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HISTÓRIAS QUE BRINCAM E ENCANTAM: O CONTAR HISTÓRIAS NA FORMAÇÃO DOCENTE
HISTÓRIAS QUE BRINCAM E ENCANTAM: O CONTAR HISTÓRIAS NA FORMAÇÃO DOCENTE
Revista Conexão UEPG, vol. 16, núm. 1, pp. 01-11, 2020
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Recepção: 26 Março 2019
Aprovação: 07 Agosto 2019
Resumo: O objetivo deste texto é relatar a experiência de atuação de acadêmicos de um curso de Pedagogia na confecção de materiais e nos processos de contação de histórias na Biblioteca Municipal Professor Egydio Martello, na cidade de Campo Mourão, no Paraná. Tal experiência ocorreu a partir do projeto de extensão intitulado "Deixa eu contar...histórias que brincam e encantam", realizado em uma ação interdisciplinar com estudantes do 5° período do curso de Pedagogia. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, apoiada em referenciais bibliográficos e no relato da experiência, baseado na pesquisa ação. Para tanto, foram utilizados como referenciais teóricos os autores Vygotsky (2003), Machado (2004), Abramovich (2009), Coelho (2000) e Debus (2006). O trabalho evidenciou que a literatura infantil despertou nos acadêmicos o prazer de contar histórias, de sensibilizar as crianças para a Literatura Infantil. Para as crianças, proporcionou momentos de descontração, imaginação, encantamento e o contato com livros e estratégtas de contação.
Palavras-chave: Literatura Infantil, Contação de Histórias, Biblioteca, Extensão..
Abstract: The aim of this paper is to share the experience of undergraduate Pedagogy students from a city in the state Paraná, Brazil. The undergraduate students were involved in the elaboration of the resources as well as in storytelling activities at the Municipal Library Professor Egydio Martello. The experience emerged from the outreach project called "Deixa eu contar... histórias que brincam e encantam" ("Let me tell you... stories that play and charm", in a free translation) carried out in an interdisciplinary action of 5th year undergraduate Pedagogy students. It is a qualitative research based on action research that includes bibliographical references and experience reports. Authors such as Vygotsky (2003), Machado (2004), Abramovich (2009), Coelho (2000) and Debus (2006) support the study. The study demonstrated that children's literature stimulated the enjoyment of storytelling in undergraduate students, and raised children's awareness of the value of children’s literature and other readings. In addition, it provided moments of enjoyment, imagination and enchantment, and exposed children to a diversity of books and storytelling strategies.
Keywords: Children's Literature, Storytelling, Library, Outreach Activities.
Introdução
Contar histórias é uma ação semelhante ao brincar e envolve a imaginação, bem como diversas possibilidades criativas e originais de representar o mundo. Neste trabalho, o processo de elaboração e de contação de histórias1ocorreu com materiais artesanais e estratégias diversificadas de contação que privilegiaram a ludicidade nesse processo. Os livros de literatura infantil foram primordiais para a execução e realização dessa prática cultural.
Este artigo apresenta o relato de uma experiência que foi desenvolvida em um projeto de extensão com estudantes do 5° período do curso de Pedagogia de um Centro Universitário privado do interior do Paraná. O projeto de extensão foi derivado de uma ação interdisciplinar de três disciplinas: "Fundamentos e Metodologias do Ensino de Língua Portuguesa e Literatura Infantil", "Projeto Interdisciplinar V" e "Prática Articulada à Função do Pedagogo: Áreas Afins". A turma era composta por 47 acadêmicos.
O objetivo deste artigo é relatar a experiência de atuação de acadêmicos desse curso de Pedagogia, de uma cidade do interior do Paraná, na confecção de materiais e nos processos de contação de histórias na Biblioteca Municipal Professor Egydio Martello.
O projeto surgiu da necessidade de articulação dos elementos discutidos a respeito dos processos didáticos e teóricos desenvolvidos pelos professores dessas disciplinas, bem como das reflexões sobre as práticas da arte de contar histórias na formação inicial de professores em diferentes contextos.
A questão principal que norteou este trabalho foi: qual a importância social dos discentes de Pedagogia na atuação e na contação de histórias em bibliotecas, espaços considerados não escolares?
A pesquisa foi qualitativa e seu fundamento teórico-metodológico foi a pesquisa ação. Também foi realizada a revisão de literatura sobre a temática contação de histórias. A pesquisa-ação possibilitou desvendar estratégias de promoção de leitura utilizadas pelos acadêmicos com as crianças nos processos de apresentação das histórias da literatura infantil para sensibilizá-las. Nesse processo, a construção coletiva dos processos de pesquisa foi fundamental.
Este projeto de extensão e pesquisa surgiu a partir da seleção de textos literários pelos estudantes. Posteriormente, eles foram incentivados a formarem grupos e elaborarem contações de histórias na Biblioteca Municipal Professor Egydio Martello, na cidade de Campo Mourão no Paraná. O trabalho foi composto por dez grupos de estudantes de Pedagogia que, a partir de livros de literatura infantil, elaboraram técnicas de contação de histórias para serem aplicadas para grupos de crianças que frequentam a biblioteca.
O projeto de extensão intitulado "Deixa eu contar...histórias que brincam e encantam" foi aprovado pelo Centro Universitário e firmou um convênio com a biblioteca municipal em fevereiro de 2018. Ele ocorreu durante o primeiro semestre desse mesmo ano. Nas práticas de contação realizadas pelas estudantes, foi possível constatar que a arte de contar histórias na formação inicial, no curso de graduação em Pedagogia, possibilitou o acesso e a divulgação da cultura literária como direito essencial do ser humano, tanto para os discentes como para as crianças que participaram dessas ações.
A relação com a educação em processos não escolares ocorreu por meio dos aportes teóricos da Educação Social, que tem como característica a ampliação de atuação do pedagogo para além do espaço escolar, dado que a Educação não se limita à escola e ultrapassa os muros dessa instituição. Para Educação Social, ler emancipa as pessoas e as tomam únicas. As histórias e fantasias repercutem de modos diversos para cada ser humano, sensibilizando-as diante das adversidades.
O projeto de extensão "Deixa eu contar... histórias que brincam e encantam" foi desenvolvido por meio de múltiplas estratégias de contacão de histórias. Também foram realizados vários estudos para transpor os textos literários para narrativas orais. Foram utilizados recursos e materiais diversos que buscaram a partilha das histórias que permitiram a ''viagem pelo universo imaginário" como uma forma de possibilitar a fantasia e a inserção no mundo fictício.
Portanto, a contação de histórias mostrou-se um processo de agir narrativo que permitiu o despertar de percepções e o aguçar de sentidos como a visão, audição, paladar, olfato e tato. Essa ação também oportunizou o desenvolvimento e a formação de habilidades cognitivas que facilitaram o ato de criação e imaginação. Para embasar este estudo, foram utilizados os seguintes autores: Vygotsky (2003), Machado (2004), Abramovich (2009), Coelho (2000), Debus (2006), entre outros.
Neste texto, em um primeiro momento, será abordada a relação da Literatura Infantil e a arte de contar histórias na formação docente e no curso de Pedagogia em questão. Na sequência, será apresentado o projeto de extensão e, posteriormente, serão relatadas as ações acadêmicas na experiência com o contar histórias de Literatura Infantil na biblioteca.
A arte de contar histórias e a formação docente
A contação de histórias é uma prática que promove a leitura e o acesso à literatura. Os contadores possibilitam o encantamento das crianças, dos jovens e dos adultos pela descoberta do mundo literário e, ao mesmo tempo, promovem processos humanizadores.
O contar histórias nasceu com a humanidade e continua até hoje em diferentes culturas. Essa ação colabora para o processo de desenvolvimento da criança pelo fato de que, ao contar e recontar histórias da Literatura Infantil, o contador promove a mediação da linguagem, potencializa as interações e assegura o desenvolvimento infantil. Tais atividades possibilitam às crianças interagirem com o mundo da fantasia e dos sfmbolos, pois, a partir das narrativas, elas apresentam suas opiniões e seus sentimentos. Essas ações também permitem que as crianças possam compreender melhor o mundo em relação ao cotidiano e vivenciarem o exercício social da oralidade e da escrita.
Como recurso utilizado por diferentes pessoas, os chamados contadores de histórias, narrar histórias possibilita a vivência com a cultura e também a possibilidade de reinventá-la. Na Educação, a partir do ato de contar, os professores/contadores de histórias promovem às crianças a vivência da infância e do lúdico por meio da fantasia e da imaginação. Além disso, também auxiliam na afetividade, nas expressões gestuais, na coordenação motora e em aspectos culturais.
Ao contar histórias, o educador procura garantir a diversidade do mundo literário para as crianças, buscando promover processos de humanização e sensibilização. Para esclarecer tais aspectos, a perspectiva histórico critica considera que:
O desenvolvimento infantil constitui o princípio básico da psicologia. Uma criança não é um ser terminado, mas um organismo em desenvolvimento e, portanto, seu comportamento vai se formando sob a influência da ação sistemática do ambiente e, também, com relação a vários ciclos ou períodos de evolução do próprio organismo infantil, que por sua vez determinam a relação dó ser humano com o meio (VYGOTSKY, 2003, p.203).
Nessa perspectiva, a contação é um recurso que promove várias relações entre o universo literário, a criança e as pessoas humanizadas. As histórias contribuem com o aprendizado da linguagem e da criatividade, conforme descreve Debus (2006, p.75): "O contar histórias pode influir diretamente na aprendizagem efetiva da leitura e escrita pois, por meio da narrativa, a criança entra em contato com novos vocábulos, com estratégias de linguagem [...]". Essa linguagem das narrativas, que tem como estrutura início, meio e fim, passa a ser um auxílio para que a criança elabore suas próprias histórias.
A narrativa permite o acesso à linguagem e o desenvolvimento de habilidades sociais e cognitivas. As narrativas são compostas de três momentos: do início, do meio e do fim.
Para Souza e Girotto (2014, p.29), a narrativa envolve o "esquema de 3 atos", começo, meio e fim. A situação inicial é o primeiro ato e corresponde à apresentação história. Já o desenvolvimento, que ocorre no processo da narrativa, é o segundo ato. E nesse momento que os acontecimentos da história direcionam as causas, que são oriundas das situações iniciais. O desfecho final é o momento no qual a narrativa apresenta a conclusão das situações. Nesse processo narrativo, há uma relação sequencial entre os "3 atos", visto que o início (lo ato), o desenvolvimento I meio (2° ato) e o fim (3° ato) estão sistematizados nas histórias narradas.
Para contar histórias são necessárias estratégias de mediação dos contadores de histórias. Portanto, na formação dos futuros professores é preciso que sejam ofertadas diferentes experiências e estratégias. Para aqueles que se propõem a encantar as crianças para a literatura e para a arte de contar, é necessário considerar que:
Para contar histórias - seja qual for - é bom saber como se faz. Afinal, nela se descobrem palavras novas, se entra em contato com a música e com a sonoridade das frases, dos nomes [...]. Se capta o ritmo, a cadência do conto e assim ela flui como uma canção... ou se brinca com a melodia dos versos, com o acerto das rimas, com o jogo das palavras....Contar histórias é uma arte... É tão linda!!! E ela que equilibra o que é ouvido com o que é sentido, e por isso, não é nem remotamente declamação ou teatro [...]. Ela é o uso simples e harmônico da voz (ABRAMOVICH, 2009, p.15).
Percebe-se, assim, que o ato de contar histórias promove o acesso ao universo literário, a diferentes experiências, culturas e processos mais qualificados de humanização neste mundo cada vez mais desumanizado. Nesse sentido, proporcionar reflexões e atividades práticas sobre a contação de histórias permitiu aos acadêmicos do curso de Pedagogia vivenciarem diferentes ações com livros de Literatura Infantil, com histórias cantadas, poesias, cantigas de roda e músicas que contribuíram, tanto na formação dos acadêmicos como na formação cultural das crianças.
Para isso, foi preciso que todos entendessem que as crianças necessitam ter acesso à literatura com qualidade de texto, assim como qualidade nas ações dos contadores de histórias:
Para que o convívio do leitor com a literatura resulte efetivo, nessa aventura que é a literatura, muitos são os fatores em jogo. Entre os mais importantes está a necessária adequação dos textos às diversas etapas do desenvolvimento (COELHO, 2000, p.32).
A necessidade de conhecer as histórias e adequá-las ao desenvolvimento é fundamental. Sendo assim, na ação do contador de histórias é necessário ter uma seleção de livros apropriados e agradáveis a todos.
Cabe àqueles que se dispõem a fazer uso da contação de histórias sistematizar e planejar a fim de que possam estimular e garantir o desenvolvimento da criatividade e da imaginação da criança. Quintiliano faz algumas orientações para os contadores de histórias. Para o autor, apud Tahan (1961, p.10), as histórias precisam "instruir, comover e agradar".
É necessário pensar também que o processo de "sedução" do contador de histórias não ocorre do dia para noite. Na história de "Sherazade e as mil e uma noites", de acordo com Gullar (2006, p.5): "A história das mil e uma noites é uma reunião de fascinantes histórias inventadas e mantidas na tradição oral pelos povos da Pérsia e Índia". Por meio dos contos árabes de rainhas e sultões, gênios e monstros, lutas e intrigas, em clima de magia e de mistério, Sherazade conseguiu mudar seu destino, que seria o de morrer após a noite de núpcias. Para que os contadores de histórias tenham a mesma segurança que a personagem demonstrou ao confiar no poder das suas histórias para salvar sua vida, eles precisam conhecer a si mesmos, conhecerem bem as histórias que contarão, elaborando estratégias dinâmicas e criativas.
Neste artigo serão apresentadas as atividades do projeto de extensão que indicam as atuações dos acadêmicos que escolheram dez obras literárias para compartilharem com as crianças. A seguir, serão descritas essas histórias e as características do projeto de extensão "Deixa eu contar...histórias que brincam e encantam", bem como suas contribuições para a formação acadêmica.
O projeto de extensão "Deixa eu contar...histórias que brincam e encantam"
As disciplinas metodológicas representam um importante papel na formação de professores. Elas possibilitam as mediações adequadas nas práticas pedagógicas e asseguram a qualidade de ensino e aprendizagem, conforme propõe Libâneo (2003, p. 01):
[...] o núcleo de uma instituição universitária é a qualidade e eficácia dos processos de ensino e aprendizagem que, alimentados pela pesquisa, promovem melhores resultados de aprendizagem dos alunos. Ou seja, a universidade existe para que os alunos aprendam conceitos, teorias; desenvolvam capacidade e habilidades; formem atitudes e valores e se realizem como profissionais-cidadãos.
Os espaços universitários permitem que os estudantes aprendam teorias, conceitos e formem seus valores e atitudes como profissionais. Os projetos de extensão auxiliam na formação desses estudantes e são possibilidades de interações dessas pessoas com a comunidade e com diferentes contextos para além do universo acadêmico.
Este projeto ocorreu em diversas etapas. Na primeira etapa, ocorreu o contato com a Biblioteca Municipal Professor Egydio Martello, na cidade de Campo Mourão, localizada no Centro-Oeste do Paraná. Nesse contato, foi estabelecida uma parceria entre o curso de Pedagogia e a Biblioteca Municipal a qual disponibilizou calendário para os momentos de contação de histórias e o espaço da Ludoteca. No ambiente da ludoteca as crianças leem, brincam e emprestam livros.
Após a elaboração do projeto e do convênio, o projeto de extensão foi apresentado aos acadêmicos que se dedicaram a estudar as estratégias de contação de histórias para utilizarem na ludoteca. As histórias selecionadas pelos grupos foram as seguintes:
Grupo 1. Menina Bonita do Laço de Fita. (MACHADO, 2011).
Grupo 2. O que aconteceu no Caldeirão da Bruxa. (JUNQUEIRA, 2004). Grupo 3. Eugenio, o gênio. (ROCHA, 2009).
Grupo 4. Chapeuzinho Amarelo. (HOLANDA, 2011).
Grupo 5. Os três porquinhos malcriados e o lobo bom. (PICHON, 2010). Grupo 6. A ovelha Rosa da Dona Rosa. (BICHWEITZ, 2011).
Grupo 7. Curupira, Brinca comigo? (CARVALHO, 2013).
Grupo 8. Bom dia, todas as cores. (ROCHA, 2013). Grupo 9. Macacote e Porco Pança. (ROCHA, 2009). Grupo 10. Fofinho. (NORONHA, 2009).
Nessa seleção de histórias, foi possível observar que a diversidade esteve presente nas escolhas pois os livros traziam contos clássicos da Literatura Infantil, lendas e histórias contemporâneas. Os objetivos estavam voltados para reapresentação de histórias clássicas com novas versões, desmistificando estereótipos transmitidos por longos anos pela Literatura Infantil.
Metodologia das ações de contação de histórias
As contações de histórias foram organizadas de maneira a apresentar narrativas dos livros de Literatura Infantil produzidas pelos grupos. O objetivo das dez histórias contadas para as crianças na Ludoteca era possibilitar o acesso à literatura infantil por meio da narrativa oral a fim de proporcionar momentos de descontração, imaginação e encantamento.
Cada grupo estudou a história selecionada e desenvolveu uma estratégia de contação. Alguns grupos dramatizaram com figurinos, como foi o caso do Grupo 1, Machado (2011), "Menina Bonita do Laço de Fita", e Grupo 5, Pichon (2010), "Os três porquinhos malcriados e o lobo bom".
Outros grupos confeccionaram livros com reprodução de ilustrações e textos em cartolinas ou caixas de papelão. Essas estratégias foram empregadas pelo Grupo 4, Holanda (2011), "Chapeuzinho Amarelo"; Grupo 9, Rocha (2009), "Macacote e Porco Pança"; Grupo 10, Noronha (2009), "Fofinho".
Outros grupos utilizaram guarda-chuvas como recursos para contar as histórias: o Grupo 2, Junqueira (2004), "O que aconteceu no Caldeirão da Bruxa", e o Grupo 3, Rocha (2009), "Eugenio, o gênio".
Os grupos 6, 7 e 8 usaram fantoches e máscaras nas seguintes histórias: Grupo 6, Bichweitz (2011), "A ovelha Rosa da Dona Rosa"; Grupo 7, Carvalho (2013), "Curupira, Brinca comigo?", e o Grupo 8, Rocha (2013), "Bom dia, todas as cores".
Toda a elaboração das histórias contou com a participação e a confecção coletiva dos materiais pelos representantes do grupo. A etapa inicial foi denominada de elaboração de contação de histórias com base nesses livros de Literatura Infantil. Também foram utilizados diversos materiais de apoio. Essas ações foram documentadas em uma ficha-roteiro sobre as histórias. Nessas fichas, os grupos registraram os seguintes dados: titulo do livro; autor (a); ilustrador (a); editora; ano de publicação e número de páginas.
Para orientar as ações de contação como prática de atuação, também foram registradas na ficha as seguintes questões:
1. Qual a proposta do grupo para este livro?
2. Procedimentos -Como será confeccionado?
3. Como a história será contada?
4. Qual a previsão de duração da contação de história?
5. Para qual faixa etária será indicada?
A primeira apresentação ocorreu na sala de aula do Centro Universitário para considerações iniciais dos grupos e direcionamentos da professora orientadora do projeto. Na sequência, foi realizada uma noite de apresentações e exposição das histórias no Centro Universitário com a participação dos demais acadêmicos da instituição.
No desenvolvimento do projeto na biblioteca municipal, no espaço da Ludoteca, foram ofertadas as vivência, duas vezes por mês, com duração de trinta minutos cada contação, conforme as datas previstas pelo cronograma. Essas ações eram direcionadas ao atendimento do público de escolas municipais e da rede privada. Foram atendidas crianças, inclusive de outros municípios da região. Cada história foi contada para um grupo de crianças, no período da manhã, e um novo grupo no período da tarde. Portanto duas apresentações por dia por grupo de acadêmicos.
Ao contar as histórias em sala de aula, os acadêmicos promoveram identificações e trocas culturais entre as obras. Desse modo, as visões de mundo dos acadêmicos se defrontaram com visões de mundo das obras e não se detinham, necessariamente, numa ou noutra, nem se contrapondo, mas propiciaram a organização de novas tramas que possibilitaram novas compreensões. A respeito deste aspecto, Oliveira (1996, p. 52) considera que:
Ao lidar com a literatura infantil em sala de aula, o professor estabelece a relação dialógica com o aluno, com sua cultura e com sua realidade quando, para além de contar ou ler a história (informar os alunos sobre ela), cria condições para que eles lidem com a história a partir de seus pontos de vista, trocando impressões sobre ela, assumindo posições sobre os fatos narrados, defendendo posições e personagens, criando novas situações através das quais eles vão desdobrando a história original (OLIVEIRA, 1996, p. 52).
No quinto período de Pedagogia, houve uma importante identificação das estudantes com as histórias e as relações culturais. Para as estudantes de Pedagogia, as narrativas permitiram diferentes possibilidades de desdobramento das histórias, que foram dramatizadas, narradas, apresentadas com fantoches e outros materiais.
A partir dessas experiências, os grupos passaram a vivenciar as ações do contar histórias a fim de aprimorar as narrativas para o momento de contar sua história para as crianças.
Diante das articulações dos participantes do projeto, verificou-se a relação direta com o ensino, a pesquisa e a extensão, o que corroborou a efetivação da formação docente, conforme propõe Santos:
Em linhas gerais, há de se afirmar que ensino-pesquisa-extensão apresentam se hoje, no âmbito das universidades brasileiras, como uma de suas maiores virtudes e expressão de compromisso social, uma vez que o exercício de tais funções é requerido como dado de excelência na Educação Superior, fundamentalmente voltada para a formação acadêmica e profissional de docentes e discentes, à luz da apropriação e produção do conhecimento cientifico (SANTOS, 2010, p. 13).
As ações de extensão e suas contribuições na formação docente são uma forma de devolutiva social que permite a articulação entre as funções do pedagogo e a comunidade. Além disso, possibilitam o acesso a diferentes processos de apropriação do conhecimento.
Ao promover o diálogo dos acadêmicos com as obras da literatura infantil por meio da contação de histórias, foram oportunizadas situações que possibilitaram a leitura e a comunicação do leitor com diversas obras.
Nesse sentido, a chegada da contação de histórias no espaço da Ludoteca pelas estudantes passou por vários processos, desde a seleção das histórias, a produção, elaboração das estratégias e materiais, até a atuação como contadores de histórias. As práticas mostraram que essas contações, no exercício de formação do pedagogo, são recursos expressivos para o acesso à Literatura Infantil e aos conhecimentos teóricos e práticos da docência.
Dez histórias na Ludoteca, registros de uma ação interdisciplinar
As leituras e estudos revelam que há uma procura significativa por Literatura Infantil para a prática docente. Muitos professores precisam compreender a relação necessária com a arte de contar histórias e essa foi uma das finalidades desse projeto de extensão: oportunizar momentos de contação, na formação docente inicial, para que seja possivel compreender a necessidade de planejamento, intencionalidade e compromisso com a arte, presente na Literatura Infantil.
Nas rodas de conversas realizadas sobre o retomo das ações de contação de histórias, os acadêmicos falavam da surpresa do olhar das crianças ouvintes das histórias, do desejo de contar novamente e da experiência vivenciada na sala de aula e na Biblioteca Municipal.
Dessas avaliações explicitadas nas rodas de conversas, foi possível compreender que o ouvinte tem a oportunidade de participar do enredo, criar cenários e personagens. O contador descreve-os, mas é o leitor quem os cria de acordo com sua imaginação, que é única em cada pessoa que se dispõe a ouvir uma história.
Com relação a esse aspecto, Machado (2002) afirma que contar histórias na atualidade é essencial, pois é um jeito de comunicar às pessoas uma parte das riquezas culturais universais que a humanidade acumulou há milhares de anos, um direito que cada um tem, como herdeiro desse tesouro. A criança, quando é habituada a ouvir histórias, no futuro, saberá que poderá buscar na literatura o que precisa para satisfazer sua demanda da escrita e das narrativas ficcionais.
As histórias chegaram à comunidade e foram recebidas por crianças e professores da Educação Infantil e Ensino Fundamental I. As contações permitiram o acesso às atividades de contar histórias com o intuito de contribuir na formação do humano como um ser complexo em sentido denso, com a literatura que não corrompe nem edifica, "mas humaniza em sentido profundo, porque faz viver" (CANDIDO, 2002, p. 85). As crianças participaram de forma ativa e com questionamentos a respeito de personagens das histórias.
Os acadêmicos se permitiram ''viajar" no universo literário como contadores de histórias. As experiências foram dinâmicas e oportunizaram às crianças que participaram o acesso à literatura por meio da apresentação das narrativas.
A participação no projeto de extensão possibilitou aos acadêmicos conhecerem mais a respeito dessa arte e das técnicas utilizadas pelos contadores de história para conquistar a atenção dos ouvintes. A experiência ficará marcada em cada um de modo particular:
[...] a experiência do sonho do devir humano no tempo fora do tempo do 'Era uma vez", onde infinitamente variam e se repetem as possibilidades criadoras de transformações, a experiência de valores humanos, a experiência de modos de funcionamento da percepção e da afetividade, a experiência de integridade, a experiência critica, sentes na reunião de um grupo de pessoas envolvidas por uma qualidade singular de relacionamento (MACHADO, 2004, p. 35).
Nas situações de contação de história em grupo, as estudantes estabeleceram ações que possibilitaram o planejamento, criação de modos distintos de contar para as crianças, como uma forma prática de atuar mediante a Literatura Infantil. O uso dos recursos confeccionados permitiu a construção de ambientes que foram transformados e envolveram os contadores e ouvintes nas histórias contadas. Contar histórias a partir de ações coletivas trouxe implicações para todos.
Contar uma história é uma maneira de vivermos juntos com aqueles que nos contaram e de permanecer naqueles que nos ouvem. E viver algo singular que está intrínseco em cada individuo. Trata-se de uma elaboração imaginária que se organiza fora do tempo da história, pois ao contar histórias somos transportados para o universo da narrativa, para locais desconhecidos, com personagens fantásticos que nos apresentam um universo fabuloso (VENDRAME, 2015, p. 113)
Posto isso, há que se afirmar que aproximar a ciência e a formação acadêmica docente e discente da realidade social e educacional é uma importante contribuição da universidade para a sociedade.
Considerações finais
Diante dos estudos realizados e das atuações das estudantes junto à Biblioteca, foi possível observar que na formação inicial desses estudantes de Pedagogia, ao vivenciarem as escolhas e confecções de materiais e estratégias para elaboração das contações de histórias, esses aspectos foram experiências teórico-práticas importantes para formação pedagógica e acesso à cultura literária. Os resultados alcançados indicaram que essa atividade, na formação acadêmica dos estudantes, contribuíram tanto para o desenvolvimento pessoal como acadêmico dos futuros professores. Esses aspectos reafirmam a relevância sobre a ação de contar histórias.
O desenvolvimento do projeto de extensão "Deixa eu contar...histórias que brincam e encantam" possibilitou a construção de múltiplas estratégias, estudos diversificados para os estudantes levarem os textos literários para as narrativas orais. Foram utilizados vários recursos que buscaram a partilha das narrativas e permitiram a viagem pelo universo imaginário como formas de possibilitar a fantasia e a criação. Projetos como esse demostram que é possível despertar nas crianças e acadêmicos (futuros professores) o prazer de ouvir e contar histórias e, por meio delas, sensibilizá-los para a Literatura Infantil e para a leitura. As histórias infantis, para além da formação humana e pessoal, proporcionam momentos de descontração e de encantamento. Foram evidenciadas reflexões e discussões nas quais a arte de contar histórias tomou-se fonte de conhecimento teórico-prático na formação inicial de professores.
Aqueles que participaram das contações foram agraciados com as histórias contadas e participaram das ações culturais e lúdicas. Dessa maneira, os estudantes asseguraram às crianças o acesso ao universo da Literatura Infantil. A realização desse projeto de extensão possibilitou compreender que ler é uma riqueza que ninguém pode tirar do outro. As histórias e fantasias são únicas para cada ser humano e fazem parte do seu processo de crescimento intelectual e afetivo.
O projeto de extensão relatado neste artigo contribuiu com a formação inicial dos pedagogos e corroborou com o fato de que os estudantes tiveram contato com a comunidade no desenvolvimento de suas atividades literárias e puderam compartilhar os saberes e aprendizados construídos na universidade.
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Notas