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A CONTRIBUIÇÃO DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NA FORMAÇÃO ACADÊMICA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS

Mayra Rodrigues Fernandes Ribeiro
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Brasil
Verônica Maria de Araújo Pontes
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Brasil
Etevaldo Almeida Silva
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Brasil

A CONTRIBUIÇÃO DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NA FORMAÇÃO ACADÊMICA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS

Revista Conexão UEPG, vol. 13, núm. 1, pp. 52-65, 2017

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 29 Julho 2016

Aprovação: 09 Dezembro 2016

Resumo: Este estudo intenciona perceber como o professor expressa a natureza da atividade de extensão em seus projetos, usando como parâmetro de análise a aproximação e o distanciamento da potência da extensão universitária como dispositivo formativo inspirado na práxis. Como campo empírico, foram utilizadas propostas de ações extensionistas apresentadas por professores no cenário formativo da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, por meio do edital de carga horária do ano de 2016. Foram selecionadas 14% das propostas aprovadas em 2016, nas quais analisaram-se os itens: indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão; natureza e avaliação da extensão. Constatou-se a importância de um diálogo formativo que viabilize a discussão do conceito de extensão na perspectiva de ampliação dos sentidos, para uma (trans) formação em devir de uma postura docente implicada com a formação dialógica, por meio de saberes plurais que perpassam a vida dentro fora da Universidade.

Palavras-chave: extensão universitária, epistemologia, formação humana.

Abstract: This study aims at analysing how teachers express the nature of the extension activity in their projects, using the approaching and distancing of the university extension potential as an education device inspired in the praxis as a parameter of analysis. The empirical field comprised the extension actions proposed by teachers in the education scenery of the State University of Rio Grande do Norte, through the workload notice for 2016. 14% of the proposals approved in 2016 were selected, in which the items below were analysed: the inextricable connection between teaching-research-extension and the extension nature and evaluation. The importance of a formative dialogue which enables the discussion of the concept of extension in the perspective of broadening senses, for some transformation in the evolution of a teaching posture with dialogical education, through plural knowledge that permeate the University insideoutside.

Keywords: university extension, epistemology, human education.

Introdução

As discussões político-acadêmicas sobre a função formativa e social da Universidade vêm se transformando qualitativamente e quantitativamente no final do século XX e mais preponderantemente no século XXI, principalmente no que se refere à noção de ciência, produção de conhecimento e acesso ao ensino superior. De lócus único de produção de conhecimento ancorado em paradigmas positivistas e cartesianos, a Universidade vai, gradativamente, se reconfigurando em lugar de polifonia e de possibilidades de “fazer ciência com um rigor outro” (GALLEFI, 2009; MACEDO, 2009),que consiste em problematizarmos os excessos iluministas que reduzirem, ou até mesmo desconsiderarem, as epistemologias das práticas, os saberes fazeres plurais produzidos pelos atores no cotidiano.

Nesse cenário de transformação da Universidade, podemos situaras mudanças da natureza conceitual e prática da extensão universitária expressa por várias correntes de pensamento, que a coloca em momentos de tessitura de políticas e ações que passam pela configuração de lutas internas, espaço de resistência e possibilidade de militância, desencadeadoras de um processo de institucionalização e fortalecimento da extensão no âmbito da Universidade e da sociedade.

Nesse veio, afirmamos que a extensão universitária, entendida como parte indispensável do tripé formativo acadêmico-profissional, sempre precisou alavancar lutas políticas que viabilizassem a sua consolidação ao lado do ensino e da pesquisa.Como exemplo dessas lutas e conquistas, podemos exemplificar a equivalência da carga horária de extensão a de projetos de pesquisa; o financiamento por meio de Edital nacional, como o PROEXT; a valorização da extensão como lócus que transita epistemologicamente pela/na práxis, ou seja, os saberes teóricos articulados aos saberes da ação dos professores, alunos e comunidade externa, situados em contextos formativos das/nas experiências aprendentes dentro fora da Universidade estão em processos de ressignificações permanentes (RIBEIRO, 2015, grifos nossos).

Com essas premissas, entendemos ser de grande relevância para o pensar político-epistemológico-metodológico da extensão deslocá-la para o centro do debate epistemológico, entendendo-a como possibilidade de inspiração de fazeres fazeres (trans)formadores do ensino e da pesquisa. A extensão com a qual nos implicamos é entendida como atividade formadora viabilizadora de diálogos com saberes plurais,fundada na experiência e reflexão vivenciadas nos diversos espaços socioculturais, nos quais as referências e intencionalidades formativas produzem sentidos também diversos e plurais.

Assim, nos formamos enquanto formamos por meio de uma política de sentidos produzidos pelos praticantes culturais1 que atuam no cotidiano, em diversos espaços de aprendizagem, ampliados e ressignificados pelas/nas atividades de extensão.

Imbricados de razão-emoção-desejo, intencionamos com este estudo perceber como o professor extensionista expressa a natureza da atividade de extensão em seus projetos, tendo como parâmetro de análise a aproximação e o distanciamento da potência da extensão universitária como dispositivo formativo favorável ao exercício acadêmico-profissional, inspirado na práxis, na ação reflexiva e transformadora dos sujeitos envolvidos. Utilizamos a noção de dispositivo com base em Ardoino (1998, p.80) para o qual consiste em “uma organização de meios materiais e/ou intelectuais, fazendo parte de uma estratégia de conhecimento de um objeto”.

Pensar a atividade de extensão como dispositivo consiste em perceber a sua potência formativa acadêmica-profissional, retroalimentadora da teoria e da prática, ou seja, uma formação como práxis. Nesse movimento, a teoria ilumina a prática, sendo a primeira ressignificada pela prática, e esta, transformada em função da reflexão na ação e sobre a reflexão na ação.

Esse entendimento epistemológico nos leva a questionarmos: quais sentidos professores, alunos e comunidade externa atribuem às atividades de extensão? Como os professores expressam as perspectivas epistemológicas coerentes com a natureza da atividade extensionista em seus projetos de extensão? Qual formação humana-profissional tem se aproximado dos seus saberes fazeres na relação formativa dentro fora da universidade?

Essas questões, enredadas dos sentidos epistemológicos que consubstanciam a natureza da atividade extensionista na Universidade, são o mote para avançarmos na tessitura deste artigo, procurando identificar como o professor extensionista expressa a natureza dessa atividade em seus projetos de extensão, tendo como parâmetro de análise a aproximação e o distanciamento da potência da extensão Universitária, como dispositivo formativo favorável ao exercício acadêmico-profissional inspirado na práxis, na ação reflexiva e transformadora dos sujeitos envolvidos.

O estudo teve como campo empírico as propostas de ações extensionistas apresentadas por professores no cenário formativo da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, UERN, por meio do edital de carga horária 2016.1 e 2016.2, nas quais analisamos os itens relacionados à indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão;natureza e avaliação da extensão apresentadas nos projetos.

Em nossas redes de conhecimento, trazemos como inspiração epistemológica o conceito de extensão expresso pelo FORPROEX (2013), para o qual “a Extensão Universitária é um processo interdisciplinar, educativo, cultural, científico e político que promove a interação transformadora entre Universidade e outros setores da sociedade, em uma relação indissociável com a pesquisa e o ensino”. Esses espaçostempos formativos precisam ser percebidos e olhados em uma perspectiva complexa, nos quais saberes plurais e heterogêneos se entrecruzam, dialogam em meio a tensões, negociações de sentidos e produção de significados.

Método

A Universidade do Estado do Rio Grande do Norte vem progressivamente ampliando a sua política de extensão, fortalecendo e estimulando os departamentos acadêmicos a desenvolverem a formação acadêmico-profissional com base no princípio da indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão. Nesse sentido, lança-se anualmente um edital de carga horária de extensão, no qual os professores apresentam suas propostas para serem submetidas à comissão de extensão. Esta comissão é formada por professores dos diferentes departamentos da UERN e de professores das Diretorias da Pró-Reitoria de Extensão, tendo na coordenação o Pró-Reitor de Extensão.

Para o ano de 2016, foram apresentadas 76 propostas e aprovadas 73, tendo como principais parâmetros de avaliação a natureza da extensão expressa no conceito do fórum; o princípio da indissociabilidade entre ensino pesquisa e extensão, e a avaliação da ação na perspectiva do público externo à IES e o público interno.

O processo de avaliação das Propostas de Extensão submetidos ao edital de carga horária possibilitou, tanto aos professores inseridos na PROEX como aos professores membros da extensão, externar a necessidade de se repensarem critérios de avaliação que contribuam com o aperfeiçoamento dessas práticas e com a qualidade na elaboração das propostas de extensão, uma vez que, tanto quem elabora como quem avalia fica mais a mercê do entendimento subjetivo significado pela rede de conhecimento de cada um. Com isso, não queremos dizer que é possível objetivar uma avaliação nos critérios das ciências “duras”, mas construir critérios que venham a valorar aspectos importantes na tessitura desses projetos e na elaboração dos pareceres avaliativos.

Implicados nesse cenário de tensionamento sobre o entendimento da extensão e seus desdobramentos, nos vimos questionando sobre: o que estamos entendendo sobre o diálogo interdisciplinar entre educação-cultura-conhecimento científico e político, expresso no conceito do fórum? Como essa relação tem sido apresentada nos projetos de extensão da UERN? E a relação entre ensino, pesquisa e extensão, como tem sido entendida por quem elabora e por quem avalia as ações de extensão? De que pesquisa estamos falando? Para realizar extensão precisa ser pesquisador? Pesquisa como olhar curioso e reflexivo no ato da ação de extensão, fomentando as discussões no ensino? Pesquisa como diagnóstico a priori como condição para proposição de ações de extensão?

Com o propósito de ampliarmos a discussão e nos aproximamos do entendimento dessas questões, selecionamos 14% das ações aprovadas no edital, o que correspondeu a10ações de extensão. A escolha das ações foi aleatória, por meio do acesso ao Sigproj/ UERN. A pesquisa que realizamos teve uma preocupação quantitativa apenas no que diz respeito ao que consideramos ser representativo para o estudo.

No entanto, a ênfase na pesquisa qualitativa justifica-se em função da perspectiva epistemológica em que nos inspiramos, e que nos coloca no lugar de olharmos para a tessitura das ações, apresentadas como narrativas, que expressam redes de conhecimentos (ALVES, 2008) de quem os elabora, não cabendo binarismos de certo ou errado, ou, ainda, enquadramentos nas noções que nos inspiram.

Com esse pensamento, nos aproximamos da pesquisa-formação (MACEDO, 2009; JOSSO, 2010; FREIRE, 1998) com perspectiva epistemológica multirreferencial (ARDOINO, 1998; MACEDO, 2009), para a qual o conhecimento se tece por meio de diálogos plurais, em permanente processo de auto-formação e formação.Com isso,entendemos estar contribuindo com uma prática formativa que rompe com o paradigma preescritivo e aposta na reflexividade do sujeito e na sua capacidade de permanente (trans)formação de si e dos lugares onde interage (PASSEGI; SOUZA, 2008).

As 10 ações de extensão selecionadas serão denominadas atividades extensionistas – AE, seguidas de números em ordem crescente. Pela escolha aleatória, encontramos ações vinculadas aos seis Campus da UERN, conforme Quadro I.

Quadro I – Ações extensionistas – edital carga horária 2016
Quadro I – Ações extensionistas – edital carga horária 2016

A elaboração das ações extensionistas seguem o formulário do Sigproj/UERN, no qual está proposto alguns itens, como: fundamentação teórica da ação proposta; relação entre ensino, pesquisa e extensão, o que pressupõe um entendimento sobre a definição explicitada no fórum, para a qual a interdisciplinaridade, interação e transformação formam a trama de sentidos da natureza extensionista na Universidade; e, ainda, a avaliação da ação e dos sujeitos envolvidos.

Considerando que a avaliação do item fundamentação teórica não pode se dar com base nas perspectivas epistemológicas das redes do avaliador, uma vez que esta não pode ser tida como o parâmetro de “verdade”, da “melhor forma” de compreender o conhecimento, não nos debruçamos sobre esse ponto e ressaltamos a importância de ser considerado apenas no que diz respeito à consistência dos argumentos e à organização das ideias de sustentação da ação proposta.

Optamos por problematizar as noções de extensão e a ideia de relação da extensão com a pesquisa,o ensino e a avaliação apresentados nas propostas. Como procedimento metodológico, selecionamos, das narrativas apresentadas, termos que expressam sentidos relacionados aos itens em destaque nos Quadros II e III, conforme podemos observar:

Quadro II – Noções de Extensão apresentadas nas ações de extensão – Edital carga horária/2016
Quadro II – Noções de Extensão apresentadas nas ações de extensão – Edital carga horária/2016

continua


Quadro III – Avaliação apresentada nas ações de extensão – Edital carga horária/2016
Quadro III – Avaliação apresentada nas ações de extensão – Edital carga horária/2016

Nos meandros da interdisciplinaridade, avaliação e formação pela/na extensão:discussões e análises

O Fórum de Pró-Reitores de extensão apresenta algumas diretrizes que orientam e sinalizam perspectivas epistemológicas que valorizam a diversidade, a pluralidade de ideias e, como consequência, as práticas educativas emancipatórias.

Encontramos em Santos (2004; 2010) e Oliveira (2008; 2010) os fundamentos para pensarmos na extensão como viabilizadora de práticas emancipatórias,uma vez que sinalizam possibilidades de pensarmos em epistemologias que contribuam com uma cidadania com vistas a uma justiça global, implicada com/na tessitura de diálogos entre conhecimentos plurais, que criem múltiplas racionalidades, ou seja, um projeto educativo emancipatório que problematize o conhecimento-regulação, típico da ciência cartesiana, pelo conhecimento-emancipação, transformando-se a solidariedade na forma hegemônica de saber e aceitando-se um certo caos (OLIVEIRA, 2010).

Assim, a interação dialógica; interdisciplinaridade e interprofissionalidade; indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão; impacto na formação do aluno e impacto na transformação social (FORPROEX, 2013) são diretrizes que precisam ser significadas por meio da sistematização e da realização das ações de extensão na tessitura do conhecimento, que se dá na relação dentro fora da Universidade.

A interdisciplinaridade, noção central na definição do conceito de extensão definida pelo FORPROEX (2013), precisa ser discutida, entendida e concretamente realizada nas ações de extensão realizadas no âmbito das IES, uma vez que o paradigma da fragmentação não contribui com a visão de totalidade e de complexidade inerente ao mundo, às práticas cotidianas. A interdisciplinaridade promove a interação no campo da ciência, associando o que se ensina aprende às condições concretas da vida, de maneira a atribuir sentido e uma maior aproximação da realidade vividasentida.

Assim, adentramos na imbricada relação entre epistemologia e pedagogia, que nos dizeres de Pavianni (apud LÜCK, 2007, p. 53), “há que se superar a mentalidade que separa e esconde as relações entre a situação pedagógica e a situação epistemológica, isto é, entre o ensinar e a produção de conhecimentos científicos”.

Para Goldman (1979, p. 3-25), “um olhar interdisciplinar sobre a realidade permite que entendamos melhor a relação entre seu todo e as partes que a constituem, superando a visão de fragmentação da ciência positivista”. No entanto, o radical “disciplina” permanece, o que nos faz pensar qual o espaço, nessa definição, para o diálogo com o senso comum, com os saberes do cotidiano.

Na perspectiva do Fórum, a interdisciplinaridade parece apresentar um outro entendimento, quando propõe o diálogo simultâneo entre educação-cultura-científico e político. Em Câmara (apud REIS, 2009, p.15), encontramos a seguinte definição de interdisciplinaridade:

A interdisciplinaridade deve ser pensada como entre ciências, por um lado, considerando o território de cada uma delas e, ao mesmo tempo, identificando possíveis áreas que possam se entrecruzar, buscando as conexões possíveis. E essa busca se realiza por meio de um processo dialógico que permite novas interpretações, mudança de visão, avaliação crítica de pressupostos, um aprender com o outro, uma nova reorganização do pensar e do fazer.

Pensamos que ensino-pesquisa-extensão, entendidos em uma trama, em uma relação formativa, não pode abrir mão de saberes fazeres que dialogam com epistemologias plurais, emancipacionistas. Encontramos essas perspectivas na tessitura de ações que expressam a relação da extensão com o ensino e a pesquisa, através de ideias como:

Vivência das práticas de pesquisa, ensino e trabalho por parte do grupo que compõe o projeto, com membros da sociedade, produz um aprendizado prático para a vida estudantil; a prática como fortalecedora dos conceitos estudados em sala de aula (AE VII – PROJETO/UERN, 2016).

Extensão como campo de pesquisa fomentadora de mudanças nos cenários de formação das instituições envolvidas (AE II – PROJETO/UERN, 2016).

Entendemos, como Fazenda (2013),que o diálogo é a única condição possível para um fazer interdisciplinar. Nesse sentido, acreditamos ser necessário ampliar discussões que possam viabilizar ressignificações de sentidos que expressam a extensão como momento de aplicação da teoria, do conhecimento científico aprendido na universidade. Essas visões ainda se sustentam em paradigmas da fragmentação e na ideia de que é possível alijar saberes outros, quando diferentes do conhecimento dogmático da ciência moderna.

Percebemos essa perspectiva em expressões como:

  1. A relação ensino, pesquisa e extensão ocorre através da vivência da equipe de trabalho na aplicação prática das teorias estudadas em sala de aula, junto aos participantes (AE VIII – CURSO/UERN, 2016).

    Pesquisa: o aluno deve realizar pesquisas sobre assuntos relacionados ao conteúdo do curso;

    Ensino: necessidade de o aluno aprender e aprofundar conteúdos do Curso; Extensão: momento de compartilhar o conhecimento adquirido na graduação (AEI – CURSO/UERN, 2016).

Acreditamos ser necessária a ampliação da discussão dos conhecimentos sobre a natureza da extensão, a fim de nos afastarmos de perspectivas que se sustentam na ideia de aplicabilidade dos conhecimentos acadêmico-científicos junto à comunidade. As perspectivas epistemológicas que se aproximam da natureza de uma extensão dialógica e interdisciplinar preconizam a ideia de reciprocidade e mutualidade frente ao conhecimento tecido dessa/nessa relação – universidade/sociedade. Assim, a ação extensionista se concretiza em um fazer junto coma comunidade, em que ambas participam com seus saberes e se transformam mutuamente.

A interdisciplinaridade enquanto perspectiva epistemológica e atitude pedagógica se pauta em um diálogo plural entre os saberes da ciência e os saberes do cotidiano, o que nos faz pensar se a perspectiva epistemológica multirreferencial (ARDOINO, 1998) não seria mais adequada para pensarmos em um conceito de extensão que extrapole o radical disciplinar e caminhe em uma perspectiva de valorização de saberes plurais, das diferenças e do exercício da práxis, percebendo, inclusive, a complexidade dos fenômenos formativos que ocorrem na relação universidade/sociedade.

As ações de extensão aprovadas no Edital de carga horária/2016 nos fizeram pensar que os projetos de extensão, pela sua área de atuação, podem apresentar diferentes níveis de interdisciplinaridade, desde o mais simples ao mais complexo, ou seja,um projeto de atendimento odontológico à comunidade se diferencia de um projeto com leituras dialogadas junto à comunidade. O primeiro se caracteriza mais como uma prestação de serviço, e o segundo possibilita a dialogicidade por meio do diálogo de saberes plurais, tendo por natureza uma atitude pedagógica mais interdisciplinar. Assim, percebemos que alguns projetos pensam essa relação de diferentes formas:

A pesquisa comparece de modo indireto (pesquisa bibliográfica como campo de análise contínuo, importante para lidar com o ensino necessário nas ações do projeto); a extensão gera discussões sobre o tema que requer constante atualização (AE IX – PROJETO/UERN, 2016).

Nesse projeto, percebemos que a fonte retroalimentadora do ensino e da pesquisa não é o diálogo com a comunidade, mas os casos específicos de tratamento odontológico que geram a necessidade de estudos e discussão na sala de aula,caracterizando-se como uma prestação de serviço na comunidade.

É fato que o debate continuado na formação sobre a Universidade que temos e a Universidade que queremos requer pensar a extensão como espaço tempo de tessitura epistemológica, que ressignifica o ensino e a pesquisa,sinalizando a necessidade de epistemologias e metodologias dialógicas, interdisciplinares e fomentadoras de uma formação emancipatória, só possível de se concretizar em um diálogo consigo, com o outro e com o mundo. Nessa formação, o conhecimento científico se hibridiza a tantos outros saberes, tornando possível a inteligibilidade das tantas práticas cotidianas muitas vezes “silenciadas”.

No que diz respeito à avaliação, não nos deteremos nos aspectos e discussões mais amplas que perpassam a educação e outras áreas, no entanto, analisaremos alguns recortes feitos na escrita das ações em torno da avaliação pretendida e sua relação com a retroalimentação entre o contexto acadêmico e sua inserção social, a partir do que se pretende atingir.

Assim, discorrer sobre avaliação faz com que percebamos a capacidade de ir e vir no direcionamento da revisão e revitalização das ações realizadas pelos envolvidos nessas ações. Dessa forma, remontamo-nos à avaliação como um processo que esteja em articulação permanente entre os avaliados e avaliadores, sendo assim democrática, clara e perceptível, com a intenção de melhoria dos aspectos avaliados.

Entendemos ainda que não existe um formato de avaliação, justamente pela diversidade dos participantes e das ações, como confirma Dias Sobrinho (2002, p.40): “não há um modelo único de avaliação, uma só concepção, uma só prática. Falar de avaliação é necessariamente tratar de avaliações. Plurais, mas não aleatórias, descomprometidas, devem ser confiáveis e justas, técnica e eticamente”.

A avaliação em si é modificadora dos agentes e só terá sentido, via seus instrumentos, se for capaz de conduzir quem avalia para tomadas de decisões que tomem por base a melhoria do contexto analisado.Nesse sentido, os instrumentos avaliadores devem contemplar as especificidades das ações apresentadas, a partir dos objetivos apresentados inicialmente, e, por isso, se diferenciam de ação a ação.

Na extensão, o processo avaliativo deve atingir a comunidade acadêmica e os agentes sociais envolvidos, pois são partícipes reais e capazes de perceberem as mudanças efetivas realizadas em seus contextos.

No documento da Política Nacional de Extensão Universitária (BRASIL, p.88), temos:

Ainda no que se refere à avaliação, cabe ressaltar que a Extensão Universitária deve ser entendida como processo formativo, prospectivo, quantitativo e qualitativo, a ser mensurado por critérios objetivos (relatório, trabalho escrito, publicação ou comunicação) e subjetivos (compromisso, dedicação). Esse processo deve estar integrado à avaliação dos objetivos e metas dos programas ou projetos extensionistas, assim como à avaliação dos critérios da participação do estudante – e da equipe de trabalho na qual este se inclui – sobre os problemas sociais.

Vemos então como a avaliação entendida no documento nacional comunga com nossa ideia de que a avaliação acontece entrelaçada de vários critérios que se adequam ao projeto, programa ou cursos extensionistas.

Pensar assim também nos faz refletir sobre as metas e os objetivos a serem inicialmente descritos em qualquer ação de extensão, tendo em vista que, no próprio formulário preenchido por quem propõe a ação, esse é um dos requisitos necessários.

Entendemos que a avaliação deve estar consoante, coerente com todo o projeto e principalmente com a contemplação das metas delineadas para serem atingidas a partir dos objetivos propostos.

Pois bem, diante desta reflexão e entendimento, colocamos a análise de nossas ações em torno do aspecto avaliativo apresentado e seus instrumentos.Iniciamos com uma indagação que consideramos significativa no processo de avaliação: ao avaliarmos, não devemos direcionar para nossas metas pretendidas e alcançadas ou não, em função dos objetivos propostos nas ações de extensão? Será que propomos avaliações em função de uma exigência imposta pelo programa de extensão, em que devemos cadastrar nosso curso, projeto ou programa? Para quê e para quem, de fato, avaliamos?

Nesse direcionamento, e a partir do corpus avaliado, percebemos o quanto evasivo é o norteamento da avaliação descrita nas ações de extensão, utilizando chavões como: compreender como o público vê esse projeto, sem a preocupação de quais metas e objetivos atingidos até então. Das 10 propostas analisadas, apenas uma se refere aos objetivos das ações, quando na avaliação retrata o seu direcionamento para: “verificação dos objetivos atingidos”, no entanto, não especifica como fará isso, o que fará com essa verificação, nem para quê e para quem a avaliação será efetivada.

Parece-nos, então, que o processo avaliativo não é relevante, nem nos mostrará a relevância ou não da ação perante à sociedade, e esse pode ser um embate muito maior na política de inserção social, pois ouvir os atores sociais das ações extensionistas fará com que a universidade seja revista e ampliada a partir dos que estão fora dela,fazendo-se reflexões e leituras que extrapolam os seus muros, consolidando, portanto, a articulação entre academia e sociedade.

Também nos parece que as avaliações propostas, com seus instrumentos vagos e imprecisos – como reunião, relatórios, artigos –, faz-nos perceber que o preenchimento do formulário induz a uma proposta avaliativa que não reflete a realidade inserida no contexto maior das ações apresentadas, mas sinaliza uma intenção democrática do processo avaliativo em si, e por isso capaz de promover alterações e ampliações em seu contexto.

Nessa mesma perspectiva, encontramos o questionário como instrumento avaliativo em 9 das 10 propostas de ação escolhidas para análise.

Os questionários são instrumentos que, como outros instrumentos de avaliação, não possibilitam por si só refletir toda a realidade apresentada, no entanto, parece ser um instrumento simples e conhecido por todos e, por isso, citado em todas as propostas extensionistas analisadas.

Todo instrumento de avaliação precisa ser claro e o mais preciso possível, para que possibilite uma leitura da realidade vivida não só aos que estão à frente das ações, mas também pelos protagonistas que delas fizeram parte.Mesmo assim, um discurso comum a quase todos os projetos avaliados foi a busca pela melhoria das ações, o que alicerça ainda mais a análise inicial de que, nos discursos, são utilizados chavões incorporados em nosso cotidiano, haja vista a falta de especificação e vinculação das ações aos objetivos descritos.

Dessa feita, chegamos a refletir sobre a questão para quê e para quem avaliamos? Percebemos que não se sabe bem para quê avaliamos, tendo em vista não nos dirigirmos a nenhum objetivo nem meta dos projetos, no entanto, para quem avaliamos, ou melhor, direcionamos nossa avaliação, podemos perceber – pelo discurso pouco fundamentado e de relação com as ações de extensão – que propomos avaliação para que se constituam como documentos legais exigidos pela instituição.

Não queremos dizer aqui que nossas ações de extensão estão fora do contexto social em que se inserem, nem do contexto acadêmico em que se enquadram e dão origem, mas que necessitamos urgentemente, nós todos, a Pró-Reitoria de Extensão e os que fazem e coordenam as propostas extensionistas, refletir sobre o que de fato devemos avaliar, tendo em vista nosso intuito maior que é fazer com que os objetivos de cada proposta sejam contemplados.

De nada adianta haver uma proposta a ser realizada se não a analisamos e pensamos em como os sujeitos partícipes da proposta pensam e analisam, a partir da sua realidade social e sua inserção nas ações executadas.

Ter voz e vez na análise das ações de que participamos é fundamental para a sua melhoria e, principalmente, para o envolvimento e corresponsabilidade da comunidade acadêmica e da sociedade, na tentativa de entrelaçarmos os saberes/fazeres tão úteis e necessários à universidade, muitas vezes distante dos seus além muros.

Conclusões: o caminho ressignificado

A prática de atividade de extensão no âmbito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte vem sendo gradativamente qualificada em função de um olhar sistematizado e preocupado da Pró-Reitoria de Extensão, que chama a comunidade acadêmica para um processo continuado de discussão conceitual, epistemológica, metodológica e política.

É nesse cenário de desejo de ampliar e melhorar a qualidade das atividades de extensão que este artigo foi produzido, sinalizando, inclusive, perspectivas formativas que possibilitem a ressignificação da sistematização e da realização das ações de extensão, viabilizando o que preconiza a Política Nacional de Extensão. Este estudo desvelou,no entanto, que se faz necessário um processo formativo junto à Comissão de Extensão– colegiado consultivo, deliberativo e responsável pela avaliação e aprovação das ações de extensão –,a fim de melhorar os processos de avaliação e de orientação na elaboração e realização das atividades de extensão, considerando os seguintes pontos, a saber:

  1. - Qual o sentido atribuído à natureza do conceito de extensão no âmbito da UERN;

    - O que caracteriza de fato uma ação extensionista;

    - Como percebemos a relação entre ensino-pesquisa-extensão;

    - A interdisciplinaridade está sendo viabilizada nas ações de extensão e comoa compreendemos.

    - Quais públicos, quais epistemologias e quais avaliações precisam fazer parteda natureza da extensão na Universidade.

As ações avaliadas reforçam ainda mais a importância da extensão para a qualidade da formação acadêmico-profissional-humana. Um aluno e um docente que vivenciam uma experiência aprendente junto com a comunidade é alguém possível de se abrir para conhecimentos plurais, de ser criativo, de se perceber parte de uma totalidade que só faz sentido quando tecida por/em redes de conhecimento, na relação dentro fora da Universidade.

Por fim, concluímos que a extensão precisa ser continuamente qualificada como uma formação em devir, uma política de sentido, cujo horizonte é a formação emancipatória e implicada consigo, com o outro e com o mundo.

Referências

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SANTOS. Boaventura de Sousa. Para além do Pensamento Abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. Lisboa: Almedina, 2010.

Notas

1 A noção de praticante utilizada neste artigo tem inspiração nos estudos de Certeau (2012, p.41), ao se referir ao homem comum, “consumidor de produtos”, que ao produzir táticas anônimas nas artes de fazer, se reapropria do cotidiano da vida numa sociedade de consumo. E essas “maneiras de fazer” “constituem as mil práticas pelas quais os usuários se apropriam do espaço organizado pelas técnicas da produção cultural”.
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