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A PRÁTICA PEDAGÓGICA E A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES: REFLEXÕES NUM CONTEXTO MULTIFACETADO
Ademar Antonio Lauxen; Ana Paula Härter Vaniel; Lairton Tres;
Ademar Antonio Lauxen; Ana Paula Härter Vaniel; Lairton Tres; Milene Fracasso Galvagni; Bruna Bonafé Czarnobay
A PRÁTICA PEDAGÓGICA E A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES: REFLEXÕES NUM CONTEXTO MULTIFACETADO
Revista Conexão UEPG, vol. 13, núm. 1, pp. 142-151, 2017
Universidade Estadual de Ponta Grossa
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Resumo: Este artigo constitui uma análise dos saberes revelados sobre a prática docente no processo de interação e mediação desenvolvido por meio de chats no ambiente virtual Moodle, no ano de 2014, envolvendo professores de Ciências e de Química de escolas da região, acadêmicos e docentes do curso de Licenciatura em Química da Universidade de Passo Fundo - RS. O projeto de extensão “A formação dos professores de Ciências/Química: roda de conversas, envolvendo os saberes e fazeres docentes” visa compor a chamada “Tríades de Formação (interação) Profissional”. Esse processo busca problematizar saberes experienciais e possibilitar a reflexão, importante aspecto para a constituição da autonomia e do protagonismo docente. Os dados foram analisados com base na Análise Textual Discursiva. Os resultados apontam que os professores têm um saber ser e um saber fazer que se produz na prática, mas que precisa ser revelado e problematizado para que possa produzir avanços e qualificar a ação docente. O processo de interação envolvendo a tríade mostrou-se potencialmente significativo para a formação contínua.

Palavras-chave:prática docente. aprendizagem. reflexão.prática docente. aprendizagem. reflexão..

Abstract: This article presents an analysis of the revealed knowledge concerning the teaching practice in the interaction and mediation process developed by means of chats in the virtual environment Moodle, throughout 2014, involving Science and Chemistry teachers of local schools, undergraduate students and professors of the Chemistry teaching degree course in the Universidade de Passo Fundo - RS. The extension project “Training for Science/Chemistry teachers: round of conversation involving teachers’ knowledge and practices” aims to establish the so called “Triads of Professional (interaction) Training”. This to problematize the knowledge by experience and to allow reflection, an important aspect for the constitution of a teacher’s autonomy and protagonism. Data was analyzed based on a Discourse Textual Analysis. Results indicate that teachers have a being knowledge and a doing knowledge that originate from practice, but that need to be revealed and problematized so that it can produce progress and qualify the teaching action. The interaction process involving the triad is potentially significant for the continuous training.

Keywords: teaching practice. learning. reflection..

Carátula del artículo

Artigos

A PRÁTICA PEDAGÓGICA E A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES: REFLEXÕES NUM CONTEXTO MULTIFACETADO

Ademar Antonio Lauxen
Universidade de Passo Fundo (UPF), Brasil
Ana Paula Härter Vaniel
Universidade de Passo Fundo (UPF), Brasil
Lairton Tres
Universidade de Passo Fundo (UPF), Brasil
Milene Fracasso Galvagni
Universidade de Passo Fundo (UPF), Brasil
Bruna Bonafé Czarnobay
Universidade de Passo Fundo (UPF), Brasil
Revista Conexão UEPG, vol. 13, núm. 1, pp. 142-151, 2017
Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 30 Julho 2016

Aprovação: 09 Dezembro 2016

Introdução

O contexto atual em que todos estão inseridos caracteriza-se pela constante mudança. “Hoje, todos falam de mudança, a mudança inunda tudo, parece que tudo vai mudar, exceto a mudança” (IMBERNÓN, 2016, p. 13). Essa tão propalada mudança sempre aparece no discurso educativo, exigindo que se esteja atento aos novos propósitos para os processos de ensino e aprendizagem. Porém, “E, assim, sem mais nem menos, a mudança é incorporada ao papel escrito e às declarações públicas e políticas como um lugar-comum, mas que dificilmente se vê transferido para a realidade da prática da educação” (IMBERNÓN, 2016, p. 14). Então, como sair desse continuísmo e passar para ações que possam contribuir para aquilo que se apresenta como necessidade para a atuação do professor em sala de aula, em que ele possa planejar um processo de ensino e aprendizagem que entrelace as situações de um mundo em constante mudança? Aceita-se que os modelos educacionais devem estar de acordo com o contexto de convívio dos indivíduos, o que exige do professor um processo de mediação na construção do conhecimento.

Considerando esses aspectos, o curso de Licenciatura em Química da Universidade de Passo Fundo (UPF) vem desenvolvendo, desde 2014, o projeto de extensão “A formação continuada dos professores de Ciências/Química: roda de conversas, envolvendo saberes e fazeres docentes”. Esse projeto visa oportunizar aos envolvidos a ampliação dos conhecimentos sobre os fenômenos das Ciências Naturais, bem como aproximá-los das atuais tendências teórico-práticas e epistemológicas sobre as questões de ensino e aprendizagem nessa área. O processo se viabiliza por meio de estudos, debates, diálogos e interações entre professores da educação básica, acadêmicos de licenciatura, professores-formadores do curso de Licenciatura em Química e pós-graduandos do mestrado profissional em Ensino de Ciências e Matemática, na perspectiva defendida por Schnetzler (2002) sobre as Tríades de Formação (interação) Profissional. O desenvolvimento do projeto transcorre em momentos de encontros presenciais e outros mediados pelo ambiente virtual Moodle. Neste trabalho, discutiram-se aspectos relativos à análise dos chats, momentos de socialização e debate no ambiente virtual.

No processo de interlocução entre os envolvidos, os saberes produzidos nas escolas, especialmente os saberes experienciais, como apontado por Tardif (2014), se articulam com aqueles que se produzem no âmbito universitário, visando à problematização de ambos e, consequentemente, à melhoria para a educação. Nesse sentido, todos os envolvidos encontram-se em processo de formação e reflexão.

Assim, o presente trabalho tem como objetivo analisar as enunciações dos professores da educação básica, estudantes de graduação e professores-formadores, decorrentes dos momentos de interação nos chats desenvolvidos no ambiente virtual Moodle, tendo como viés de análise os episódios que fazem alusão e revelam as intenções e intencionalidades quanto à prática docente e às propostas de ensino de Ciências/Química na educação básica, bem como quanto a suas formas de abordagem e a outros aspectos relevantes. O projeto visa proporcionar momentos de reflexão em torno da prática desenvolvida na escola, sua análise e sua significação, evidenciando como os professores produzem saberes na e da ação. Diante disso, foram elencadas, com base na análise dos chats, a prática pedagógica dos educadores e suas formas de organização do currículo escolar. Como o projeto de extensão deseja instrumentalizar os participantes para o desenvolvimento de sua autonomia e protagonismo, cabe pensar que esse docente, assim como o futuro docente, necessita estabelecer uma análise sobre os aspectos favoráveis e aqueles que requerem um olhar mais criterioso dessa prática, e, então, discutir o processo de ensino e aprendizagem, uma vez que:

O professor deve ter propostas claras sobre o que, quando e como ensinar e avaliar, a fim de possibilitar o planejamento de atividades de ensino para a aprendizagem de maneira adequada e coerente com seus objetivos. É a partir dessas determinações que o professor elabora a programação diária de sala de aula e organiza sua intervenção de maneira a propor situações de aprendizagem ajustadas às capacidades cognitivas dos alunos (BRASIL, 1997, p.39).

Com base na análise das enunciações e dos diálogos estabelecidos entre os envolvidos no processo de formação contínua, pode-se dizer que há preocupação dos professores da educação básica no sentido de qualificar o seu trabalho e ressignificar a sua prática. Eles desejam construir propostas curriculares que contribuam para melhorar a percepção dos estudantes sobre o campo das Ciências Naturais, buscando, para que isso se efetive, a compreensão sobre uma nova lógica de organização do currículo escolar, denominada Situação de Estudo (SE).

Metodologia

O projeto de extensão envolve professores-formadores, estudantes de graduação e pós-graduação e professores da educação básica, atuantes nas disciplinas de Química e Ciências em escolas da região de abrangência da UPF. Dessa forma, com base nos chats realizados por meio do ambiente virtual Moodle, foram elencados episódios considerados significativos para a análise.

Ao longo do ano de 2014, foram realizados 16 chats, sendo que as manifestações relativas à prática docente aparecem em 6 desses, mais enfaticamente nos chats de número 2 e 3 do projeto. Para a análise e categorização, os chats foram impressos a partir do ambiente Moodle; após, foram lidas e buscadas as enunciações sobre a prática pedagógica. Os dados foram analisados com base nos argumentos de Moraes e Galiazzi (2011) sobre a ótica da Análise Textual Discursiva (ATD): “[...] processo de desconstrução, seguido de construção, de um conjunto de materiais linguísticos e discursivos, produzindo-se a partir disso novos entendimentos sobre os fenômenos e discursos investigados” (MORAES; GALIAZZI, 2011, p. 112).

Diante de tais pressupostos, foi realizada a análise qualitativa das enunciações e dos diálogos estabelecidos entre os participantes do projeto no decorrer dos chats, visando a compreensões sobre a construção teórico-epistemológica da prática pedagógica.

Os chats analisados tiveram sua execução norteada com base em leituras e debates de artigos, versando, sobretudo, acerca de situações de estudos, a fim de iniciar uma primeira teorização sobre outra lógica de organização curricular e, assim, instrumentalizar os professores para a proposição de metodologias de ensino e aprendizagem que pudessem privilegiar o desenvolvimento da autonomia e o protagonismo do docente e discente.

Para identificar os diferentes sujeitos ao longo deste texto, os professores da educação básica foram identificados pela letra E, seguida da sequência numérica; os acadêmicos pela letra A e sequência numérica; e os professores-formadores (universitários) pela letra U e sequência numérica.

O projeto de extensão “Roda de Conversas”: um caminho para a reflexão

Os educadores têm e desenvolvem, ao longo de sua trajetória profissional, diversos saberes, sendo que muitos desses entrelaçam teoria e prática, visando solucionar problemas do cotidiano, pois é no âmbito escolar, no contexto real da sala de aula, que o diálogo entre os fundamentos teóricos e as experiências educacionais se entrecruzam e, em processos reflexivos, possibilitam o ato de repensar concepções e o avanço em direção de uma ação docente mais qualificada. Como afirmam Pimenta e Lima (2008, p. 11):

Certamente, o que os professores e professoras são é muito mais do que aquilo que fazem. Ao fazerem o que fazem eles instituem práticas que condicionam outros modos de ser porque exemplificam outras maneiras de ser. [...] há uma imbricação entre ser e fazer, isto é, a realidade da episteme do fazer profissional do docente em ação. Se assim for, o professor é e está sendo, à medida que assume seu trabalho como condição de poder ser mais, justamente na mesma medida em que ele se desvencilha de velhas formas de pensar os processos pedagógicos.

As discussões atuais em relação à formação docente apontam para a necessidade de o professor constituir-se como investigador da sua prática, ou seja, a prática desenvolvida em sala de aula deve ser avaliada e refletida pelo educador, para que possa qualificar seu trabalho pedagógico. Segundo Sartori et al. (2008), o professor que investiga sua atuação em sala de aula revela sua própria opção ao testemunhá-la e suas aulas se tornam cenário de diálogo, curiosidade, relações e problematizações acerca do cotidiano, tendo por base os saberes científicos.

A constituição desse sujeito que se coloca como investigador de sua prática, que problematiza a sua ação, não poderá ser pensada como um processo que se construirá de forma isolada e individual. Ultrapassando a formação do professor em processo inicial, essa construção é requerida para aqueles que se encontram em formação continuada, visto que se deseja um profissional docente aberto a desenvolver novas práticas e refletir sobre o contexto vivido da escola.

Com esse propósito, em 2014, começou a ser desenvolvido o Projeto de Extensão“A formação continuada dos professores de Ciências/Química: roda de conversas,envolvendo saberes e fazeres docentes”, carinhosamente chamado, pelos participantes, de“Roda de conversas”.

Os princípios desse projeto assentam-se nos argumentos apresentados por Schnetzler (2002) sobre a importância da constituição de Tríades de Interação Profissional, em que professores da educação básica, estudantes de graduação e professores universitários,em espaços de interlocução, desenvolvem a formação continuada e refletem sobre suas práticas no sentido de construir conhecimentos mais pertinentes, capazes de ajudá-los a compreender e a aperfeiçoar a sua ação docente, em processos compartilhados de investigação.

Entretanto, torna-se essencial a atualização contínua, na qual seja possível o estabelecimento de diálogos com seus pares e, com isso, o aperfeiçoamento de seu fazer pedagógico. Sabe-se que os educadores necessitam, constantemente, adquirir novas compreensões que viabilizem efetivas mudanças em suas práticas e que contribuam para o desenvolvimento pessoal e profissional, objetivando uma educação de qualidade, em que o foco seja proporcionar espaços de ensino e aprendizagem mais adequados aos estudantes.

O projeto de extensão em foco se caracteriza por encontros presenciais, com duração de quatro horas, uma vez ao mês, nas dependências da universidade, e por encontros virtuais, por meio do ambiente Moodle, em chats com duração de uma hora, a cada 15 dias. Além dos chats, os participantes têm disponível no ambiente virtual Moodle todos os textos e materiais produzidos pelo grupo, bem como um diário de bordo em que cada umpode realizar seus registros e receber o feedback de outros mediadores.

Inicialmente, para que todos os envolvidos pudessem utilizar de forma satisfatória o ambiente Moodle, foi ofertado um curso de ambientação e instrumentalização para ouso desse espaço virtual. Nesse contexto, são reorganizados os currículos escolares, com base na elaboração de SE e, também, é problematizado e refletido sobre os saberes que norteiam as ações dos educadores, sendo desenvolvidas a escrita e a organização de textos e materiais para a realização de aulas mais contextualizadas, inclusive na perspectiva da experimentação investigativa (GIORDAN, 1999; GALIAZZI; GONÇALVES, 2004; GONDIM; MOL, 2007). Todos os materiais produzidos pelo grupo são aplicados pelos educadores da educação básica em suas turmas, desenvolvendo-se um processo de análise e discussão dos resultados observados.

Percepções produzidas na interação entre sujeitos em formação

Nos momentos da realização dos chats, várias concepções sobre o processo de ensinar e aprender em Ciências foram reveladas pelos sujeitos em interlocução, bem como ocorreram revelações dos modos de ação de cada um, suas angústias, conquistas e frustações. Para nortear o debate no decorrer dos chats, em geral, eram precedidos da leitura de artigos. Para melhor encaminhamento dos debates, os professores-formadores (universitários) organizavam questões norteadoras, porém não fechadas, apenas como um modo de que o tema fosse otimizado.

Com base nas enunciações apresentadas no decorrer dos chats, observou-se que os professores da educação básica, participantes do projeto, preocupam-se em organizar propostas de ensino e aprendizagem que levem em conta as vivências dos estudantes, seus conhecimentos prévios, como apontado pelo professor E4:

  1. - Professor E4: Busco estabelecer relações, tentando partir de situações que eles conheçam, tenham vivência, quando é possível (eles colaboram [...]).

Corroborando com essa ideia, Del Pino et al. (1993, p. 49) afirmam:

Uma química contextualizada e útil para o aluno, futuro cidadão, deve ser uma química do cotidiano, que pode ser caracterizada como uma aplicação do conhecimento químico estruturado na busca de explicações para a facilitação da leitura dos fenômenos químicos presentes em diversas situações na vida diária.

O ensino baseado em SE é uma das formas de organizar o currículo escolar de maneira a propiciar a prática do ensino voltada à vivência dos estudantes. O professor U1, em sua intervenção, sinaliza um aspecto importante na ruptura que há com a forma tradicional da abordagem dos conteúdos, ao se trabalhar com situação de estudo para o ensino de química. Ele afirma:

  1. - Professor U1: É que na forma tradicional precisamos estudar a tabela periódica e suas propriedades - numa Situação de Estudo a tabela periódica é uma ferramenta e seu estudo terá um enfoque diferente do que na forma que tradicionalmente temos dado.

Essa ideia reforça os argumentos de Maldaner e Araújo (1992, p. 20), quando afirmam que a escola e seus atores devem perceber que o papel central desse espaço “é o de investigar, problematizar e discutir fatos, situações e coisas presentes no dia-a-dia dos educandos, de modo a lhes possibilitar novas formas de compreensão das realidades vividas, à luz e através do acesso ao saber estruturado, à ciência”. Assim, nessa direção, propõe-se uma SE como perspectiva de reorganização do currículo escolar, visando romper com a linearidade, a descontextualização e a fragmentação dos conteúdos. Ao partir de situações do contexto do estudante, é possível propor um conjunto de atividades, no viés interdisciplinar, organizadas ao redor de um tema, objetivando construir compreensões sobre determinados conceitos (ARAÚJO et al., 2007).

Ao desenvolver os conteúdos escolares na forma de SE, entendemos que os conceitos de Biologia, Física, Química e outras áreas do conhecimento podem ser abordados de forma inter-relacionada, interdisciplinar e proporciona reflexões sobre questões sociais, culturais e as interações entre as Ciências Naturais, suas Tecnologias [...] (BOFF et al., 2008, p. 96).

Nessa perspectiva, os debates nos encontros virtuais problematizaram compreensões sobre esses aspectos, em que a prática pedagógica dos professores, em processo de reflexão, estabeleceu uma compreensão mais complexa do processo de ensino e aprendizagem. Veja-se um episódio que ilustra esses momentos de interlocução e problematização dos saberes:

  1. - Professor U2: [...] não invalida e sim se conclui a necessidade de fazer com que os alunos pensem e desenvolvam o raciocínio lógico ao invés de receber tudo pronto.

    - Professor U3: Vemos que, além das metodologias, temos que pensar como fazer para que o aluno se sensibilize e queira usar este novo conhecimento, ou se apropriar dele, e acessá-lo quando precisar.

    - Professor E1: O professor deve fazer uma análise crítica e reflexiva para tentar mudar suas práticas e alcançar novos objetivos.

    - Professor E2: Na educação, a caminhada deve ser sempre contínua, possibilitar a construção mais abrangente de conhecimentos.

O que se depreende desse episódio é que há uma clara necessidade de o professor estar aberto a pensar nas situações que se desenrolam no seu fazer pedagógico, de modo a possibilitar que o processo dialético de reflexão-ação-reflexão da sua práxis ocorra. No entanto, ele precisa considerar os condicionantes sociais e conjunturais, e, para tanto, são necessários momentos de reflexão e de debate com seus pares para dar-se conta de pensar e propor ações diferentes e saídas possíveis. Zeichner (1993, p. 23) adverte que, se os professores permanecem em um trabalho isolado, uma possível consequência desse isolamento e da pouca atenção dada ao contexto social do ensino no desenvolvimento dos professores “é que estes acabam por ver os seus problemas como só seus” e, muitas vezes, acabam por sentirem-se frustrados, desmotivados, rotinizando a sua ação. Como possibilidade para avançar e propor melhorias, Pérez Gómes (1995) sinaliza com a constituição de espaços de reflexão coletivos.

Essa construção coletiva contribui para desenvolver a autonomia do professor, em que ele se sente capaz de propor uma lógica de organização do currículo que rompe com a forma tradicional de apresentação dos conteúdos, que, muitas vezes, reforça uma visão dogmática das Ciências. A argumentação do professor E5 aponta nessa direção:

  1. - Professor E5: Cada vez que abordamos uma disciplina, vemos coisas novas que podem ser inseridas e, aos poucos, vamos ficando cada vez mais preparados, pensando tudo o que pode estar envolvido. É por isso que é fundamental tempo de preparação de aula e diálogo.

Assim, ao sinalizar a necessidade do tempo para preparar as aulas e estabelecer o diálogo, o professor requer espaço/tempo em serviço para que possa pensar sua ação e, ao mesmo tempo, interagir com outros sujeitos; isso pode ocorrer tanto no espaço intrainstitucional quanto interinstitucional, em que estabelece parceria com outros, como ocorre no projeto de extensão “Roda de conversas”.

Ao debater a prática pedagógica desenvolvida nos espaços de educação formal, muitas inquietações surgem e acabam fomentando o diálogo, servindo de base para poder encontrar possíveis soluções conjuntas, motivando os envolvidos a desenvolver o processo de reflexão. Veja-se um episódio em que os professores externalizavam suas angústias e preocupações relacionadas à necessidade de significação dos conceitos, ao fazer a transição do saber cotidiano ao saber científico/escolar:

  1. - Professor E3: Exatamente nesse ponto: sair do conhecimento generalista e construir o científico é que se encontra a maior dificuldade.

    - Professor E4: O cuidado que temos que ter é em não perdermos o foco, que é seguir para o conhecimento cientifico.

    - Professor E5: Usar os termos corretos, a linguagem certa, de reações de oxidação, de combustão, eles entendem o conceito de queima, mas é difícil que eles assimilem em termos mais científicos.

A preocupação revelada pelos professores consiste em aspecto bastante importante, pois eles apontam para a necessidade de desenvolver a capacidade de uso consciente, por parte do estudante, da linguagem que constitui a ciência. Ao mesmo tempo, exige que esses sejam levados a constituir uma forma específica de pensamento conceitual, em que o papel do professor, sujeito mediador, esteja atento às palavras e às enunciações dos estudantes, ajudando-os a constituírem o pensamento científico/escolar, na necessária negociação dos seus significados.

A linguagem, como defendido por Vigotsky (2008), se constitui como instrumento de aprendizagem, implicando na valorização de relações intersubjetivas para o aprender, em processos, portanto, solidários e de interlocução de saberes, advindos do cotidiano com aqueles dos saberes historicamente construídos e sistematizados.

Com base no diálogo estabelecido entre os pares, surgem alternativas para que o ensino se concretize de maneira adequada, de modo que é necessário ter clareza de que cada educando tem seu próprio conhecimento prévio e assimétrico em relação aos demais, o que precisa ser considerado. O professor U1 comenta que:

  1. - Professor U1: Uma alternativa de como fazer, é buscar parcerias. No coletivo e com os pares fica mais fácil de achar saídas.

Por isso, para que o processo de ensino e aprendizagem evolua, deve haver o comprometimento de todas as partes, quais sejam: professores, estudantes, pais e órgãos ligados à educação. Da mesma maneira, as disciplinas devem estar interligadas entre si para que ocorra a interlocução dos conhecimentos, ou seja, a interdisciplinaridade. Assim, a reflexão entre os pares viabiliza o desenvolvimento da autonomia docente, qualificando o trabalho pedagógico, comprometendo todos os atores do processo.

Ao analisar a prática pedagógica estabelecida pelos professores e as situações que ocorrem a partir dela, os acadêmicos bolsistas do projeto de extensão também concordaram com a ideia de que é necessário que os conceitos químicos ensinados estejam intimamente relacionados com o cotidiano, pois tudo está ligado ao que acontece em nosso dia a dia, e isso deve ser levado para a sala de aula, de modo que os estudantes possam expressar suas opiniões. Veja-se o que afirmam os acadêmicos bolsistas:

  1. - Acadêmico A1: Se houvesse maior associação com o cotidiano dos alunos, em relação ao estudo-científico, acredito que esses se interessariam mais pelo conteúdo.

    - Acadêmico A2: Para o aluno isso é muito importante! A exemplificação cotidiana aliada ao conhecimento científico. Há a situação e compreensão do aluno enquanto vivência e conteúdo a ser aprendido.

Desse modo, caminha-se ao encontro dos pressupostos defendidos nos PCNEM (Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio), no qual se destaca que:

Os conhecimentos difundidos no ensino da Química permitem a construção de uma visão de mundo mais articulada e menos fragmentada, contribuindo para que o indivíduo se veja como participante de um mundo em constante transformação. Para isso, esses conhecimentos devem traduzir-se em competências e habilidades cognitivas e afetivas. Cognitivas e afetivas, sim, para poderem ser consideradas competências em sua plenitude (BRASIL, 2002, p. 31).

Vários estudos apontam a importância do trabalho em grupo, ou seja, o coletivo da formação continuada, visto que permite o fortalecimento das convicções do professor e a motivação para desenvolver novas ações dentro da sua prática pedagógica. Nas escritas dos professores, extraídas dos chats selecionados, aspectos importantes surgem, revelando as necessidades, apontando soluções para o fazer pedagógico ou até mesmo apresentando momentos de frustrações e desânimo. As estratégias utilizadas pelos educadores, por mais dinâmicas e atrativas que sejam, às vezes não instigam todos os discentes ao aprendizado e alguns educandos acabam demonstrando pouco interesse, como pode-se observar nas falas dos docentes de educação básica:

  1. - Professor E3: Eu percebo certa dificuldade por parte dos alunos no momento que eles precisam escrever ou elaborar respostas.

    - Professor E5: Talvez mesmo com todos os recursos, faltou a atenção do aluno em assimilar tudo isto, isto envolve o esforço da parte deles também, não adianta só a metodologia ser boa.

Assim, a intervenção dos professores formadores é essencial para realizar a mediação do processo e permitir avanços, a fim de construir uma proposta conjunta, significativa e capaz de romper com as lamentações e os desânimos que surgem, e, assim, ultrapassar as práticas tradicionalmente estabelecidas, incentivando o desenvolvimento de ações inovadoras e voltadas à formação científica eficaz.

Considerações finais

Os desafios de uma sociedade em contínua mudança apresentam novas exigências tanto em âmbito cultural, econômico, tecnológico e, principalmente, na educação. Dessa maneira, a formação docente deve estar voltada a essas condições com metodologias que despertem o interesse e mantenham a atenção do estudante. Para que a prática pedagógica desenvolvida seja eficiente, são necessários subsídios para a realização do trabalho docente. Várias estratégias de ensino, de materiais didáticos e de propostas inovadoras podem ser encontrados na atualidade, mas, diante de tudo isso, é importante uma reflexão crítica antes que sejam utilizados. Na maioria das vezes, é junto ao coletivo que o processo pode ser qualificado.

A partir dos diálogos estabelecidos por meio dos chats pelo Moodle, foi possível perceber que tanto os professores da educação básica quanto os acadêmicos bolsistas e os professores universitários têm uma grande preocupação em torno de como estão sendo ministradas as aulas de ciências/química no ensino fundamental e médio, pois ser professor vai muito além de explicações e sistematização de conceitos, requer qualificação e dinamismo em seu desenvolvimento.

Na interlocução entre os envolvidos na tríade, o processo dialógico foi estabelecido, permitindo o debate a respeito dos saberes científicos e a construção do conhecimento. No entanto, muito mais do que isso, essa interação, mesmo que a distância, estabeleceu um canal importante para desenvolver as reflexões sobre a prática pedagógica de um contexto educacional multifacetado envolvido na educação contemporânea.

Pela denominação do projeto “Roda de conversas”, é possível perceber a ideia de movimento que se estabelece no processo de reflexão e ação, como um caminho para o desenvolvimento da autonomia docente e o desafio ao protagonismo na organização curricular, num movimento crescente e contínuo, não linear, que capacita todos os envolvidos na formação contínua.

Material suplementar
Referências
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