Resumo: Os projetos de extensão Rede JUBRA E UBUDEHE, vinculados ao Programa Institucional de Bolsas de Extensão, Arte e Cultura (PIBEAC) / Pró-Reitoria de Extensão Arte e Cultura (PROEX) da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) inserem-se na estratégia interinstitucional de pautar a questão das juventudes brasileira e na diáspora no Brasil, com ênfase na região do Maciço de Baturité/Ceará. O presente artigo objetiva relatar experiências dos projetos e analisar a contribuição da extensão universitária nos processos formativos de jovens. As pesquisas bibliográfica e documental constituem-se aportes metodológicos. Os projetos têm oportunizado diálogos interculturais, principalmente com juventudes indígenas, jovens internacionais na diáspora e jovens brasileiros do Maciço do Baturité ou em mobilidade na região. Conclusivamente, registra-se que a constituição de rede envolvendo múltiplos sujeitos, instituições e organizações sociais potencializa debates qualificados, circulação de ideias e produção de conhecimentos com pertinência social.
Palavras-chave:UbudeheUbudehe, JUBRA JUBRA, interculturalidade interculturalidade, diásporas diásporas, UNILAB UNILAB.
Abstract: The JUBRA and UBUDEHE Network outreach projects are linked to the Institutional Program of Scholarship for Outrach Projects, Art and Culture (PIBEAC) / Pro-Rectory of Outreach Projects, Art and Culture (PROEX) from the University Of International Integration Of Afro-Brazilian Lusophony (UNILAB, all Portuguese acronym). As part of an interinstitutional strategy, the network discusses issues related to Brazilian youth and diaspora in Brazil, with a special interest in the Maciço de Baturité in Ceará . This article reports experiences of projects and analyzes the contribution of university outreach projects to the educational formative processes of youth. The study methodology includes bibliographical and document research. The projects contribute to intercultural dialogues, in particular with indigenous youth and international youth in diaspora and young Brazilians from the Maciço de Baturité or in mobility in that region. It is possible to conclude that a network involving multiple participants, institutions and social organizations promote quality debate, sharing of ideas and the production of knowledge of social relevance
Keywords: Ubudehe, JUBRA, interculturality, diasporas, UNILAB.
Artigos
UBUDEHE: JUVENTUDES, DIÁSPORAS E DIÁLOGOS INTERCULTURAIS EM MOVIMENTO
Recepção: 20 Junho 2017
Aprovação: 16 Outubro 2017
[...]Só se escreve com intensidade se vivermos intensamente.
Não se trata apenas de viver sentimentos, mas de ser vivido por sentimentos.[...]
(Mia Couto).
Ubudehe é uma expressão tradicional kinyarwanda, língua banta, que significa ação coletiva. Inspirado em ''mama" África, na tradição ruandesa de ubudehe e na poesia de Mia Couto (2005), o Grupo de Pesquisa e Extensão Educação e Cooperação Sul-Sul (ELOSS) da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNTI..AB) vem desenvolvendo integradamente dois projetos de extensão - Rede JUBRA: diálogos interculturais, movimentos sociais, juventudes e universidades em movimento1 e Ubudehe: juventudes, diásporas e educação das relações étnico-raciais.
Historicamente, Ruanda, pais situado na parte Oriental/Central da África, antes da colonização, detinha "[...] um sistema tradicional de desenvolvimento comunitário e auto sustentação extremamente organizado e baseado na ação coletiva. Era conhecido como Ubudehe [...]" (LOPES; THEISONN, 2006, p. 295). Relatam os autores que um projeto piloto local inserido na elaboração da Estratégia de Redução da Pobreza (ERP) "[...] converteu a tradicional prática popular de trabalho colaborativo, conhecida como ubudehe, na base do planejamento e da implementação das iniciativas de desenvolvimento[...]'' (LOPES; THEISONN, 2006, p.295).
A ação coletiva, inspirada no ubudehe africano, experienciada nos projetos do ELOSS traduz a intensidade com que a missão institucional da UNILAB nos desafia cotidianamente e oportuniza se viver intensamente a extensão universitária.
A UNILAB emergiu referenciada na integração internacional e cooperação solidária, na combinação de duas políticas que marcam a educação superior no Brasil na década 2000: internacionalização e interiorização. Institucionalizada pela Lei n° 12.289 de 20 de julho de 2010 (BRASIL, 2010), a universidade teve seu efetivo funcionamento nas atividades fins de ensino-pesquisa e extensão a partir de 25 de maio de 2011.
Os projetos de extensão Rede Jubra e Ubudehe, ambos vinculados ao Programa Institucional de Bolsas de Extensão, Arte e Cultura (PIBEAC) da Pró-Reitoria de Extensão, Arte e Cultura (PROEX), inscrevem-se na estratégia interinstitucional de pautar a questão das juventudes brasileira e na diáspora no Brasil, com ênfase na região do Maciço de Baturité, no estado do Ceará, onde a UNILAB está situada.
Inscritos na área de conhecimento das Ciências Humanas, da área temática principal de Educação e área secundária de Direitos Humanos e Justiça, ambos os projetos se situam na linha de extensão Temas Específicos/Desenvolvimento Humano.
Contribuir na consecução da missão institucional da UNILAB, no que lhe confere identidade e a singulariza no cenário das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) brasileiras - a integração internacional no contexto da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a inserção no Maciço de Baturité-CE - constitui uma das principais finalidades dos projetos. No contexto da CPLP, a prioridade de parceria, conforme estabelecido na Lei de criação da UNILAB, é especialmente com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e o Timor Leste na Ásia.
A tríade juventudes, diásporas e interculturalidade, a comunidade universitária da Unilab, especialmente jovens brasileiros e na diáspora, tem centralidade nas ações dos projetos Rede Jubra e Ubudehe, tanto na sua condição de sujeitos políticossociais-educativos, como na sua condição sociocultural inscrita em tempos mundiais de complexos processos econômicos, políticos, sociais, étnicos, culturais, entre outros, e de relações humanas tensionadas pelo individualismo.
A comunidade externa da UNILAB também constitui o público de atenção dos projetos, sendo prioridade os jovens estudantes de escolas públicas do Maciço de Baturité, membros de grupos juvenis, organizações e movimentos sociais, parceiros do poder público e de instituições de ensino superior.
O objetivo geral do projeto Rede JUBRA consiste em promover diálogos interculturais, articulação entre pesquisadores da universidade e coletivos/movimentos sociais vinculados à juventude no estado do Ceará, com ênfase no Maciço de Baturité, por meio da organização e fortalecimento da Rede JUBRA Ceará, potencializando o intercâmbio de conhecimentos, experiências e ações voltadas com/para a juventude.
Destaca-se como objetivo geral do projeto Ubudehe promover ações formativas, de mobilização social e acadêmica, bem como de vivências interculturais, referenciadas na tríade juventude, diáspora e educação das relações étnico-raciais, na perspectiva de contribuir para processos de autonomia e dignidade humana.
A polissemia conceitual em tomo do debate sobre juventudes tem sido a tônica na academia. Juventude não é uma categoria autoexplicativa, unívoca, de valor universal. Freire (2009), referenciada em vasta literatura sobre o assunto, argumenta que a gênese do debate sobre juventude está imbricada a um determinado modo de organização das relações, de produção material e simbólica da sociedade: o capitalismo. É na Modernidade, segundo análise da autora, que a categoria juventude assume sentido, sendo um conceito plural, revestido de significado no espaço-tempo em que se inscreve.
Na análise de Pais (2003, p. 37), com a qual temos concordância, juventude consiste numa "[...] categoria socialmente construída, formulada no contexto de particulares circunstâncias econômicas, sociais ou políticas, uma categoria sujeita, pois, a modificar-se ao longo do tempo".
Em concordância com Freire (2009), concebemos que "É fundamental compreender a juventude em suas múltiplas dimensões, como grupos cambiantes, situados em espaços sociais e temporalidades que lhes atribuem significados próprios [...]".
No presente artigo, são assumidos os pressupostos e marcos das Politicas Públicas de Juventude (PPJ) vigentes no Brasil, a exemplo do Estatuto da Juventude (BRASIL, 2013) e do Plano Nacional de Juventude, que situam jovens os sujeitos na faixa etária de 15 a 29 anos como expressão da dinâmica concreta da realidade socioeconômica e cultural dos jovens no pais. Em relação aos jovens dos PALOP, é assumido o referencial instituído em 2006 pela Comissão da União Africana com a Carta Africana da Juventude (CAJ).
Ao propormos as juventudes da UNILAB e de seu entorno como centralidade dos projetos, situamos as especificidades da realidade de jovens brasileiros/as e na diáspora na conjuntura atual, necessárias ao seu (re) conhecimento e compreensão como um fenômeno social com raizes históricas e culturais, em que a complexa dinâmica social, econômica, política e cultural do pais tem acentuado problemas, com incidência perversa sobre jovens pobres e negros principalmente.
O estudo está referenciado metodologicamente na pesquisa bibliográfica e documental. A revisão de literatura ou bibliográfica constitui-se num pré requisito indispensável em processos investigativos, mas a pesquisa bibliográfica é mais que uma revisão, como argumentam Lima e Mioto (2007,p. 37), ao apontarem que a pesquisa bibliográfica "implica em um conjunto ordenado de procedimentos de busca por soluções, atento ao objeto de estudo, e que, por isso, não pode ser aleatório".
A pesquisa documental se constituiu em outro aporte metodológico, referenciada em May (2004), que argumenta sobre o sentido de que os documentos ou produções são contextualizadas, e não isoladas ou desvinculadas de processos mais amplos, inclusive de arcabouço teórico que subsidie o desvelamento e/ou compreensão do objeto de estudo. Concordando com Cellard (2008), assumimos suas indicações sobre as dimensões dos documentos a serem considerados: 1) o contexto; 2) o autor ou os autores; 3) a autenticidade e a confiabilidade do texto; 4) a natureza do texto; 5) os conceitos-chave e a lógica interna do texto. Nesse sentido, os projetos, os relatórios, assim como as produções acadêmicas geradas pelos mesmos foram a base documental do presente estudo.
O artigo sintetiza relatos e reflexões sobre a experiência dos projetos de extensão no bojo da missão e política institucional da UNILAB, como expressão de uma ação coletiva que vem nos transformando cotidianamente, potencializando a inserção social desta Universidade na região do Maciço de Baturité, ao mesmo tempo em que tem oportunizado diálogos no campo da integração internacional. É uma escrita que, ao ser (re) produzida, traduz a força da ação coletiva experienciada, a intensidade das inquietudes que a extensão universitária pauta.
Extensão Inovadora: desafios da UNILAB sob o signo da integração internacional e interiorização
A área de extensão vai ter no futuro próximo um significado muito especial. No momento em que o capitalismo global pretende funcionalizar a Universidade e, de fato, transformá-la numa vasta agência de extensão ao seu serviço, a reforma da Universidade deve conferir uma nova centralidade às atividades de extensão (com implicações no currículo e nas carreiras dos docentes) e concebê-las de modo alternativo ao capitalismo global, atribuindo às Universidades uma participação ativa na construção da coesão social, no aprofundamento da democracia, na luta contra a exclusão social e a degradação ambiental, na defesa da diversidade cultural. (SANTOS, 2004, p. 53-54).
A importância que o sociólogo português Boaventura Santos (2004) confere à extensão universitária, em sua obra A Universidade no Século XXI, referencia teoricamente a razão acadêmica e social para a implementação dos projetos de extensão Rede JUBRA e Ubudehe, na UNILAB.
A universidade pública brasileira é desafiada a fomentar politica de extensão inovadora, capaz de materializar o fundamento da educação superior como bem público vinculado ao projeto de país que se deseja erguido sobre bases de justiça social, capaz de superar as históricas desigualdades e assimetrias que marcam a história do Brasil e de países do Sul global. Para Santos (2002), o Sul global agrega países que, no passado, foram tipificados como de Terceiro Mundo, sendo a ratio entre a inclusão e a exclusão o elemento definidor do pais pertencer ao Norte, centro do poder político e econômico em escala global, ou ao Sul, situado na periferia do capitalismo mundial. Portanto, tal concepção extrapola uma perspectiva geográfica, situando-a na complexa geopolítica do mundo.
Conceitualmente, a extensão universitária no Brasil2 é concebida como "[...] um processo interdisciplinar, educativo, cultural, científico e político que promove a interação transformadora entre Universidade e outros setores da sociedade" (FORPROEX, 2012, p. 16).
O escopo conceitual em nível nacional baliza a politica institucional de extensão na UNILAB. Regulamentada por meio da Resolução n° 27 de 12 de dezembro de 2011 (UNILAB, 2012), do Conselho Superior Pro-tempore da Universidade, a extensão universitária é assumida no Estatuto3 e Regimento4 desta instituição como ação indissociável da pesquisa e do ensino, assente no pressuposto transformador que a extensão implica no interior da universidade e na relação com a sociedade.
Na confluência da missão e políticas institucionais, a extensão universitária na UNILAB é comprometida com a ampliação da relação da Universidade com a sociedade nos planos local, regional ou internacional. Em seu Estatuto (UNILAB, 2016), é estabelecido, no Artigo 8°, o que segue transcrito abaixo:
Art. 8º A Unilab tem como objetivo ministrar ensino superior, desenvolver pesquisas nas diversas áreas de conhecimento e promover a extensão universitária, tendo como missão institucional especifica formar recursos humanos para contribuir com a integração entre o Brasil e os demais países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa- CPLP, especialmente os países africanos, bem como promover o desenvolvimento regional, o intercâmbio cultural, cientifico e educacional.
Na perspectiva da consecução da missão institucional da UNILAB, a integração, interculturalidade, interdisciplinaridade e ação coletiva são princípios basilares dos projetos de extensão objeto do presente artigo.
Etimologicamente, integração vem do latim integrare, que significa o ato ou efeito de integrar ou tornar inteiro. Inteireza requer totalidade, que por si pressupõe as partes e o todo, o uno e o múltiplo, a unidade na diversidade. Em sua discussão sobre a construção multicultural da igualdade e da diferença, Santos (2004) argumenta sobre os princípios de emancipação e integração no contexto das sociedades modernas. Para o autor, a emancipação aponta para a igualdade, enquanto a integração social vincula-se à gestão de acentuados processos de exclusão produzidos no capitalismo.
A integração de que se trata na UNILAB recusa a reificação da integração social como (re) produtoras de desigualdades, mas situada na sua missão institucional de articular o Brasil e os países parceiros, no caso os PALOP - Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe - e o Timor Leste. A concepção de integração assumida pelos projetos em tela alinha-se com o argumento de Santos (2006, p. 316) de que políticas de igualdade e de identidade pressupõem que "[...] temos o direito a ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza [...]".
O pressuposto das politicas de igualdade e de diferença de que nos fala Santos (2006) vem ao encontro da concepção de interculturalidade por nós assumida, alinhada com o pensamento de Walsh (2013). A interculturalidade é imperativa para compreensão e trato das diferentes realidades sociais, étnicas e culturais, entre outras, presentes na universidade. No contexto de uma universidade de integração internacional como a UNILAB, a interculturalidade potencializa a consciência internacionalista e a perspectiva democrática nas quais a interdisciplinaridade vai se firmando como uma tendência indispensável para qualificar a produção de conhecimento e intervenção social.
A memória de pedagogias decoloniais que focam lutas de resistências e existências de povos de raiz africana, a perspectiva intercultural critica defendida, a reflexão sobre experiências com populações que lutam para superar a colonialidade em lugares diversos, fazem de Walsh (2012, 2013) um referencial teórico.
A interdisciplinaridade é imperativa para o conhecimento emancipatório. A crescente especialização e compartimentação em inúmeras disciplinas é marca evidente da ciência moderna, como já apontara Bertalanffy (1990). Instituída no século XIX, como indicam Morin (2002) e Klein (1990), a disciplina é indispensável para tornar o conhecimento tangível, mas também implica no risco de hiperespecialização, autossuficiência, coisificação do objeto estudado. Assim, a interdisciplinaridade, como concepção e prática dialógica entre diferentes campos do conhecimento, implica em troca, em novas sínteses, em conhecimento transformado(r) (FREIRE, 2009).
A ação coletiva, inspirada no ubudehe ruandês em África, tem possibilitado tecer a extensão universitária a partir da articulação e sinergia do grupo ELOSS, integrando não apenas os dois projetos aqui relatados e analisados, mas ainda os projetos Circuito Intercultural de Vivências em EJA (CIVEJA) e Mediação de Conflitos Escolares.
Os princípios basilares ora abordados sinteticamente integração, interculturalidade, interdisciplinaridade e ação coletiva - constituem pilares do compromisso em dinamizar uma extensão inovadora perpassada pelos desafios da UNILAB, sob o signo da integração internacional e interiorização.
Extensão inovadora é um dos conceitos abordados por Santos (2011), que concebe essa atividade fim como um dos cinco pilares para reconquistar a legitimidade social da universidade, argumentando seu significado especial e que deve assumir uma nova centralidade, repercutindo inclusive nos currículos e na carreira docente. O autor enfatiza que as universidades devem comprometer-se com "[...] uma participação ativa na construção da coesão social, no aprofundamento da democracia, na luta contra a exclusão social e a degradação ambiental, na defesa da diversidade cultural[...]" (SANTOS, 2011, p. 73).
Extensão universitária: diálogos interculturais, ação coletiva e produção de conhecimento
A universidade é um bem público intimamente ligado ao projecto de país. O sentido político e cultural deste projecto e a sua viabilidade dependem da capacidade nacional para negociar de forma qualificada a inserção da universidade nos contextos de transnacionalização. No caso da universidade e da educação em geral, essa qualificação é a condição necessária para não transformar a negociação em acto de rendição e, com ele, o fim da universidade tal como a conhecemos. Só não haverá rendição se houver condições para uma globalização solidária e cooperativa da universidade. (SANTOS, 2011, p. 113)
Na perspectiva de um projeto de país comprometido com suas juventudes - brasileira e na diáspora no Brasil- é que os projetos de extensão em tela no presente artigo dedicaram-se ao desenvolvimento de atividades formativas e socioculturais referenciadas que favorecessem a integração, a interculturalidade, o combate a todas as formas de racismo, discriminação racial, xenofobia e qualquer tipo de intolerância.
Entre tais atividades, destaca-se o diálogo intergeracional e com nossa ancestralidade indígena. Na perspectiva de fortalecimento do diálogo entre coletivos de pesquisa, o ELOSS articulou, junto com o Grupo de Pesquisa Interdisciplinar Marxista (GIM:) e em parceria com a Rede Indígena de Memória e Museologia Social, Museu Indígena Kanindé5, Museu Indígena Jenipapo Kanindé6, lideranças do povo indígena Tapeba do município de Caucaia, atividades formativas e socioculturais no Festival das Culturas da UNILAB, promovido pela PROEX em 2016. Rodas de Conversa sobre as lutas e resistências dos povos indígenas, as experiências dos Museus Indígenas, a dança do Toré, entre outras, trouxe o protagonismo de nossos ancestrais para a UNILAB (ALEXANDRE et al., 2016).
O compromisso com a implementação das Leis n° 10.639 de 09 de janeiro de 2003 (BRASIL, 2003) e 11.645, de 10 de março de 2008 (BRASIL, 2008), constitui-se em pilar dos projetos e inscreve-se no esforço de contribuir com a garantia de direitos de povos, sujeitos coletivos e pessoas. Historicamente, os movimentos sociais empreenderam lutas, especialmente o movimento negro e de indígenas, com o propósito de assegurar o direito aos seus territórios, à terra e de nela produzir, à ancestralidade, aos bens culturais materiais e imateriais.
Incorporada nas politicas públicas e na legislação brasileira, a Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER) é uma conquista dos movimentos sociais, principalmente do movimento negro, aliado a todo o marco regulatório da educação indígena no pais. As leis já referidas, o Estatuto da Igualdade Racial, através da Lei no 12.288 (BRASIL, 2010), as diretrizes educacionais, entre outras, são expressões concretas das lutas históricas e recentes.
O diálogo da extensão universitária com o ensino de graduação também se concretiza por meio de atividades curriculares7 no contexto da formação inicial de professores nas licenciaturas de Ciências da Natureza e Matemática (CNeM), Química, Física, Matemática e Ciências Biológicas, vinculadas ao Instituto de Ciências da Natureza e Matemática (ICEN). Tais atividades contribuíram para o (re)conhecimento de elementos das culturas, costumes, lutas e resistência que marcam esses povos indígenas.
Encontros interculturais entre estudantes e professores da UNILAB, brasileiros/as e internacionais dos PALOP e do Timor Leste com povos indígenas do Ceará, possibilitam a articulação da teoria com a prática, em que a apropriação de conteúdos acadêmicos sobre interculturalidade assume contornos próprios na interação com a realidade sociocultural de nossos ancestrais indígenas (ALEXANDRE et al., 2016).
O Festival de Culturas e as atividades curriculares desenvolvidas com povos indígenas aproximou a UNILAB dessa realidade sociocultural, possibilitando que o projeto Rede JUBRA se inserisse na articulação "Juventude Indígena: Plantando um futuro melhor para nosso povo", em parceria com a Associação para Desenvolvimento Local e Coproduzido (ADELCO), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APID), Articulação dos Povos e Organizações Indígenas (APOINME), Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza (CDPDH), Coordenação das Organizações dos Povos Indígenas do Ceará (COPICE), Fundação Nacional do índio (FUNAI), Movimento Saúde Mental Comunitário (MSMC), com apoio e financiamento do Fundo Brasil de Direitos Humanos.
Ao se propor promover diálogos interculturais, articulação entre pesquisadores da universidade e coletivos/movimentos sociais vinculados a juventudes no estado do Ceará, com ênfase no Maciço de Baturité, buscou-se contribuir para o fortalecimento da Rede JUBRA-Ceará que, no ano de 2017, sediou o VII Simpósio Internacional sobre a Juventude Brasileira (VII JUBRA), um evento científico que congrega pesquisadores e professores brasileiros e estrangeiros, profissionais, estudantes, jovens, gestores públicos e agentes comunitários para a discussão de pesquisas, programas e projetos sociais referentes à juventude.
A implementação do projeto Rede JUBRA vem potencializando, com isso, discussões e intercâmbios, ampliação da rede de cooperação entre universidades8 em tomo da temática da juventude numa perspectiva interdisciplinar, favorecendo o diálogo de saberes e conhecimentos, experiências e ações voltadas com/para a juventude.
Nesse contexto, o ELOSS-UNILAB, por meio de seus projetos de extensão, integrou-se às Oficinas da Microrregião Metropolitana de Juventudes Indígenas e da Região Metropolitana, realizadas, respectivamente, nas comunidades do povo Jenipapo Kanindé e do povo Kanindé, reunindo ainda os parentes Pitaguary, Tapeba, Tremembé e Potiguara. O foco das Oficinas foi a abordagem de temáticas sobre seus direitos, situação de vida, território e respeito na sociedade. Vale referir, também, a participação na Conferência da Juventude Indígena Kanindé, na Aldeia Fernandes, em Aratuba, onde as discussões se pautaram nos saberes museológicos e espiritualidade indígena.
A construção e o fortalecimento da Rede JUBRA, sob liderança da UNILAB, no contexto do Maciço de Baturité, vem, ainda, ao encontro de outra demanda: a concretização de propostas que emergiram da Conferência Livre de Juventude da UNILAB; da 11 Conferência Municipal de Juventude e da Conferência Estadual de Juventude. Articulado com a Coordenação Estadual de Juventude do Governo do Estado do Ceará, o ELOSS assumiu, também, o compromisso de desenvolver ações que possibilitem a devolutiva das decisões da Conferência Estadual de Juventude, realizada em novembro de 2015, na perspectiva inclusive de responder às demandas de jovens que estejam no alcance da ação institucional da universidade.
Por meio de ações extensionistas, o ELOSS esteve fortemente engajado na construção e mobilização da 38 Conferência Nacional de Juventude "As várias formas de mudar o Brasil'', que se realizou em Brasília, no final de 2015. As politicas públicas de juventude e sua efetivação têm centralidade nessa agenda, em que a contribuição de jovens na diáspora também se constitui como importante referência para transformar o Brasil. Jovens são sujeitos de direitos e assegurar sua participação em processos decisórios é de fundamental importância.
A ancestralidade africana também tem sido a tônica dos diálogos interculturais dos projetos de extensão do ELOSS. Compreender questões das juventudes africanas motivou a realização de Círculo Epistemológico, integrando jovens brasileiros, dos PALOP e do Timor Leste, convergindo para uma concepção de extensão como produção de conhecimento.
Os Círculos Epistemológicos (CE) consistem em processos dialógicos de investigação e debates qualificados a partir de questões geradoras, como propõe Romão et al. (2006), possibilitando a concretização da indissociabilidade de pesquisa e extensão. O foco em leituras, estudos e debates em pequenos grupos são elementos catalisadores dos Círculos de Leitura, que inspiram os Círculos Epistemológicos. Ler é desvelar o mundo. Nesse sentido, os CE resgatam a concepção de Freire (1989, p. 11-12), que, ao discutir a importância do ato de ler, nos diz que:"[...] a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele[...]".
A organização do CE pressupõe três momentos organizativos imbricados: Articulação; Círculos em Movimento; Memória Coletiva. A articulação é o primeiro momento e envolve processos de organização e mobilização, contemplando, assim, desde questões de logística à sensibilização de pessoas e sujeitos coletivos para participação nos Círculos. Os Círculos em Movimento compõem o segundo momento, que consiste na realização em si da ação formativa. A Memória Coletiva, como terceiro momento, implica na síntese do Circulo, com a publicização da experiência, seja por meio de memorial fotográfico, depoimentos etc.
A partir de múltiplos olhares de jovens brasileiros e na diáspora na UNILAB, a Carta Africana da Juventude foi pauta do Circulo Epistemológico realizado em 2016, que aglutinou 27 jovens, dos quais 9 eram brasileiros, 13 guineenses, 2 timorenses, 2 cabo-verdianos, 1 angolano.
No Acto Constitutivo da União Africana (UA) e do Plano Estratégico da Comissão da UA para 2004-2007, a participação da juventude no desenvolvimento da África foi valorizada. Atualmente, a UA congrega 54 países, dos quais 53 participaram de sua criação em Durban, na África do Sul, em 2002, momento no qual ocorreu a extinção e o relançamento da antiga Organização da Unidade Africana (OUA)9. A criação da UA celebra a renascença africana, como analisa Saraiva (2015, p. 12):
[...] Renascença ou renascimento significam, para. as novas gerações de africanos, o alcance de uma vida material, intelectual e socialmente saudável, ao desenvolver suas possibilidades educacionais e de renda em Estados capazes de garantir processo de democratização e respeito à diversidade cultural que marca o presente africano.
Em 2016, dez anos após a institucionalização da CAI em Banjul, capital da Gâmbia, a UA realizou o balanço conhecido como Banjul + 10, que traduz os dez anos da implementação da CAI. Realizado entre 21 e 25 de maio de 2016, teve orientação da Comissão da UA e o apoio do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA) e outros parceiros, sob o lema "10 anos da implementação da Carta Africana da Juventude: acelerar o desenvolvimento dos jovens em África".
O primeiro eixo de debate do CE teve como mote a questão: o que temos a dizer sobre a Carta Africana da Juventude a 1O anos depois, considerando a realidade dos jovens de nossos países africanos? A manifestação dos jovens no CE pode ser sintetizada em cinco argumentos principais: 1) a CAJ, em que pese o reconhecimento de sua importância, não repercutiu efetivamente em melhorias na vida dos jovens na África; 2) a falta de adesão de todos os países do continente à CAJ revela que a importância da questão da juventude ainda é relativizada por muitos países, não sendo suas especificidades reconhecidas como parte do desenvolvimento social; 3) a concretização dos princípios e enunciados do documento enfatizam a educação superior e o apoio ao empreendedorismo juvenil como forças motrizes do desenvolvimento; 4) é um avanço o reconhecimento de direitos e deveres de jovens, assim como a recomendação de instrumentos que apontem responsabilidades dos estados Partes da UA com a juventude africana, sendo decisivo, no entanto, os enunciados terem efetividade e traduzirem se em políticas e ações que favoreçam os jovens do continente; e 5) a implementação das diretrizes do documento requer vontade politica e efetiva capacidade de gestão de programas e projetos.
O que os jovens têm a dizer e propor aos países africanos sobre PPJ nos dias atuais e para um futuro de garantia de direitos, objeto do segundo eixo do CE, foi perpassado pelas seguintes questões principais: 1) valor e importância da juventude na transformação social; 2) a efetiva implementação de políticas de juventude sob responsabilidade de governantes poderá contribuir para a estabilidade nos países africanos; 3) educação como centro de atenção para alavancar mudanças em África, impulsionando politicas de emprego e de empreendedorismo juvenil; 4) os jovens destacam políticas sociais de cultura, de esporte e lazer, de combate à fome, de redução da violência, como fundamentais para a qualidade de vida; e 5) garantia de liberdades, com ênfase na liberdade de expressão.
Por fim, o foco do terceiro eixo de debate no CE girou em tomo do que os jovens brasileiros e na diáspora têm a dizer ao Brasil sobre as PPJ na atualidade e para um futuro de garantia de direitos, enfatizando: 1) a força da mobilização dos jovens no Brasil em situação de crise; 2) centralidade da educação nas PPJ como mecanismo de redução das desigualdades e de garantia de direitos; 3) o fomento de politicas sociais é fundamental para a juventude, à exemplo de saúde, esporte e lazer, combate à violência, drogas e segurança pública; 4) implementação de politicas de emprego e renda; 5) combate à violência aos jovens, com especial atenção ao extermínio da juventude negra; e 6) garantia de mecanismos de participação de jovens em instâncias decisórias de PPJ.
A dinâmica do Círculo Epistemológico evidenciou que, por meio de ações extensionistas, pode-se fomentar a produção de conhecimento relevante socialmente, com incidência sobre PPJ e politicas institucionais na universidade.
Intensidade que nos (re)lançam: sínteses à guisa de conclusão
A dignidade humana como projeto utópico dá sentido aos projetos de extensão Rede JUBRA e Ubudehe, em que o compromisso com a construção de outro mundo possível resgata lutas do passado como história e memória, um presente ativo, criativo e propositivo, marcadamente comprometido com esse presente/futuro de dignidade. As ações desenvolvidas, sinteticamente relatadas e refletidas, traduzem o compromisso com nossas raízes e ancestralidades, em que as presenças negra e indígena são constitutivas de nossa brasilidade, de nossas identidades.
Assumir a tríade juventude, diáspora e educação para as relações étnico-raciais no contexto da integração internacional que singulariza a UNILAB implica, necessariamente, fortalecer os pressupostos e diretrizes da Declaração e Plano de Ação de Durban, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, entre outros.
Reconhecemos coletivamente que os projetos ora em desenvolvimento vêm ao encontro da concretização da missão institucional da UNILAB, potencializando a compreensão do mundo atual, da realidade brasileira, num mundo de múltiplas e aceleradas mudanças, que repercutem nos territórios e instituições em que atuamos. Os projetos propuseram-se e vem envidando esforços para cumprir um duplo papel: a integração internacional da juventude brasileira e na diáspora, assim como a inserção social da UNILAB no Maciço de Baturité/Ceará.
A integração internacional é um imperativo no contexto da UNILAB, na perspectiva do acolhimento e da convivialidade de iguais e diferentes. A inserção social pressupõe o diálogo da universidade com a sociedade, processo esse estruturante para a legitimação social da instituição.
A diáspora de centenas de jovens em direção ao Brasil precisa ser (re)conhecida como um fenômeno social, com raízes históricas e culturais. No caso da UNILAB, são jovens oriundos de Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, que cruzam céus e mares, o Atlântico Sul, em busca da concretização de projetos de vida ancorados na memória e histórias de vida, entrelaçadas com a ancestralidade africana e história recente de redemocratização do Timor Leste.