Resumo: O audiovisual tem sido utilizado, ao longo dos anos, de forma bastante positiva em contextos educativos. Além do potencial lúdico, o audiovisual desempenha importante papel de disseminação de informação nas sociedades contemporâneas. Nesse sentido, este artigo relata a experiência desenvolvida na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) durante o primeiro semestre de 2016. Por ser um espaço privilegiado de debate e inovação, a UFU abriga várias startups (empreendimentos inovadores) que foram criadas e gerenciadas por estudantes. Cumprindo a premissa maior da extensão universitária, a produção de um documentário e de um site teve como objetivo fazer com que estas empresas se tornassem conhecidas pela comunidade em geral (interna e externa), num processo de valorização da inovação destes alunos- empreendedores.
Palavras-chave:startupsstartups, inovação inovação, audiovisual audiovisual, extensão universitária extensão universitária.
Abstract: Audiovisual resources have been used over the years in a very positive way in educational settings. In addition to their recreational potential, it is clear that audiovisual resources have an important role in the dissemination of information in contemporary societies. In this sense, this article reports an experience developed at the Federal University of Uberlândia (UFU in the Portuguese acronym) during the first semester of 2016. As the UFU is a privileged space for debate and innovation, it is home to a number of startups developed and managed by students. Fulfilling the major goal of outreach activities, the production of a documentary and the creation of a website aimed at making these business known by the community in general (internal and external), valuing the innovation created by these entrepreneur students.
Keywords: startups, innovation, audiovisual, outreach university projects.
Artigos
PRODUÇÃO AUDIOVISUAL E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA:DISSEMINANDO INFORMAÇÃO E INCENTIVANDO AS STARTUPS
Recepção: 30 Julho 2016
Aprovação: 09 Dezembro 2016
No contexto das sociedades contemporâneas, notadamente marcadas por novas dimensões espaciais e temporais ocasionadas pelo progresso da globalização1, torna-se cada vez mais urgente que o conhecimento seja, efetivamente, gerado, disseminado e que, além disso, retorne para o entorno em que foi gerado. O desenvolvimento igualitário das sociedades depende da efetivação deste ciclo. Não raro, o conhecimento gerado acaba circunscrito às grandes corporações, não alcançando as demandas que mais dele necessitam.As universidades brasileiras - principalmente as públicas - são celeiros de tecnologia e espaços privilegiados para experimentações desta natureza. Assumindo a premissa de que a universidade pública não deve se isolar do espaço geográfico em que se encontra, incentivar a experimentação com novas formas de fazer negócios torna-se praticamente uma ação emergencial.
Ademais, as sociedades contemporâneas atravessam uma reconfiguração de mercado que se pauta não mais pela venda massiva, tal como ocorria até a década de 1980, e sim pelo mercado de nichos (ANDERSON, 2001). Esta nova configuração é também potencializada pelas tecnologias inovadoras que permitem a formação de negócios que não estão mais circunscritos aos muros de concreto. Ao contrário, as maiores formações econômicas estão nos ambientes virtuais. Além disso, esta nova configuração permite que novos atores adentrem um cenário antes restrito apenas a poucos.
Neste sentido, abre-se espaço para o empreendedorismo e a inovação. Quando este fenômeno ocorre no espaço acadêmico, pode-se dizer que a universidade finalmente se abriu à sociedade e ao consumo. Um ponto importante: o consumo aqui não se refere ao senso comum, àquele que se relaciona apenas à exploração de muitos por alguns poucos privilegiados. Distante disso, o consumo, nesta perspectiva, é uma expressão cultural porque tem importância política na vida do cidadão (CANCLINI, 2006). A própria noção de cidadania pressupõe que o sentido dos bens seja compartilhado. Isso implica que, diferentemente do que pressupõe o senso comum, o consumo é “social, correlativo e ativo”. Não se trata apenas de produzir para vender, mesmo porque o uso social do objeto que é pensado no interior dos laboratórios só é conhecido quando este ganha as ruas.
As startups (pequenas empresas inovadoras) surgem neste cenário de descoberta do novo, barateamento de custos e inovação. A inovação precisa e deve ser incentivada em todos os locais, mas especialmente no ambiente acadêmico. Por outro lado, é preciso - também - saber gerir este processo como forma de garantir: 1) o desenvolvimento humano; 2) o retorno dos investimentos para o entorno que o gerou e, finalmente, 3) o incentivo à inovação em espaços acadêmicos.
Tendo em vista estes pontos balizadores, este artigo relata a experiência com a produção de um vídeo documentário sobre as startups que se desenvolveram no interior da Universidade Federal de Uberlândia. Além de cumprir o papel de documentar esta produção, a iniciativa (que surgiu a partir de iniciação científica) também possibilitou a divulgação da informação de forma democrática, pois o documentário foi disponibilizado em um site (produzido especificamente para este fim) na internet. O formato audiovisual foi escolhido pelo fato de que, segundo Férres (1994), é possível que enormes contingentes populacionais atravessem a fase escrita e alcancem diretamente a audiovisual. Isto posto, observa-se que, além de mobilizar o aspecto lúdico na disseminação de informações, o audiovisual “fala” com pessoas, que aprendem de diferentes maneiras (SANTOS, 2013).
Cumprindo a premissa maior da extensão universitária, a produção dos materiais (site e documentário) teve como objetivo fazer com que estas empresas se tornassem conhecidas pela comunidade em geral (interna e externa), num processo duplo de valorização da inovação dos alunos-empreendedores e a disseminação de informação e serviços para a comunidade em geral. Este projeto é oriundo de uma iniciação científica desenvolvida, no âmbito do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Uberlândia, na linha de pesquisa denominada “Jornalismo audiovisual: exercitando a narrativa transmídia”, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós- Graduação da UFU (PROPP).
O incentivo destas empresas inovadoras no espaço acadêmico demonstrou que se trata de uma forma de fazer com as universidades alcancem o patamar de organizações que aprendem (SENGE, 2010) e não apenas organizações que ensinam.
O novo cenário está pautado na transformação da informação, enquanto “principal matéria-prima desse novo paradigma”, em conhecimento (MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA, 2000, p. 17).Este novo paradigma fez surgir o conceito de era da informação, ou do conhecimento. É a estrutura social, econômica, política, técnica que representa a sociedade no momento pós-industrial e tem como agente transformador a informação com o sucessivo desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação2 (tecnologias inovadoras).
De acordo com o Ministério da Ciência e Tecnologia (2000), as tecnologias inovadoras articularam transformações no modo de produzir, inovar, investir, comercializar. A Internet, com “a explosão da rede global – World Wide Web – em meados da década de 90”, é a tecnologia da informação e comunicação mais inovadora. Desta forma, “o surgimento dessa inovação teve o poder de promover uma onda de renovação em praticamente toda a economia” (MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA,2000, p. 17-18).A Internet também catalisou temas como inovação, tecnologia e empreendedorismo, reforçando o papel importante que desenvolvem na sociedade em seus aspectos gerais e proporcionando um ambiente de inovações tecnológicas que mudaram completamente a realidade social do mundo.Além de colocar em voga o empreendedorismo, as tecnologias inovadoras possibilitaram a inovação e criação de empresas, serviços, produtos, entre outras atividades empreendedoras. Todos estes aspectos se imbricam e provocam mudanças na sociedade, de forma que ambos se transformam simultaneamente.
Timmons (1994 apud DOLABELA, 2008, p. 24) pontua que “o empreendedorismo é uma revolução silenciosa, que será para o século 21 mais do que a revolução industrial foi para o século 20”. Apesar disto, o empreendedor esteve e está presente em todos os acontecimentos da humanidade nos aspectos ligados à inovação e criação de novos produtos. O relatório da pesquisa Global Entrepreneurship Monitor3– GEM – (2014) aponta 45 milhões de empreendedores no Brasil, em 2014. Conforme a linha de raciocínio do modelo GEM, empreendedorismo é:
[...] qualquer tentativa de criação de um novo negócio ou novo empreendimento, como, por exemplo, uma atividade autônoma, uma nova empresa ou a expansão de um empreendimento existente. Em qualquer das situações a iniciativa pode ser de um indivíduo, grupos de indivíduos ou por empresas já estabelecidas (MACEDO et al, 2013, p. 116).
Ações de empreendedorismo implicam, necessariamente, no desenvolvimento de algo novo com valor de mercado. Além disso, este processo requer coragem para assumir riscos, contornar insucessos e “comprometimento de tempo e esforço para que o novo negócio possa transformar-se em realidade e crescer” (CHIAVENATO, 2007, p. 22). Além disso, “é importante criar um ambiente favorável para o surgimento de inovações e promover a geração de mecanismos de estímulo à concepção e desenvolvimento de projetos de produtos e serviços em áreas estratégicas” (MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA, 2000, p. 27). A universidade é um destes ambientes, mas ainda é preciso dar mais destaque à cultura empreendedora neste espaço. Em grande medida, a ausência (e até mesmo a negação) deste tema nas universidades - especialmente nas públicas - está relacionada à cultura de dualidade que acompanha a História da Educação ao longo dos anos: trabalho manual x trabalho intelectual.
Segundo Dolabela (2008, p. 24), empreendedorismo “é um tema universal, e não específico ou acessório. Em outras palavras: deve estar na educação básica, ser oferecido para todos os alunos”. Apesar da importância da educação empreendedora, seu ensino, metodologia e fomento são incipientes. O atual ensino não visa essa educação e isso não é mais compatível com o contexto socioeconômico do mundo (DOLABELA, 2008).
Mas, para que o ensino seja, de fato, efetivo, é preciso mudar a metodologia. Um novo método promoveria uma experiência com situações, pessoas, soluções e aprendizados reais. As universidades devem ser a força de impulso para a mudança desse ensino para, futuramente, levá-lo ao ensino de base. Estas instituições possuem “grande capacidade para fornecer mais apoio para empreendedores e potenciais empreendedores, para que consigam desenvolver e implantar ideias mais inovadoras, com grande magnitude, para melhorar a sociedade que as cercam” (ENDEAVOR, 2014, p. 28).
Segundo os resultados quantitativos da pesquisa “Empreendedorismo nas universidades brasileiras”4, 11,2% dos universitários que responderam já são empreendedores e “quase um em cada quatro estudantes pesquisados já teve alguma experiência como empreendedor” (ENDEAVOR, 2014, p. 9). Além disso, 57,9% são potenciais empreendedores. Ainda de acordo com a pesquisa, “cerca de 10% do total de alunos não priorizam ou não se interessam por empreendedorismo”, mas dentre os 90% que têm interesse, “a vontade de cursar disciplinas de ensino de empreendedorismo é superior a 70% em todos os cursos analisados, chegando a 96% no curso de administração” (ENDEAVOR, 2014, p. 17-18).
Há uma demanda latente por cursos de empreendedorismo e que ainda não está sendo atendida em muitos cursos. Também foram apurados os resultados do número de alunos que afirmam não terem cursado disciplina de empreendedorismo porque seus cursos não a disponibilizaram. [...] um em cada três alunos de ciências humanas não aplicadas (como história e sociologia) gostaria de fazer a disciplina, mas não pode porque seus cursos não a oferecem (ENDEAVOR, 2014, p. 18).
Apesar deste cenário, a ausência de uma disciplina específica não chega a inviabilizar a inovação nos espaços acadêmicos, mas é, sem dúvida, um fator que compromete a formação de novos empreendedores. A existência dela poderia despertar o gosto pelo empreendedorismo nos alunos e também auxiliá-los na sistematização do conhecimento, ação essencial para o desenvolvimento de startups. Míriam Pinto (2012) faz uma citação que não se refere a startups em si, mas retrata o contexto que insere e, de certa forma, inicia o termo:
[...] novos produtos criam novos mercados consumidores e novos processos de produção podem significar menores custos de produção e, portanto, menores preços e aumento de vendas. Novos mecanismos de venda, por exemplo, por meio da Internet, também podem significar o alcance de novos mercados consumidores, o que acarretará aumentos de escala de produção e redução de custos. Essas são apenas algumas situações que demonstram a relevância da inovação tecnológica nas sociedades capitalistas contemporâneas (PINTO, 2012, p. 41).
Então, a inovação ocorre tanto na produção quanto no processo de venda e consumo. Isso influencia a sociedade de forma geral, tanto que Ries (2012, p. 23, grifo nosso) define startup como “uma instituição humana projetada para criar novos produtos e serviços sob condições de extrema incerteza”. Esta definição mostra a importância do capital humano no desenvolvimento de uma startup; a equipe é um dos principais pilares.
No site do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), Gitahy (s/a) afirma que “uma startup é um grupo de pessoas à procura de um modelo de negócios repetível e escalável, trabalhando em condições de extrema incerteza”. Da mesma forma, Pesce (2012, p. 10-11) pontua que startups são “empresas jovens e inovadoras que buscam um modelo de negócio escalável e sustentável”. E Normand (2014) também sintetiza esse pensamento, mostrando estas duas características como diferenciais entre startups e empresas tradicionais:
1) Startups são empresas com crescimento exponencial e que buscam a escalabilidade, ou seja, atingir milhões ou bilhões de consumidores em todo o planeta em um curto período de tempo. [...]
2) Startups buscam um modelo de negócios que pode ser sustentável no longo prazo através do uso repetido de seu produto ou serviço. (NORMAND, 2014, p. 10-11).
Portanto, startup é uma cultura de empreendedores em iniciativas inovadoras de extremo risco. Este fato, em conjunto com a necessidade de escala e sustentabilidade, incide no fato de estes empreendimentos serem mais recorrentes na Internet, porque os custos são menores e a propagação é mais veloz, mas ela pode ser encontrada além do meio digital.
Ries (2012) mostra que “o objetivo de uma startup é descobrir a coisa certa a criar – a coisa que os clientes querem e pela qual pagarão – o mais rápido possível”(RIES, 2012, p. 18).Da mesma forma como se inspiram em seu público, as startups precisam mudar conforme as necessidades destes, moldando sempre seu produto a partir dos retornos que recebe. Não estar atento aos feedbacks dos consumidores pode ser um dos principais fatores a comprometer o sucesso de uma startup. Por tais motivos, a metodologia enxuta indica o lançamento de um “produto mínimo viável” que possa avaliar e medir as necessidades dos consumidores e, a partir do retorno destes, corrigir possíveis erros e melhorar o empreendimento (RIES, 2012).
Em seu cerne, a startup é uma catalisadora que transforma ideias em produtos. À medida que os clientes interagem com os produtos, geram feedback e dados. [...] os produtos que uma startup desenvolve são experimentos; a aprendizagem sobre como desenvolver uma empresa sustentável é o resultado desses experimentos. Para as startups, tais informações são muito mais importantes que dólares, prêmios ou citações na imprensa, pois podem influenciar e reformular o próximo conjunto de ideias (RIES, 2012, p. 54).
Isto posto, fica claro que novos empreendimentos e tecnologias dependem do mercado e do público. A Internet segmentou o mercado e facilitou que um número maior de pessoas produzisse e consumisse produtos cada vez mais específicos. Ela também ofereceu condições para que as empresas ampliassem seu alcance, conforme Anderson (2006). O autor discorre sobre o mercado de nichos, com consumidores cada vez mais exigentes em variedade e qualidade. As startups se configuram, portanto, como uma resposta ao novo modelo de consumo, buscando atender públicos específicos.
A partir de uma observação sistemática, intensiva e extensiva, além de coleta de dados por meio de entrevistas (GIL, 2008), este estudo investigou, selecionou, documentou e expôs algumas startups que existem dentro da universidade.
Apesar de o pesquisador manter certa distância do objeto/tema de análise, o estudo de caso requer escolhas, e, por se tratar de uma realidade que não lhe é estranha, é provável que estas se deem a partir de valores e crenças pessoais. No entanto, também é necessário que o observador compreenda as questões estudadas para que suas escolhas não sejam apenas intuitivas, mas sim fundamentadas (GIL, 2008).
A exposição das startups selecionadas (de forma aleatória) foi feita a partir de um documentário interativo.A escolha por um audiovisual documental se deu, principalmente, pelo seu potencial comunicativo e educativo, posto que é cada vez maior o tempo de exposição às telas (tanto por crianças quanto por adultos) (WILES; SCHACHTNER; PENTZ, 2016). Deve-se citar ainda que o documentário permite a reflexão sobre determinado assunto e possibilita, por meio de acentuado viés educativo, a extensão entre universidade e sociedade (VERGOT, 2004).
Como pontua Nichols (2005, p. 47), documentário “não é uma reprodução da realidade, é uma representação do mundo em que vivemos”. E, por isso, ele representa as percepções individuais, de grupos e/ou instituições, que organizam técnicas da retórica com o intuito de convencer os receptores de determinada ideia/opinião.
Vale ressaltar que um bom documentário não esgota um tema, mas antes busca ampliar a visão dos espectadores, de forma que “o documentário que se preza não pretenderá convencer o espectador, mas fazê-lo refletir sobre aquele tema” (COMPARATO, 1995, p341-342). Desta forma, a intenção do documentário produzido é introduzir o debate,disseminar informação sobre startups na UFU e estabelecer pontes entre sociedade e universidade.
Com a revolução tecnológica, o documentário também passou a ser produzido na e para a Internet, rompendo com a linearidade. Spinelli (2014, p. 93) pontua que, ao contrário dos documentários “tradicionais lineares” – que não possibilitam um envolvimento direto do espectador –, os documentários na Internet proporcionam “um diálogo com as pessoas retratadas nos projetos” e uma interação com o público receptor. Estes “se apropriam das tecnologias oferecidas pela web para fortalecer o engajamento, a colaboração e a continuidade dos projetos pelos usuários” (SPINELLI, 2014, p. 96).
Documentário para a web, no entanto, não é sinônimo de documentário interativo. Enquanto o primeiro tem características narrativas voltadas para a disseminação massiva (características próprias de mídias massivas), o segundo pressupõe a valorização da leitura individual. O documentário interativo é mais que uma extensão do documentário linear para a mídia digital; trata-se de um formato que possibilita uma interação direta com seus receptores. É uma alternativa criativa que convida a uma releitura do processo de recepção. A participação no que é produzido é uma forma mais democrática de chamar a atenção do público que o recebe e interpreta de acordo com suas vivências – contexto social, político, econômico e cultural.
Gaudenzi (2013) pontua que, a partir da década de 1960, a arte passa a buscar uma conexão fluida entre produtores, tecnologia e receptores. A interatividade possibilita essa ligação, além de criações mais independentes e dinâmicas. Apesar de o produtor controlar as opções de ações do receptor, a interatividade possibilita um novo posicionamento, compreensão e reação sobre o tema abordado no documentário. Conforme Gaudenzi (2013, p. 27, tradução nossa)5, “o receptor está afetando ativamente a realidade do documentário interativo enquanto navega, mas ele também é afetado por isso”. Desta forma,
Ao destacar o envolvimento dos espectadores de uma posição menos ativa para outras mais participativas, foi possível visualizar a evolução dos processos interativos como formadores de opinião [...] sobre as condições sociais que vivencia, tanto em um contexto local como global. [...] Com os recursos das mídias digitais, os documentários escapam da tela e permitem o engajamento do espectador na busca de conhecimentos e soluções acerca do mundo em que vive (SPINELLI, 2014, p. 96-97).
A escolha por um material interativo, neste projeto, se deve à intenção de possibilitar que o público escolha o caminho que deseja trilhar no decorrer do documentário, e também participar da futura continuação da narrativa. E, a partir disso, a narrativa busca possibilitar ao público refletir sobre a informação disponibilizada.
No que se refere à busca de informações sobre o tema, houve a procura por pessoas que oferecessem referências sobre startups e estivessem expostas direta e indiretamente a estes empreendimentos dentro da UFU. O primeiro passo foi contatar professores da Faculdade de Gestão e Negócios (FAGEN) da UFU. Outro fator que contribuiu no desenvolvimento do projeto foi a participação da equipe na segunda edição do evento Arena Startup, que aconteceu no dia 29 de setembro de 2015, em Uberlândia. Promovido pela Minas Startup e Sebrae Minas, teve o objetivo de premiar as três melhores startups do Triângulo Mineiro e oferecer palestras e apresentação de projetos.
No referido evento, alguns estudantes da UFU apresentaram startups que foram desenvolvidas com o apoio da i9 no i9day. A i9 é uma associação sem fins lucrativos de Uberlândia, que busca o desenvolvimento, a cooperação e união de empresas do setor de tecnologia da informação. O i9day é uma das várias atividades realizadas pela i9, cuja proposta é fomentar projetos de tecnologia em universidades.
A partir do Arena Startup e das buscas por estudantes empreendedores, estudantes da UFU engajados em quatro startups foram contatados para entrevistas e, posteriormente,gravação de imagens para o documentário:
• Pedro Paulo Silveira, estudante de Ciência da Computação e fundador da startup Manual Hacker6;
• Gabriel Carranza, estudante de Engenharia de Controle e Automação e idealizador da startup e Solvere7;
• Caio Franco, estudante de Ciência da Computação e fundador da startup Skipp8;
• Iago Pereira, Engenharia Biomédica; Yan Salim, Engenharia Mecânica; Yasmin Jorge, Engenharia Elétrica; Raphael Jorge, Ciência da Computação e Administração; equipe da startup Piron Health9.
Existem outras startups desenvolvidas por estudantes da UFU, mas, para a construção inicial deste documentário, optou-se por abordar somente as quatro citadas, escolhidas aleatoriamente.
Após as entrevistas (coleta de dados), procedeu-se à produção do roteiro do documentário. Roteiro é um meio para chegar em um resultado; neste caso, um produto audiovisual. Ele é “um guia, uma obra transitória, espécie de mapa que, à medida que a caminhada avança, vai se desfazendo – ou melhor, se transfigurando na própria caminhada” (SARAIVA; CANNITO, 2004, p. 188). Comparato (1995) propõe etapas anteriores ao roteiro final, quais sejam: ideia, conflito ou storyline, sinopse ou argumento, ação dramática ou escaleta, tempo dramático ou rascunho do roteiro e unidade dramática.
Uma das palavras-chave na produção de um documentário é flexibilidade, tanto na produção do pré-roteiro e roteiro quanto nos momentos de gravação. Isso justifica a escolha de produzir, neste projeto, somente o pré-roteiro com ideia, storyline e sinopse.
A ideia é a proposta da narrativa e está separada em plot – enredo da história e subplots – enredos paralelos. “O plot é a espinha dorsal de uma história, o núcleo central da ação dramática, ou seja, as ações organizadas de maneira conexa” (COMPARATO, 1995, p. 163, grifo do autor). Storyline é o “quê” da história, um resumo. E a sinopse é a storyline desenvolvida e “representa o quando (a temporalidade), o onde (a localização), o quem (as personagens) e, finalmente, o qual (a história que vamos contar)” (COMPARATO, 1995, p. 120, grifo do autor). Uma sinopse bem elaborada é um guia para o roteiro.
Apesar de todas as indicações em forma de passo a passo, Comparato (1995) pondera que, no caso de documentário, o “roteiro […] é unicamente orientativo, um ponto de referência para o trabalho de filmagem, visto que a realidade muitas vezes interfere e introduz novos elementos não previstos” (COMPARATO, 1995, p. 341). Puccini afirma que “a impossibilidade da escrita, na etapa de pré-produção, de um roteiro fechado, detalhado cena a cena, para filmes documentários ocorre ou em função do assunto ou da forma de tratamento escolhida para a abordagem do assunto”. Desta forma, o pré-roteiro do documentário produzido nesta pesquisa ficou da seguinte maneira:
• Ideia
Plot – Startups na Universidade Federal de Uberlândia
• Story line
Este documentário mostra o que são startups, a relação empreendedorismo e universidade, e cases de startups desenvolvidas por estudantes da Universidade Federal de Uberlândia, mostrando e valorizando as iniciativas inovadoras dos universitários.
• Sinopse
A universidade é um dos ambientes que precisam dar mais destaque à cultura empreendedora. Vários estudantes e professores têm o propósito de dar mais ênfase à temática empreendedorismo na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Em princípio, este documentário mostra a visão de estudantes da UFU sobre inovação e startups, a relação empreendedorismo e universidade, além do que eles estão produzindo neste campo. Mas a intenção é dar continuidade a este projeto, valorizando as iniciativas empreendedoras e promovendo um debate mais aprofundado no ambiente universitário.
Depois das gravações, foram feitas transcrições para selecionar o que seria utilizado nos vídeos e fazer a edição. O documentário, estruturado na plataforma gratuita Wix, ficou da seguinte forma:
• Um vídeo principal, intercalando as falas dos estudantes, mostrando o que são startups, como são desenvolvidas e a relação com o mercado (06:11 minutos);
• Um vídeo secundário mostrando a relação empreendedorismo e universidade, na visão dos estudantes (03:52 minutos);
• Cases com texto e vídeo (máximo 50 segundos) explicando cada startup.
A interatividade, neste projeto, pode ocorrer de duas formas: os vários vídeos podem ser assistidos sem uma ordem específica, possibilitando ao público construir sua própria narrativa e, além disso, o material está em constante construção, dando oportunidade para outras pessoas mostrarem suas ideias e opiniões, ajudando na continuidade da narrativa. Os vídeos foram disponibilizados na plataforma de vídeos YouTube, mas o documentário completo pode ser acessado por meio do seguinte link: http://carolinardo.wixsite.com/ documentario-startup.
Tanto o vídeo quanto o site são apresentados aqui como mecanismo de extensão universitária. Em uma primeira instância, pressupõe intercâmbio entre universidade e sociedade ao ser apresentado como “processo educativo, cultural e científico que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável” (FÓRUM NACIONAL, 1987). Na perspectiva adotada nesta pesquisa, a extensão pressupõe a comunicação e vice-versa (FREIRE, 1987). Por pressupor o respeito às dinâmicas sociais e aos saberes postos em voga (por todos os envolvidos), não havia como partir de um roteiro fixo. No máximo, existia uma ideia que foi tomando corpo e forma ao longo do processo pedagógico e extensivo.
Uma ação de extensão não deve partir de uma promoção, ou seja, não é um aluno que promove algo como se ele fosse um sujeito ativo que desempenha uma ação para o outro, como um processo de doação voluntária. Tal visão é equivocada e precisa ser superada. A extensão não deve pressupor ações de “mão-dupla”, posto que tal concepção parte do princípio de que alguém (ou algo) é beneficiado à medida que recebe um benefício. Ademais, Serrano (s/a, p.11) afirma que “esta é uma concepção que interliga mas não possibilita a mistura e a construção de um saber novo”. Ações coletivas genuínas pressupõem mistura, mescla, hibridização, a tal ponto que não seja mais possível identificar a fonte de um saber. Juntas, universidade e sociedade criaram um novo saber. Indo além, não deveria existir razão para a distinção entre a primeira e a segunda, uma vez que a segunda deveria - em sua totalidade - estar contida na primeira.
No caso deste projeto, produzir o material pressupôs a articulação entre ensino e pesquisa, ao passo que também se alinha a uma antiga demanda já verificada no Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras. De acordo com texto de referência para o sistema nacional de informações da extensão (SIEX), a comunicação devia abarcar ações em torno de temas relacionados à mídia comunitária, comunicação escrita e eletrônica, produção e difusão de material educativo, televisão universitária etc. O vídeo documentário cumpre, ainda que de forma bastante limitada,justamente esta antiga demanda no escopo da UFU. O site possibilita que o internauta localize os serviços oferecidos pelas startups desenvolvidas na UFU e também busca mostrar que empreender está ao alcance de todos.
Empreender é inerente à sociedade, mas estudar, pesquisar e inovar dentro do empreendedorismo são situações que vêm crescendo recentemente. Os novos empreendimentos conhecidos como startups são exemplos de inovação, não só na área do empreendedorismo, mas na forma de produção e consumo.
Os estudos sobre as startups ainda são recentes e, por isso, a universidade pode e deve ser um ambiente que fortaleça a pesquisa e a atividade empreendedora inovadora, inspirando os estudantes e a sociedade. O documentário desenvolvido no escopo deste projeto mostra que existem vários estudantes empreendedores engajados no desenvolvimento de startups. Além disso, mostrá-los através do documentário dá visibilidade ao que estes alunos estão desenvolvendo, além de aprimorar o debate e o ensino do empreendedorismo na universidade.
A continuação do documentário também é importante para mostrar outras visões, outros projetos e incentivar os universitários, em si, e a sociedade, em geral, para o desenvolvimento inovador e consciente.Tal movimento é importante, sobretudo, para que as universidades observem o importante papel político e desenvolvimentista assumido pelos projetos de extensão universitária neste novo desenho de sociedade que se pauta, cada vez mais, pelos bens imateriais.