVISTAS COM ESPECIALISTAS EM MODA
Este artigo sobrexcede a pesquisa desenvolvida durante o doutorado em Design na Universidade Federal de Santa Catarina e Bergische Universität Wuppertal (CAMPOS, 2017). Especificamente o conteúdo tratado consiste no recorte dado às entrevistas de validação dos resultados da pesquisa de campo para a tese. Na ocasião, recorri a três especialistas com atuações diversas no campo da moda: Martina Glomb, professora de Design de Moda na Universidade de Ciências Aplicadas e Artes de Hannover (Alemanha); Andrea Bisker, pesquisadora de tendências e consultora, foi diretora do WGSN no Brasil por 10 anos e responsável por sua inserção no país; e Carla Raimondi, jornalista, editora e consultora de moda, a sendo editora das revistas Elle e InStyle no Brasil por mais de 15 anos.
O contato com as especialistas ocorreu de modo informal, diretamente ou viabilizada por terceiros. As entrevistas seguiram moldes de conversações informais, mas foram sustentadas por um framework semiestruturado. O roteiro foi composto de [1] uma breve apresentação da pesquisa de doutoramento e questões sobre [2] orientação a tendências de moda e [3] sobre tipos de uso de relatórios de tendências. Para os fins específicos do presente recorte interessam as questões do tópico 2; com ênfase na assinatura de serviços de tendências, o uso de tais informações e questões sobre criação em design de moda e a lógica mercantil do setor.
As entrevistas foram conduzidas via Skype e foram gravadas e transcritas com a autorização das entrevistadas ao início de cada entrevista. As transliterações foram analisadas qualitativamente e em contraste entre si. A análise de conteúdo baseou-se mormente na Grounded Theory. Proposta inicialmente por Glaser e Strauss, em 1967, a abordagem implica que a teoria não surge simplesmente dos dados, mas da troca do pesquisador com esses dados. Logo, os temas criação, adequação, inovação e segurança – as quais alicerçam esta investigação – emergiram das interlocuções com as entrevistadas, com a teoria e com o campo da moda contemporânea.
6. RESULTADOS: DESAFIOS E PROGNÓSTICOS PARA A CRIAÇÃO EM MODA
revista
A codificação dos conteúdos da entrevista possibilitou a organização das informações em cinco grandes tópicos: [a] cópia X criação; [b] curadoria; [c] timing; [d] uso default de trendreports e; [e] aspecto financeiro. Cada um dos tópicos será abordado de modo detalhado a seguir.
O primeiro e mais amplo conceito consiste na dialética [a] cópia versus criação autoral. Ao passo que as especialistas afirmam que na indústria de moda há cada vez menos espaço de criação autoral visceral. Esse tipo de criação – considerada mais inovadora e criativa – é também mencionada como um processo associado ao ego de estilistas, os quais sentem-se orgulhosos em afirmar que não precisam buscar tendências e não copiam de outros estilistas. A criação autoral está calcada, portanto, na diferença e é prática possível para uma minoria dos criadores da área de moda, sendo associada a grandes estilistas. Aos outros designers de moda, criação envolve uma mescla mais ou menos moderada de novidade e reprodução de modelos já desenvolvidos – pela própria ou por outras marcas.
Uma visão mais crítica problematiza o procedimento de “copiar e colar” desenvolvido por grandes magazines, que atendem tanto a consumidores tradicionais quanto àqueles que seguem tendências. Tal prática tem raízes antigas, nas viagens internacionais em que estilistas fotografam e adquirem peças de moda para sua adaptação e reprodução. Esse seria um dos motivos pelos quais a indústria de moda enfrenta dificuldades. Com espaço limitado para criação, designers com menor liberdade atuam como reprodutores e aqueles com maior, atuam como curadores de inspiração.
O conceito de [b] curadoria envolve o principal trabalho do designer de moda na atualidade. Sendo assim, a boa prática requer mais relevância do que volume de informação. Os criativos devem atuar como filtros de informação de moda. Para tal, eles requerem esse serviço de prestadores, como os grandes bureaux de style – empresas de pesquisa de tendência de moda. O diferencial desses prestadores reside tanto na rapidez com que oferecem informação filtrada, personalizada e direcionada para o escopo da empresa (seu público-alvo, posicionamento, nicho de mercado e produto); quanto na confiabilidade de desenvolvimento hábil.
Especificamente nesta investigação, o tema [c] timing seguiu duas linhas. A primeira diz respeito à falta de tempo de estilistas para pesquisarem inspirações e tendências, mesmo aquelas já filtradas pelos bureaux de style. A criação de moda vem sendo afogada por afazeres burocráticos diversos à atuação criativa. A segunda linha explicita a assimilação das novidades pelo público. Estilistas `criativos demais´ são percebidos positivamente como à frente do tempo. Todavia, há desconfiança do público em adotar produtos inovadores. Muitas tendências adotadas por marcas não foram bem aceitas pelo público, resultando em poucas vendas e reforçando o comedimento na oferta de produtos.
Ademais, as especialistas concordaram que as empresas de moda utilizam relatórios de pesquisa de tendências em [d] modo default. Essa fonte de informação tornou-se custo-fixo (relativamente baixo, atualmente) da grande maioria das empresas. Os custos se justificam, pois esses relatórios trazem informações relevante ao setor. Seu uso envolve mais o zapping, coletando e selecionando inspirações e referências pontuais e menos a adoção completa de uma proposta fechada. É prática comum de estilistas acessar regularmente o material para manterem-se atualizados. Os relatórios de tendências apresentam “vigências” e possibilitam que estilistas proponham novidades em maior ou menor grau.
Por fim, o último tópico refere-se ao [e] aspecto financeiro da criação em design de moda, abordado em relação à segurança em orientar-se ao mercado. Projetos comerciais raramente são coincidentes com as escolhas de criação dos estilistas e designers. Porém, como a maior parte do público não busca coisas muito novas, as propostas de mais comerciais “seguem a corrente”. A adoção de tendências é vista como válida para uma marca de moda quando é comedida, mantendo a proposta mais básica e constante. Afirmou-se que praticamente pouquíssimas das empresas de moda no cenário mundial podem dar-se o “luxo” de arriscar. Relativizar a adoção de tendências de moda garantiria não estar de todo fora das expectativas dos consumidores, assegurando um índice de assertividade maior.
Considera-se, finalmente, indicar que todas as especialistas referenciaram a necessidade urgente de pesquisa sobre os tópicos da dependência do relatório de tendências da moda, dependência de escritórios de estilo e criatividade e inovação na moda. Uma vez que, como exposto, o setor encontra-se em momento importuno. Essa dependência (e o medo em ousar e em errar) é preocupante tanto internamente – por parte das empresas e do design de moda – quanto externamente – por parte dos consumidores de moda. Outra especialista respeitada no setor, a guru de tendências Li Edelkoort (2017), afirmou no manifesto intitulado “Anti-fashion” que o sistema de moda se tornou obsoleto. Destarte, cabe à moda coragem para recriar-se.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os produtos raramente têm valor em si mesmos. São avaliados em resposta aos desejos de clientes. Atributos de produto são tanto materiais – qualidades funcionais, físicas e técnicas – quanto imateriais – motivações psicológicas e culturais do consumidor. Para que um produto de moda chegue ao consumidor, ele deve passar por um processo duplo. Um deles é de base técnico-produtiva e envolve a confecção material dos produtos. O outro processo corresponde ao projeto criativo. A gestão da criatividade empresarial envolve não somente a inventividade da equipe criativa, mas também aspectos industriais e financeiros – os quais têm a manutenção dos consumidores como objetivo principal, viabilizando a realização dos projetos.
A gestão da criatividade e da inovação é problemática na área da moda, uma vez que requer a combinação de aspectos estéticos e simbólicos com aspectos econômicos e competitivos. Designers de moda se sentem pressionados a direcionar suas criações para o mercado, uma vez que são avaliados pela direção da empresa quanto à aceitação de seus produtos medida pelo sucesso de vendas. Os gerentes de produto trabalham junto a designers e comerciantes para fornecer uma estrutura clara para a equipe de criação que configure a demanda da próxima estação. Sendo assim, cabe à gerência de produto atender com a melhor agudeza possível as intenções de criatividade dos designers e a expectativa de lucros da empresa; mantendo, do mesmo modo, a coerência com as várias instituições de apoio do sistema de moda.
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