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PESQUISA-AÇÃO PARA O RECONHECIMENTO DA REGIÃO “SERRAS DA IBITIPOCA” COMO PRODUTORA DE QUEIJO MINAS ARTESANAL
PESQUISA-AÇÃO PARA O RECONHECIMENTO DA REGIÃO “SERRAS DA IBITIPOCA” COMO PRODUTORA DE QUEIJO MINAS ARTESANAL
Revista Conexão UEPG, vol. 15, núm. 2, pp. 147-155, 2019
Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 05 Outubro 2018
Aprovação: 15 Janeiro 2019
Resumo: A valorização de produtos tradicionais pode representar uma estratégia de desenvolvimento rural sustentável. O objetivo deste trabalho, desenvolvido no mestrado profissional em Desenvolvimento Sustentável e Extensão da Universidade Federal de Lavras (UFLA), foi contribuir com o reconhecimento da região “Serras da Ibitipoca” como produtora do Queijo Minas Artesanal (QMA). Realizou-se pesquisa ação que buscou identificar elementos na região que justificassem o seu reconhecimento, e sistematizar e analisar o processo de articulação e organização empreendido. Foram realizados estudos bibliográficos, 3 entrevistas e 50 questionários, em 12 municípios. Realizaram-se, ainda, reuniões, observação e análise documental. Verificou-se que a região possui histórico de produção de queijos que remonta ao século XVIII, meio físico favorável à produção e um grupo de interesse. Esses elementos justificam o reconhecimento da região “Serras da Ibitipoca” como produtora de QMA. Sistematizar esse processo permitiu refletir criticamente sobre o reconhecimento e suas dificuldades, visando contribuir cientificamente com processos similares.
Palavras-chave: Produtos Tradicionais, Agricultura Familiar, Minas Gerais, Queijo Minas Artesanal, Serras da Ibitipoca.
Abstract: Valuing traditional products can be a strategy for sustainable rural development. This study was carried out in the Master’s degree in Sustainable Development and Outreach Activities at the Federal University of Lavras (UFLA, in the Portuguese acronym). The aim was to contribute to the recognition of the “Serras de Ibitipoca” region as a producer of Artisanal Minas Cheese (QMA, in Portuguese acronym). An action research was carried out to identify the elements of the region that justified its recognition, and to systematize and analyze the process of articulation and organization. The methodology also included bibliographical studies, 3 interviews and 50 questionnaires in 12 municipalities. In addition, meetings, observations and document analysis were also held. The study demonstrated that the region produces cheese since the 18th century, in addition of being a physical environment favorable to the production and an interest group. These elements justify the recognition of the “Serras da Ibitipoca” region as a producer of QMA. Systematizing this process allowed us to reflect critically about the recognition of the region and its difficulties, aiming to provide a scientific contribution to similar processes.
Keywords: Traditional Products, Family Farming, Minas Gerais, Artisanal Minas Cheese, Serras da Ibitipoca.
Introdução
A região "Serras da Ibitipoca" está localizada entre as mesorregiões da Zona da Mata, Campo das Vertentes e Sul/Sudoeste do Estado de Minas Gerais. Na época do ciclo1 do ouro, a região representava o "Caminho Proibido", onde o ouro era transportado fugindo dos locais de pagamento do "quinto" à Coroa Portuguesa. Durante esse ciclo, como forma de abastecimento da população, foram inseridos na região produtos como feijão, arroz, milho, cana de açúcar, cachaça, bovinos e queijo. Essas atividades foram intensificadas com a decadência da mineração e muitas delas mantidas pela tradição até os dias atuais (LACERDA, 2017). A produção do leite assumiu maior destaque na região e o protagonismo na geração de renda às propriedades rurais, por meio de agregação de valor com a fabricação de queijos, os quais tinham mercado naquela época.
Com a criação de políticas sanitaristas voltadas apenas para a produção industrial, passou-se a condenar o modo de fazer o queijo utilizando leite cru, equipamentos de madeira e tecnologias tradicionais. Surgiram, assim, cooperativas e indústrias que passaram a comprar o leite dos produtores e ofertar diversos tipos de queijos no mercado. Os produtores se tornaram dependentes dessas cooperativas e indústrias e, em razão disso, a produção artesanal de queijo foi inviabilizada. Cintrão (2016) fala sobre o controle do Estado em relação a produção, processamento e comercialização por meio de instrumentos e mecanismos de segurança, o que, para ela,
[...] desencadeou em Minas Gerais, a partir dos anos 1980, processos de ilegalização dos queijos 'não inspecionados' feitos com leite cru (não pasteurizado), que passam a ser percebidos por órgãos de regulação sanitária e técnicos especializados na área de laticínios como 'um problema' para a saúde pública (CINTRÃO, 2016, p.141).
Tais politicas sanitaristas tiveram como marco o Decreto 30.691 de Getúlio Vargas, datado de 29 de março de 1952, por meio do qual foi regulamentada, no país, a Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal. Segundo esse Decreto, para entrar no mercado, os produtos de leite e derivados devem prioritariamente passar por um processo de pasteurização, além de receber o carimbo do Serviço Inspeção Federal (SIF) (BRASIL, 1952).
Ferreira (2013) faz referência ao caráter excludente da Legislação para o Queijo Minas Artesanal (QMA). Esse autor faz uma análise jurídica das leis do queijo e cita a Lei 1.283, de 18 de dezembro de 1950 (BRASIL, 1950). No seu artigo 3°, essa Lei relaciona os locais onde a fiscalização atuará. Nesse ponto, o autor destaca a grande amplitude da norma, que contempla desde os pequenos estabelecimentos rurais, dentre eles as queijarias, até os grandes estabelecimentos industriais, e levanta o que ele chama da primeira de três grandes polêmicas: "O tratamento igual dos desiguais. O grande estabelecimento industrial é tratado da mesma forma que o pequeno produtor rural" (FERREIRA, 2013, p. 2).
Com um olhar também crítico sobre a regulação dos mercados do sistema agroalimentar brasileiro, Wilkinson e Mior (1999, p. 44) escrevem que "a regulação dos mercados se constitui num terreno privilegiado de definição de interesses entre os distintos atores, tanto na produção como no consumo".
Cintrão (2016) questiona "a consideração da ciência como única forma de conhecimento legitimo", assim como "os profissionais especializados como autoridade exclusiva na definição dos regulamentos sanitários" e também o fato de os "laboratórios serem a única forma de diagnóstico válida", questões que ela considera que limitam a regulação apenas aos riscos à saúde, cujos indicadores podem ser monitorados a partir desses instrumentos, desconsiderando outras formas de percepção e monitoramento dos riscos (CINTRÃO, 2016, p. 268)2.
Apesar da proibição, vários produtores continuam a produção na informalidade, por ser um produto com o qual têm identidade e também por representar o único meio que têm para sustentar suas famílias. O que se observa é que os produtores do QMA foram colocados à margem do mercado formal e o seu produto foi desvalorizado, prejudicando a sua reprodução social. Ou seja, conforme escreve Pité (1997), prejudicando a ''renovação da produção material e cultural dos seres humanos", o que, consequentemente, causou injustiça social. (PITÉ, 1997, apud MORA, 2011, p.1).
O contexto histórico de fabricação de QMA na região "Serras da Ibitipoca", associado ao fato de existir uma produção significativa nos dias atuais, não inserida na legislação, e também à questão social e cultural que envolve essa produção de queijo, motivou o presente trabalho sob o vislumbre de se obter a sua regularização.
Com esse desafio, iniciou-se a busca de uma alternativa que fosse viável e que não alterasse esse modo de fazer. A partir do ingresso no curso de mestrado profissional em Desenvolvimento Sustentável e Extensão da Universidade Federal de Lavras (UFLA), e observando o reconhecimento da produção do QMA em outras regiões do Estado de Minas Gerais, vislumbrou-se que os produtores da região "Serras da lbitipoca" também poderiam ter sua região reconhecida, de forma que o seu produto fosse valorizado.
O primeiro critério a ser considerado para reivindicar o reconhecimento de uma região como produtora do QMA é verificar a sua história de produção de queijo, já que a Lei 14.185 de 31 de janeiro de 2002, a qual dispõe sobre ,o processo de produção do QMA, descreve que "E considerado QMA o queijo confeccionado conforme a tradição histórica e cultural da região do estado onde for produzido, a partir do leite integral de vaca cru". As ações necessárias para se obter o reconhecimento são: levantamento preliminar do histórico de produção de QMA na região, organização do grupo de produtores, solicitação à Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (EMATER-MG) para realização da caracterização histórica, edafoclimática e agrogeológica da região. Sendo o parecer favorável, solicitar ao Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) a indicação da região como produtora de QMA, por meio de organizações representativas dos produtores (MINAS GERAIS, 2002).
Assim, o objetivo geral desta pesquisa foi contribuir para o reconhecimento da região "Serras da Ibitipoca" como produtora do QMA. Para tal, elencaram-se os seguintes objetivos específicos: 1. caracterizar a região nos aspectos econômicos, sociais e do meio fisico; 2. resgatar e socializar a história de produção do QMA na região; e, 3. sistematizar e analisar o processo de articulação e organização para o reconhecimento da região como produtora do QMA.
Apesar da proibição, vanos produtores continuam a produção na informalidade, por ser um produto com o qual têm identidade e também por representar o único meio que têm para sustentar suas famílias. O que se observa é que os produtores do QMA foram colocados à margem do mercado formal e o seu produto foi desvalorizado, prejudicando a sua reprodução social. Ou seja, conforme escreve Pité (1997), prejudicando a ''renovação da produção material e cultural dos seres humanos", o que, consequentemente, causou injustiça social. (PITÉ, 1997, apud MORA, 2011, p.1).
Metodologia
Tipo de Pesquisa
A pesquisa caracterizou-se, quanto à abordagem, como qualitativa; quanto aos objetivos, como exploratória e intervencionista; e quanto aos procedimentos, como pesquisa-ação com embasamento teórico-empírica. Para Minayo (2001, p. 21), a pesquisa qualitativa ''trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes". Segundo Gil (2008b), a pesquisa exploratória proporciona mais familiaridade com o problema. De acordo com Vergara (1990, p. 5), a pesquisa intervencionista consiste na "investigação cujo principal objetivo é interpor-se, é interferir na realidade estudada, para modificá-la".
A pesquisa ação tem caráter participativo, democrático e contribui com a mudança social. Segundo Thiollent (2011, p. 20), a pesquisa participativa "é uma pesquisa social, empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo". Para ele, "os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo".
Koerich et al. (2009), além de concordarem com Thiollent (2011) sobre o conceito da pesquisa-ação, acrescentam que "a pesquisa-ação intervém na prática no sentido de provocar a transformação. Coloca-se então, como uma importante ferramenta metodológica capaz de aliar teoria e prática por meio de uma ação que visa à transformação de uma determinada realidade" (KOERICH et al., 2009, p. 717).
A escolha por esse modelo de pesquisa se deu em função de seu caráter participativo e democrático, com finalidade de contribuir para promover mudança social.
Logo no início do projeto, percebeu-se que tal pesquisa não poderia ser realizada por mão única, uma vez que o seu resultado poderia desencadear o processo para o reconhecimento da região como produtora do QMA. Em razão disso, optou-se por fazer uma construção coletiva, envolvendo os produtores e diversos parceiros como órgãos de pesquisa, extensão, fiscalização, dentre outros. As parcerias foram identificadas a partir de uma análise dos possíveis passos a serem percorridos durante todas as fases da pesquisa e foram negociadas de forma individualizada, em visitas às instituições.
Amostra e técnicas de pesquisa
A pesquisa foi realizada em 12 municípios integrantes da região "Serras da lbitipoca", nos quais existem escritórios locais da EMATER-MG: Lima Duarte-MG, Pedro Teixeira-MG, Bias Fortes-MG, Santa Rita de lbitipoca-MG, Santa Rita de Jacutinga MG, Santana do Garambéu-MG, Passa Vinte-MG, Bom Jardim de Minas-MG, Olaria-MG, Rio Preto MG, Santa Bárbara do Monte Verde-MG e Andrelândia-MG.
Para se cumprir o primeiro objetivo, foi realizada análise documental, tendo sido pesquisados dados municipais disponíveis no Censo Demográfico (2010) e Censo Agropecuário (2006) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes à população, produção de leite, Produto interno Bruto PIB e índice de Desenvolvimento Humano-IDH3. Também foram utilizados dados do Cadastro de Público e mapas da EMATER-MG, referentes ao número de agricultores familiares, mapas de clima, relevo e vegetação, entre outros. Além disso, foram utilizados dados do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2010) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Também foram realizados visitas e levantamentos de campo e a aplicação de 50 questionários a produtores com contribuição dos técnicos da EMATER dos escritórios locais dos municípios e, também, técnicos das prefeituras, cujos dados foram tabulados posteriormente. O questionário abordou de forma detalhada aspectos sobre a identificação do empreendimento, fontes e uso da água, características do rebanho e da ordenha, instalações e estruturas de processamento, histórico e características da fabricação do queijo, equipamentos e utensílios, higiene do pessoal, dependências anexas à queijaria, destino de dejetos e efluentes, embalagem e transporte, e comercialização. Para a caracterização integrada do meio fisico da região, foi feita solicitação à EMATER-MG, que designou equipe técnica específica para tal.
Considerando o segundo objetivo, reafirmou-se a parceria com o Arquivo Histórico da Prefeitura de Juiz de Fora, por meio do seu diretor e historiador, o qual assumiu a responsabilidade de fazer o levantamento histórico da produção de queijos na região para compor o projeto, o que serviu também para, associado à caracterização integrada do meio fisico, delimitar a área de abrangência do projeto. Seus estudos foram enriquecidos pela pesquisadora com outras informações bibliográficas e documentais, dados obtidos dos questionários que foram aplicados, bem como com pesquisa de relíquias materiais existentes na região que foram utilizados na produção de queijos no passado.
Também foram realizadas entrevistas, que buscaram encontrar memórias vivas da produção de QMA na região "Serras da lbitipoca". Foram entrevistados 3 agricultores, em suas residências, os quais têm 90, 84 e 82 anos, respectivamente. A entrevista foi informal, na qual foi solicitado que o entrevistado contasse, de forma livre, o que ele se lembrava sobre a produção de QMA. De acordo com Gil (2008), "A entrevista informal é recomendada nos estudos exploratórios, que visam abordar realidades pouco conhecidas pelo pesquisador, ou então oferecer visão aproximativa do problema pesquisado... (GIL, 2008b, p.111).
Importante salientar que, nas visitas aos produtores de QMA, reuniões com produtores e órgãos envolvidos com a produção de QMA e nos encontros realizados em Lima Duarte durante o processo desta pesquisa, observaram-se e registraram-se fatos, ações, reações e comportamentos, os quais deram suporte para a complementação deste trabalho. Considerou-se que "o método da Observação Participante é especialmente apropriado para estudos exploratórios, estudos descritivos e estudos que visam à generalização de teorias interpretativas" (MÓNICO et al., 2017, p. 726).
Tendo em mãos os resultados obtidos ao cumprir os objetivos específicos, discutiu-se a questão do reconhecimento da região "Serras da Ibitipoca" como produtora do QMA e refletiu-se sobre os processos de articulação e organização necessários, visando contribuir com outras iniciativas que busquem o reconhecimento.
Resultados e Discussão
Os resultados estão apresentados em 3 tópicos. No primeiro, são descritas as características sociais e econômicas da região "Serras da Ibitipoca", com foco para a área rural, e as características do meio fisico, com foco na atividade leiteira, em especial a produção de queijo. No segundo tópico, apresenta-se o levantamento histórico da produção de queijos artesanais na região; e, no terceiro tópico, detalha-se o processo para obtenção do reconhecimento da região como produtora de QMA.
Caracterização da região 'Serras da lbitipoca" nos aspectos econômico, social e do meio físico
A região "Serras da Ibitipoca" localiza-se no extremo sul do estado de Minas Gerais, fazendo divisa com o estado do Rio de Janeiro (Figura 1).
De acordo com a Tabela 1, a seguir, os municípios integrantes dessa região abrangem uma área de 4.801,26 km2 e comportam uma população de 63.346 pessoas, das quais 17.231 habitam na zona rural, o que representa 27,20% da população (IBGE, 2010). Existem 6.125 agricultores familiares4 , o que representa 35,54% da população rural (EMATER, 2017).

Conforme Tabela 2, a média do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre os municípios é de 0,6573, abaixo da média do Estado, que é de 0,7310, e do Pais, que é de 0,6990. (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO- PNUD, 2017).

O PIB refere-se ao total das riquezas produzidas. Considerando a média dos municípios que integram a região "Serras da Ibitipoca", o PIB agropecuário representa 12% e outras atividades 88% do total (Tabela 3).
A principal atividade agropecuária na região "Serras da Ibitipoca" é a bovinocultura leiteira. São 3.014 estabelecimentos que produzem leite, com uma produção de 67.177 mil litros/ano (IBGE, 2006).
A produção de leite é uma importante atividade para a economia brasileira, com destaque para a agricultura familiar, que tem uma participação representativa desta. De acordo com Zoccal, Souza e Gomes (2005, p. 6), "entre os agricultores familiares a pecuária leiteira é uma das principais atividades desenvolvidas, estando presente em 36% dos estabelecimentos classificados como de economia familiar, além de responderem por 52% do valor bruto da produção".
A predominância do relevo da região é acima de 900 metros de altitude. Fernandes relata que "o relevo da área favorece considerável variações de declividades e, por consequência, microclimas que condicionam alternativas para usos e ocupações geradoras de renda e, em especial, para o estabelecimento da cadeia produtiva do QMA" (FERNANDES, 2018, p.13).
A maioria dos municípios integrantes da região "Serras da lbitipoca" está inserido na zona de clima mesotérmico brando, com temperatura média entre 10 e 15°C. Trata-se de uma região de clima úmido, com poucos meses de seca durante o ano (EMATER, 2017).
O contexto econômico, social e do meio fisico da região "Serras da Ibitipoca" leva a depreender que o reconhecimento da produção do QMA se mostra como uma alternativa possível para o desenvolvimento da região, principalmente da agricultura familiar.
Resgate e socialização da história de fabricação do QMA na região ''Serras da Ibitipoca"
Lacerda (2017) defende que a região "Serras da lbitipoca" já foi a maior produtora de queijo artesanal do Estado. Este autor levantou a quantificação parcial da produção de queijo da região de Rio Preto entre 1815 e 1821 e, analisando-a, destacou o contingente de tropas necessárias para o transporte de queijos. Segundo seus cálculos, seriam 13,46 mulas carregadas por dia, somente dedicadas ao transporte de queijos.
Para ele, "isso possibilitou a estruturação de uma rede de transportes para a integração econômica e a posição dos produtos em relação à arrecadação de impostos onde o queijo ocupava o terceiro lugar, antecedido pelo gado em pé e toucinho". Disso o autor conclui enfatizando a "importância "inquestionável do queijo para a economia, tanto das populações locais como para o Erário Régio de Portugal e depois para o Império do Brasil" (LACERDA, 2017, n.p).
A conclusão de Lacerda (2017) é reforçada por outros autores que escreveram sobre o QMA, a exemplo de Mergarejo Netto (2011), que, ao descrever a Geografia do Queijo Minas Artesanal, traz um histórico de sua fabricação e apresenta relatos de alguns viajantes que por aqui passaram desde o Séc. XVIII, a exemplo do francês Augustin François César Prouvençal de Saint- Hilaire, que realizou várias viagens ao Brasil entre 1816 e 1822.
Liccardo e Mendes (2001) traçaram o mapa da viagem de Saint-Hilaire às nascentes do Rio São Francisco, narrada a partir de Rio Preto, de onde ele segue pelos campos próximos à bacia do Rio Grande.
Sobre a produção de queijo na região, Saint-Hilaire relatou que "Fabrica-se geralmente uma considerável quantidade de queijos na comarca de São João Del' Rei, mas a maior produtora é a região do Rio Grande, constituindo o queijo um dos seus principais produtos de exportação" (SAINT-HILAIRE, 2004, p. 191, grifo nosso). A Região "Serras da Ibitipoca" está localizada entre as bacias do Rio Grande e Paraíba do Sul.
Em outra viagem ao Estado de Minas Gerais, no ano de 1822, Saint-Hilaire passou pelo registro de Rio Preto, seguindo para a fazenda São Gabriel e, posteriormente, para a fazenda do Tanque, próximo à serra da Ibitipoca, onde foi acolhido por uma família que lá morava, de onde ele relatou que "Antes de sairmos ofereceu-me queijo, farinha e bananas, frutos que só se podem colher à raiz da serra". (SAINT HILAIRE, 1974, p. 34).
A fazenda do tanque, por onde Saint-Hilaire passou, era muito extensa, possuía 500 alqueires de terra. Por volta de 1900, a família construiu outra casa no local denominado "Barro Branco", dentro da área da fazenda, a qual ainda existe. Segundo relato de um familiar que mora na propriedade atualmente, a antiga casa onde Saint-Hilaire se hospedou foi desmobilizada e os pertences da família foram levados para essa casa, e ainda existem, e são, portanto, uma comprovação do relato de Saint-Hilaire.
Delgado (2009) transcreveu uma correspondência enviada ao "Pharol" de Juiz de Fora pelo Inspetor escolar Alfredo Carneiro Viriato Catão, por volta de 1893, com o objetivo de defender a importância da construção da via férrea ligando Lima Duarte a Juiz de Fora. Nessa correspondência, ele traça o panorama econômico do município de Lima Duarte, integrante da região "Serras da Ibitipoca", onde se lê que ''no ano próximo decorrido, conforme se verificou de um cálculo levantado ao mínimo, exportaram-se daqui 588.000 queijos, que foram vendidos no mercado do Rio pelos melhores preços. Essa exportação tende nesse ano quase duplicar-se" (DELGADO, 2009, p. 59).
Dos entrevistados na pesquisa, 61% relataram a prática de produção de queijos de seus antepassados familiares, inclusive um entrevistado fez a seguinte revelação: "Meu avô comprou 300 alqueires de terra com venda de queijo, 90 unidades por dia".
Esses dados trazem a seguinte questão: como, em uma região com tanta história de produção de queijos, que poderia ter sido até mesmo a maior produtora do estado de Minas Gerais, essa atividade se esfacelou tanto?
Cintrão (2016) faz referência às pressões relacionadas à regulação sanitária com a chegada dos laticínios e cita a região da Zona da Mata e Sul de Minas, entre as quais está a região "Serras da Ibitipoca", onde as indústrias chegaram mais cedo, produzindo diferentes tipos de queijo. Levanta, assim, a hipótese de que, em razão disso, os produtores artesanais incorporaram elementos das diferentes receitas de queijos industriais.
Delgado (2009, p. 253) relata que, em 1900, foi instalada uma indústria de laticínios em Lima Duarte. Esse autor destaca que "Era uma das primeiras fábricas de laticínios de Minas Gerais, instalada com maquinaria vinda da Europa". De acordo com Delgado (2009, p. 253), o 'Jornal do Comércio', na época, "classificou essa fábrica como uma das mais modernas e aperfeiçoadas".
Outro fator que se acredita ter contribuído com esse esfacelamento da atividade foi a ausência de políticas públicas voltadas para os pequenos produtores. Delgado (2009) também levantou essa questão. Para ele, "o agricultor, sobretudo o pequeno proprietário, vê-se a braços com questões difíceis, tais como falta de assistência e orientação técnica; falta de financiamento para aquisição de maquinaria para mecanização da lavoura; sementes; adubos, forragem; reprodutores; deficiência de comunicações..." (DELGADO, 2009, p. 63).
Pelo exposto, corrobora-se com Cintrão (2016), juntamente a Delgado (2009), e assim infere-se que o esfacelamento da atividade se deu porque os produtores de queijo ficaram perdidos entre as práticas da produção histórica e as práticas exigidas pela legislação, e sem acesso a políticas públicas, como crédito e assistência técnica.
O estudo histórico bibliográfico realizado, associado a relatos e identificação de materiais utilizados na produção de queijos no passado, demonstra que a produção do queijo artesanal na região ocorre desde o Século XVIII, evidenciando, inclusive, a pujança da atividade para a economia local.
O processo de reconhecimento da região "Serras da lbitipoca" como produtora do QMA
Durante o cumprimento das etapas da pesquisa, identificou-se que os diversos atores envolvidos com a produção de QMA na região "Serras da lbitipoca" têm uma percepção de que o reconhecimento da região como produtora do QMA é de fundamental importância para os produtores. Isso foi demonstrado desde a primeira fase da pesquisa. Primeiramente, a relevância do tema evidenciou-se quando, ao buscar as primeiras parcerias, descobriu-se que existiam dois outros atores que defendiam o mesmo projeto, sendo o historiador do Arquivo Histórico de Juiz de Fora e um pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG). Observou-se, também, uma participação significativa de pessoas nos espaços de discussão sobre o tema.
Inicialmente, foram contatadas as primeiras parcerias necessárias e foi proposto fazer uma reunião para discutir o tema. Participaram dessa reunião a EPAMIG, EMATER-MG, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), Prefeitura Municipal de Lima Duarte-MG e Arquivo Histórico da Prefeitura de Juiz de Fora-MG. Nessa reunião, concluiu-se que seria inevitável ter um articulador para o projeto e também discutiu-se sobre a necessidade de se conhecer a história de fabricação do QMA para dar andamento ao projeto, ficando acordado que a EMATER-MG, por meio da pesquisadora que escreve este texto, seria a articuladora, e o Arquivo Histórico, por meio de seu diretor, faria o levantamento histórico.
Visando oportunizar a socialização da ideia do projeto, foi realizado o ''Encontro Regional do Queijo Artesanal", no município de Lima Duarte, em março de 2017. O encontro contou com a participação de representantes do executivo dos 12 municípios envolvidos e também de instituições como o IMA, EMBRAPA, Instituto Federal (IF) Campus Rio Pomba, Sindicato dos Produtores Rurais de Lima Duarte, Olaria e Pedro Teixeira, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lima Duarte e região, EMATER-MG, Policia Militar de Minas Gerais, Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável de Lima Duarte (CMDRS), Arquivo Histórico da Prefeitura de Juiz de Fora, Rotary Club, UFLA e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas (SEBRAE). Os participantes revelaram uma expectativa positiva quanto à execução do projeto.
Ao final do evento, como proposta dos próprios participantes, foi criada uma comissão com 29 integrantes, com representação dos municípios, produtores e órgãos, para participarem das próximas etapas da pesquisa. Foi realizada uma reunião dessa comissão 20 dias após o encontro, quando foram organizadas ações necessárias à execução da pesquisa, definidas responsabilidades, socializados os passos necessários para se obter o reconhecimento, ratificado o nome identitário do projeto, formalizados os municípios participantes do projeto, criado um grupo técnico para dar andamento em questões de cunho técnico do projeto, e definido o interlocutor do projeto.
Também foi definida a responsabilidade pela articulação política, o que se fez necessário para o andamento do projeto nas esferas superiores dos órgãos envolvidos, com o reconhecimento de regiões produtoras de QMA. Além disso, foram definidos os responsáveis e o mês da aplicação dos questionários para caracterização da produção do QMA nos 12 municípios integrantes da região "Serras da lbitipoca" e sobre as próximas reuniões da comissão.
Após discussões, o grupo concluiu que o nome "Serras da lbitipoca" realmente seria o mais viável, pois é um nome que já está firmado no mercado pelo turismo na região, além de haver registro da utilização do nome "lbitipoca" desde o século XVIII.
O grupo técnico foi formado por EMATER, EMBRAPA, IF Campus Rio Pomba, IMA, Arquivo Histórico da Prefeitura de Juiz de Fora e Prefeitura de Lima Duarte. Ficou agendada a primeira reunião, a fim de se discutir o formato do questionário a ser aplicado com produtores de queijo de todos os municípios. A reunião do grupo técnico foi realizada no final de abril de 2017, quando foi elaborado o questionário e definida a necessidade de realizar a capacitação dos técnicos da EMATER e dos municípios para aplicação dos questionários, o que ocorreu em 4 de setembro de 2017, quando também foi determinado o prazo para a aplicação dos questionários, em 16 de outubro de 2017.
Ficou definido que a entidade organizativa interlocutora do projeto seria o CMDRS de Lima Duarte, o qual, a partir de então, assumiu todas as solicitações e comunicações sobre o QMA "Serras da lbitipoca".
O CMDRS de Lima Duarte com a participação do Prefeito, Secretário de Agricultura de Lima Duarte e extensionista local da EMATER-MG, realizou reunião com a presidência da EMATER-MG e formalizou solicitação para realização dos estudos agrogeológicos e edafoclimáticos da região. Tal solicitação foi acolhida positivamente pela presidência da EMATER-MG, a qual manifestou-se no sentido de fazer os encaminhamentos necessários para realização dos referidos estudos.
O articulador do projeto ficou responsável por fazer convocação de reuniões da comissão, caso fossem necessárias discussões e/ou tomadas de decisões com relação ao projeto de pesquisa.
Cabe refletir que empreender esse processo de reconhecimento em uma região não é tarefa fácil, vários são os desafios. Tratando do levantamento histórico da produção de queijos na região, foi necessário buscar literatura, registros, identificar resquícios de materiais utilizados no passado, aplicar questionários, bem como identificar e entrevistar atores que guardam a memória de produção de queijos de seus familiares antepassados. Para essa ação, foi favorável o fato de ter como parceiro um historiador que assumiu a tarefa relativa à busca de documentos, registros e literatura, cabendo aos pesquisadores a busca por resquícios de materiais, entrevistas e aplicação de questionários.
Embora tenham sido negociadas parcerias com os técnicos dos escritórios locais da EMATER-MG e técnicos de cada prefeitura para a aplicação de questionários, houve muitas dificuldades para cumprimento dessa tarefa. Foi necessário assumir a aplicação de questionários nos municípios de Santa Bárbara do Monte Verde e Santa Rita de lbitipoca.
Outra dificuldade encontrada em relação aos questionários trata-se da demonstração de insatisfação de vários integrantes do grupo com a mudança do modelo do questionário a ser aplicado, fato que motivou a realização deste registro, entendendo que este poderá contribuir com outros processos coletivos.
A construção do questionário foi realizada em reunião do grupo técnico, na qual o questionário foi discutido item a item. Porém, no dia da reunião realizada para treinamento dos técnicos para aplicação do questionário, por razões de discordância de alguns membros do grupo, acabou sendo adotado outro modelo de questionário, o que, para alguns integrantes, feriu a construção coletiva.
Nesse ponto, cabe uma reflexão sobre os desafios de se empreenderem trabalhos coletivos. Rocha (2012) assinala que "a mediação não ocorre de forma harmônica e homogênea; pelo contrário, as tensões, conflitos e contradições atravessam, permanentemente, as relações entre os homens". (ROCHA, 2012, p.33).
Para explicar sobre essas tensões, conflitos e contradições, a autora traz a citação de Góes (2001), que escreve,
Mesmo quando o conhecimento está sendo efetivamente construído, os processos interpessoais abrangem diferentes possibilidades de ocorrências, não envolvendo apenas, ou predominantemente, movimentos de ajuda. [...] o papel do outro é contraditório [...] (GÓES, 2001 apud ROCHA, 2012, p.34).
Na busca de resquícios de materiais utilizados no passado para a produção de QMA, deparou-se com duas situações antagônicas. Uma diz respeito ao descaso que algumas famílias tiveram com esses materiais, pois disseram que eles sumiram, e em alguns casos o relato foi de que até foram queimados. Por outro lado, há situações em que esses materiais estão guardados com todo zelo e os familiares conscientes e orgulhosos da importância histórica de tais materiais.
As entrevistas com atores que guardam a memória de seus antepassados quanto à produção de QMA exigiu muita habilidade para ouvir e conseguir extrair o máximo de informações. Trata-se de pessoas com idade avançada, que entre uma fala e outra buscam na memória fatos, histórias e estórias, o que torna o diálogo enriquecedor e revela certo saudosismo do entrevistado, o que também registrou-se como um diferencial positivo, já que a memória da produção de queijo revela uma época de fartura no campo.
A organização dos produtores também se mostrou bastante complexa, por vários fatores, como: a dificuldade de obter informações sobre a fabricação de queijos junto aos produtores, por receio destes quanto à fiscalização; a distância e pulverização desses produtores nos territórios mais longínquos dos municípios; e a dificuldade de transporte e tempo disponível dos produtores para participarem de reuniões.
Soma-se a esses fatores certo descrédito com a possibilidade de se conseguir regularizar a produção de queijos a partir do leite cru e certa insegurança quanto à colocação do queijo maturado no mercado, já que a comercialização desse produto se perdeu na região, ao ser substituído pelo queijo fresco, que é o produto que eles fazem e vendem, atualmente. Esse descrédito foi minimizado com conversas e palestras que ocorreram nos encontros e reuniões sobre o queijo, nos quais foi explanado sobre o processo para reconhecimento de uma região como produtora do QMA. Outro fator que colaborou foi o envolvimento de diversos órgãos como EMATER-MG, EMBRAPA, EPAMIG, Prefeituras, entre outros, que reforçaram a credibilidade do projeto, assim como a vinda do Secretário de Estado de Agricultura e Pecuária de Minas Gerais a Lima Duarte, dando o seu aval ao projeto.
Outro ponto importante diz respeito à negociação de parcerias, o que demandou um grande empreendimento de tempo para visitas, reuniões e conhecimento sobre o processo de reconhecimento, para se conseguir envolver as parcerias na execução do projeto.
Cabe destacar ainda sobre a solicitação à EMATER-MG para realização da caracterização do meio físico da região. A principio se pensou que essa ação seria morosa, já que a equipe para esses trabalhos é reduzida e existem outros estudos em andamento no estado. Porém, os trabalhos para a caracterização acabaram acontecendo de forma rápida.
Outro desafio nesse processo foi o fato de tratar se de uma pesquisa que poderia desencadear no reconhecimento da região como produtora do QMA. Assim, as ações precisaram ser pensadas para o presente, integrando o processo, e para o futuro, ou seja, para o que se precisará fazer após a obtenção do reconhecimento.
Cumpre salientar que a opção feita pela construção coletiva desse processo deu sustentação durante todas as etapas cumpridas. As facilidades e dificuldades relatadas puderam ser experimentadas por todo o grupo, representando uma valorosa construção de conhecimento para todos os envolvidos. Essa experiência remete ao método pedagógico de Paulo Freire (1996, p.21), no qual "ensinar não é transferir conhecimento, a produção de conhecimento é compreendida como processo em construção onde o saber se faz por meio de uma superação constante".
Experimentou-se também a mediação do processo numa perspectiva dialética, também defendida por Paulo Freire (1987) e que consiste no modo como pensamos as contradições da realidade, o que permitiu uma construção de espírito critico e autocrítico e uma revisão do passado à luz do presente, questionado, e com visão de um futuro.
Além de Paulo Freire, também vivenciou-se a didática 'aprender a aprender' de Pedro Demo no que diz respeito à participação da sociedade civil no campo das políticas públicas, o que, para ele, é ''processo de conquista e construção organizada da emancipação social" (DEMO, 1989, p. 53).
Apesar da tarefa ter sido desafiadora e apresentar muitas variáveis, conseguiu-se avançar no objetivo proposto. Essa pesquisa desencadeou o processo para o reconhecimento da região "Serras da lbitipoca" como produtora de QMA, uma vez que elucidou elementos necessários para tal, além de ter articulado o grupo de interesse.
Conclusão
O fato de ter empreendido a ação visando ao reconhecimento da região "Serras da lbitipoca" como produtora do QMA e, por meio desta, ter encontrado pares com o mesmo objetivo, e firmado parcerias com as quais se realizou um processo participativo, representa um primeiro e essencial elemento na busca do reconhecimento da região, já que o ponto de partida é a existência de um grupo de interesse.
A história de produção de QMA na região remonta ao século XVIII e foi comprovada por meio da literatura e de documentos. Também foi possível identificar materiais utilizados para fabricação de QMA no passado e relatos de atores que guardam consigo a memória de fabricação de queijos de seus antepassados.
Os diversos atores envolvidos com a fabricação de queijo na região têm uma percepção positiva quanto ao reconhecimento da região como produtora, inclusive, destaca-se aqui o relato de alguns desses atores, que dizem: "Esse reconhecimento vai representar a redenção dessa região". Acrescenta-se que as características do meio físico se apresentam como favoráveis à fabricação de queijo.
Dessa forma, o reconhecimento se faz importante para a região, uma vez que resgata e valoriza a cultura de fabricação de queijo e, assim, possibilita melhoria de renda aos agricultores familiares que têm na atividade leiteira a sua única fonte de renda, além de tirá-los da informalidade, dando-lhe dignidade e oportunizando-lhes o acesso à assistência técnica para promover melhorias em seu produto e em sua propriedade.
Também há de se considerar o impulso para a atividade turística com o reconhecimento da produção de queijo na região, assim como outras atividades associadas à produção de queijo, o que gera ocupação no meio rural e contribui para reduzir o êxodo rural.
Pelo exposto, a região "Serras da lbitipoca" tem potencial para obter o seu reconhecimento como produtora de QMA. Para tal, foi construído, de forma participativa, o documento "Caracterização integrada dos municípios da Região "Serras da lbitipoca" como produtora de QMA". Este documento foi apresentado à EMATER-MG, que é a empresa responsável pelas caracterizações das regiões produtoras de QMA, para que fossem feitos os ajustes necessários para encaminhamento ao IMA, solicitando o reconhecimento dessa região como produtora do QMA. O reconhecimento aconteceu em 4 de julho de 2018, por meio da Portaria IMA 1834.
O fato de ter realizado este trabalho em um Programa de Mestrado Profissional foi importante por contar com a contribuição efetiva de um orientador e de vários docentes, o que contribuiu para refletir criticamente sobre o processo de reconhecimento e sua importância, atingir os objetivos necessários para o reconhecimento da região como produtora de QMA, e sistematizar esse processo para colaborar cientificamente com processos similares.
Apesar dos desafios apresentados, a construção coletiva se mostrou como fundamental nesse processo, uma vez que oportunizou interação entre os diversos atores envolvidos, promovendo o fortalecimento do projeto e, consequentemente, o atingimento do objetivo proposto.
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Notas
I - Não detenha, a qualquer titulo, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais;
II - Utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;
III- Tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo;
V - Dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família (BRASIL, 2006).